ATUAÇÃO DO SANTO OFÍCIO EM MINAS SETECENTISTAS – SEUS VALORES E CULTURA

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FACULDADE DE DIREITO DA UFMG
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO





JOHNNY WILSON BATISTA GUIMARÃES












ATUAÇÃO DO SANTO OFÍCIO EM MINAS SETECENTISTAS –
SEUS VALORES E CULTURA














Belo Horizonte
2013





JOHNNY WILSON BATISTA GUIMARÃES




ATUAÇÃO DO SANTO OFÍCIO EM MINAS SETECENTISTAS –
SEUS VALORES E CULTURA











Artigo apresentado à Universidade Federal de
Minas Gerais - Programa de Pós-Graduação em
Direito como requisito para conclusão da matéria
isolada Temas de Direito Processual Penal –
Origem Portuguesa do Processo Penal Brasileiro:
as visitações do Santo Ofício no Brasil Colônia e
o alvo principal do tribunal, sob a orientação do
Prof. Dr. Sérgio Luiz Souza Araújo.




























Belo Horizonte
2013


RESUMO

O objetivo deste artigo é traçar um retrato dos valores e cultura dos
agentes da Inquisição que atuaram no Brasil Colônia, representados pelos
Familiares e também pelos demais funcionários da estrutura inquisitorial.
Buscaremos demonstrar que o padrão ético/religioso ditado pelo Santo Ofício
moldou os costumes que nos expressam hoje. Se os preconceitos destes
agentes perseguiam práticas consideradas impuras e, bem por isso, negavam a
reiteração destas mesmas práticas, por outro lado, estimulavam rotinas que
eram saudadas como afirmação de sua cultura e virtude, que deveriam
transpassar às outras gerações. Nesta dinâmica, formou-se importante
parcela do perfil da cultura brasileira. Sob o signo do pecado, a Igreja
Católica impunha suas verdades, perseguia através do processo inquisitorial
seus contrários, não restando aos marginais a seus cânones senão a
dissimulação, como única fuga para a sobrevivência.



ABSTRACT

The purpose of this article is trace a profile about the values and culture
of the Inquisition's agents who worked in colonial Brazil, represented by
the Family and also by other employees of the inquisitorial structure. It
seeks to demonstrate that the standard ethical / religious dictated by the
Holy Office shaped the customs we express today. If the prejudices of these
agents chased practices considered impure, and therefore denied the
repetition of these same practices, on the other hand, stimulated routines
that were accepted as a statement of its culture and virtue, which should
be passed on to other generations. In this dynamic, it was molded a
significant portion of the profile of Brazilian culture. Under the sign of
sin, the Catholic Church imposed its truths, persecuted their opposites,
leaving nothing but dissimulation, as the only escape for survival.


PALAVRAS-CHAVE

Inquisição – Tribunal do Santo Ofício – minas setecentistas – judeus -
cristãos-novos – delação – processo inquisitorial – perseguição -
familiares – valores - cultura















SUMÁRIO





1. INTRODUÇÃO
............................................................................
..................................... 06


2. O PECADO
............................................................................
......................................08


3. A PERSEGUIÇÃO
............................................................................
.........................12


4. A DISSIMULAÇÃO
............................................................................
.......................16


CONCLUSÃO
............................................................................
............................................19


REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS..............................................................
....................20








































Não existe pecado do lado de baixo do
Equador
Chico Buarque








































INTRODUÇÃO



A América Portuguesa não contou com a instalação de um Tribunal do
Santo Ofício em seu território. Esta ausência não impediu que a Inquisição,
desde Portugal, exercesse seu poder no Brasil, utilizando-se para tanto de
vários mecanismos de afirmação de sua jurisdição[1].
Embora o Santo Ofício não tenha se estabelecido em caráter permanente
no solo da Colônia, a partir de 1579 as visitações que se fizeram presentes
no Brasil deixaram marcas indeléveis de sua passagem. Contabiliza-se que
aproximadamente dois mil brasileiros foram presos, julgados e condenados em
Portugal.
A presença da Santa Inquisição em solo brasileiro se dava através das
Visitações Diocesanas, também conhecidas como Devassas ou Visitações
Episcopais, bem como através das Visitações Pastorais.
As Visitações Diocesanas caracterizavam-se por poder receber
denúncias, ouvir testemunhas e punir os contraventores das orientações da
Igreja. As Visitações Pastorais, de caráter brando e admoestativo, tinham o
condão de permitir orientações do bispado para seu rebanho[2].
A Inquisição Portuguesa, uma máquina em prol da ideologia da Igreja
Católica e do domínio do Império Lusíada, buscava cumprir seu papel de
formatação dos usos e costumes, negando o que fosse pernicioso para a
continuidade do status quo, afirmando o que auxiliava na perpetuação de seu
poder.
Foi assim que esta mesma Inquisição buscou alargar o número de
agentes, permitindo que surgisse uma rede de funcionários civis[3] que
fizessem as vezes da contenção da comunidade. Estes eram os Familiares do
Santo Ofício. Ao lado dos homens do clero (comissários e notários), estes
homens leigos formavam o braço do Sistema Inquisitorial. Era por meio deles
que a Inquisição se ramificava e se fazia presente até nos confins das
Minas[4].
Os Familiares do Santo Ofício assumiram papel de destaque na ação
inquisitorial em Minas[5].
Atraídos pelo prestígio de pertencerem aos quadros da Santa
Inquisição[6], por vezes; desejosos de encontrar no título de Familiar do
Santo Ofício um remanso para se verem livres de perseguições e difamações,
por outras; estes familiares exerciam com ardor a tarefa de condicionarem a
sociedade aos parâmetros ditados pela Igreja.
Homens leigos e de "sangue limpo", os Familiares permitiram a
potencialização da presença da instituição em toda a esfera da comunidade
setecentista. Por meio deles, transportando os limites rígidos ditados
pelos normativos da instituição, o Santo Ofício conseguiu se estabelecer em
cada veio da colônia em vias de civilização, moldando o que viria a ser a
idiossincrasia de nossa gente.
Eram os Familiares, os funcionários da inquisição (inquisidores,
comissários e notários) e os demais integrantes do clero a teia de vigília
e punição criada pelo Vaticano. Para este ambiente de censura e repressão
contribuía também o próprio povo, com suas confissões e delações das
vicissitudes da carne.
Tenta-se demonstrar neste artigo que muitos costumes dos brasileiros
do atual século XXI trazem o registro do que foi gravado à brasa no século
XVIII e seus entornos[7], período também chamado de Setecentismo, com o
auxílio do processo inquisitorial e sob o signo do pecado, da perseguição e
da dissimulação.




