AULA DE MÚSICA E MÍDIA: UM ESTUDO DE CASO

May 24, 2017 | Autor: Éverton Almeida | Categoria: Educação Musical, Mídia-educação, Mídia e educação
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AULA DE MÚSICA E MÍDIA: UM ESTUDO DE CASO


Éverton Vasconcelos de Almeida[1]

Resumo: Ser professor não é uma tarefa fácil, ainda mais se levarmos em
consideração os processos que agem na educação não formal, educação
familiar, realidades sócio-econômicas e a função exercida pelos meios de
comunicação nos alunos, por isto, ao se pensar a Educação Musical para
adolescentes e adultos, é praticamente impossível desvincular-se das
influências recebidas, pois são tão fortes que agem na construção do gosto
musical, tornando-se de extrema relevância para um professor, conhecer
algumas das influências exercidas pelos veículos de mídia, como se dão
estes processos e seus reflexos em sala de aula. Este tema originou-se de
observações durante o período de estágio, quando trabalhei com uma turma de
8ª série do noturno, em uma escola Municipal de Pelotas, onde os alunos
recebiam forte influência dos meios de comunicação, chegando a ponto de
preferir ouvir rádio na aula de música, onde era clara a influência
exercida pelos meios de comunicação.

Palavras chave: mídia, adolescentes, aula de música.



Introdução


Não podemos negar que atualmente a televisão é um dos principais
educadores não formais de nossa sociedade de consumo. Este fato obriga os
professores a realizarem uma batalha diária com este meio de comunicação,
extremamente antagônico a escola. Basta analisar que historicamente a
imprensa, principal ferramenta da escola, é uma criação de Gutemberg no
século XV, enquanto as tecnologias, acessíveis aos alunos, datam do final
do século XX e princípio do século XXI.
Na área de Arte, o bombardeio visual e sonoro é de causar espanto. Os
estudantes são diariamente massacrados com propagandas, repletas de arte
visual e música. Especificamente na área de Música, as preferências
deixaram de ser preferências pelo seu diferencial, parece ser imposta pelos
meios de comunicação, por se tratar, muitas vezes, do único acesso a esta
forma de Arte. Com o surgimento de um sucesso musical a cada dia, os alunos
parecem que não refletem sobre as músicas que ouvem.
Este tema originou-se de observações durante o período de estágio,
quando trabalhei com uma turma de 8ª série do noturno, em uma escola
municipal de Pelotas. Eram alunos com faixa etária variando entre 18 e 22
anos de idade, que recebiam forte influência dos meios de comunicação,
chegando a ponto de preferir ouvir rádio na aula de música. Todos os alunos
identificavam-se com uma determinada rádio, variando os estilos. Era clara
a influência exercida pelos meios de comunicação, no que tange a questão
auditiva, sonora, pois estavam intimamente ligados as músicas, envolvidos
pelas histórias destas músicas, extremamente influenciados.
No período de estágio, trabalhei alguns temas relativos à música e
mídia, fato este que me estimulou a pesquisar em alguns livros sobre estes
assuntos. Surpreendi-me com a dificuldade de encontrar trabalhos relativos
a influência exercida nos alunos, na área de Música, porém encontrei alguns
livros que tratavam sobre a mídia e a industria cultural, sobre apreciação
musical, que poderiam proporcionar uma luz neste trabalho. De fato, pude
colher algumas idéias gerais sobre o assunto, mas nada relativo à
influência da mídia sobre os alunos especificamente em música.
A importância deste assunto se da a partir dá idéia de
contemporaneidade, assim como a modificação constante de tais elementos de
influência (as músicas), mas a forma de articulação e ação dos meios de
comunicação indução e formação de culturas de massa podem ser os mesmos.
Se buscarmos no dicionário a definição da palavra ouvir ou escutar,
receberemos tal informação: Escutar – ouvir, perceber, entender os sons
pelo sentido da audição; dar atenção a; atender. Prestar atenção para ouvir
alguma coisa (Luft, 2000). Esta definição parece que perdeu o sentido
quando as pessoas não se questionam sobre o que ouvem, por não ouvirem com
atenção, caracterizando que na atual situação das políticas escolares e da
sociedade, o pensamento crítico consciente, a postura ativa do cidadão, não
é um desejo daqueles que direcionam os rumos da nação, por interesses
econômicos.
Pela carência atual de Educação Musical nas escolas, é que encontramos
este grave problema, pois se faz necessário repensar a aula de música a
partir da realidade de consumo, processo inverso do que seria ideal. A
escola deveria educar os cidadãos para que a partir destes cidadãos, seja
idealizado um tipo de mídia que se encaixasse com a realidade educacional,
mas o que vemos é o pensamento da educação a partir da influencia da mídia.
Os questionamentos que surgiram a este respeito eram, conhecer
qual(ais) a(s) influência(s) exercida(s) pela mídia na construção das
preferências musicais dos alunos, se esta(s) influência(s) realmente
existiam, se ocorria uma reflexão sobre o que ouvem ou se os alunos
utilizam seus ouvidos como ouvidos (sentido humano ativo), refletindo sobre
o que escutam ou como um mero acompanhamento da vida diária (sentido humano
inativo) apenas absorvendo sem reflexão. Se realmente estas preferências
eram manipuladas e de que forma se dava esta manipulação.
As preferências musicais dos alunos de escola pública são manipuladas
pela mídia? Como se dá a construção das preferências musicais de alunos de
escola pública? Os alunos refletem sobre as músicas que ouvem? Qual o nível
de percepção auditiva dos alunos?
A partir destes questionamentos, o problema central da pesquisa era a
manipulação gerada pela mídia, na construção das preferências musicais dos
alunos, tendo como objetivo principal, perceber se esta influência
interfere na aprendizagem dos alunos na aula de música. Através da
descoberta dos veículos de formação da construção das preferências musicais
e como agiam estes veículos, na peculiaridade de cada aluno, propus uma
forma de melhoria na construção da aula de música a partir da realidade de
consumo.

