AUDIÊNCIAS PÚBLICAS COMO INSTRUMENTO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

July 25, 2017 | Autor: Luciana de Lemos | Categoria: Direito Constitucional, Participação Popular, Direito à Informação
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Acadêmica do 10º Período do Curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha. Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal do Espírito Santo. Pós Graduada em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral-MG. Pós- Graduanda em Direito Público pela Faculdade Estácio de Sá de Vitória. E-mail: [email protected].
DWORKIN apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988; Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 166.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em : Acesso em : 21 nov. 2012. Art. 5º, inciso XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
BULOS, Uadi Lamêgo; Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 520-521.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em : Acesso em : 21 set 2014.
Ademais, a Constituição da República Federativa do Brasil, além da referência já citada (art. 37, §3º), faz alusão à participação dos cidadãos na Administração em diversos dispositivos: arts. 5º, XXXIII, XXXIV, "a"; 10; 31, §3º; 74, §2º; 194, VII; 198, III; 204, II; 216, §2º.
BARBOSA apud BULOS, Uadi Lamêgo. Op. cit., p. 521.
BRASIL. Lei de Acesso à Informação: promulgada em 18 de novembro de 2011. Disponível em: Acesso em: 21 set. 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: Acesso em: 21 set. 2014.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 160.
The Public's Right to Know: Principles on Freedom of Information Legislation .Londres: junho de 1999. In: TOBY, Mendel. Liberdade de Informação: um estudo de direito comparado. Brasília: UNESCO, 200, p. 22.
MARTINS FILHO, Ives Gandra. Ética e ficção: de Aristóteles a Tolkien. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 52.
LAFER, Celso. Hannah Arendt – Pensamento, Persuasão e Poder. Rio: Paz e Terra, 1979, p. 39-53. In: ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 342.
DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 312.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988; Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 55.
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: Acesso em: 21 set. 2014.
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, (...), aos princípios da legalidade, (...). Inciso I atuação conforme a lei e o Direito; (grifo nosso)
Lei nº 8.625/1993, Art. 27. Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito: (...) Parágrafo único: (...) IV - promover audiências públicas (...).
Palestra proferida na Escola da Magistratura do Pará, em 03/12/1993. "Urge a adoção de medidas tendentes a eliminar o fosso entre os conflitos sociais e sua possível solução, até pelo cultivo nesta mesma sociedade de meios de se chegar a acordos por elas mesmas, utilizando a complicada máquina judiciária em casos extremos, diante de efetiva impossibilidade da composição" In: ALVES, Leonardo Barreto Moreira; ZENKNER, Marcelo. Ministério Público – Lei nº 8.625/1993: Dicas para a realização de provas de concursos artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2010, p.112.
BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência por uma Nova Hermenêutica por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 50-51.
GODOY, Miguel Gualano. Constitucionalismo e Democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto Gargarella. São Paulo: Saraiva, 2012, p.31.
GODOY, op. cit., p. 43.
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AUDIÊNCIAS PÚBLICAS COMO INSTRUMENTO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR


Luciana Cordeiro de Lemos


RESUMO

O artigo versa sobre as audiências públicas como instrumento da participação popular na gestão democrática das políticas públicas. Indagando-se: A legislação atual do Município de Vila Velha oferece respaldo jurídico para a institucionalização de audiências públicas como mecanismo capaz de estabelecer o diálogo social, garantir o exercício da democracia deliberativa e a participação popular nas decisões de relevante interesse da comunidade local? Concluiu-se que, embora haja previsão legal, as normas não são efetivamente aplicadas e não exercem a devida influência na vida dos cidadãos. Portanto, é inevitável o questionamento das bases conceituais para a institucionalização jurídica de condições para o exercício efetivo do direito à informação. Optou-se pelo método dedutivo, com base bibliográfica, documental e jurisprudencial.

Palavras-chave: Audiência Pública. Direito Fundamental. Participação Popular. Democracia Deliberativa.


