AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU DE MEDIAÇÃO: ANÁLISE DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DAS PARTES

May 31, 2017 | Autor: A. Zagurski | Categoria: Direito Processual Civil, Novo Código De Processo Civil Brasileiro, Conciliação
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ISSN 2178-3314 Ano: 2016

AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU DE MEDIAÇÃO: ANÁLISE DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DAS PARTES Autora: Claudia Aparecida Colla Taques Ribas (UEPG) e-mail: [email protected] Co-autora: Adriana Timóteo dos Santos Zagurski (UEPG) e-mail: [email protected] Co-autora e orientadora: Julia Maria Milanese Buffara (UEPG) e-mail: [email protected] Resumo: Há poucos meses entrou em vigência o Código de Processo Civil – Lei 13.105 de 16 de Março de 2015 – que viabilizou mudanças no processo civil com ênfase à resolução célere e efetiva dos litígios. Dentre as bases principiológicas do novo código, destaca-se a relevância dada à autocomposição, especialmente pelo incentivo à conciliação e à mediação como formas de pacificação social. Nesta seara, o Código estabeleceu o comparecimento “impositivo” das partes à audiência preliminar de conciliação ou de mediação, ressalvadas as hipóteses legais de sua dispensa sob pena de sujeitar-se o faltante à caracterização de ato atentatório à dignidade da justiça. O presente artigo objetiva avaliar as disposições da referida audiência em contraposição ao princípio de autonomia da vontade das partes e da razoável duração do processo. Palavras-chave: audiência de conciliação, audiência de mediação, processo civil. Introdução: Há muito, a resolução litigiosa dos conflitos preocupa juristas e aplicadores do direito, isso porque com a amplitude das relações sociais, pessoais e comerciais na sociedade, multiplicaram-se os conflitos e consequentemente as demandas levadas ao judiciário. Neste contexto, as formas de resolução de lides anteriormente suficientes, tornaram-se obsoletas e já não conseguem dar vasão ao volume processual que diuturnamente assoberba varas cíveis e tribunais. Como forma de viabilizar a prestação jurisdicional adequada e eficaz, inúmeras iniciativas foram adotadas na busca de soluções amigáveis de resolução de conflitos. Estes mecanismos, adotados já na égide do Código de Processo Civil de 1973, mostraram-se valiosos instrumentos na busca tutela jurisdicional efetiva e célere, aliados da conclusão de demandas pela composição dos litigantes. A resolução de conflitos por meio de formas alternativas – que não a busca de uma sentença condenatória e perpetuação da cultura da litigiosidade – revela-se como forma capaz de influenciar na participação efetiva das partes na construção da resolução do conflito, fazendo com que se sintam responsáveis pelo resultado final

