ATLETA DE PAPEL: a representação do atleta paralímpico nas páginas da Folha de S. Paulo

June 9, 2017 | Autor: Tatiane Hilgemberg | Categoria: Esporte Adaptado, Esporte E Midia, Esporte Paraolímpico
Share Embed


Descrição do Produto

ATLETA DE PAPEL: a representação do atleta paralímpico nas páginas da Folha de S. Paulo1 PAPER ATHLETE: the portrayed of the Paralympic athlete at Folha de S. Paulo’s pages Tatiane Hilgemberg2

Resumo: Ao analisarmos os estudos sobre grupos minoritários percebemos que grande parte dos mesmos trata o conceito de estereótipo atrelado à questão racial ou de gênero, com raríssimos trabalhos relacionados à questão da deficiência, isso evidencia a importância do tema. O estudo em questão pretende discutir os estereótipos associados ao atleta paralímpico no jornal Folha de S. Paulo, durante os Jogos Paralímpicos de 2012. Em suma nossos resultados apontaram que a maior parte da terminologia utilizada para se referir aos atletas cinge-se a termos esportivos e termos genéricos. Nossos dados também salientam a importância do modelo médico (deficiência vista como doença) para a explicação da deficiência. Chegamos à conclusão de que os valores e características esportivas desempenham um papel fundamental nessa cobertura, no entanto a presença ainda forte do modelo médico, em slogans e terminologias, bem como a comparação ainda presente entre atletas paralímpicos e olímpicos, como uma forma de legitimação dos primeiros nos remetem a uma representação ambígua que de um lado constrói uma imagem esportiva do atleta, mas de outro reforça os estereótipos da deficiência. Palavras-Chave: Atleta Paralímpico. Estereótipo. Jornalismo.

Abstract: When we analyse the studies about minority groups we realize that most of it deal with the concept of stereotype related to racial or gender issues, with rare studies related to the disability issue, which shows the importance of the theme. This paper aims to discuss the stereotypes associate to the Paralympic athletes at the newspaper Folha de S. Paulo, during the 2012 Paralympic Games. To sum up, our results showed that most of the terminology related to the athletes was sportive or general. Our data also showed the importance of the medical model (disability as a disease) to explain disability. We conclude that the sportive values and characteristics have a fundamental role in this coverage, however the strong presence of the medical model, at slogans and terminologies, as well as the comparison between Paralympic and Olympic athletes, as a way to legitimate the Paralympics, lead us to an ambiguous portrayed that in one hand build an athlete’s sportive image and at the other hand reinforce the disability stereotypes. Keywords: Paralympic Athlete. Stereotype. Journalism.

1

Trabalho apresentado na Divisão Temática Ibercom 11 – Estudos de Joranlismo, do XIV Congresso Internacional IBERCOM, na Universidade de São Paulo, São Paulo, de 29 de março a 02 de abril de 2015. 2 Doutoranda em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. [email protected].

1

Introdução

Segundo dados do IBGE (2010) cerca de 45,6 milhões de brasileiros declaram possuir algum tipo de deficiência, isso corresponde a 23,9% da população. Apesar do número relativamente expressivo, não só essas pessoas como também o tema deficiência fica relegado a segundo plano. Os indivíduos que não seguem as “normas” prescritas relativamente à aparência ou comportamento são alvos de tratamentos diferenciados, que variam de acordo com o período histórico e valores culturais.

Lippmann em 1922 foi pioneiro, nas ciências sociais, ao formular o conceito de estereótipo. Segundo o autor os estereótipos são imagens mentais sobre a realidade que se interpõem entre indivíduo e realidade; são como “fotos em nossas cabeças” para ilustrar o que caracterizou como uma representação interna mental de grupos sociais, em contraste com a sua realidade externa.

Segundo Lippmann (1997), quando nos aproximamos da realidade, não vemos primeiro para depois definir, mas primeiro definimos e depois vemos, ou seja buscamos em nosso aparato cultural a classificação na qual o indivíduo se insere. Isso significa que os estereótipos se formam a partir de sistema de valores individuais e têm como função organizar e estruturar a realidade.