ABSTRACT

This article examines the issue of the public audiences as an instrument of popular participation in the democratic management of social policies. In response to the question: The current legislation of the municipality of Vila Velha offers legal support for the institutionalization of public hearings as an able mechanism to establish social dialogue, ensure the exercise of deliberative democracy and popular participation in the decisions of relevant interest of the local community? Concluded that, although there is legal provision, the standards are not effectively enforced and do not exert the proper influence in the live of citizens. Therefore, making inevitable the questioning of the conceptual bases for the legal institutionalization of conditions for the effective exercise of the right to information. It was deductively written based on bibliographic, documentary and jurisprudential sources.

Keywords: Public Audience. Fundamental Right. Popular Participation. Deliberative Democracy.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende, em sua essência, enfrentar o tema das audiências públicas como instituto de participação popular e, buscar por uma resposta ao problema proposto, a saber: A legislação atual do Município de Vila Velha oferece respaldo jurídico para a institucionalização de audiências públicas como mecanismo capaz de estabelecer o diálogo social, garantir o exercício da democracia deliberativa e a participação popular nas decisões de relevante interesse da comunidade local?
Por outro lado, é inquestionável a atualidade do tema haja vista ser de fundamental importância o maior uso de instrumentos de participação social nas discussões que envolvem o planejamento e gestão dos municípios, como uma forma de democratizar as atividades da Administração Pública, visando dialogar com aqueles que a cercam e, por meio de políticas públicas que consolidem os direitos e garantias fundamentais, dar efetividade à democracia deliberativa.
Ademais, este trabalho objetiva investigar na legislação municipal, acerca das audiências públicas, que dispositivos estariam voltados para a participação deliberativa da sociedade nos processos decisórios. Neste sentido, o texto foi elaborado em quatro capítulos.
O primeiro tratou da definição e contextualização da palavra informação, bem como dos aspectos inerentes ao direito à informação e o lugar de destaque que ele ocupa, hoje, no discurso político-jurídico. Para tanto, analisou-se, de forma sintética, os princípios constitucionais explícitos e implícitos que informam o direito à informação como garantia fundamental para o exercício democrático da participação popular, com destaque aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da legalidade, da publicidade e da liberdade de informação.
Já o segundo, discorreu sobre o conceito de audiência pública e sua contextualização no âmbito da Administração Pública. O terceiro foi dedicado à análise da legislação do Município de Vila Velha/ES, no que se refere às audiências públicas e o quarto, por sua vez, dedicou-se à democracia deliberativa e à participação popular nas decisões de interesse público.
Este trabalho decorre de uma indagação pessoal, mas de repercussão política e social geral: A participação popular em audiências públicas está associada ao direito à informação? A sonegação ou a informação inadequada contribui para desestimular, ou desqualificar a ação política, ou ainda, para inibir a participação popular? A audiência pública, um instrumento à disposição da Administração pública, é capaz de fomentar a cidadania, salvaguardar a dignidade da pessoa humana e permitir que o povo exerça sua soberania, fazendo jus aos preceitos constitucionais?
Procurar uma resposta para essas questões foi uma oportunidade para colocar em prática os conhecimentos que adquiri ao longo da minha trajetória profissional, bem como aperfeiçoar meus conhecimentos jurídicos e, acima tudo, exercer de forma efetiva meu dever de cidadã buscando ampliar os mecanismos de participação popular, incluindo a população como parte da solução de seus problemas.
Além disso, o tema foi escolhido em razão da sua relevância jurídica e político-administrativa, da sua importância na estrutura institucional do planejamento e gestão do município, bem como, do aprofundamento do debate que propicia no momento em que a comunidade acadêmica passa a interagir com o poder público. É nesse âmbito que se insere a necessidade de institucionalizar as audiências públicas como mecanismos de participação popular em caráter multidisciplinar, promovendo debates entre a instituição e o poder público em seus diferentes setores e áreas de atuação.
Isso sem contar que se trata de uma oportunidade para que a comunidade acadêmica promova a articulação entre a sociedade civil e o poder público, onde exercerá relevante influência no despertar da sociedade para que ela possa recriar as condições políticas, por meio do diálogo social, capaz de inserir a população na vida política, participando democraticamente das decisões públicas.
O trabalho foi elaborado de forma dedutiva com base em fontes bibliográficas, valendo-se de dados já registrados e elaborados em livros e artigos científicos pertinentes ao tema, além da legislação específica e constitucional, bem como de jurisprudência. Registre-se, ainda, que não dispõe o presente artigo de uma matriz teórica específica, mas de um marco teórico-referencial. Isso ocorre dada a impossibilidade de se identificar uma única teoria que o sustente.
Este trabalho é, assim, um primeiro passo para se repensar de que forma o advento da sociedade da informação aliado à evolução das teorias democráticas, que dão ênfase a democracia deliberativa e admitem a relevância da participação popular nas decisões públicas, provocam mudanças de paradigmas que contribuem para a expansão dos limites naturais do poder jurídico.
Por uma questão de coerência com a proposta da pesquisa é fundamental que se estabeleça um marco conclusivo no presente trabalho, entretanto, as respostas apresentadas, apresentam-se como novos desafios, apontam alguns questionamentos genéricos sobre a emergência, de uma reflexão atual sobre a participação popular, de um pensamento crítico e interdisciplinar, para conscientizar a sociedade de que, por meio do debate, é possível mudar valores e atitudes e garantir uma democracia deliberativa.