2 O PECADO


As visitações do Santo Ofício na Colônia seguiam algumas rotinas
burocráticas que serviram para registrar para a posteridade o seu
funcionamento e abrangência. Um dos institutos da visitação era o edital de
visita. Este importante documento destinava-se a declarar os solenes
objetivos da visita aos "vigários, os curas, os coadjutores, os capelães
curados, as demais autoridades eclesiásticas e seculares e o "povo" da
freguesia a ser percorrida"[8].
O edital, por sua descrição minuciosa dos pecados a serem submetidos
à devassa espiritual, possibilitava exame ímpar dos conceitos e parâmetros
da ética religiosa dominante à época.
Caio Boschi[9], ao discorrer sobre as "Visitações Diocesanas e a
Inquisição na Colônia", cita emblemático edital datado do segundo semestre
de 1733, onde são encontrados alguns "pecados públicos e escandalosos":
heresia, apostasia[10], leitura de livros hereges, blasfêmia contra a honra
de Deus, feitiçaria, bigamia, crimes contra a dignidade sexual,
simonia[11], incesto, falso testemunho, jogatina etc.
Observando o quadro extenso que elenca com antecipação as mazelas a
serem perquiridas e punidas pela visitação do Santo Ofício, vê-se que a
Igreja buscava o ideal da completa submissão às suas ordens e desígnios do
que seria um bom fiel. Eram tantas as exigências para se adequar ao modelo
de crente exemplar que seria honesto dizer que não existisse tal figura.
Neste sentido,


os interrogatórios da visita diocesana cobriam um amplo e
diversificado elenco de delitos, passando em revista toda
a vida social e cristã de cada paróquia, tanto quanto
possível sondando a fundo a pureza da fé, da religião e
dos costumes de cada igreja e freguesia visitadas[12].


Muitos imigrantes que no Brasil aportavam fugiam das perseguições
sofridas além-mar e, por isso, já traziam o estigma da marginalidade.
Outros se aventuravam no novo mundo e traziam consigo o impulso menos nobre
da ganância, que alargava continuamente os limites dos princípios morais.
Neste contexto, o Santo Ofício tentava abraçar todas as
possibilidades de transgressão à sua crença de mundo correto, criando a
contradição de deixar a todos subjugados à sua sentença de pecado e
castigo[13]. Se era improvável um temente se ver livre do pecado, menos
improvável era se livrar da correção estipulada pelas ordens eclesiásticas.
O manto do pecado e da reconciliação se estendia obrigatoriamente a todos.
Com a intenção institucionalizada de encontrar "bodes expiatórios"
para as práticas mundanas, o abuso do poder inquisitorial sobressaia-se às
pseudo-garantias dos inculpados:

Vê-se, pois, que o rito processual das visitas diocesanas
era extremamente simples e sumário. Ao não questionar a
confiabilidade e idoneidade das declarações do
denunciante, o visitador eximia-se também de proceder às
diligências indispensáveis à apuração da veracidade da
denúncia. Uma só denúncia era suficiente para a formação
da culpa, dispensando o exame de sua substância e sua
qualificação. As particularidades e circunstâncias dos
delitos eram desprezadas. Não se concedia ao acusado a
faculdade de se defender. Por conseguinte, a pronúncia,
literalmente, já era a sentença, isto é, a punição
inexorável e inapelável. Cabe então indagar se nas visitas
pastorais havia julgamento stricto sensu, quando nada
porque, do ponto de vista formal, julgar pressupõe
apresentar o libelo de acusação e oferecer o direito de
defesa. Nas visitas, esse rito processual não existia em
primeira instância. Em outras palavras, na maioria dos
casos, o processo não ultrapassava a fase de instrução, de
vez que a sentenciação era sumária[14].


Nesta dinâmica, o pecado era a regra para ser a regra a submissão do
perdão. Quem pecava devia se sujeitar ao poder eclesiástico para ter a
possibilidade de ver perdoadas suas ofensas. Pecado e perdão, "grilhões de
falsos valores e palavras ilusórias"[15], eram certezas insofismáveis, nas
sombras daquela época, conhecida como "século das Luzes"[16].
Assim é descrita a postura desta era dos pecados:


Quer seja para revigorar a fé, quer para redenção e alívio
dos pecados, quer ainda para garantir a sua salvação e
proteção divina, livrando-se da temível excomunhão, o
homem colonial, particularmente aquele que vivia em uma
sociedade tão promíscua como a da região mineradora,
diante do tom ameaçador dos editais de visita, não
titubeava em cumprir prontamente os ordenamentos
prescritos naqueles termos[17].