Gilman (1985) afirma ainda que os estereótipos são representações brutas do mundo, eles perpetuam uma noção de diferença entre o “eu” e o “outro”, e ratifica a ideia de Lippmann de que não são nem aleatórios nem pessoais, são, sim, produtos da história e da cultura.

Difference is that which threatens order and control (...). Patterns of association are most commonly based, however, on a combination of real-life experience (as filtered through the models of perception) and the world of myth, and the two

2

intertwine to form fabulous images, neither entirely of this world nor of the realm of myth (GILMAN, 1985, p. 21)3.

Nossas primeiras impressões, que são de fato baseadas em observações rasas, irão determinar as categorias sociais nas quais iremos inserir o novo e através das quais iremos orientar nossa interpretação posterior.

Conforme sugere Hall (1997) geralmente as pessoas que são significativamente diferentes da maioria são expostas de forma binária – heróis e vilões/ bom e mau/ civilizados e primitivos/ feio e atraente/ –, rejeitado porque é diferente e atraente porque é estranho e exótico; isso ao mesmo tempo. Tais contextos sugerem que existe uma dificuldade em se identificar com corpos que possuem diferenças marcantes, e que passam a ser vistos, portanto, como patologias. “Ou seja, quando uma pessoa com características diferentes daquelas que se esperava encontrar em determinado ambiente é apresentada ou é vista fazendo parte dele, essa pessoa é considerada estranha” (SANTOS, 2008).

A percepção dessas diferenças nos leva a atitudes e comportamentos relativamente ao “outro”. O desenvolvimento dessas atitudes perante as pessoas com deficiência, o “outro” em questão, atravessou diversos períodos remetendo-nos a diferentes perspectivas em relação a este grupo.

Ao analisarmos os estudos sobre grupos minoritários percebemos que grande parte dos mesmos trata o conceito de estereótipo atrelado à questão racial ou de gênero, com raríssimos trabalhos relacionados à questão da deficiência, isso evidencia a importância do tema.

3

Diferença é aquilo que ameaça a ordem e o controle (...). Contudo os padrões de associação são mais comumente baseados na combinação de experiência de vida (filtradas através de modelos de percepção) e do mundo do mito, e esses dois se entrelaçam a fim de formar imagens fabulosas, nem totalmente desse mundo nem do reino do mito. (Tradução livre da autora)

3

O estudo em questão pretende discutir os estereótipos associados ao atleta paralímpico no jornal Folha de S. Paulo, em relação a seu papel social através de uma revisão bibliográfica baseada na literatura especializada.

Os estereótipos da deficiência

De fato, foram apenas nos últimos 200 anos que as políticas a favor das pessoas com deficiência apareceram. Desde os seus primórdios que a sociedade tendeu a marginalizar e inabilitar as pessoas com deficiência apondo-lhes o estigma da diferença. Na Antiguidade o “problema” da deficiência não existia, pois as crianças que nasciam com algum tipo de deficiência eram abandonadas e em sua grande maioria acabavam morrendo. Na Idade Média, com o advento do Cristianismo, o homem passa a ser visto como manifestação de Deus, sendo, portanto, o extermínio das pessoas com deficiência uma prática inaceitável. A visão da deficiência se transforma sendo agora atribuída ora a desígnios divinos, ora à possessão demoníaca. Por uma razão ou por outra a principal atitude da sociedade em relação a tais indivíduos era de intolerância e punição (ARANHA, 2007). A partir do século XV, a pessoa com deficiência passa a ser vista como um ser improdutivo, ou seja, um “peso” para a sociedade.

Nos séculos XVII e XVIII, a discussão sobre a deficiência ganha certo fôlego, as atitudes vão desde a institucionalização até o ensino especial. No século XIX e XX alguns governos começam a reconhecer sua responsabilidade no cuidado do bem-estar destes cidadãos. A partir daí o debate sobre o tema passa a ser mais amplo e novos direitos vão sendo conquistados.