O DIREITO À INFORMAÇÃO

A importância do direito à informação é reconhecida internacionalmente, isto é, reconhece-se globalmente que o acesso à informação sob o controle de órgãos públicos é essencial para o efetivo respeito aos direitos humanos. Parafraseando a célebre assertiva de Dworkin de que o governo que não toma a sério os direitos não leva a sério o Direito, poder-se-ia dizer que, o poder público que deixa de informar está violando um direito fundamental que é a base do direito ao conhecimento, do direito ao saber ou à verdade.
Para além do que foi dito, convém não esquecer que quando o assunto é o de direito à informação, indiretamente está presente o tema da democracia que na sua essência implica prestação de contas e boa governança. Tornar efetivo o direito à informação é um dos grandes desafios do Estado de Direito na construção da democracia deliberativa. Particularmente, quando vivemos o desafio imposto pelas novas relações jurídico-sociais na era da informação.


DO DIREITO À INFORMAÇÃO E SEUS PRINCÍPIOS INFORMADORES

Assim como o direito à democracia, ao pluralismo e à liberdade de informação, o direito de informação é um direito fundamental de sexta geração assegurado aos cidadãos nos termos do art. 5º, inciso XXXIII da CRFB/88. Nas palavras de Bulos, temos que:

O direito de informação, por sua vez, é outra liberdade pública da coletividade. Não se personifica, muito menos se dirige a sujeitos determinados. Conecta-se a liberdade de informação. Porque todos, sem exceção, têm a prerrogativa de informar e de ser informado. O acesso ao conhecimento não pode ser tido como privilégio de uns em detrimento de outros.

Ao lado da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, há a publicidade como princípio que rege a Administração Pública, disposto no art. 37, § 3º, inciso II, CRFB/88, e atinge diretamente os atos normativos e de gestão ao vincular a administração direta e indireta de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Vale ressaltar que, no caput do referido parágrafo, o constituinte, de fato, e de forma expressa, prevê a participação do usuário na Administração Pública, deixando a cargo da legislação ordinária a sua regulamentação.
Estreitamente vinculado à liberdade de informação na medida em que todos, sem exceção, têm a prerrogativa de informar e ser informado, o princípio da publicidade não deixa de ser uma liberdade pública que não só garante a liberdade de imprensa, como também a liberdade de expressão, ou seja, de manifestação das próprias ideias. Entretanto, não basta assegurar tal liberdade sem que o Estado exerça o seu dever de informar e, o cidadão, por sua vez, exerça o seu direito de participar do processo informativo.
O direito fundamental, mesmo que reconhecido e declarado, fica mitigado em seu conteúdo se não for garantido, ou seja, não há que se confundirem direitos com garantias fundamentais. Na brilhante formulação de Ruy Barbosa:

[...] os direitos fundamentais consagram disposições meramente declaratórias (imprimem existência legal aos direitos reconhecidos). Já as garantias fundamentais contêm dispositivos assecuratórios (defendem direitos, evitando o arbítrio dos Poderes Públicos) [República: teoria e prática (textos doutrinários sobre direitos humanos e políticos consagrados na Primeira Constituição da República].