Metodologia

Através de uma abordagem qualitativa, pretendi identificar quais as
influências atuam na construção das preferências musicais dos alunos que
estudam no ensino fundamental de uma escola pública, a fim de descobrir se
a mídia é o principal veículo que os influencia na escolha das preferências
e de que maneira os alunos recebem estas influências.
Através do estudo de caso, realizei entrevistas semi-estruturadas, com
estudantes de uma turma de sétima série e com o professor da disciplina de
Ensino da Música. Os critérios de seleção da série a ser pesquisada se
afirmou a partir da entrevista realizada com o professor de Música onde ele
relatou que nesta série foi realizado um trabalho interdisciplinar sobre
mídia. A escolha da turma se deu em função da disponibilidade de horário,
tanto dos alunos e professor, quanto do pesquisador.
O objetivo principal da opção pelo estudo de caso era descobrir a
influência da mídia sobre a formação das preferências musicais nos alunos
de escola pública, se de fato a mídia exerce fundamental condicionamento
nas escolhas musicais destes alunos.
Foram entrevistados 8 alunos de uma mesma série realizada em uma sala
de aula que se encontrava vazia. O critério de seleção dos alunos foi o
fato de estar estudando na instituição desde a primeira série, pois vinham
acompanhando as aulas de música em sua formação. De vinte e dois alunos
matriculados e freqüentes apenas oito alunos estudavam desde a primeira
série na escola, então realizei duas entrevistas com três alunos por vez, e
uma entrevista com dois alunos.
Antes de começar a entrevista pedi para os alunos responderem as
perguntas um de cada vez, mas se por ventura o assunto se desenvolvesse
poderiam interferir um na fala do outro. Esta metodologia funcionou muito
bem pois os alunos pareceram bem a vontade durante as entrevistas,
respondendo de forma clara aos questionamentos e desenvolvendo o assunto
quando foi necessário.
Por se tratar de um assunto muito vasto, tentei direcionar o trabalho
para os veículos e os estilos de músicas que os alunos estavam ouvindo,
saber se eles traziam as músicas para a sala de aula e de que maneira estas
influências agiam no aprendizado da aula de música.
Nesta pesquisa, pretendia, primeiramente, realizar entrevistas com
todos os professores de Música da escola, mas pela falta de tempo, somente
um professor se disponibilizou a realizar a entrevista e participar da
pesquisa. Também pretendia realizar o trabalho em outras turmas, mas devido
ao desenvolvimento dos conteúdos feito pelo professor e a grande quantidade
de feriados no mês de novembro, a única turma que se encaixava no horário
foi a que participou do trabalho.