Contudo mesmo na atualidade, e apesar de vivermos numa sociedade dita inclusiva, o preconceito para com a pessoa com deficiência é ainda prevalecente. Todo o indivíduo que foge aos padrões de normalidade é considerado estigmatizado. Marques (2001) refere que os estereótipos são aplicados às pessoas com deficiência, pois são socialmente tidas como incapazes e improdutivas, e biologicamente consideradas “anormais” (modelo médico). 4

Uma outra dicotomia relevante para a presente discussão prende-se ao fato de para além de serem vistos como seres incapacitados que não conseguem solucionar seus problemas, há da mesma forma, a imagem do “super-herói”, com algumas capacidades mais desenvolvidas em detrimento de outras, acabando por reforçar estereótipos, estigmas e posturas preconceituosas. Quando apenas a deficiência está em evidência o indivíduo é visto como coitadinho, mas ao se transformar em atleta de alto nível, recordista mundial, medalhista paralímpico, o indivíduo com deficiência é o herói, que superou suas próprias dificuldades.

O estereótipo é utilizado, muitas vezes, como facilitador do cotidiano, contudo seus impactos, geralmente negativos, podem levar a generalizações sobre o indivíduo ou grupo, e gerando julgamentos enviesados. De acordo com Hall (1997) o estereótipo reduz o indivíduo a algumas poucas características simples, e completa seu pensamento com a interessante diferenciação entre estereotipar de tipificar, utilizando, para isso, os argumentos de Robert Dyer (1977). Segundo esse último, sem o uso de tipos seria muito difícil, ou até mesmo impossível, dar sentido ao mundo, pois enquadramos objetos, pessoas e eventos em categorias nas quais eles se enquaixam de acordo com a cultura. Assim tipificar é essencial para criar significado. Classificamos as pessoas de acordo com papeis sociais, classe, sexo, faixa etária, nacionalidade, raça, grupo linguístico, preferências sexuais, personalidade. O tipo é qualquer caracterização simples, vívida, memorável, facilmente apreendida e amplamente reconhecida, na qual poucos traços estão em primeiro plano e a mudança, ou “desenvolvimento”, é reduzida ao mínimo. Já os estereótipos se apegam a algumas características simples, vívidas, memoráveis, facilmente apreendidas e amplamente reconhecidas de uma pessoa, e reduzem-na a esses traços. Em suma, estereotipar reduz, essencializa, naturaliza e fixa diferenças, separando o normal e o aceitável do anormal e inaceitável, ou seja auxilia na manutenção da ordem social e simbólica. Classifica as pessoas segundo normas e constroem os excluídos como “outros”, sendo elemento-chave da violência simbólica.

Cada pessoa desempenha um papel na sociedade. Quando pensa-se na pessoa com deficiência somos levados a crer que seu papel está associado à incapacidade, e portanto

5

quando a mesma age de forma diferente do “esperado” sente que burla as regras e passa a ser vista com ares de super-herói.

Em estudos recentes sobre o esporte adaptado (FIGUEIREDO e NOVAIS, 2009; THOMAS e SMITH, 2003; SCHANTZ e GILBERT, 2001), por exemplo, os estereótipos mais encontrados foram o coitadinho e o super-herói, revelando que a mídia (tanto audiovisual, quanto escrita) tende a descrever as performances dos atletas com deficiência de forma relativamente consistente com o modelo médico.

Sendo assim, estes atletas tendem a ser retratados como “vítimas” ou pessoas “corajosas” que “superaram” o próprio “sofrimento” da deficiência para participar em um evento desportivo, um super-herói. Este estereótipo deixa a impressão de que a pessoa com deficiência para se ajustar terá de fazer algo extraordinário ou realizar um esforço heróico para compensar a sua limitação (SCHELL e DUNCAN, 1999). O modelo do super-herói viria reforçar as baixas expectativas da sociedade acerca das pessoas com deficiência (HARDIN e HARDIN, 2004), e enfatizar o esforço individual dessas pessoas para se adaptarem; como se ter uma deficiência fosse culpa das mesmas (SCHANTZ e GILBERT, 2001). O que depreende-se deste discurso é que as pessoas sem deficiência, quando bem sucedidas nos seus empreendimentos, alcançariam o sucesso pelo talento ou pela inteligência; enquanto aquelas que têm alguma deficiência o teriam feito pela necessidade de compensar o ‘mal’ que os aflige (MARQUES, 2001).

