Audiovisual como profissao

June 13, 2017 | Autor: Jô Levy | Categoria: Cinema, Audiovisual, Mercado audiovisual
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Audiovisual como profissão Jô Levy Revista Janela - 29/05/2013

Fico imaginando que fazer Engenharia Mecatrônica não deve ser fácil. Entre os graus de dificuldade talvez o maior seja explicar aos parentes e amigos o que é mecatrônica, mas a vantagem é que esse nome vem precedido de outro que já diz tudo: engenharia. Engenheiros, médicos e advogados surgiram no Brasil desde o período imperial. Vieram da necessidade de construir as cidades, tratar os doentes e cuidar das propriedades. Foi preciso séculos para que o mestre-de-obras, o boticário e o rábula perdessem espaço para profissionais diplomados e com formação específica. E mais décadas ainda foram necessárias para que esses ofícios se institucionalizassem em profissões, com seus códigos de conduta, normas, espaço de atuação delimitado, deveres a cumprir, direitos a reivindicar. No jogo do mercado, dependendo da posição de determinada profissão, o profissional que a exerce pode obter como recompensa indireta pelo seu trabalho, lucros financeiros, status, sucesso ou tão somente – e não menos importante-, “bônus de satisfação”. Quem escolhe, hoje, fazer um curso de Audiovisual vai enfrentar o desafio de ajudar a legitimar esse segmento profissional. Conforme o Ministério do Trabalho e Emprego, no Brasil existem 2.422 ocupações. Isso significa que as atividades profissionais podem ser agrupadas conforme suas especificidades, área de atuação e competências demandadas. O Audiovisual, por exemplo, está dentro da grande área Produção Artística e Cultural, segmento que abrange tanto profissionais do ramo das artes cênicas, quando realizadores multimídia. Um segmento profissional com um espectro tão grande de atuação torna difícil realizar classificações muito precisas. E isso acaba por tornar o trabalho de formação profissional também mais complexo. Em 2006, portanto há pouco tempo, o Ministério da

Educação instituiu as diretrizes curriculares para os cursos de Audiovisual. Este é o documento que estabelece parâmetros para a elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos superiores nesta área no Brasil. Ou seja, há menos de dez anos, o Audiovisual não era uma profissão e no âmbito da academia também não era uma área do conhecimento reconhecida como tal. O curso superior de Cinema existe no Brasil desde a década de 1960 e para suprir a demanda de profissionais de rádio e televisão foi criada a graduação em Rádio e TV, cuja regulamentação profissional data de 1978. Contudo, a partir dos anos 2000 muitos dos cursos de Cinema e outros de Rádio e TV se transformaram em cursos de Audiovisual. Foi assim na Universidade de Brasília (UnB) e na Universidade de São Paulo (USP). A emergência do Audiovisual, como campo profissional e de interesse científico, coaduna com a convergência das mídias. Este fenômeno se intensifica com o surgimento de dispositivos digitais e a inscrição de novas práticas comunicativas. Como linguagem, o Audiovisual articula qualquer “fala” expressa em imagem e som. É por isso que quando falamos em Audiovisual estamos nos referindo a cinema, televisão e internet e todas as produções que conjugam imagem e som, desde um programa de TV, um filme no cinema, um vídeo ou animação na web, por exemplo. Extrapolando o âmbito da linguagem e adentrando no campo da atuação profissional, vamos encontrar territórios que até há poucos anos estavam bem demarcados: jornalistas cuidavam de produzir informações, cineastas faziam filmes, publicitários faziam peças publicitárias para vender produtos e ideias e um cidadão comum podia ser apenas espectador. Ocorre que a convergência dos suportes midiáticos fez borrar essas fronteiras. A televisão é também um computador e vice-versa, um filme pode estar na telona do cinema ou na telinha de um dispositivo móvel e a internet sincretiza o que antes existia em separado: mídia impressa, rádio, fotografia, filme e vídeo. Evidentemente o profissional capaz de atuar num mercado tão difuso também é outro, afinal cargos e empregos vão sendo substituídos por funções e projetos.