Caracterização da instituição e entrevistados

O Colégio Municipal Pelotense fica localizado na rua Marcílio Dias Nº
1597, conta com aproximadamente 300 professores, 100 funcionários e 3700
alunos, distribuídos nos três turnos. Foi fundado em 24/10/1900[2].
A reputação da escola é muito boa perante a comunidade, referindo-se a
estrutura e ensino oferecido, com a composição econômica de classe média
alta a classe média baixa, não possuindo alunos que comuniquem que passam
necessidades ou fome, sendo que os mais carentes são os "filhos" do "Lar
Assistencial Dona Conceição", que através de acordo com a prefeitura
recebem vagas na escola. Existem grupos sociais como Centro de Tradições
Gaúchas, grupo de dança, teatro, coral e grêmio estudantil que dispõe de
equipamento de som, utilizado nos recreios dos três turnos, executando
músicas para os alunos. Em contrapartida a escola possui problemas de
estrutura para aulas específicas de música, como a falta de salas de aula,
além da falta de instrumentos musicais para o desenvolvimento do conteúdo.
Durante as observações na escola e posteriormente na turma, a
primeira coisa que chamou a atenção foi a quantidade de alunos vestidos com
camisetas estampadas com os nomes de bandas e rappers. Alguns alunos
caracterizavam-se como rappers americanos, usando roupas com insígnias
Norte Americanas. Na turma selecionada, observei três alunos vestidos com
camisetas de banda assim como identificações e logotipos de bandas escritos
nas mochilas, classes e paredes da sala de aula.
O Professor, Licenciado em Artes com Habilitação em Música, ministra
somente a disciplina de Música para todas as séries do ensino fundamental,
no turno diurno, com pouca experiência pois este é o primeiro ano de
trabalho na escola. Relata que durante sua parca vida profissional tem
aprendido a compartilhar e aprender ensinando, que é muito frustrante não
ser valorizada pelo que se faz, mas que esta fazendo o que sempre desejou.
Os alunos selecionados, de faixa etária variante entre 13 a 16 anos,
estudam desde a primeira série na escola.

Mídia e sala de aula

A educação musical transita pelos campos formais e informais de
ensino, gerando o aprendizado dos alunos, sendo assim, há uma série de
fatores que agem e interferem no processo de construção da aula.


A educação musical brasileira tem enfrentado
vários desafios, sendo um deles o de lidar com a
diversidade de vivências musicais não escolares. Há,
de um lado, uma diversidade de vivências musicais não
escolares, proporcionados pela sociedade atual, e de
outro lado, práticas arraigadas de ensino e
aprendizagem escolar de música. (Arroyo e Oliveira;
2000)[3]