Ao contrário, por exemplo, do que acontece nos desportos para pessoas sem deficiências, onde por exemplo o fracasso é apresentado como uma perda trágica, nas Paralimpíadas os comentários parecem ser rasos. Quando certo atleta ou equipe perde, a imprensa sugere que o perdedor deve ser grato pela experiência Paralímpica, este é um caso claro de os paratletas serem retratados como “outros”, como atletas menos-do-que-capazes.

De acordo com Moura (1993, p.46) tanto o olhar de piedade quanto o de admiração parte de um único princípio, o preconceito. 6

[...] tanto aquele que foi marginalizado pela visão pública de deficiência como

aqueles que conseguiram [...] [se] mostrar em condições de competitividade são de certa forma vistos publicamente como elementos não humanos: um pela sua história e seu modo precário de vida, como elemento sub-humano, o outro pelo inverso da mesma moeda – da deficiência – como um super-humano.

O processo de identificar o outro refere-se à ideia de que nossa identidade é, geralmente, criada e mantida através de distinções que estabelecemos entre nós e aqueles que percebemos como diferentes de nós. Ao afirmarmos que as pessoas com deficiência são inúteis, danificadas, defeituosas e disfuncionais, os membros sem deficiência da sociedade são capazes de reafirmar e reforçar a identidade de ser o oposto a essas características indesejadas.

Puppin (1999) afirma também que a deficiência surge apenas quando o conceito de eficiência passa a ser marca de nossa sociedade, e portanto passa a designar o improdutivo, o negativo.

Alguns autores afirmam que os estereótipos divulgados são reflexos dos medos e ansiedades da sociedade, ou seja, nós evitamos falar sobre a possibilidade da deficiência, em nós ou em alguém próximo, e o que tememos geralmente estigmatizamos (LONGMORE, 1985). Gilman (1985) ratifica essa ideia ao afirmar que nós criamos imagens de coisas que geralmente tememos ou glorificamos, e dessa forma os estereótipos perpetuam um senso de diferença entre o “eu” e o “outro”.

Metodologia

Para alcançar os objetivos propostos no nosso estudo iremos buscar identificar as representações dos atletas paralímpicos, para tanto utilizaremos a análise de conteúdo. Para este trabalho escolhemos analisar a cobertura dos Jogos Paralímpicos de 2012, por nos ser mais conveniente encontrar informações sobre os atletas com deficiência no período dos Jogos e por ser 2012 o mais recente, do jornal Folha de S. Paulo, impresso com maior 7

circulação em 2012 segundo dados divulgados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC).

Para analisar este material utilizaremos análise de conteúdo baseando-nos na ideia de “pacotes interpretativos” de Gamson e Modigliani (1989), e inspirados no trabalho de Vimieiro (2010) no qual a autora apresenta, após uma longa discussão sobre a falta de clareza metodológica de estudos que se utilizam da análise de enquadramento, críticas com as quais concordamos, suas escolhas metodológicas que intitula de análise indireta de enquadramentos.

“Pacotes interpretativos”, resumidamente, são conjuntos formados por dispositivos simbólicos, através dos quais é possível organizar os pacotes, que têm como ponto central o enquadramento. Contudo esses autores apenas nos inspiraram mostrando um possível caminho em nossa escolha metodológica.

Dessa forma, levando em consideração nossos objetivos e questões de investigação, pretendemos identificar os estereótipos ou representações associados ao atleta paralímpico da seguinte forma:

Tabela 1. Categorização

Conteúdo Terminologia

Slogans

1. 2. 3. 4. 5. 1.

Termos esportivos Termos genéricos Termos do modelo social Termos do modelo médico Termos vitimizadores Superação/Inspiração

2. Inclusivo 3. Vítima/Menos importante 4. Heroísmo

8

5. Médico 6. Esportivo 7. Comparados a atletas sem deficiência ou olímpicos

Quem é o para-atleta nas páginas do jornal?