Acoplado ao direito à informação, consagrado no art. 5º, inc. XXXIII, suprarreferenciado, encontra-se o Decreto 4.520, de 16.12.2002, que dispõe sobre a publicação do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça do Brasil, estipulando, em âmbito federal, o que deve ou não deve ser submetido à publicação.
Em vigor desde Maio de 2012, a Lei 12.527/2011 – Lei de Acesso a Informação -, veio para regulamentar o acesso à informação previsto no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal . Essa lei obriga órgãos públicos federais, estaduais e municipais a oferecer informações relacionadas às suas atividades a qualquer pessoa que solicitar os dados, ao mesmo tempo em que determina que esses órgãos públicos criem centros de atendimento dentro de cada um deles, chamados de SIC (Serviço de Informação ao Cidadão). Para isso precisarão implantar uma infraestrutura capaz de atender e orientar o público quanto ao acesso às informações de interesse difuso e coletivo.
Em verdade, o dever de tornar transparentes os atos da Administração Pública, sejam eles legislativos, administrativos ou executivos vai além de simplesmente dar a eles publicidade. Quando nos referimos à participação do cidadão em procedimentos administrativos devemos considerar que, quando bem concretizada, revela-se como um instrumento de eficiência da gestão administrativa e de concretização dos direitos fundamentais por parte do Poder Público.
Sendo assim, os interessados em participar dos procedimentos administrativos devem ter garantido o seu direito de acesso a essa informação, possibilitando a sua participação no controle preventivo e repressivo dos atos de gestão do Poder Público, passíveis de interferir de alguma forma em direitos, interesses ou bens jurídicos, enfatizando o direito à informação como fundamento essencial da democracia em todos os níveis.
Há quem defina a informação como "o oxigênio da democracia" - Definição dada pela ONG de direitos humanos internacionais Artigo 19, Campanha Global pela Liberdade de Expressão.. Neste sentido deve-se dizer que a efetividade da democracia está diretamente relacionada com a capacidade dos indivíduos de participar de forma ativa da tomada de decisões que os afeta.
Paralelamente, deve-se cuidar para que o acesso ao saber, não seja tido como privilégio de uns, em detrimento de outros. Outrossim, é imprescindível, como garantia do livre fluxo das informações e das ideias, a aplicação efetiva do princípio da publicidade, ou seja, fazer com que os órgãos públicos detenham informações não para eles próprios, mas em nome do povo.
A liberdade, seja ela política, social ou econômica, não é absoluta, ou seja, possui certas limitações intrínsecas que por si só tornam possível a vida social: "a liberdade de cada um termina onde começa a do outro". Por outro lado, Hannah Arendt , sabiamente e de forma precisa declara: "(...) a liberdade só pode ser exercida mediante a recuperação e a reafirmação do mundo público".
A par disso, vale dizer que, sendo o homem um ser ontologicamente social, sua liberdade deve ser compreendida do ponto de vista do homem social, do homem inserido em seu meio, daquele que não existe isolado da sociedade. Portanto, a liberdade humana é, necessariamente, uma liberdade social, situada e interpretada conforme suas relações sociais, isto é, concebida conforme o relacionamento dos indivíduos entre si, donde surgem deveres e responsabilidades.
Dito dessa maneira, a formação de cidadãos inseridos e atuantes na comunidade política criativa e criadora, cidadãos livres e conscientes dessa liberdade, aptos para agir de forma ativa e efetiva, capazes de problematizar os códigos culturais vigentes, somente será possível por meio de um processo educativo adequado, transparente e comprometido com o direito à informação e, consequentemente, com a dignidade da pessoa humana.