A apreciação proporcionada pela mídia, na atual conjuntura, esta
extremamente deturpada por músicas de baixa qualidade onde o estímulo
corporal e visual é mais importante que o estímulo sonoro.
Segundo Filho (1971:13), a apreciação assume, portanto, níveis
diversos, do mais elementar ao mais elevado. Por isso, conceituamos a
Apreciação como audição inteligente ou compreensiva de música. Esta audição
inteligente consiste na capacidade de percepção auditiva de controle sobre
o sentido da audição e fundamentalmente pela reflexão sobre o que está
sendo ouvido pelo apreciador.
A audição é um processo contínuo, queiramos ou não, mas o fato de
possuirmos ouvidos não garante a sua competência. Nada é tão básico na
educação quanto à educação dos sentidos. (Schaffer, 1992)
Para a compreensão de música é necessário conhecer algumas
ferramentas que os façam identificar, nas músicas, as qualidades entre elas
a fim de diferenciá-las. Os ouvintes, neste caso, alunos de escola pública,
precisam trabalhar a sua subjetividade de forma que possam compreender as
mensagens transmitidas pela música não só no campo da emoção e também da
razão. Segundo McLaren (2000):


A subjetividade nos permite reconhecer e abordar
as formas pelas quais os indivíduos pensam sobre suas
experiências, incluindo suas compreensões conscientes
e as formas culturais disponíveis, por meio das quais
tais compreensões são constrangidas ou
possibilitadas. (p. 33)


É através da subjetividade que a música age e é na subjetividade do
indivíduo que se constrói os padrões musicais, geralmente direcionados pela
mídia. Segundo Coelho (1989) a industria cultural faz uso de produtos
padronizados, como kits para montar, um tipo de pré-confecção feito pra
atender as necessidades e gostos médios de um público que não tem tempo de
questionar o que consome.
Pude comprovar este fato já que a maioria dos alunos entrevistados
colocou os mesmos estilos musicais como sendo de sua preferência,
demonstrando o padrão do gosto musical gerado pela mídia, de oito alunos
entrevistados, quatro deles citaram os nomes de grupos e os demais citam os
estilos musicais, como podemos ver a seguir :


HipHop, pagode, samba. Fifty Cent, Snoopy Dog,
Travessos essas coisas assim. (Aluno M)
Rap, Pop, N'sync, Back Street Boys, Fifty Cent,
Eminen, Snoopy Dog. (Aluno L1)
Geralmente o que toca nas rádios são
Racionais, , Da Guedes, Fift Cent, Eminem, eu tenho
uma visão assim do Eminem, Fift Cent, Snoop Dog
agente escutava antes. (Aluno L2 e J)


Com a subjetividade desenvolvida, a capacidade de reflexão e crítica,
conseqüentemente se torna mais nítida e eficiente. Mas a crítica por si só
não é um fator construtivo, ela deve ser somada a uma proposta de
intervenção para que ocorram possíveis melhorias, como ocorreu com os
teóricos da educação durante a fase da pedagogia crítica e assim ocorre com
os professores de música que educam para o sistema de consumo estabelecido:


Os teóricos críticos educacionais, desenvolveram
uma série de questões sobre o fato de a escola ser
apenas uma ferramenta do processo de valorização do
mercado financeiro, formando apenas trabalhadores
obedientes ao sistema. Este sistema de ensino
obediente ao mercado faz com que os professores sejam
amarrados a tais idéias, o que dificulta na
elaboração de um programa de aula que seja crítico e
atuante. Além disso, as teorias críticas, não incluem
o professor como um atuante crítico engajado a este
movimento de mudança social, sendo apenas considerado
e não incluído como agente fundamental para a mudança
político pedagógica (McLaren, 2000).