Muito freqüentemente os meios de comunicação “constroem” e enquadram as pessoas com deficiência em suas histórias e imagens, retratando-as como diferentes ou como pessoas que não se enquadram na sociedade. Sendo assim alguns autores (HALLER, 2000) veem as representações midiáticas não como disseminações de informações, mas sim como um enquadramento e um reforço de uma visão específica sobre as pessoas como deficiência. Dessa forma as atitudes acerca destes indivíduos a partir das representações midiáticas podem se desenvolver em um misto de piedade e inspiração pelo enfrentamento (ibidem). Segundo Kama (2004) o estereótipo do coitadinho complementa o processo de objetificação da pessoa com deficiência, em que estes indivíduos se tornam a personificação de suas deficiências.

Por outro lado, os atletas com deficiência, segundo diversoso estudos (SHEEL e DUNCAN, 1999; SCHANTZ e GILBERT, 2001; THOMAS e SMITH, 2003), também são retratados como super-heróis e pessoas com habilidades extraordinárias para lidar e superar seus obstáculos. Essa imagem de super-heroísmo é problemática, uma vez que leva-nos à suposição de que todas as pessoas com deficiência devem esforçar-se heroicamente para superar suas limitações a fim de ajustar-se (SCHELL e DUNCAN, 1999).

Os dados de nosso estudo, no entanto, revelam a possibilidade de um novo caminho na cobertura midiática dos Jogos Paralímpicos (TAB. 02). Ao analisarmos a terminologia utilizada para se referir aos atletas percebemos que a maioria cinge-se a termos esportivos, como atleta, jogador, competidor, para-atleta, etc. e termos genéricos, que apontam o nome e nacionalidade do indivíduo. Tais resultados reforçam resultados de estudos nossos 9

anteriores (HILGEMBERG e NOVAIS, 2012) que apontavam para uma progressiva “melhora” no uso de termos associados aos atletas, com um aumento gradativo na utilização de termos genéricos e a queda de termos considerados inadequados.

Tabela 02.Terminologias associadas aos atletas

Frequência Terminologia

Porcentagem

1. Termos esportivos

61

23,55%

2. Termos genéricos

178

68,72%

3. Termos do modelo social

9

3,47%

4. Termos do modelo médico

10

3,86%

5. Termos vitimizadores

1

0,38%

A linguagem desempenha um importante papel na retirada da deficiência como uma experiência humana mundana. E como sabemos a linguagem também não é um sistema referencial transparente; ela não refere-se direta e objetivamente aos objetos do mundo. Na verdade, ela é um elemento importante na constiruição de nossas percepções (HALL, 1997).

Assim, a abordagem e a terminologia utilizada pelos meios de comunicação de massa refletem na interpretação da sociedade sobre os principais temas de interesse coletivo. Se a informação não é cuidada, acaba reforçando estigmas e posturas preconceituosas transmitidas culturalmente, que podem significar, no mínimo, um empecilho à evolução e ao desenvolvimento social. Amaral (1994, p.7), afirma que A abordagem e a terminologia utilizada pelos meios de comunicação de massa [...] refletem na interpretação da sociedade sobre os principais temas de interesse coletivo. Se a informação não é cuidada, acaba reforçando estigmas e posturas preconceituosas transmitidas culturalmente, que podem significar, no mínimo, um empecilho à evolução e ao desenvolvimento social.

A maior presença de termos genéricos pode ser revelador da exigência jornalística da neutralidade ou, em alternativa, pode indiciar a existência de uma conscientização por 10

parte de jornais e jornalistas de que a terminologia utilizada, relativamente às pessoas com deficiência, pode refletir e influenciar as atitudes em torno das mesmas, criando e/ou perpetuando estereótipos

.

Da mesma forma, sabemos que as categorias que utilizamos para entender e classificar o mundo são rotuladas através da linguagem e delimitadas pelos estereótipos. A fim de avaliar os estereótipos associados aos atletas paralímpicos, para além das terminologias analisamos slogans encontrados nas notícias referentes a esses indivíduos (TAB. 03).