Mas, para que pecado houvesse, era necessário que estivesse o sujeito
submetido à ordem de valores que assim classificava a conduta pervertida.
Era preciso converter o maior número de não cristãos, para que estivessem
todos sob os ditames da Santa Igreja e sob seu jugo.
Foi nesse sentido que, bem antes do século XVIII, ainda em 1497, em
Portugal, o Rei D. Manuel converteu de uma só vez milhares de pagãos
(judeus em sua maioria) em cristãos-novos, podendo, a partir daquele
momento, afirmá-los hereges, quando não afinados com o propósito da fé
reinante, quando assim exigisse a máquina de dominação do Santo Ofício.
Pecado era o ato que negava as práticas cristãs, mas, sobretudo, o
ato que permitia a visão de que outras práticas religiosas coexistiam e
eram possíveis de convivência ecumênica. Desta maneira, qualquer prática
judaicizante era pecado do mais grave e poderia culminar na abjeta tortura
ou na pena capital para a ovelha desgarrada.
Interessante notar que muitas vezes o poder do Santo Ofício
ultrapassava o limite religioso para abarcar contravenções seculares. Não
eram isoladas as punições levadas a cabo por clérigos a partir de
comportamentos irregulares praticados por cristãos (novos ou velhos) em
detrimento de valores materiais e não só espirituais.
Lembre-se aqui que esta conjunção entre Estado e Igreja restava óbvia
no instituto do Padroado, assim delimitado:

O Padroado teria, em resumo, consistido no controle das
nomeações das autoridades eclesiásticas pelo Estado, que
deteria ainda a direção das finanças da Igreja, através da
arrecadação dos dízimos. De tal forma a Igreja estaria
envolvida nas malhas administrativas do governo, que, ao
vulgo, seria difícil enxergá-la como entidade
autônoma[18].


Patrícia Ferreira Santos[19] argumenta que Estado e Igreja, "havendo
alcançado, através do Padroado, o comum objetivo de complementariedade,
talvez se confundissem institucionalmente".
Frente a esta correlação, embora os visitadores tivessem os seus
poderes de julgamento e punição circunscritos a pecados e crimes menores,
os de maior gravidade eram encaminhados ao Tribunal do Santo Ofício em
Portugal, instância superior do poder espiritual que, muitas vezes, se
debruçava sobre causas laicas.
Desta forma,


Os visitadores episcopais, mesmo que não orientados
diretamente pelas autoridades civis, prestavam a essas uma
notável colaboração, pois que os delitos e faltas que
descobriam e denunciavam – e mais do que isso, julgavam e
condenavam [...] não eram de natureza exclusivamente
espiritual.[20]


Esta promiscuidade entre o poder secular e espiritual na perseguição
dos pecados e crimes, por vezes, chegava a criar atritos entre as duas
esferas, quando abusos cometidos por visitadores eram motivo de forte
reação dos governantes e população da capitania visitada[21].
Ao poder da Igreja e do seu braço inquisidor, o Santo Ofício, era
permitido se imiscuir nas questões seculares talvez porque àquela época
fosse conveniente ao Império Português esta simbiose na dominação dos
povos. Também era conveniente à ideologia cristã conservadora manter-se sob
e ao lado da força que detinha o domínio do território e das armas.
Desta maneira, o pecado se confundia entre a contradição com os
mandamentos do espírito e com as regras do direito civil. Atentar contra o
Império seria atentar contra a mesma ordem de dominação em que estava
inserida a faceta religiosa[22].
Duas lutas havia nesta larga classificação das atitudes como pecado:
a luta pela imposição da doutrina religiosa cristã católica no novo mundo e
a luta de dominação territorial e política do Império Luso. Ambas se
completavam.
Enquanto a Igreja lutava e queimava milhares nas fogueiras do Santo
Ofício, para manter e infundir a sua dominação contra o judaísmo, o
islamismo e um pequeno mosaico de outras crenças, a Metrópole Portuguesa
buscava desvencilhar sua colônia das incômodas invasões dos reinos da
França e Holanda e da perigosa vizinhança, formada pelos largos limites do
reino de Espanha.
Segundo o dogma vigente, era tempo de buscar a pureza da alma, do
sangue e a libertação dos pecados. Numa visão crítica, era tempo de buscar
crime/pecado em tudo aquilo que não potencializasse a dominação do Império
Português e da Igreja Católica sobre as riquezas da Colônia.


3 A PERSEGUIÇÃO


As Minas Setecentistas eram cobiçadas pela promessa de enriquecimento
rápido e fácil. Era do conhecimento do mundo que aqui o ouro minava[23],
para alegria e preocupação da Coroa.
João Antônio de Paula[24] nos conta que "a notícia dos achados
auríferos espalhou-se, comoveu e arrastou grandes ondas migratórias em
Portugal e na Colônia. Cabedais e pessoas deslocaram-se em função da
mineração [...]".
Não foi sem razão que milhares de europeus tiveram aqui refúgio,
desejando da bonança, que fazia história, seu quinhão.
No entanto, Luciano Figueiredo[25] relata que nem tudo reluzia, uma
vez que:


Na altura em que chegam a Portugal as cartas com notícias
de metais preciosos no sertão de São Paulo, no final do
século XVII, o reino europeu estava calejado de guerras e
quimeras. As minas gerais do sertão de São Paulo nascem
sob o signo da resignação e da suspeita.