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obtido e plenamente satisfeitas – ambas – com a conquista de um acordo que atende seus anseios. Deixa-se de priorizar o “vencido-vencedor” para alcançar um ponto de equilíbrio entre os interesses em disputa e pacificamente conseguir agradar a ambas as partes – algo utópico no processo litigioso convencional. Na busca incessante de valorização e implementação destes mecanismos, o legislador tem cotidianamente inserido formas de resolução amigável de conflitos na legislação pátria, bem como o Judiciário e o CNJ (este último em especial), criado projetos regulares de incentivo à conciliação, procurando implementar a cultura da pacificação na sociedade e metas de conciliação a serem atingidas por magistrados. Neste caminho, o Código de Processo Civil institui a priorização da resolução amigável dos conflitos (CPC, art. 3º § 2º), a criação de Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos (CPC, art. 165), a capacitação de conciliadores e mediadores (CPC, art. 167) e a implementação de audiência de conciliação ou de mediação, de forma preliminar, antes da defesa do réu (CPC, art. 334). Em linha oposta ao Código anterior, a audiência de conciliação ou de mediação ora instituída passa a apresentar caráter “quase” impositivo às partes, retirando-lhes a perspectiva de não desejarem comparecer à audiência citada e aplicando multa por desobediência à parte que injustificadamente deixar de comparecer. O objetivo deste estudo é avaliar a obrigatoriedade de comparecimento imposta quando apenas uma das partes não tem interesse em sua realização, face aos princípios da autonomia de vontade das partes e da duração razoável do processo. Objetivos: Analisar a audiência de conciliação ou de mediação no CPC. Analisar o posicionamento doutrinário acerca da manifestação de vontade das partes na realização ou não da audiência. Verificar os reflexos da manifestação de vontade de uma das partes em sentido contrário à sua participação na referida audiência sob a égide dos princípios da autonomia da vontade e da razoável duração do processo. Método e Técnicas de Pesquisa: Utilizou-se o método dedutivo, tendo por base as premissas apontadas pela doutrina e suas possíveis conclusões. A técnica de pesquisa é a documental indireta, com a consulta de livros e legislação vigente. Resultados: É inegável a contribuição dos meios alternativos de resolução de conflitos, em especial a conciliação e a mediação, na pacificação social e otimização do processo. Por anos, o processo judicial foi considerado método institucional exclusivo de resolução de controvérsias (MEDINA, 2015, p. 11). No entanto, salienta Elpídio Donizetti, que o “Estado brasileiro tem focado sua atenção nas formas amigáveis de

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composição do litígio”, ressaltando que após o advento da Constituição de 1988, tornaram-se imprescindíveis os meios alternativos de resolução de conflitos, em especial diante da “impropriedade do sistema judicial brasileiro para abarcar o estrondoso aumento de processo” (DONIZETTI, 2015, p. 142). Com o advento do Novo Código de Processo Civil, instituiu o legislador a audiência preliminar de Conciliação ou de Mediação como regra tomada pelo artigo 334, restando como exceção a possibilidade de ser dispensada a realização desta audiência nas hipóteses “taxativamente” previstas no parágrafo 4º do mesmo artigo. No entanto, diante da imposição legislativa para que as partes compareçam à audiência preliminar – ressalvadas as exceções acima citadas - muita discussão surge no âmbito doutrinário acerca da possível violação do princípio da autonomia da vontade e, indiretamente, também do princípio da razoável duração do processo. Parte expressiva – e majoritária – da doutrina processualista, defensora da teoria pacificadora do conflito e que tem como alvo a inserção da conciliação ou da mediação como meta a ser alcançada em todas as esferas do Poder Judiciário, defende veementemente a obrigatoriedade de realização da audiência, tal como prevista no texto legal, inclusive sob as penas do parágrafo 8º do artigo 344, que imputa à parte faltante (ressalte-se, ausência injustificada de qualquer das partes), a caracterização de ato atentatório à dignidade da justiça, apenado com multa pecuniária de até 2% do valor atribuído à causa ou da vantagem econômica pretendida, revertida em favor da União dou do Estado. Neste grupo encontram-se vozes como Fredie Didier Junior para quem a audiência de conciliação ou de mediação “é um dever processual das partes” afirmando que a lei “elimina a possibilidade de a audiência não se realizar porque apenas uma das partes não deseja” respeitando, porém, a expressão da vontade de ambas as partes pela não realização da audiência (DIDIER, 2015, vol. 1, p. 624-625). Destaca-se a lição de Humberto Theodoro Junior para quem somente a adesão do réu ao desinteresse do autor, terá o condão de impedir a realização da audiência, defendendo que “nem uma nem outra parte têm possibilidade de, sozinha, escapar da audiência preliminar.” Justifica, ainda, que a audiência preliminar não só aproxima as partes para a autocomposição, como também as coloca em contato direto com o juiz, facilitando o diálogo, a necessidade de produção de provas e privilegiando o princípio da cooperação (THEODORO JR, 2015, vol. 1, p. 786-787). Mesmo pensamento é acompanhado por renomados doutrinadores, em especial Elpídio Donizetti, para quem deve existir a concordância de ambas as partes para que a audiência deixe de se realizar (DONIZETTI, 2015, p. 272), Ricardo Goretti Santos que enfatiza a importância de que estudantes de direito sejam preparados para a práticas coexistenciais de resolução de conflitos, portando-se como “solucionadores de problemas, hábeis no domínio e no emprego de diversificadas técnicas que possam lhe servir na consecução desse nobre propósito” (SANTOS, 2012, p.215) e Luiz Guilherme Marinoni que destaca que a negativa de uma das partes não é suficiente para obstar a realização da audiência, sendo uma aposta do legislador a possibilidade de que a resistência da parte seja vencida em audiência (MARINONI, 2015, 174).

