Ato de contrição gregoriano

May 29, 2017 | Autor: J. Medeiros da Luz | Categoria: Contemporary Poetry
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Ato de contrição gregoriano J. A. Medeiros da Luz Senhor, Prevariquei, sim, hei prevaricado, Não mirando na face do mendigo, A sua mesma face sempiterna. E os ditos bons do doce Galileu Entraram-me por um dos meus ouvidos E por outro saíram sem demora, Que a demanda de brilhos e de ouro Fazia-se intensa, mais que intensa. Senhor, Prevariquei, sim, hei prevaricado, Não tocando nas chagas do doente, Que me pedia apenas refrigério – Um borrifo de bálsamo, um unguento – Antes que terminasse a caminhada. E neguei-lhe o último sorriso: Derradeiro buquê de vivas flores A aromatizar-lhe a jornada. Senhor, Prevariquei, sim, hei prevaricado, Ao negar a partilha quando tinha O meu belo paiol cheio de milho. E, por mais que eu tentasse esconder, Era bem perceptível a abundância Daqueles meus domínios, estampando Quatro bilhões de côvados quadrados, Com arame farpado protegidos. Senhor, Prevariquei, sim, hei prevaricado, Embora – afinal – menos que muitíssimos, Mas no totalizar, vejo que muito; Tanto que não me atrevo a levantar Os olhos para o vasto firmamento E, com cinismo n’alma, suplicar Por noite bem dormida, por, enfim, A doce paz eterna, imerecida. Ouro Preto, 24 de setembro de 2016. Do livro: Martelo de cristal, a sair pela Jornada Lúcida Editora.

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