Esse processo decorre naturalmente da efetiva garantia ao livre fluxo de informação, da limitação da discricionariedade do poder público na divulgação e direcionamentos da informação necessária e fundamental para o exercício democrático da cidadania e construção de um pensamento crítico.
Nesse passo, convém abordar o princípio da dignidade da pessoa humana, núcleo axiológico da Constituição e informador de todo o ordenamento jurídico, utilizado como critério e parâmetro de valoração a orientar toda interpretação e compreensão do sistema constitucional.
A Constituição de 1988 ao consagrá-lo como fundamento da República e de nosso Estado democrático de Direito (artigo 1°, III, CRFB/88) reconhece, indubitavelmente, que é o Estado que existe em função da pessoa humana, isto é, o ser humano constitui a finalidade essencial, e não meio da atividade estatal.
Recolhendo aqui a lição de Ingo Sarlet, é preciso cuidar para que a noção de dignidade não seja vista como mero apelo ético, ou melhor, o seu conteúdo deve, indiscutivelmente, ser determinado no contexto da situação concreta da conduta estatal e do comportamento de cada pessoa humana. Nesse sentido, constata: "A dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais (...) condição dúplice que aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da dignidade".
Logo, infere-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, quando politicamente considerada, exige uma democracia no sentido originário da palavra, ou seja, a participação no poder por todos, pois, a dignidade é pressuposto de igualdade real de todas as pessoas humanas e do próprio Estado Democrático de Direito.
Inerente ao Estado Democrático de Direito e consagrado na Constituição de 1988, em seu artigo 5°, caput, encontra-se o princípio da igualdade que diz serem todos são iguais perante a lei e, ao mesmo tempo em que prevê a igualdade de direitos, impõe um objeto de reflexão, investigação e debate ao buscar sempre uma maior isonomia ou, quando não, uma redução das desigualdades.
De tal sorte que a reflexão sobre o princípio da igualdade deve, necessariamente, incluir a liberdade, mais especificamente, a igualdade de liberdade ou, melhor dizendo, a igualdade de oportunidade, portanto, imprescindível a instituição de políticas públicas aptas a combaterem o processo de exclusão social, buscando soluções para realidades locais, de interesse direto dos Municípios.
Na sequência, consagra-se o princípio da legalidade cujo fundamento encontra-se no artigo 4° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), marco inicial do Estado de Direito, que, inclusive observa os limites da lei para o exercício do poder. É certo que, o Estado de Direito está sujeito aos parâmetros da legalidade e, todas as suas ações estão subjugadas a um quadro normativo, impositivo para todos – Estado e indivíduos.
É de se dizer que a CRFB/88 ao afirmar no parágrafo único do art. 1° que, "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição", bem como, declarar a tripartição do exercício do poder no art. 2°: "São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário", determina, portanto, ser o Brasil um Estado Democrático de Direito.
Aqui interessa apresentar a interpretação dada pelo direito administrativo que determina que, em qualquer atividade, a Administração Pública está estritamente vinculada à lei. Assim, se não houver previsão legal, nada pode ser feito, uma vez que a Administração Pública não tem vontade autônoma. Entre a Administração e a lei prevalece uma relação de subsunção, ou seja, a lei expressa a vontade do povo e à Administração só é permitido fazer aquilo que está expressamente previsto no ordenamento legal.
Ademais, a legalidade encontra previsão nos artigos 5º, inciso II e 37, caput, ambos da CRFB/88, sendo sua observância de caráter obrigatório por parte do administrador público, tendo em vista, ser o gestor da coisa pública. Em contrapartida, a lei 9.784/99 (Regula o processo administrativo da Administração Pública Federal), no art. 2º, I, reclama por: "atuação conforme a lei e o Direito".