Tabela 03. Slogans associados aos atletas paralímpicos

Frequência Slogans

Porcentagem

1. Superação/Inspiração

2

4,87%

2. Inclusivo

4

9,75%

3. Vítima/Menos importante

3

7,31%

4. Heroísmo

5

12,19%

5. Médico

15

36,58%

6. Esportivo

8

19,51%

7. Comparados a atletas sem deficiência ou olímpicos

4

9,75%

Nossos dados salientam a importância do modelo médico para a explicação da deficiência. Nesse modelo a deficiência é vista como um problema que precisa ser tratado. Através deste modelo busca-se que as pessoas com deficiência sejam, ou voltem a ser, funcionais para que assim possam ser integradas à sociedade (KAMA, 2004). Este modelo trabalha a partir de uma perspectiva biológica e vê as limitações individuais como a principal causa das múltiplas dificuldades experenciadas pelas pessoas com deficiência (BARNES et al, 1999). Também adota as definições e percepções nas quais a deficiência é tida como uma incapacidade de um indivíduo e que resulta na perda ou limitação de uma função (THOMAS e SMITH, 2009). Portanto as explicações médicas para a deficência dos atletas

11

ainda está muito presente na cobertura dos Jogos Paralímpicos, mostrando ser ainda difícil desvincular as explicações medicalizadas da deficiência do esporte paralímpico.

Outro dado que deve ser ressaltado é a grande porcentagem de slogans esportivos, como por exemplo “com grandes chances de garantir ouro”, “ um dos maiores medalhistas do país”, “recordista mundial”, demonstrando paralelismo entre a cobertura esportiva olímpica e paralímpica.

É, também, de se destacar a presença de slogans que remetem ao heroísmo do atleta. Aqui percebemos a maior diferença entre os trabalhos já realizados por nós no âmbito do esporte paralímpico. Em geral, a cobertura esportiva tendia a associar aos atletas com deficiência slogans de super-heroísmo que desencadeiam duas ideias: primeiro, a deficiência não é socialmente construída, mas é equivalente a uma limitação que pode e deve ser superada pela dedicação dos indivíduos; e, segundo, por padrão, todas as pessoas com deficiência que não atingem esse tipo de performance são consideradas preguiçosas e sem autodisciplina. No entanto observamos exatamente o oposto. Nossos dados nos mostram a tendência para a apresentação de características de heroísmo semelhantes às de atletas sem deficiência. Temos atletas que são “candidatos à herói”, “astro”, “superstar”; diferente do discurso do atleta que supera a própria deficiência para competir nos Jogos.

Reflexões finais

Nos últimos dez anos houve um aumento no número de pesquisas, e pesquisadores, que enfocam a questão da deficiência. Este número, no entanto, é considerável apenas nos Estados Unidos e Europa, ficando o Brasil muito aquém nesse ramo de pesquisa. Ainda levará algum tempo para que a deficiência transforme-se em uma categoria de análise cultural, histórica, humana, etc., com a mesma importância, ou status, de gênero e raça.

Contudo, é inegável que houve uma evolução no tratamento dado ao tema; na década de 70 dava-se ênfase à questão da cura e a campanhas de caridade; na ficção, a pessoa com 12

deficiência era usada para dar maior dramaticidade ao enredo. O primeiro programa periódico que tratava da deficiência surgiu em 1975 na Inglaterra. Nos anos 80, o filme Amargo Regresso, com Jon Voight e Jane Fonda, foi um marco na abordagem da questão da deficiência pelos meios de comunicação, mostrando a pessoa com deficiência como um ser tão humano como qualquer outro personagem (MERKX, 2007). Depois disso, a pessoa com deficiência passou a ser apresentada como “super-herói”, ou seja, recebeu um novo estereótipo.

Com este estudo percebemos mudanças na cobertura esportiva paralímpica, com maior utilização de termos esportivos e genéricos, que vai de encontro a muitas investigações que sugerem que os atletas com deficiência são representados de forma negativa pelos meios de comunicação em geral – impresso, rádio, televisão –, através do uso de terminologia inadequada, e de estereótipos que enfatizam a deficiência e não o atleta.

Ao retornarmos ao nosso objetivo principal neste artigo, ou seja, analisar a representação do alteta paralímpico pelo jornal Folha de S. Paulo dutante os Jogos Paralímpicos de 2012, chegamos à conclusão de que os valores e características esportivas desempenham um papel fundamental nessa cobertura. No entanto a presença ainda forte do modelo médico, em slogans e terminologias, bem como a comparação ainda presente entre atletas paralímpicos e olímpicos, como uma forma de legitimação dos primeiros nos remetem a uma representação ambígua que de um lado constrói uma imagem esportiva do atleta, mas de outro reforça os estereótipos da deficiência.