Contrapunha-se à constatação da farta oferta da natureza, a mísera
condição daquela gente.
Junto à promessa de enriquecimento fácil, demonstrada falsa para
muitos, havia questões opostas como a fome, trabalhando num mesmo contexto
histórico. Neste sentido, "as crescentes levas de migrantes que chegavam às
minas eram recebidas tanto com o sucesso dos achados preciosos, quanto,
muitas vezes, com a fome"[26].
Apesar dos infortúnios, a cobiça, sede humana comum a todas as
etnias, conseguia mover judeus e portugueses, em comuns desígnios:

A cobiça é uma entidade mórbida, uma doença do espírito,
com seus sintomas, suas causas e evolução. Pode absorver
toda a energia psíquica, sem remédios para o seu
desenvolvimento, sem cura para os seus males. Entre nós,
por séculos, foi paixão insatisfeita, convertida em ideia
fixa pela própria decepção que a seguia. Absorveu toda a
atividade dinâmica do colono aventureiro, sem que nunca
lhe desse a saciedade da riqueza ou a simples
tranqüilidade da meta atingida. No anseio da procura
afanosa, na desilusão do ouro, esse sentimento é também
melancólico, pela inutilidade do esforço e pelo ressaibo
da desilusão[27].

Entre os judeus que se sentiram atraídos pela Colônia Portuguesa,
fundiu-se o medo da perseguição que sofriam na Europa, a promessa de uma
nova vida e a esperança da riqueza. Os judeus e cristãos-novos vieram aos
montes para os arredores das Minas, ao ponto de despertarem a preocupação
do Estado e da Igreja.
Muitas vezes convertidos ao catolicismo, infiltraram-se no clero,
utilizando-o como salvo conduto e ponte para o estabelecimento na colônia
aurífera. Não sem lógica, a Igreja, impulsionada por pressão do Império,
excomungava e extirpava de seus quadros os reconhecidamente praticantes da
simonia e apostasia. O cenário era propício para a incorporação ao clero de
pessoas sem fé, que ali tão somente buscavam uma entrada nas minas.
Assim, nas palavras de Caio Boschi[28]:

[...] as determinações metropolitanas no sentido de
proibir o estabelecimento de ordens religiosas ou de
clérigos sem ocupação em atividades espirituais integram
um conjunto de medidas que o Estado absolutista português
tomou desde o momento em que, no início de Setecentos,
resolveu estabelecer-se formal e ostensivamente na zona
mineradora.

Neusa Fernandes[29] realça que, naquele momento, "os principais
acusados de sonegação foram os frades franciscanos. Representantes das
diversas ordens se tornaram mineiros, com o objetivo de adquirir cabedais,
por quaisquer meios, ainda que ilícitos".
Se, dentre os cobiçosos, muitos eram judeus e traziam consigo
maestria no trato do capital, urgia persegui-los, reascendendo a crueldade
atávica do antissemitismo. Assim, parecia conduzir a orientação do Império
Lusitano e da Igreja.
Junto com a perseguição a pecados que atingiam também os cristãos-
velhos, o rol de práticas destinadas a fulminar os cristãos-novos ou judeus
era numeroso[30].
Perseguia-se a prática de qualquer atividade que lembrasse cultos
judaicos, bem como demonstrações de ausente incorporação carola dos ritos
católicos.
Além de viabilizar a aplicação das cruéis penas previstas, o sistema
processual inquisitivo buscava algo mais que permitir a punição do herege,
pois tinha como finalidade "a conversão e emenda do acusado de heresia (ad
delinquentis correctionem)"[31].
Assim, a perseguição dos recalcitrantes se fazia com toda a
instrumentação viável e possuía, como vítimas prioritárias, os filhos de
Israel.
Interessante que a vigília dos costumes das pessoas suspeitas de serem
praticantes do judaísmo era feita também e, sobretudo, sobre a rotina
familiar, uma vez que:

No Brasil, como em Portugal, a casa foi, para conservação
da religião judaica, mais importante que a escola e que a
própria sinagoga. As condições históricas transformaram a
família na principal responsável pela transmissão das
cerimônias e pela manutenção das práticas religiosas. A
família se mantinha reunida principalmente na prática do
Shabat, quando a refeição era feita em conjunto, com velas
acesas e preces oferecidas pela mulher. O Shabat judaico
se inicia na sexta-feira e vai até sábado à noite[32].

A persecução patrocinada pela estrutura oficial do Santo Ofício
(inquisidores, comissários e notários) era seguida em sua cartilha pelos
Familiares daquela ordem. Muitos Familiares, depois de recebido o título,
tornavam-se sedentos inquisidores a serviço da purificação.
Nesta época há a valorização extrema da delação. Ainda que com
rechaço à falsa imputação de pecado ou heresia[33], a delação desenvolvia-
se como poderoso aliado do Santo Ofício.
Sobre a cultura da denúncia, Caio Boschi[34] esclarece:


A denúncia estava na razão de ser da visita, dado o feitio
intimidatório e ameaçador dos textos dos editais. Várias
eram as razões que levavam os indivíduos a denunciarem,
cabendo lembrar, dentre outras, a convicção, o zelo e a
fidelidade religiosos; o temor da ira divina ou da
excomunhão; o desencargo de consciência; o mero ímpeto
colaboracionista com a Igreja; o desejo de vinganças
pessoais; o ódio ou a simples inveja em relação ao
denunciado.