A televisão aberta parece ser o campo de atuação que ainda conserva características de empresa tradicional, com o oferecimento de empregos com carteira assinada ou, sendo pública, abrindo concurso para a contratação de funcionários. Como no Brasil a produção audiovisual regional neste meio é reduzida, o que temos é o conteúdo maciço disseminado pelas grandes emissoras de TV (situadas no Rio de Janeiro e São Paulo) para todo o país. Em função desse modelo de comunicação brasileiro, os mercados locais são estrangulados pelas grandes corporações midiáticas. Uma olhada na grade de programação dos canais abertos vai atestar a quase ausência de programas locais de entretenimento e a prevalência de telejornais, muitos dos quais formatados segundo a determinação da emissora cabeça de rede (Globo, SBT, Record, Band, etc.). O segmento publicitário, cuja demanda de trabalho costuma ser mais regular, tem sido o destino de várias produtoras. No entanto, com um mercado audiovisual local tão pequeno, muitas produtoras são levadas a atuar na informalidade. Outra mudança significativa no mercado é decorrente do barateamento dos equipamentos de produção de imagens e a criação de dispositivos cada vez mais portáteis e móveis. Isso tem favorecido o “empoderamento” do usuário, o que por um lado amplia o acesso à produção e o consumo de conteúdos audiovisuais, mas que também, como consequência, submete os parâmetros da qualidade de serviços e produtos ao amadorismo. Todas essas mudanças tecnológicas e suas consequentes mudanças sociais (ou o contrário) provocam o surgimento de novas demandas e força a reconfiguração do mercado. Um aluno que ingressa num curso de Audiovisual e que precisa atender às expectativas familiares, no sentido de responder ao investimento que a família está fazendo em sua formação, sofre um bocado, porque neste cenário não há garantias. Num mercado tão fluido e dependente de inovações tecnológicas, como prever que uma ocupação profissional vai sobreviver? Contudo, é possível observar que a despeito da condição rarefeita de empregos, fato que não diz respeito apenas a este segmento profissional, há trabalho em abundância. É crescente a demanda por trabalho nos segmentos

artísticos e culturais, mas emprego (leia-se carteira assinada, salário, ponto) não está disponível na mesma medida. Isso coloca em questão duas variáveis importantes. A primeira delas diz respeito ao perfil demandado para atuar nessa área, ou seja, pessoas com boa capacidade de adaptação e versatilidade, além de pouco afeitas ao cumprimento de horários fixos e metas rígidas. Menos estabilidade por um lado e mais liberdade de atuação, por outro. O segundo ponto que esta configuração do mercado evidencia é que, por trás de um maior trânsito profissional e uma suposta liberdade de atuação, revela-se a precarização do trabalho, com a ausência de regras que amparem o trabalhador. Desse modo, encontramos pessoas que trabalham muito, mas não são remuneradas de forma justa. E esta não é uma constatação que se aplica apenas ao mercado brasileiro. O jornal The New York Times publicou uma matéria apontando que o americano com menos de 30 anos tem baixos salários, longas jornadas de trabalho e precisa ficar disponível em tempo integral. Ross Perlin, autor do livro Intern Nation (Nação estagiária) observa que particularmente em profissões no ramo do cinema e TV, editoração e mídia, “as empresas pressionam para ver o que podem conseguir dos jovens com pouco investimento. E as pessoas estão desesperadas o suficiente para aceitar isso”. O recém formado no curso de Comunicação Social-Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Adriano Venâncio Andrade, comenta que o mercado audiovisual goiano insiste em economizar na mão de obra, e esta, por sua vez, não se organiza para reivindicar melhores condições de trabalho. “As produtoras goianas estão mal acostumadas com uma mão de obra barata que não possui representatividade. Não existe tabela de preços, não existe sindicalização. Se um ‘profissional’ cobra um preço mais barato que outro, a voz da economia fala mais alto na cabeça de um contratante que não sabe o prejuízo que é economizar dessa forma”. A precarização do trabalho não atinge apenas ao segmento audiovisual, nem tampouco é uma peculiaridade do mercado goiano, segundo a pesquisadora inglesa Briged Conor as más condições de

trabalho estão presentes nos empreendimentos artísticos e culturais, isto é, nas chamadas indústrias criativas. Em entrevista concedida ao jornal Valor Econômico Briged Conor destaca que “nas indústrias criativas, ninguém quer falar sobre condições precárias de trabalho ou sobre quando flexibilidade não significa necessariamente liberdade ou vantagem. Essa não é uma conversa bem-vinda”. E completa: “Esse é um setor muito sedutor. E a indústria alimenta a imagem de ser feita para pessoas jovens, cheias de energia, smartphone a postos noite e dia. Em Londres, neste momento, muitas companhias contam com a mão de obra de estagiários que, na maioria das vezes, não serão contratados. Isso, para mim, é trabalho não remunerado, simples assim. Esses jovens pagam para estar no ambiente criativo, gastando com transporte e alimentação. É preocupante que o trabalho não remunerado tenha se tornado parte da estrutura da indústria cultural”. Na base dessas condições de trabalho estaria a noção de que “criatividade e produção artística sempre estiveram ligadas a prazer, a algo que você não precisaria ser pago para fazer. É assim que, muitas vezes, a exploração ocorre”.