A AUDIÊNCIA PÚBLICA

A audiência pública como instituto da participação popular é um importante mecanismo à disposição da Administração Pública para que, esta possa dar efetividade aos preceitos constitucionais, de forma célere e eficaz, ao permitir que a população participe de debates, nos quais sejam colocados em pauta questões de relevante interesse social, em especial, quando da definição de políticas públicas e elaboração de normas.
Cumpre ao Ministério Público a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual e, para tanto, o legislador outorgou ao órgão ministerial o dever de realizar audiências públicas a fim de que, ao promovê-las, tenham por objeto, a sensibilização e mobilização dos diversos setores de uma comunidade em torno de determinadas questões.
Ademais, enquanto estratégia de atuação institucional para a abordagem extrajudicial de certos assuntos, envolvendo interesses difusos ou coletivos, constituem espaços democráticos para a coleta de dados e construção de propostas para o enfrentamento das questões postas em discussão, oportunizando-se às pessoas o exercício de sua cidadania, ao permitir que expressem seus anseios e opiniões, que servirão de subsídios aos órgãos responsáveis pela propositura das devidas soluções.
Importante ressaltar, que a atuação do Ministério Público deve evoluir no sentido de dar maior ênfase para os modos de solução extrajudicial dos conflitos, utilizando-se da via jurisdicional apenas em caráter residual ou subsidiário. Nesse sentido, sugere a Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi, que se adotem medidas tendentes a eliminar os obstáculos que impossibilitam uma possível solução para os conflitos sociais, por meio da conciliação.
Para tanto, as audiências públicas devem ser reuniões bem organizadas e conduzidas, com tema bem definido e buscando-se a participação de pessoas e autoridades que tenham afinidades, interesses ou responsabilidades em relação aos temas que serão debatidos.


A LEGISLAÇÃO DO MUNICÍPIO DE VILA VELHA/ES

A Lei Orgânica do Município de Vila Velha – Lei nº 01 de 25 de outubro de 1990, ao garantir uma vida digna a seus habitantes, com base nos princípios constitucionais, prevê em seu art. 1º, §5º, alínea "d", a participação popular nas decisões do Município e no aperfeiçoamento democrático de suas instituições, assim como, assegura a participação popular junto ao Poder Executivo para discussão dos assuntos municipais, através de instituição de audiências com entidades representativas das organizações populares e dos trabalhadores do Município, em seu art. 49, parágrafo único, alínea "c".
Ademais, no art. 64, declara que, além das diversas formas de participação popular previstas na Lei Orgânica, está assegurada a existência de conselhos municipais, compreendidos como representações institucionais da participação nas diversas áreas de interesse da população, especialmente saúde, educação, meio ambiente, transporte, desenvolvimento urbano, menor, cultura, moradia e direitos humanos, sendo reconhecidos como organismos de consulta opinião e fiscalização.
Confirma no art. 69 que a participação popular mediante a audiência pública é indispensável nas deliberações que envolvam as questões relativas ao planejamento urbano (Plano Diretor – arts. 148 a 153), bem como, determina que a administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes obedecerá aos princípios constantes na Constituição Federal, Estadual, assim como ao da participação popular nas decisões (art.76, VII).
No art. 123 estabelece que, com base no disposto na Constituição Federal, capítulo IV, art. 29, inciso X, fica garantida a participação popular nas decisões, elaboração e execução do orçamento anual, plurianual e da Lei de Diretrizes Orçamentárias, assim como, assegura, no art. 143, que o Município buscará, por todos os meios, a participação e a cooperação das entidades representativas da sociedade civil no planejamento Municipal, inclusive, no que se refere ao estabelecimento das diretrizes relativas ao desenvolvimento municipal, que requer a participação ativa das entidades representativas no estudo (art.147, III).
Além disso, garante a participação das organizações populares ou comunidades na definição das políticas habitacional (art. 163), de saneamento básico (arts. 166, III e 168), do meio ambiente (arts. 187 e 198), do transporte (art. 213), educacional, cultural e desportiva (art. 219, II, art. 230, parágrafo único e art. 242), desportiva (art. 243, XXII), da família, da criança, do idoso e do deficiente físico (art. 249), da seguridade social (art. 257 e 275, III).
Sendo assim, há de se observar que, apesar da legislação municipal garantir, de forma expressa, a participação popular, faz-se necessário que tais garantias constantes do ordenamento jurídico sejam transformadas em efetivos instrumentos de participação na defesa dos direitos da sociedade, sejam criados espaços públicos onde a população possa defender seus interesses e ideais.