Os professores de música acabam relutando contra as imposições da
industria cultural, sendo oprimido pela mídia, criando uma cultura de
massa, que bloqueia cada vez mais a capacidade de pensamento dos alunos,
que não encontram espaços nem conhecimentos para questionar o que é
imposto. Os aspectos subjetivos da música ficam restritos ao romantismo do
século XIX ou relacionados ao divertimento, o que contribui para a
descrença na aula de música, interpretada, muitas vezes, como divertimento
e não como um campo de conhecimento de ARTE, gerando, assim uma alienação
dos cidadãos, como evidencia Coelho (1989):


A cultura de massa aliena, forçando o indivíduo
a perder ou a não formar uma imagem de si mesmo
diante da sociedade, uma das primeiras funções
exercidas por ela seria a narcotizante, obtida
através da ênfase ao divertimento em seus produtos.
(p. 24)


O professor entrevistado relata este ponto, quando interrogado sobre
as mensagens e os conteúdos que estas músicas, utilizadas pela industria
cultural, estão passando para os alunos, referenciando o argumento do
romantismo duradouro, que, guardando as devidas proporções, permanece desde
o século XIX até hoje:


Muito a questão do amor, eu fiz um trabalho a
partir das músicas que eles ouviam, muito trabalhos
falavam de amor, na vida do casal, mas também muito
HipHop, um conteúdo muito social, que fala sobre o
negro, o cara que usa drogas, fala no traficante.
(Professor)


A mídia é o principal veículo de imposição de valores na sociedade de
consumo, reforçando as normas sociais, repetindo exaustivamente seus
produtos, num processo de coisificação da arte, tornando tudo e a todos,
inclusive o homem, um objeto pronto para o consumismo. Promove a deturpação
e a degradação do gosto popular, simplificando ao máximo seus produtos, de
modo a obter uma atitude sempre passiva do consumidor e do artista que
acaba consumido, trocando sua arte por moeda. Além disso, a industria
cultural assume uma postura paternalista, dirigindo-se ao consumidor ao
invés de colocar-se à sua disposição (Coelho, 1989). Ainda:
O domínio da fantasia das massas, na medida em
que era uma terra de ninguém, foi rapidamente roubado
pela industria capitalista do sonho e da imaginação.
O discurso místico, das aparências, das ilusões, da
formalidade, do "hiperreal", a lógica do espetáculo,
do jogo da encenação, tudo isso parece – embora
absurdamente fantástico – o único discurso efetivo de
nossa sociedade e cultura. (Marcondes Filho, 1986)


Esta relação fantasiosa entre mídia e capitalismo aparece quando um
aluno aponta este fator de consumo e ilusão, demonstrando que alguma
clareza permeia a escola, enfatizando que trabalhar a mídia em sala de aula
é necessário e um assunto contemporâneo. Sobre isso os alunos pensam:










Qualquer coisa que tu tenha, o carro da hora, o
carro Adventure não sei o que, Palio, ou sei lá
qualquer carro também, sei lá cigarro também, sempre
te dizendo que se tu tiver aquilo ali tu vai ser
melhor, até cigarro, na propaganda aparece o cara
bonitão, fumando. (Aluno L2)
Tu vai ser melhor se tu tiver essas coisas, tu
vai ter a vida de bom. Vende essas coisas de querer
se aparecer. (Aluno J)


Nos discursos da pedagogia se fala muito em trabalhar os conteúdos a
partir do cotidiano dos alunos, para que desta forma, o aprendizado se
torne mais prático e compreensível. Em música, o cotidiano dos alunos esta
extremamente arraigado aos veículos de mídia, que influencia e de certa
forma induz o gosto musical dos alunos. Para os professores isto chega a
acarretar em mudanças de propostas de trabalho, a fim de aproximar a sua
aula do universo musical dos alunos, assim, também influenciando os
professores indiretamente. Como relata o professor de música entrevistado
quando questionado sobre as influencias da mídia na sala de aula e sobre a
maneira que os alunos evidenciam este fato:




A influencia da mídia é total, no gosto, tudo a
partir do que é visto. Eles evidenciam isto cantando,
levando músicas, levando cds pra ouvir, ou
preferência por uma música, tudo a partir da mídia,
do rádio. E isso acaba interferindo na aula, quando
chega uma proposta de ouvir uma música nova ou
diferente, que eles não conhecem, é um choque, tem
que ter um desenvolvimento até chegar na música,
pensar de várias formas, de como chegar no aluno
através da música que eu escolho. Eles são muito
resistentes. (Professor)