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Por outro viés, parte minoritária, mas com certa sensatez, compreende que a imposição legislativa de comparecimento de uma das partes sem que essa seja sua vontade, importa em violação ao princípio da autonomia da vontade, sendo utópica a ideia de facilitação de acordo em audiência quando uma das partes não deseja conciliar. Destaca-se que a designação de audiências de conciliação ou de mediação, ainda que realizadas pelos Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos, comprometerão a pauta postergando a prestação jurisdicional em afronta aos princípios da celeridade e da razoável duração do processo. Desponta o jurista José Miguel Garcia Medina como principal defensor da tese contrária à esboçada, ressaltando que a imposição de realização da audiência sem o desejo de uma das partes, raramente poderia conduzir ao acordo e que a demora no agendamento e na realização da audiência, somada à apresentação de defesa do réu somente em momento posterior, acarretaria delonga injustificada ao andamento processual, em desprestígio à celeridade, à efetividade do processo e à autonomia de vontade das partes. Esclarece o autor que a autonomia da vontade é elemento essencial na democratização do processo e que deve o Estado “respeitar diferentes pontos de vista dos envolvidos, assegurando-lhes que cheguem a uma solução voluntária e não coercitiva” (MEDINA, 2015, p.175). Expõe o autor: Ora, o próprio caput do art. 334 do CPC/2015 admite que não se realize a audiência de conciliação ou mediação quando for caso de julgar improcedente, liminarmente, o pedido, ficando claro que a opção da lei processual, no caso, não foi pela pacificação, mas pela redução do número de processos em trâmite (...) a conciliação e a mediação são informadas pelo princípio da autonomia da vontade das partes, princípio este que restará violado, caso se imponha a realização de audiência, mesmo que uma das partes manifeste, previamente, seu desinteresse (...). É interessante notar que, não raro, aquele que ajuíza a ação já tentou solucionar a lide de outro modo. Impor ao autor que, a despeito disso, sujeite-se a audiência de conciliação ou de mediação, é algo não apenas contraproducente, mas também, que viola o direito a um processo sem dilações indevidas (...). Por tais razões, ausente interesse, manifestado por qualquer das partes (ou por ambas) em realizar a autocomposição, não se justifica a realização de audiência de conciliação ou de mediação. (MEDINA, 2015, p. 348)

No mesmo entendimento, Daniel Amorim Assumpção Neves, destaca a ineficácia de qualquer esboço de contrariedade do réu se, antes, o autor já tiver mencionado sua intenção de que a audiência se realize (NEVES, 2016, 774), e adverte: A exigência de que o desinteresse na realização da audiência seja manifestado de forma expressa por ambas as partes é uma triste demonstração do fanatismo que tem tomado conta do âmbito doutrinário e legislativo a respeito da solução consensual do conflito. Como diz o ditado popular, “quando um não quer, dois não fazem”, de modo que a manifestação de uma das partes já deveria ser suficiente para que a audiência não ocorresse. (...).Trata-se, insisto, de infeliz opção legislativa, mas que deve ser respeitada. (neves, 2016, p. 819-820)