A DEMOCRACIA DELIBERATIVA E A PARTICIPAÇÃO POPULAR NAS DECISÕES DE INTERESSE PÚBLICO

A palavra democracia vem do grego antigo e quer dizer: governo do povo, detentor da sabedoria e do poder político, ou seja, traduz-se em um regime de governo que subsiste há séculos. Nesse sentido, disse Lincoln, que "democracia é o governo do povo, para o povo, pelo povo". Dessa máxima lapidar infere-se que "o povo é sujeito ativo e passivo de todo esse processo, mediante o qual se governam as sociedades livres", assim como, na formulação do conceito de Democracia – "povo participante, povo na militância partidária, povo no proselitismo, povo nas urnas, povo elemento ativo e passivo de todo o processo político, povo, enfim, no poder".
Todavia, neste trabalho, na esteira do que averbou Godoy, o objeto de estudo não é remontar às origens da democracia e tampouco às teorizações que a constituíram nos moldes atuais. Assim sendo, o que se pretende é demonstrar que entre o Estado de Direito (ou o Constitucionalismo) e a Democracia existe uma a relação tensa, aparentemente lógica, mas repleta de contradições em sua estrutura.
Sem que aqui se vá aprofundar este ponto, importa registrar que se de um lado o constitucionalismo assegura direitos, por outro lado a democracia dá conteúdo e eficácia a esses direitos ao estabelecer a importância da participação popular, direta ou indiretamente, nos processos de discussão e decisão, especialmente aqueles que envolvem questões de planejamento e implementação de políticas públicas, articulando suas vontades e necessidades. Para tanto, reporta-se ao que foi dito por Godoy

Em suma, é essa relação entre poder constituinte, entendido como o poder soberano do povo, e o soberano, entendido como o povo que funda uma nova ordem normativa a fim de se autolegislar, que fundamenta e dá forma à difícil, tensa e paradoxal relação entre constitucionalismo e democracia. Tensão essa que deve ser encarada como algo positivo e produtivo e, ao contrário do que afirma Negri ou Agamben, não aniquila o constitucionalismo nem tampouco a democracia. Pois é justamente esse conflito que os alimentam, os forçam a se manifestar e produzir efeitos – o constitucionalismo assegurando direitos e a democracia dando conteúdo e eficácia a esses direitos e estabelecendo a participação popular nos processos de discussão e decisão. (grifo nosso)