Analisando este aspecto, já encontramos muitas contradições no
desenvolvimento da aula de música a partir do cotidiano musical midiático
dos alunos, pois a escola é divergente aos veículos de mídia que divulgam a
cultura de massa, como afirma Napolitano (2002) em seu artigo:


A industria Cultural é o "outro" da Escola. Daí
a relação conflitiva e problemática que as duas
esferas estabelecem entre si, muito propalada no
discurso crítico produzido pelo meio acadêmico. Mas
esta relação de alteridade é percebida,
freqüentemente, por uma mirada enviesada que suscita
mais confusão e impostura, do que soluções que
apontem para uma relação crítica da escola com os
conteúdos e veículos da industria cultural. (p. 01)

Por outro lado, o estilo musical HipHop, que se caracteriza por uma
música de periferia (em todos os sentidos, pois aparece de maneira
periférica na mídia, fala da vida cotidiana de periferia e é feita por
pessoas da periferia) e traz em suas letras mensagens de cunho social,
estimulando uma reflexão sobre a sociedade, apareceu como influência dos
alunos, e esta reflexão também se direciona para a visão da mídia:




Olha, a minha visão é que eles não querem te
passar nada, eu por exemplo, mesmo sem gostar de
HipHop, eu acho que o HipHop me informa mais que o
jornal nacional, por que o jornal é muito preso a
sociedade e o HipHop não. (Aluno F)
Ela quer que agente compre as coisas, mas tem
coisa boa também, informação. (Aluno M)
Eles vendendo o deles ta bom. (Aluno L1)
A mídia , pra mim, eu acho que eles querem
manipular as pessoas às vezes, ta ligado, querem
botar nas cabeças das pessoas, que aquilo que eles
falam, é bem assim, muita coisa que se fala na mídia
não me entra na cabeça. (Aluno L2)


Com letras que tratam da realidade do povo pobre, desvalorizado pela
sociedade e de maioria negra, o HipHop traz a tona uma série de questões
delicadas para as classes dominantes. Talvez por este fator que o HipHop
utilizado pela industria cultural é estrangeiro, como aqueles rappers
citados pelos alunos, desta forma, mascarando, ocultando e manipulando a
realidade da pobreza existentes nas periferias. Como bem cita Marcondes
Filho (1986), dominação sempre se aproveitou do imaginário para seduzir o
real.