Referências Bibliográficas Amaral, L. A. (1994) Pensar a diferença/deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.

Aranha, M. S. F. (2007) A Deficiência através da História. Disponível em . Acesso em: 20 de março de 2007.

Barnes, C., Mercer G., & Shakespeare, T. (1999) Exploring Disability. A Sociological Introduction. Polity Press, Cambridge. Dyer, R. (1977) Gays and Film. Londres: British Film Institute. 13

Figueiredo, T.; & Novais, R. (2009) A Antiguidade ainda é um posto? Os momentos de vitória nos Paraolímpicos de Pequim. XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação , Intercom, São Paulo.

Gamson, W. & Modigliani, A. (1989) Media Discourse and Public Opinion on Nuclear Power: a construcionist approach. American Journal of Sociology, 95, p. 1-37. Gilman, S. (1985) Difference and Pathology: Stereotypes of Sexuality, Race and Madness. Londres: Cornell University Press. Hall, S. (1997) The spetacle of the ‘Other’. In: Hall. S. (Ed.) Representation: cultural representations and signifying practices, Londres, Sage/Open University, pp.223-290. Haller. B.(2000) If they limp, they lead? News representations and the hierarchy of disability images. In D. O. Braithwaite & T. L. Thompson (Eds.), Handbook of communication and people with disabilities. San Diego, CA: Lawrence Erlbaum Associates.

Hardin, M. & Hardin, B. (2004) The Supercrip in sport media: Wheelchais athletes discuss hegemony’s disabled hero. Sosol, 7. Disponível em: http://physed.otago.ac.nz/sosol/v7il/v7il.html. Acesso em 15 Mar. 2008.

Hilgemberg, T. & Novais, R. (2012) Disability coverage: South-North depiction of the paralympic games. Anais do IAMCR, Durban. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010) Censo Demográfico 2010: Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2014.

Kama, A. (2004) Supercrip versus the pitiful handicapped: reception of disabling images by disabled audience members. Communications, 29, p. 447-466. Lippmann, W. (1997) Public Opinion. New York: Free Press Paperbacks. Longmore, P. K. (1985) Screening Stereotypes: Images of Disabled People. Social Policy, 16, 1, 31-37. Marques, C. A. (2001) A imagem da alteridade na mídia.. Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura)-Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Merkx, A. C. C. L. (2007) Mídia e Deficiência: Educação para a cidadania. Disponível em: http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/7318b2725de18cea95a2de57fe0b927b.PDF. Acesso em: 20 mar. 2007

Moura, L. C. M. (1993) A deficiência nossa de cada dia: de coitadinho a super-herói. São Paulo: Iglu. Puppin, A. B. (1999) Da Atualidade de Goffman para a Análise de Casos de Interação Social: deficientes, educação e estigma. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 80(195). 14

Santos, W. R. (2008) Pessoas com Deficiência: nossa maior minoria. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/physis/v18n3/v18n3a08.pdf. Acesso em: 28 Dez. de 2009.

Schantz, O. & Gilbert, K. (2001) An Ideal Misconscructed: Newspaper coverage of the Atlanta Paralympic Games in France and Germany. Sociology of Sport Journal, 18, 69-94. Shell, L. & Duncan, M. (1999) A Content Analysis of CBS’s Coverage of the 1996 Paralympic Games. Adapted Physical Activity Quartely, 16, 27-47.

Thomas, N. & Smith, A. (2003) Preoccupied with able-bodiedness? An analysis of the 2002 Manchester Commonwealth Games: an exploratory analysis of British newspaper coverage. Sport Education and Society, 10, 49-67.

Thomas, N., & Smith, A. (2009) Disability, Sport and Society – An Introduction. Nova York: Routledge. Vimieiro, A. C. S. C. (2010) Cultura Publica e Aprendizado Social: a trajetória dos enquadramentos sobre a temática da deficiência na imprensa brasileira (1960-2008). Dissertação (Mestrado em Comunicação Social)-Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

15

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.