Embora não se possa adentrar o debate com profundidade, é notável o salto qualitativo no que se refere às teorias democráticas, em especial, quando se percebe o resgate do espaço público onde os cidadãos podem interagir e se posicionar de forma crítica perante o Estado, enfatizando uma construção argumentativa de suas preferências em detrimento da mera agregação de interesses.
A análise dessa evolução histórica das teorias democráticas revela a necessidade premente de dotar os indivíduos de capacidade deliberativa. Estando aptos a deliberarem sobre as questões sociais, o povo pode resgatar o espaço público e participar na gestão pública de forma efetiva. Para isso, precisa compreender a ideologia dominante e ampliar o conceito daquilo que entende por "gestão pública", transcender o estado de alienação política em que se encontra e, a partir daí, criar mecanismos eficientes de participação no discurso social.
Nesse contexto, o objetivo é expressar a noção de que a democracia deliberativa detém o poder de harmonizar, por meio da discussão pública, os interesses conflitantes, isto é, presume-se que por meio do debate público o resultado da discussão aproximar-se-á da solução mais imparcial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho é resultado de um estudo minucioso, elaborado de forma dedutiva com base em fontes bibliográficas, documentais e jurisprudenciais, valendo-se de dados já registrados e elaborados em livros e artigos científicos pertinentes ao tema que exigiu muita leitura, reflexão e acima de tudo, capacidade de síntese em função da quantidade de autores pesquisados.
Em sua essência versou sobre as audiências públicas como instituto de participação popular, partindo do pressuposto que a informação está vinculada à participação popular e às políticas públicas. Para além dos aspectos já referidos, colocou o problema de saber até que ponto a participação popular está associada à informação ou ao acesso às informações e, de que forma a sonegação ou a informação inadequada poderiam contribuir para desestimular, ou desqualificar a ação política, ou a participação popular.
Ademais, ponderou acerca da existência de mecanismos capazes de permitir ao povo o exercício de sua soberania e cogitou a respeito da não existência de políticas públicas que pudessem transformar em poder de fato o poder legal que esses mecanismos possuem. Por outro lado, o objeto da pesquisa seria investigar na legislação municipal, acerca das audiências públicas, que dispositivos estariam voltados para a participação deliberativa da sociedade nos processos decisórios. Para tanto, o texto foi elaborado em quatro capítulos, conforme se segue.
No primeiro capítulo desenvolveu-se o tema do direito à informação e a sua importância no contexto político e jurídico, como garantia ao livre fluxo de informação, essencial ao exercício da cidadania. Para tanto, analisou-se, de forma sintética, os princípios constitucionais explícitos e implícitos que informam o direito à informação como garantia fundamental para o exercício democrático da participação popular, com destaque aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da legalidade, da publicidade, da liberdade de informação e da participação popular.
O segundo capítulo discorre sobre o conceito de audiência pública e sua contextualização na gestão pública. O terceiro foi dedicado à análise da legislação do Município de Vila Velha/ES, no que se refere às audiências públicas. O quarto capítulo, dedica-se à democracia deliberativa e à participação popular nas decisões de interesse público, onde o que se pretendeu foi demonstrar que entre o Estado de Direito e a Democracia existe uma a relação tensa, aparentemente lógica, mas repleta de contradições em sua estrutura. A partir dessa análise, revelou-se a necessidade premente de dotar os indivíduos de capacidade deliberativa para que, ao promover o debate, alcancem a superação dos conflitos sociais, naturalmente polêmicos e complexos, por meio da cooperação de atitudes e condutas.
Apresentados, de forma sintética, o tema proposto revelou ser bastante atual, presente no discurso social contemporâneo e, mostro-se eficiente na comprovação das hipóteses suscitadas. Quanto à participação popular, é certo que sua efetividade está diretamente vinculada ao devido acesso à informação.Oportuno se torna dizer que, embora se admita alguma limitação na sua divulgação, a informação precisa ser adequada, transparente e disponibilizada com frequência. Enfim, deve-se miniminar os obstáculos e ampliar as oportunidades de participação da população na gestão pública.
Conclui-se assim que, de fato, em termos de ordenamento jurídico, existe previsão legal capaz de permitir que se realizem audiências públicas que permitam ao povo exercer a sua soberania, entretanto, elas não se constituem de uma práxis regular do poder público, capaz de produzir efeitos específicos ou de exercerem qualquer influência na vida dos cidadãos.
O governo possui o poder legal, é ele quem escolhe transformar esse poder em ação (poder de fato), ou, simplesmente, quedar-se inerte. Pode optar por agir diretamente ou por delegação, mas, algumas vezes, simplesmente, opta por não fazer nada, ignorando a essência da política pública, ou seja, afasta o embate em torno de ideias e interesses e renuncia à todas as possibilidades de cooperação que poderiam existir entre os governos e outras instituições ou grupos sociais.
Quer se trate da participação popular, do acesso à informação ou da democracia deliberativa, diante da constatação de que o exercício da soberania, mesmo que fragmentado, é eminentemente político, é inevitável que se questione as bases conceituais para a institucionalização jurídica de condições para o exercício efetivo não somente, do direito à informação, como também, do direito à participação deliberativa e democrática, ambos entendidos como direitos humanos fundamentais.



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