Conclusão


Desde as velhas religiões e do cristianismo massas inteiras foram
"convencidas" das promessas fantasiosas da dominação para abrirem espaço à
exploração. O instrumento foi o controle desse imaginário (Marcondes Filho,
1986). O HipHop expõe, de maneira clara as lutas pacíficas de classes,
estimulando e fazendo com que os alunos discutam o assunto dentro da sala
de aula, além do mais a industria cultural estimula uma competição entre os
estilos musicais, fazendo com que haja conflitos e separações. Nas
observações dentro da escola, no intervalo, pude perceber que os alunos
dividem-se, claramente, por grupos que representam o rap, o rock, o pagode,
sendo confirmado pelos alunos:
Discutir as relações entre mídia, industria cultural e sala de aula
consiste no simples fato de parar e pensar. Refletir sobre as nossas
condutas perante aos acontecimentos. Dentro da escola, se faz necessário
que o professor de música aborte este assunto fazendo com que os alunos
reflitam em cima das músicas que escutam, para que assim, os alunos possam,
selecionar o que consomem, além de estimular a busca por novos horizontes
sonoros. Trata-se de uma reciclagem auditiva, referenciado por Schaffer que
propõe isto através da paisagem sonora. Se pensarmos em paisagem sonora,
nossa sociedade é rodeada por veículos de mídia que acabam passando todos
os conceitos e padrões existentes. Nossa paisagem sonora é construída por
sons mecânicos e padronizados.
Obviamente é impossível tentar desvincular os alunos da mídia, mas o
que é necessário é estimular o diálogo a respeito deste assunto, realizar
debates que tratem sobre a relação da mídia e da industria cultural em
nossas vidas.
Depois desta pesquisa ficou claro que a mídia realiza forte influência
na construção do gosto musical dos alunos, pois mesmo os que não gostam das
músicas que circulam na mídia, as usam como parâmetros para esta avaliação.
A influência é tamanha que um aluno relatou a sua relação com a mídia na
construção do gosto musical: Pois é, antigamente eu costumava ouvir rock,
mas depois que eu comecei a assistir MTV, eu comecei a gostar de rap. Esta
fala demonstra que o gosto esta sempre em total transformação, basta que
alguém ou alguma coisa, de os parâmetros do que é bom ou ruim.
Quando comecei a me questionar sobre as relações da escola e da mídia,
já imaginava que obteria alguns resultados nesta pesquisa. É tão claro que
toda a sociedade moderna é influenciada pelos meios de comunicação que já
presumia que os alunos responderiam, seus gostos e padrões para música gira
em torna das que tocam nas rádios e televisões, por ser, justamente, o
único acesso a tais músicas.
Mas, em compensação, uma contar cultura existente no HipHop acabou me
surpreendendo por dois aspectos: Um por identificar que os alunos estão
tendo acesso a este estilo musical através da mídia e outro por perceber
que o HipHop está alcançando alguns dos objetivos que são pregados nas
letras das músicas, o de informar aqueles que escutam.
Muitos alunos influenciados pelo HipHop, demonstraram muita clareza em
relação aos critérios e os objetivos da mídia de consumo, sobre a criação
de ilusões através do consumo. Quando comecei a pesquisar as influências da
mídia, durante os primeiros contatos com os alunos já encontrei o HipHop
influenciando os alunos, e já vislumbro a necessidade de conhecer esta
cultura, talvez através de outra pesquisa, a fim de captar este meio que,
mesmo sem estar totalmente inserido na mídia, tem forte recepção pelos
alunos.
A mídia que hoje manipula todos as relações interpessoais e não
pessoais de nossa sociedade esta nos levando para conseqüências
problemáticas. A escola perdeu se papel de formação, os alunos já entram
doutrinados pela televisão, com uma série de valores pré-concebidos e
somente os professores podem tentar clarear a visão dos alunos, poluídas
por esta manipulação.
Como já citei anteriormente, e faço questão de repetir, desvincular os
alunos da relação com a mídia é totalmente impossível, mas todo o educador,
consciente deve, em determinado momento do desenvolvimento da sua aula,
conhecer, discutir e debater o que seus alunos estão sendo influenciados. A
mídia manipuladora é um evento dos séculos XX e XXI, portanto é fundamental
tratarmos deste assunto em sala de aula. Se todos os professores
trabalhassem com influencias da mídia, uma aula por bimestre, trimestre o
seja lá qual for a distribuição do calendário escolar, poderíamos
desenvolver uma capacidade de crítica nos alunos, fazendo com que todos
nós, alunos e professores selecionemos cada vez mais o que consumimos seja
ela em música ou em qualquer outro ponto de nossas vidas.








Referências Bibliográficas




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WILLE, Regiana Blank; Dissertação de Mestrado; As Vivenciais musicais
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UFRGS. 2003. Porto Alegre - RS
-----------------------
[1] Acadêmico formando, turma 2004, do Curso de Licenciatura em Artes
Habilitação em Música do Instituto de Letras e Artes da Universidade
Federal de Pelotas. [email protected]
[2] Informações cedidas por uma funcionária da secretaria, que atua há 25
anos no estabelecimento.
[3] Citação retirada da Dissertação de Mestrado de WILLE, 2003.
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