Aula introdutória para a disciplina optativa de graduação: \"História, Poética e Retórica\". Tema: os gregos e a teorização sobre o bem dizer na Antiguidade. UFU, 2014.

August 5, 2017 | Autor: Guilherme Luz | Categoria: Ancient Greek Rhetoric, History of Rhetoric, Ancient Rhetoric and Poetics
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Retórica, Poética e História Aula 1: os Gregos e a teorização sobre o bem dizer na Antiguidade.

Córax e Tísias  A anedota de Córax e Tísias. Segundo relatos posteriores, sobretudo, Cícero, estes teriam sido os primeiros professores profissionais de retórica.  Naturais da Scicilia por volta do século V a.C., eles teriam desenvolvido uma arte retórica fundamentada no conceito de katástasis (constitutio/status causae, conforme posteriormente seria traduzido para o Latim). Esta seria uma técnica de demonstração da verossimilhança de uma tese dada por meios lógicos e pensada, especialmente, para finalidades jurídicas.  Diz a anedota, narrada por Cícero e outros retores, que Tísias teria se utilizado desta técnica para se livrar de ter que pagar Córax (seu professor) pelo seus ensinamentos. Tísias argumentou que, se Córax tivera sido um bom professor, ele teria instrumentos suficientes para convencê-lo de que não deveria receber pelo trabalho; já se tivera sido um professor ruim, ele estaria isento do pagamento, pois não teria recebido treinamento algum… Esta história, apesar de anedótica, exemplifica o estilo probatório de produção de verossimilhanças desenvolvido por estes primeiros retores.

Os Pitagóricos (Psicagogia e Politropia)  Em Pitágoras e em seus seguidores, a retórica terá uma dimensão bastante diferente daquele modelo da katástasis de Córax e Tísias;

 Retórica “psicagógica”. Princípio: a palavra, quando sabiamente utilizada, pode exercer uma sedução irracional sobre a alma dos ouvintes;  Polytropía: faculdade de encontrar os diversos modos de expressão (estilos e argumentos) convenientes a diferentes ouvintes, movendo-os conforme as suas predisposições psíquicas, despertando, assim, reações esperadas;  Parmênides: o mundo da verdade é distinto do mundo da opinião (dóxa), sendo o segundo sujeito ao fascínio enganador, atrativo e sedutor da palavra;  A psycagogía teria funções terapêuticas análogas às da medicina, da magia e da música, agindo sobre as paixões, produzindo “encantamentos” – Górgias.

Os Pitagóricos (Kairós, Ortopéia e Antilogias)  Emprego constante das antíteses (pitagóricos em geral). Antilogias (princípio de que em torno de toda questão existem dois discursos opostos); dialéxeis (princípio de que sobre uma questão se pode falar com discurso longo ou conciso); erística (base da escola sofista, técnica de disputa sobre uma questão a partir de pontos de vistas contraditórios – disputas in utramque partem, conforme traduzido posteriormente pelos latinos);  Em Protágoras, o kairós (astúcia) estaria ligado à busca de uma forma semântico-expressiva capaz de tornar mais potente o discurso menos válido. Valorização da orthoépeia (“discurso mais correto”);  Enquanto em termos pitagóricos o kairós está moralmente ligado ao encontro do modo de sabedoria mais adequado a cada ouvinte, harmonizando e adaptando o discurso aos diversos públicos, de modo a fazer uso oportuno da linguagem para a convivência social, em Protágoras há uma autonomização e uma desvinculação moral do kairós retórico.

Górgias  Em Górgias, tanto a retórica quanto a poética lidam com a força psicagógica do logos. A retórica a fim de persuadir e a poética, de produzir a ilusão poética;  Apáte: sedução, engano. Encantamento poético que criam uma “doce doença na alma”, um “desvio melhor do que o ordinário”;  Peithó: persuasão. Move à ação. Aspecto social e dialógico da linguagem. Não retira o homem da realidade, ao contrário, busca fazê-lo agir na direção da convivência política. Subjuga por meio de uma apresentação alterada da realidade. É uma arte geradora do crer (justo/injusto; bem/mal; belo/feio) mais do que de ensinar verdades;

 Kairós está à serviço de formar a opinião, variando o discurso convenientemente de acordo com o público (polytropía).