Lembre-se que o sacramento da penitência e da reconciliação[35],
instituído pelo Concílio de Trento no ano de 1546, trouxe o rito da
confissão dos fiéis e criou rapidamente o maior meio de cooptação de
informações em escala mundial. Pode-se dizer que a Igreja Católica tornou-
se potencialmente a mais promissora das "agências de inteligência". Em cada
rincão passava a existir um pároco pronto a receber a confissão obrigatória
do cristão, e guardar no seio da Igreja as informações pecaminosas daquela
alma.
E nas Minas Setecentistas não havia pudor na utilização corriqueira
da delação como forma de perseguição dos pecadores e hereges.
Não é de se espantar a cultura do povo mineiro, sobretudo em cidades
menores, em perquirir a vida particular de seu vizinho. A valorização da
delação entranhou-se de tal forma no imaginário do mineiro que se quer
saber mais do que permite o singelo laço de vizinhança, numa intrusa
insatisfação com o que é ofertado. O que seria a popular "fofoca" senão
este exercício institucionalizado de investigar a vida alheia?
Lembre-se que, mais adiante, nos idos de 1789, a Inconfidência
Mineira foi marcada justamente pela famosa delação do conspirador Joaquim
Silvério dos Reis, eternizada por Cecília Meireles[36]:

Assim se forjam palavras,
assim se engendram culpados;
assim se traça o roteiro
de exilados e enforcados:
a língua a bater nos dentes...
Grandes medos mastigados...


O medo nos incisivos,
nos caninos, nos molares;
o medo a tremer nos queixos,
a descer aos calcanhares;
o medo a abalar a terra,
o medo a toldar os ares;


o medo a entregar amigos
à sanha dos potentados;
a fazer das testemunhas
algozes dos acusados.


Jonathan Schorsch[37] confirma esta hipótese, dizendo que "essas redes
de comunicação pessoal, fofocas e rumores, que frequentemente cruzavam
fronteiras de classe e de raça, contribuíram para a construção do
conhecimento do qual se alimentaram as inquisições".




4. A DISSIMULAÇÃO




O que esperar de um povo perseguido, vigiado, sob a ameaça da tortura
e da fogueira, senão a dissimulação do que motiva a perseguição? Foi assim
que muitos cristãos-novos e judeus desenvolveram formas várias de
dissimular sua crença verdadeira e sua imanente simpatia pelos costumes de
seus descendentes.
Na praça pública, durante o dia, passavam-se por cristãos convertidos
e zelosos de seus misteres paroquiais. À noite e em casa, no refúgio da
privacidade familiar, mantinham as regras milenares de seus antepassados,
na esperança de cultivar suas cerimônias até que a liberdade fosse
possível.
Ainda que convertidos, os judeus seriam cristãos-novos estigmatizados
e sempre à beira da fustigação inquisitorial ou do confisco de bens.
Neusa Fernandes[38] relata que:


O cristão-novo, entretanto, se sentia em permanente
transgressão. Não era católico nem judeu. Praticava um
dualismo religioso, apresentando-se exteriormente como
cristão-novo e praticando os ritos judaicos dentro de casa
ou da prisão. As suas culpas determinaram as práticas e os
rituais que seguia, sempre com a preocupação de se ocultar
para não despertar suspeita nos vizinhos.


Nos artigos sobre o tema, vários casos são citados como incorporação
da dissimulação, perpetrada pelos hebreus para fugir da perseguição, nos
costumes usuais do povo mineiro. Não alimentar-se de carne suína, apontar
para a primeira estrela na noite de sábado, guardar o sábado no lugar do
domingo, ostentar nomes de origem judaica eram indícios suficientes para
lançar o herege no intrincado processo inquisitorial. Era preciso aparentar
o oposto.
Em interassente estudo sobre o "estigma" e suas repercussões, Erving
Goffman[39] nos mostra que, tendo em vista o proveito trazido pelo
encobrimento da particularidade estigmatizante, "um conflito entre a
sinceridade e o decoro será, quase sempre, resolvido em favor desse
último".
Ainda Neusa Fernandes[40], descrevendo a busca por sinais de judaísmo
nos processos da época setecentista:


No corpo do processo inquisitorial, na sessão in genere,
eram feitas perguntas sobre os jejuns e práticas
religiosas, demonstrando a preocupação dos inquisidores
com as manifestações externas da religião. (...) A guarda
do sábado como dia santo e a reza do padre-nosso sem dizer
Jesus no fim foram observadas na maioria dos processos dos
cristãos-novos estudados.


Com o passar dos anos e o distanciamento com sua tradição ascendente,
a dissimulação chegou ao seu ápice com a perfeita confusão entre os
cristãos-novos e velhos. São muitos que vivem e fazem parte das gerações
pós-setecentistas com nenhum liame com gerações passadas, vítimas da infame
perseguição.
A dissimulação acabou com qualquer traço de cristã-novice em muitas
famílias mineiras, restando apenas alguns rastros dificilmente
comprováveis. A intenção de se esconder dentro de outra cultura religiosa
em muitos casos foi frutífera.
Os judeus que aportaram às Minas foram forçados a esconder seus nomes,
camuflar suas crenças, mudar hábitos alimentares, não demonstrar reverência
ao dia santo, sob pena de expor a vida, os bens e a tranquilidade da
família frente à perseguição implacável.
Para situar a minudência da busca pelos "sangues impuros" e, assim, a
contrário senso, permitir a percepção de quão era cogente a dissimulação do
judeu ou cristão-novo, lembra-se aqui da conclusão de Aldair Carlos
Rodrigues[41], demonstrando que a simples demora na conclusão do processo
de concessão do título de Familiar do Santo Ofício era motivo de
inquietação pelo requerente, pois poderia indicar a dúvida quanto ao seu
"sangue-puro", com afetação de sua honra.
Acontece que, ainda que dissimulado e introjetado no meio social,
incólume aos rigores dedicados aos judeus e cristãos-novos, não era raro a
memória coletiva[42] inculpar este ou aquele indivíduo com o rótulo de
"sangue infecto".
Como, então, se livrar desta pecha, portadora de deletérias
repercussões?
Uma das formas de dissimulação era se abrigar sob o título da
familiatura do Santo Ofício. Aldair C. Rodrigues[43] ensina que:


O título de agente do Santo Ofício era utilizado pelos
Familiares nas habilitações como uma prova de limpeza de
sangue para entrarem em outras instituições. No contexto
em análise, existia uma espécie de "corporativismo" entre
as instituições que adotavam o critério do "sangue puro".
Eram elas as detentoras do "monopólio" da expedição e
concessão de títulos, pareceres e cargos, que – dentre
outras coisas – ofereciam um "atestado de limpeza de
sangue".