Mapa do mercado Desde setembro de 2012 tem sido realizado um mapeamento da cadeia produtiva do audiovisual de Goiás [veja box]. O mapeamento é conduzido pelo Fórum Goiano do Audiovisual e pela Associação Brasileira de Documentaristas- Seção Goiás – ABD-GO. O objetivo do levantamento, segundo o Secretário da ABD-GO, Erasmo Alcântara, é orientar de forma permanente e continuada a construção de estratégias de fomento a serem implementadas por gestores públicos nas três esferas e também pela iniciativa privada. “Com os dados, é possível saber quem está produzindo, seu nível de experiência e qualificação, o perfil dos projetos e como eles estão sendo viabilizados. Dessa forma, podemos identificar pontualmente os gargalos que precisamos combater para o desenvolvimento de um verdadeiro fluxo de produção e de um programa de formação consistente, contribuindo para a profissionalização da cadeia produtiva”, esclarece.

O mapeamento já recebeu a participação de 181 profissionais e um dos resultados apresentados é o pouco tempo de atuação em audiovisual, sendo que mais de 50% têm menos de cinco anos de trabalho. O Superintendente Executivo e Gestor Cultural da Secretaria de Cultura de Goiás, Décio Coutinho, analisa que esse dado revela dois aspectos: “Isso pode nos mostrar que há uma renovação e um importante movimento de adesão recente à produção audiovisual em nosso Estado, mas pode também apontar para uma desistência dos mais experientes na atividade, que podem estar mudando de atividade ou de Estado”. É possível que esteja ocorrendo tanto a renovação do mercado profissional, como a migração para outros mercados. Um terço das pessoas em atividade no segmento audiovisual em Goiás, conforme o mapeamento, são estudantes de audiovisual, o que indica que parcela considerável da mão de obra ainda é inexperiente. Micael Bispo, aluno do 3º ano do curso de Comunicação SocialAudiovisual da UEG ressalta ainda que o mercado funciona em torno das mesmas pessoas. “É muito comum você ver alguém fazendo o roteiro, a direção e até a produção de um filme. Talvez isso possa ser por dois motivos: falta de um foco em especialização ou, na maioria das vezes, falta de orçamento mesmo. E quando há orçamento, ele é pequeno, se gasta quase tudo e o salário da equipe e verba para distribuição/exibição fica em segundo plano”. Sobre as perspectivas para alguém que ainda está em formação, Micael diz que torce para que essa realidade mude com o Fundo Estadual de Cultura e acrescenta: “apesar da promessa ser de melhora, ainda falta uma política pública eficiente de incentivo, só assim Goiás vai produzir mais e poder abrir espaço pra mais gente”. Com respeito a políticas públicas, Décio Coutinho nota uma falta de engajamento dos profissionais do setor e diz que esse é um resultado preocupante e que precisa ser compreendido para ser transformado. Ainda conforme os dados apontados pelo mapeamento, ele observa que entre os principais desafios a serem superados estão a descentralização da produção e a carência de formação e de informação.

A regulamentação da Lei 12.485/11, que abre espaço para produções independentes e nacionais dentro da programação das TVs pagas, e os recursos do Fundo Setorial do Audiovisual acenam com boas perspectivas para o Audiovisual no Brasil. Os próximos 10 anos poderão ser bem promissores, por isso vale aqui a advertência de Erasmo: “Nada frutificará se a mudança de postura não partir dos próprios realizadores e prestadores de serviço, que precisarão correr atrás e buscar de forma proativa sua própria qualificação, deixando progressivamente de perceber sua atuação estritamente inserida na cena cultural e passando a se posicionar como profissionais da bilionária, complexa e diversificada indústria do entretenimento global. Quem não perceber isso ficará cada vez mais isolado, sem acesso às melhores oportunidades para crescer profissional e economicamente”. http://janela.art.br/especiais/audiovisual-como-profissao/

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