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Diante da exposição supra, mostra-se imprescindível analisar quais os efeitos decorrentes da manifestação de vontade de uma das partes contrária à realização da audiência de conciliação ou de mediação. Discussão: É inegável que a sociedade brasileira vive novos tempos e momentos, com o dinamismo das relações virtuais e o crescimento de negociações, contratos, relações comerciais e, cada vez mais, mostra um vultoso aumento nos processos submetidos ao judiciário, merecendo um olhar mais profundo nas formas de resolução eficaz e ágil de tais demandas. Nesta seara instituiu-se a audiência de conciliação ou de mediação (CPC, art. 334) como alternativa à pacificação pela autocomposição, mecanismo que poderá representar valiosa conquista na solução de controvérsias judiciais. No entanto, a opção do legislador em determinar a realização de tal audiência apesar de expressa manifestação contrária de uma das partes, parece não se coadunar com os princípios que embasam o direito processual, em especial a razoável duração do processo, a celeridade e a autonomia de vontade das partes. Faz-se tal discussão diante da necessidade de se ponderar se a imposição da participação à audiência pela parte que não pretende conciliar pode comprometer a autonomia de vontade, bem como delongar, ainda mais, a resolução do conflito. Nas palavras de Daniel Amorim Assumpção Neves “a opção do legislador foi clara em entender que mesmo quando apenas uma das partes não quer a realização da audiência ainda será possível a obtenção da autocomposição”. Entretanto, não se pode ingenuamente acreditar que a realização de audiência designada em quase todos os processos, mesmo contra a vontade de uma das partes, não ensejará o inchaço da pauta e a postergação demasiada da solução dos conflitos (NEVES, 2016, p. 820). Neste contexto, também ressalta: qualquer pessoa com mínima experiência no foro sabe que a chance maior é de que, criados, tais centros não consigam atender a enorme demanda a contento, até porque é difícil crer que venha a existir uma ilha de excelência num mar de crise. A tendência, portanto, é que as audiências sejam designadas para muito além dos 30 dias previstos no art. 334, caput, do Novo CPC e que o réu, sem razão, se valha do prazo previsto no § 5º do mesmo dispositivo legal para postergar o andamento procedimental (...) o legislador não parece ter atentado para o fato de que a realização obrigatória dessa audiência, mesmo com parte que manifestamente não pretende a solução consensual, congestionará a pauta de audiências de maneira considerável, atrasando ainda mais o já lento procedimento. (NEVES, 2016, p. 822-823)

Pelo exposto, forçoso considerar-se que, ainda que a intenção do legislador tenha sido a de valorizar a autocomposição, acabou por violar a disposição de vontade das partes que devem estar livres para não se submeter à audiência, bem como

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culminou por contribuir com a possibilidade de postergação na resolução do litígio, frente à necessidade de agendamento de audiências em quase todos os processos. Considerações Finais: É inegável o avanço alcançado com o novo CPC no incentivo à aproximação das partes para negociação e possível acordo em sede de audiência preliminar, antes do oferecimento da defesa. No entanto, não parece produtivo o entendimento esboçado no art. 334, §4º, I, do CPC que impõe manifestação expressa de ambas as partes para que a audiência não se realize. Refletindo-se sobre a manifestação de uma das partes em sentido contrário à conciliação pode-se afirmar que dificilmente esta vontade se alteraria pela simples imposição de comparecimento à audiência. Conclui-se, portanto, que o legislador não respeitou a autonomia de vontade das partes ao retirar-lhes a possibilidade de recusa unilateral na realização da audiência, e, indiretamente, contribuiu para a postergação do processo frente ao significante volume de audiências a serem designadas em atendimento ao art. 334 e assim, ferindo os princípios da celeridade e da razoável duração do processo. Referências BRASIL. Novo Código de Processo Civil. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2015. DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. 17ª ed. Salvador: Editora Jus Podivn, 2015. DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2015. MARINONI. Luiz Guilherme. ARENHART. Sérgio Cruz. MITIDIERO. Daniel. Curso de Processo Civil. Vol. II. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. MEDINA. José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. NEVES. Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora Jus Podivn, 2016. SANTOS. Ricardo Goretti. Manual de Mediação de Conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. THEODORO JR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 56ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

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