Se a limpeza de sangue era uma exigência para a tranquilidade social,
não surpreende que todos os meios possíveis fossem utilizados para que
houvesse a exitosa dissimulação do "sangue infecto".
Para se deslocar dessa fama incômoda e perigosa de "sangue infecto" a
aceitação em uma confraria com "atestado de pureza de sangue", como no caso
de Familiares do Santo Ofício era um caminho seguro, dentre tantos outros.
Veja as palavras de Aldair C. Rodrigues[44]:


Fosse a "fama" verdadeira ou não, os indivíduos
"afamados", investidos do título de Familiar do Santo
Ofício, passavam a ter um trunfo nos conflitos cotidianos
em que suas honras estivessem sendo atacadas. A
instituição que lhes dava o título, neste caso a
Inquisição, tinha o poder de atestar se uma fama ou rumor
eram falsos ou verdadeiros, a despeito da fama pública.


Vê-se que à possibilidade de se disfarçar seguia-se amiúde e perene a
possibilidade da denúncia da condição judia. Ou seja, corria-se para o
abrigo de um título de "sangue puro", mas, em verdade, a tranquilidade
demonstra não ter sido a sina do povo hebreu.




CONCLUSÃO




Ao estudar os aspectos de valores e cultura das Minas Setecentistas
debruçamos sobre um período em que a região exerceu imenso fascínio sobre o
mundo civilizado e esperança de riqueza para a Coroa Portuguesa, tendo em
vista a miragem que o ouro refletiu para as gentes.
Diante da abundância aurífera, vimos que a preocupação mor se tornou
controlar o fluxo do ouro e ter inteiro domínio sobre esta preciosa parcela
do Império Português.
Neste designo de dominação e controle, houve a junção entre os
mecanismos delimitadores do Estado e a doutrina repressora da Igreja
Católica, exercendo juntos os poderes naquelas fronteiras territoriais e
espirituais.
Era farto o ouro, mas nem tão farto como a cobiça daquele povo. A
Metrópole recebia e despendia pelo mundo toneladas do rico mineral que não
bastava para matar a fome da população que se multiplicava, sobretudo na
região das minerações.
Neste contexto, os dispositivos do Império e da Inquisição voltaram
seus olhares para parcela da população historicamente perseguida e
tradicionalmente abastada pelas facilidades na lida com os ganhos.
Os judeus e cristãos-novos, que, como todos, buscavam enriquecer-se,
foram perseguidos, punidos, sacrificados, tiveram seus bens confiscados,
num jogo de cartas marcadas, onde a regra era extirpar o maior número de
concorrentes daquela ceia de cifras.
Os judeus e cristãos-novos traziam a fragilidade de serem eles
próprios e seus estigmas.
Para tanto, para etiquetar os portentosos que deveriam deixar de sê-
los, havia os pecados e crimes para serem subsumidos, havia a estrutura do
Santo Ofício e o processo inquisitorial para aniquilá-los.
A atração exercida pela engrenagem da perseguição, espalhada em cada
seguimento social, com seus Familiares, funcionários, clero e o próprio
povo delator, era invencível pelos oprimidos.
Assim, que a constância vivência da perseguição dos seus, acabou por
forjar entre os cristãos-novos e judeus a necessidade da dissimulação.
E foram tantos perseguidos pela cristandade e foram tantas as formas
de dissimulação e camuflagem, que se perderam na história muitas pistas
desta gente. Os que não se incorporaram aos valores e cultura estimados
pela Igreja Católica e seu Santo Ofício, ou foram mortos, ou se ocultaram
mentindo costumes, omitindo suas circuncisões, orando às escondidas,
fingindo paladares, encobrindo sobrenomes, passando-se, enfim, por bons
cristãos, merecedores da paz na Terra.
Assim, enquanto o ouro das Minas Setecentistas se perdeu pelo mundo
afora, as marcas da opressão, da desconfiança, da cobiça, da dissimulação
continuam a luzir nos nossos usos e costumes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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Minas Gerais. As Minas Setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. v.
1.

RODRIGUES, Aldair Carlos. Sociedade e Inquisição em Minas Colonial: os
Familiares do Santo Ofício (1711 – 1808). 241 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo. 2007.

SANTOS, Patrícia Ferreira. Poder e palavra: discursos, contendas e direito
de padroado em Mariana (1748 – 1764). 306 f. Dissertação (Mestrado em
História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo. 2007.

