Atritos entre críticos e autores brasileiros contemporâneos

June 1, 2017 | Autor: F. Filho | Categoria: Literary Criticism
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Atritos entre críticos e autores brasileiros contemporâneos

Cunha e Silva Filho

De um debate realizado entre dois críticos bem
conhecidos, Alcir Pécora e Beatriz Resende, realizado no blog de Instituto
Moreira Salles, resultou um longo artigo, "A hipótese da crise", de Pécora
publicado, na primeira página do Caderno Prosa & Verso do Globo do dia 23
deste mês e concluído na página 3. Nesta mesma página ainda se publicou um
artigo de Miguel Conde, editor-assistente daquele Caderno,"Acusados de
compadrio, autores se desentendem com críticos." 
O artigo de Pécora, professor de teoria literária
da Unicamp, desdobra a discussão iniciada no mencionado blog, em torno da
situação da literatura brasileira contemporânea, sobretudo dos autores mais
novos e em particular do nível de valor de parte dessa produção. Para
Pécora, a produção ficcional não vai bem, carece de novas formas de
exprimir a vida em termos de arte narrativa. 
Pécora, entretanto, ao referir-se à arte
ficcional, descarta a possibilidade da validade do "romanesco" tendo como
parâmetro o que fazia a literatura universal do século 19. Pondera que, a
esta altura de novas experiências da vida contemporânea, em que outros
meios de comunicação ocupam o que os escritores daquele século
representavam como formas de fabulação de estofo realista, já não mais
comportam aquele tipo de narrativa.
Ou seja, ao que percebo, para ele o chamado "enredo"
como reprodução da realidade, até mesmo com tintas mais radicais, como
ocorreu com o Naturalismo, levando ao extremo a preocupação de retratar a
realidade física, moral psicológica dos personagens e da narrativa
fundamentada nas leis da ciências físicas e biológicas da época, está fora
de cogitação para os tempos cibernéticos de hoje.
Para o critico da Unicamp a narrativa atual no
país, sobretudo a rotulada de "geração 90", não está produzindo literatura
que realmente ofereça novos caminhos originais que valham a pena ser
chamados de ficção entendendo como expressão de competência de composição
ficcional, de originalidade na tratamento da linguagem e de formas
diferentes de pensar a literatura. Sabe-se que literatura é técnica –
ele mesmo o afirma -, é ter consciência do seu artesanato. Isso, porém, não
é tudo no domínio literário, seja em ficção seja em poesia. Não só os
componentes estratégicos do arcabouço do gênero erigem o objeto ficcional.
Há outras camadas tão e por vezes mais importantes do que a técnica: a
infusão dos sentidos com toda a sua capacidade de, através da linguagem,
dar vida ao objeto ficcional ou poético. Sem vida, não há linguagem e vice-
versa. São interdependentes, partes da mesma moeda, fusão do abstrato na
apreensão da existência e seus conflitos com o concreto, a linguagem humana
no sentido em que a ciência linguística a entende.
A função do crítico deve ser cautelosa e segura,
assim como imparcial. Não significa, por outro lado, que seja transigente
com a mediocridade e o desvalor. Deve servir de orientador, completar a
visão do leitor comum que lê literatura, da mesma maneira que não deve ser
só destrutiva, como diria Álvaro Lins (1912-1970). Julgar demanda
paciência, tempo e distanciamento. Nada de generalizar, o que é prematuro e
arriscado para quem lida com a crítica.
Clareza sem superficialidade seria um exemplo da boa
crítica. Há textos críticos que deixam outros indivíduos que militam no
mesmo ofício em dúvida no tocante a enunciados tendentes a hermetismos.
Pécora afirma que muitas vezes se sente melhor
lendo teóricos. É uma opção dele. Contudo, a crítica como atividade de
julgamento só cresce com o pé no eixo teoria-literatura. Sem isso, perde
sua razão de ser porque ela não vive da teoria pela teoria. A literatura
até poderia viver sem os críticos, embora estes lhe sejam importantes,
complementares, parte de um todo na captação do fenômeno literário.
Pécora assinala ainda que a literatura brasileira
contemporânea está pobre. Segundo ele, o fenômeno artístico da escrita
é "competitivo." De minha parte, diria, que semelha à "angústia da
influência" bloomiana. Sim, é certo, mas disso os escritores devem estar
conscientes, sem recalques, é claro, visto que, do contrário, logo
deveriam desistir da tentativa da opção literária.
Assisti também ao vídeo apresentado no blog do
Instituto Moreira Salles, que deu início a essa "quase" polêmica".
Verifiquei que a ensaísta Beatriz Resende, minha ex-professora no mestrado
da UFRJ, mais preocupada está com a questão da literatura "nacional,'
velha questão várias vezes discutida até por ensaístas e críticos do
passado, sendo um deles Afrânio Coutinho (1911-2000). 
Beatriz Resende mostra preocupação com o que se
poderia chamar de caráter nacional da literatura brasileira, levantando 
algumas interrogações:. Como os nossos ficcionistas resolveriam o delicado
problema de uma escritura narrativa em tempos em que é muito forte a
influência de tantos modos de expressão literária vindos de fora do país e
mesmo de autores de origens diversas? Seria ainda lícito afirmar que ainda
existe literatura nacional na época em que vivemos, tão contaminada de
novos meios de comunicação trazidos pela globalização no seu aspecto
cibernético? São indagações difíceis de serem respondidas de forma pronta
e imediatista.
O artigo de Miguel Conde dá conta desse debate entre
aqueles dois críticos e nos informa que a discussão em questão resultou na
reação de escritores contemporâneos: Marcelino Freire, Sérgio Rodrigues,
João Paulo Cuenca etc, rebatendo tanto as opiniões de Pécora quanto as de
Beatriz Resende. Esta, por seu turno, bastante aborrecida com a repercussão
que teve o debate, chegou a dizer, através do Facebook, que deixaria de dar
continuidade às suas pesquisas sobre ficcionista contemporâneos: 'Me enchi
desses autores contemporâneos. Vou voltar pra o velho Lima, Machado,
Guimarães Rosa. Não tem erro e não chateiam ninguém. Se quiser ser moderna,
falo de Sarah e outros mortos que já sossegaram o ego'. Acredito que não
fará isso. Deixou escapar estas palavras num momento de desabafo. Sei que é
uma pesquisadora séria e competente.
Penso que dos dois lados há deficiências de
comportamento. Só o tempo ensinará a ambos os lados uma forma de
convivência cordial. Quantos autores foram entusiasticamente louvados na
sua estreia, nos vários gêneros, e hoje não passam de ilustres
desconhecidos. Basta ver um livro, 22 diálogos sobre o conto
brasileiro (1973), de Temístocles Linhares, crítico e historiador
literário, nascido no Paraná, em 1905 crítico que já teve grande prestígio.
Vários críticos do passado mais remoto (a conhecida dupla Sílvio Romero e
José Veríssimo) ou menos remoto não viram confirmadas, no futuro, seus
julgamentos de louvores ou de detrações de autores. A história literária
está cheia desses exemplos.






 



 
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