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[1] RODRIGUES, Aldair Carlos. Sociedade e Inquisição em Minas Colonial: os
Familiares do Santo Ofício (1711 – 1808). 241 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo. 2007, p. 25.
[2]SANTOS, Patrícia Ferreira. Poder e palavra: discursos, contendas e
direito de padroado em Mariana (1748 – 1764). 306 f. Dissertação (Mestrado
em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo. 2007, p. 53.
[3] Os familiares, "caso fossem chamados pelos inquisidores – nos locais
onde havia Tribunal – ou pelos comissários, prestariam a estes últimos todo
o auxílio requerido e cumpririam as ordens que lhes fossem dadas."
RODRIGUES, Aldair Carlos. Op. Cit. p. 63.
[4] RODRIGUES, Aldair Carlos. Sociedade e Inquisição em Minas Colonial: os
Familiares do Santo Ofício (1711 – 1808). 241 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo. 2007, p. 73.
[5] "De acordo com os regimentos inquisitoriais, os Familiares exerceriam
um papel auxiliar nas atividades da Inquisição, atuando principalmente nos
confiscos de bens, notificações, prisões e conduções dos réus. Sem
abandonar suas ocupações costumeiras, eles seriam funcionários civis do
Santo Ofício e, caso fossem chamados pelos Inquisidores – nos locais onde
havia Tribunal – ou pelos Comissários, prestariam a estes últimos todo o
auxílio requerido e cumpririam as ordens que lhes fossem dadas. Os
Familiares deveriam desempenhar suas funções sob segredo. Apesar disso,
eles não seriam agentes secretos da Inquisição infiltrados na sociedade,
como já foi sugerido. [...] esses agentes tinham muito interesse em
exteriorizar o título que possuíam". RODRIGUES, Aldair Carlos. Op. Cit. p.
63.
[6] "Ser familiar significava ser puro de sangue, ter acesso a privilégios
fiscais ou de foro privativo; representar a inquisição; servir como elo de
ligação entre os colonos e a poderosa instituição. Por tudo que foi dito,
podemos afirmar que ser Familiar do Santo Ofício em Minas significa ser
distinto socialmente." RODRIGUES, Aldair Carlos. Op. Cit. p. 221.
[7] Maria Efigênia Lage de Resende esclarece que o historiador muitas vezes
transgride os marcos cronológicos para poder melhor captar o sentido e
significado de uma época. Assim, de acordo com a autora, "o Setecentismo
mineiro se abre em 1674, com a bandeira de Fernão Dias e seus
desdobramentos. [...] Já o fechamento do século XVIII, para Minas e para o
conjunto da América Portuguesa, ocorre com a chegada da Corte ao Brasil
(1808), fato que indica uma ruptura que se opera de forma abrupta e
inesperada, verdadeiro xeque mate no estatuto colonial." RESENDE, Maria
Efigênia Lage de. Escrever a História de Minas Gerais. In: RESENDE, Maria
Efigênia Lage de. VILLALTA, Luiz Carlos (Org.) História de Minas Gerais. As
Minas Setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. v. 1, p. 13/14.
[8] BOSCHI, Caio César. As Visitas Diocesanas e a Inquisição na Colônia.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v.7, n. 14, p. 162.
[9] Assim é o intróito do edital citado: "em virtude de Santa Obediência e
sob pena de excomunhão major ipso facto incurrenda mando a todas as
pessoas, assim eclesiásticos, como seculares, que souberem de pecados
públicos e escandalosos, venham perante mim denunciar em tempo de vinte e
quatro horas e para que o faça como convém ao serviço de Deus os admoesto
para que a denunciação que fizerem não seja movida por ódio, vingança [...]
e para que venha a notícia de todas as matérias sobre que hão de
testemunhar, cada um dos Reverendos lerá aos seus fregueses na estação da
missa conventual os interrogatórios seguintes: 1º - se sabem ou ouviram
dizer que alguma pessoa cometeu o gravíssimo crime de heresia ou apostasia,
tendo, crendo, dizendo ou fazendo alguma coisa contra a nossa Santa Fé
Católica em todo ou em algum artigo dela, ainda que disso não esteja
infamada; 2º - se alguma pessoa tem ou lê livros de hereges, ou quaisquer
outros defesos sem licença da Sé Apostólica, ou das pessoas que para isso a
podem dar [...]". E nesta linha segue o edital, possuindo um rol exaustivo
de quarenta itens descritivos de pecados e crimes passíveis de punição e
perdão. BOSCHI, Caio César. Op. Cit. p. 163-166.
[10] "Abandono da fé de uma igreja, especialmente a cristã." FERREIRA,
Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
2. ed. rev. e ampl. 35ª imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 146.
[11] "Tráfico de coisas sagradas ou espirituais, tais como sacramentos,
dignidades, benefícios eclesiásticos, etc." FERREIRA, Aurélio Buarque de
Holanda. Op. Cit. p. 1586.
[12] BOSCHI, Caio César. As Visitas Diocesanas e a Inquisição na Colônia.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v.7, n. 14, p. 166.
[13] Observe-se que a confusão entre o laico e o religioso, entre o crime e
o pecado, era corriqueira. Muito distante da segurança trazida pela
revolução dogmática de Beling, com a introdução do tipo com função
descritiva dos delitos, a abrangência da subsunção aqui era sem limites.
Embora elencados os pecados/crimes pelo edital de visita, nada obstava o
seu alargamento, desde que conveniente ao Inquisidor. Desta forma,
encerrava-se o edital com uma cláusula de extensão que demonstrava a
arbitrariedade: "40ª – e finalmente se sabem de qualquer pecado público e
escandaloso nos venha dizer." BOSCHI, Caio César. Op. Cit. p. 166.
[14] BOSCHI, Caio César. As Visitas Diocesanas e a Inquisição na Colônia.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v.7, n. 14, p. 170-171.
[15] NIETZSCHE, Friedrich W. Assim Falou Zaratustra – um livro para todos e
para ninguém. Tradução de Mário da Silva. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1989, p. 105.
[16]LE GOFF, Jacques. A Idade Média explicada aos meus filhos. Tradução de
Hortencia Santos Lencastre. Rio de Janeiro: Agir, 2006, p. 13.
[17] BOSCHI, Caio César. Op. Cit. p.167.
[18] SANTOS, Patrícia Ferreira. Poder e palavra: discursos, contendas e
direito de padroado em Mariana (1748 – 1764). 306 f. Dissertação (Mestrado
em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo. 2007, p. 30-31.
[19] SANTOS, Patrícia Ferreira. Op. Cit. p. 28.
[20] BOSCHI, Caio César. As Visitas Diocesanas e a Inquisição na Colônia.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v.7, n. 14, p. 153.
[21] BOSCHI, Caio César. Op. Cit. p. 171.
[22] Hans Kelsen, em pesquisa sobre a semelhança entre Estado e Deus,
conclui: "o problema religioso e o problema social apresentam um notável
paralelismo. Em primeiro lugar, pelo ponto de vista psicológico. De fato,
se analisamos a maneira como deus e a sociedade – o religioso e o social –
são vividos pelo indivíduo, evidencia-se que as linhas diretrizes do seu
estado de ânimo são idênticas em ambos os casos". KELSEN, Hans. Deus e
Estado. In: MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. NETO, Arnaldo Bastos
Santos (Org.). Contra o Absoluto. Perspectivas Críticas, Políticas e
Filosóficas da Obra de Hans Kelsen. Curitiba: Juruá, 2011, p. 37.
[23] Segundo João Antônio de Paula, "há forte concordância entre os autores
em apontar a última década dos Seiscentos como o período provável dos
primeiros descobertos de ouro em Minas Gerais, ainda que imprecisos seus
descobridores e o sítio das ocorrências." PAULA, João Antônio de. A
mineração de Ouro em Minas Gerais do século XVIII. In: RESENDE, Maria
Efigênia Lage de. VILLALTA, Luiz Carlos (Org.) História de Minas Gerais. As
Minas Setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. v. 1, p. 281.
[24] PAULA, João Antônio. Op. Cit. p. 283.
[25] FIGUEIREDO, Luciano. Tradições radicais: aspectos da cultura política
mineira setecentista. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de. VILLALTA, Luiz
Carlos (Org.) História de Minas Gerais. As Minas Setecentistas. Belo
Horizonte: Autêntica, 2007. v. 1, p. 253.
[26] PAULA, João Antônio de. A mineração de Ouro em Minas Gerais do século
XVIII. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de. VILLALTA, Luiz Carlos (Org.)
História de Minas Gerais. As Minas Setecentistas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2007. v. 1, p. 283.
[27] PRADO, Paulo. Retrado do Brasil. Ensaio sobre a tristeza brasileira.
2. ed. São Paulo: Ibrasa, 1981, p. 90.
[28] BOSCHI, Caio César. "Como os filhos de Israel no deserto?" (ou: a
expulsão de eclesiásticos em Minas Gerais na 1ª metade do Século XVIII).
Vária História, Belo Horizonte, n. 21, p. 128.
[29] FERNANDES, Neusa. A Inquisição em Minas Gerais no Século XVIII. 2. ed.
Rio de Janeiro: UERJ, 2004, p. 69.
[30] "Por ser nesta época a "marca genealógica mais odiada e temida", a
ascendência judaica era certamente a mais visada." RODRIGUES, Aldair
Carlos. Sociedade e Inquisição em Minas Colonial: os Familiares do Santo
Ofício (1711 – 1808). 241 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo. 2007, p. 91.
[31] ANDRADE, Mauro Fonseca. Sistemas Processuais Penais e seus Princípios
Reitores. Curitiba: Juruá, 2012, p. 274.
[32] FERNANDES, Neusa. A Inquisição em Minas Gerais no Século XVIII. 2. ed.
Rio de Janeiro: UERJ, 2004, p. 155.
[33] Cite-se aqui que, no edital de visita, um dos pecados públicos e
escandalosos era assim descrito: "se há alguma pessoa que jurasse falso em
juízo, ou seja, disso infamada ou acostumada a jurar fora de juízo
juramentos falsos ou escandalosos". BOSCHI, Caio César. As Visitas
Diocesanas e a Inquisição na Colônia. Revista Brasileira de História, São
Paulo, v.7, n. 14, p. 164.
[34] BOSCHI, Caio César. Op. Cit. p. 168.
[35] No site do Vaticano, há a seguinte explicação sobre este sacramento,
umbilicalmente ligado à confissão: "É chamado sacramento da
confissão, porque o reconhecimento, a confissão dos pecados perante o
sacerdote é um elemento essencial deste sacramento. Num sentido profundo,
este sacramento é também uma «confissão», reconhecimento e louvor da
santidade de Deus e da sua misericórdia para com o homem pecador."
Disponível em:
. Acesso em: 25/06/13
[36] MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1977, p. 133.
[37] SCHORSCH, Jonathan. Cristãos-novos, judaísmo, negros e cristianismo
nos primórdios do mundo atlântico moderno – uma visão segundo fontes
inquisitoriais. In: COSTIGAN, Lúcia Helena (Org.). Diálogos da Conversão.
São Paulo: UNICAMP, 2005, p. 158.
[38] FERNANDES, Neusa. A Inquisição em Minas Gerais no Século XVIII. 2. ed.
Rio de Janeiro: UERJ, 2004, p. 153.
[39] GOFFMAN, Erving. Estigma. Notas sobre a Manipulação da Identidade
Deteriorada. Tradução de Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. 4. ed. Rio
de Janeiro: LTC, 1988, p. 86.
[40] FERNANDES, Neusa. Op. Cit. p. 154.
[41] RODRIGUES, Aldair Carlos. Sociedade e Inquisição em Minas Colonial: os
Familiares do Santo Ofício (1711 – 1808). 241 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo. 2007, p. 104.
[42] RODRIGUES, Aldair Carlos. Op. Cit. p. 114.
[43] RODRIGUES, Aldair Carlos. Op. Cit. p. 115.
[44] RODRIGUES, Aldair Carlos. Sociedade e Inquisição em Minas Colonial: os
Familiares do Santo Ofício (1711 – 1808). 241 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo. 2007, p. 114.
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