Platão e o ataque à retórica dos sofistas  Os ataques platônicos à retórica devem ser compreendidos no interior de um projeto de elevação do método dialético como disciplina eficaz de descoberta da verdade;  A erística e a dialética têm ambas a mesma fundamentação formal: as antilogias. A dialética, no entanto, busca confrontar as teses opostas submetendo-as a um juízo racional que as faça convergir a um acordo em torno da verdade. A erística, por outro lado, é uma disputa em que o elemento em jogo é menos a verdade do que a vitória de um dos oponentes, tendo em vista os seus dotes discursivos;  Em diversos momentos, Platão tratará da retórica em seus diálogos. Nos primeiros, como em Górgias e em Eutidemo, sobressai o tom irônico e polêmico, completamente detrator da retórica; já em diálogos posteriores, como em Fedro, Teeteto e Filebo, Platão recupera alguns valores positivos da retórica, embora a recuse na maneira sofística.

A detração da retórica nos primeiros diálogos de Platão  Retórica como habilidade prática, uma “experiência”: empeiria. Mais próxima da magia e dos encantamentos do que da filosofia. O retor/orador sofista é um inimigo da verdadeira filosofia;  Empeiria é diferente de experiência teórico-prática, de uma arte (techné) ou de um saber (epistéme). Isso porque ela não pode ser reduzida a um princípio lógico/racional que explique a sua natureza e a causa de cada um dos seus elementos e, a partir disso, ser ensinada;

 Em comparação com a dialética, a retórica é puramente formal e persuade sobre qualquer coisa independentemente de conteúdo e de conhecimento de causa. O orador não precisaria conhecer, mas apenas saber como persuadir´;  Retórica e sofística seriam “adulações”. Estariam para a filosofia tal como a cosmética para a medicina... A sofística seria adulação aplicada à legislatura e a retórica, à justiça.

Retórica aparente e verdadeira retórica nos diálogos “maduros” de Platão  Há uma retórica autêntica, diferente da retórica dos sofistas, pois é uma retórica que sabe realmente aquilo que demonstra saber: uma verdadeira retórica que se confunde com a dialética ou a tem como fundamento;  A retórica platônica deveria ter como métodos os mesmos da dialética: síntese e análise, indução e dedução. Além disso, seu fundamento psicológico deveria partir de um conhecimento adequado do funcionamento da psyché humana;  Necessidade de busca dos termos médios, o que a retórica não faz sem se tornar dialética;  Ainda assim, nem a poética nem a retórica seriam artes, mas, respectivamente entusiasmo/furor e experiência (empeiria). O entusiasmo poético está para a “mania divina” assim como a retórica para a dialética. Retórica humana reconduz à adulação; a dialética é a retórica divina;  Persuadir (tarefa da retórica) é induzir ao julgamento, agindo sobre a reta opinião (orthè dóxa). Quando há exigência de certeza demonstrativa (no caso da ciência), a retórica é impotente e passa a ser necessária a dialética.

Isócrates  Isócrates foi discípulo de Sócrates e, também, de Górgias. Assim, constituiu uma espécie de “meio termo” entre a dialética e a sofística, conciliando a “arte da persuasão” com a “busca filosófica”;  Forte perspectiva moral: a retórica está a serviço do viver social, sendo que a palavra é um meio para o desenvolvimento da humanidade do homem;

 A palavra não é somente meio de psicagogia, mas também de sabedoria. Ela pode tornar os homens bons e sábios;  Ênfase na elocução e nos discursos de caráter panegírico, recebendo críticas de “formalismo” tanto de Platão quanto de Aristóteles;  Seu “estilo” baseia-se na simetria e nas antíteses.

A teoria dos Gêneros – Anaxímenes de Lâmpsaco e Aristóteles  Anaxímenes de Lâmpsaco (Retórica a Alexandre)

 Aristóteles (Peri Rhetorikês) -

Três gêneros:

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Dois gêneros: contional (do latim: contionare, contionatur, contionator) / judiciário;

. Demonstrativo ou epidítico (epideiktikós): louvor e vitupério;

-

Sete espécies: aconselhamento, desaconselhamento, louvor e vitupério / acusação, defesa e investigação (exetastikón).

. Judiciário: acusar e defender.

. Deliberativo: aconselhamento ou desaconselhamento;

Os três Gêneros em Aristóteles  3 fatores fundamentais: o orador, o argumento e o auditório. A partir do auditório, determinam-se os gêneros;  Os auditórios são de três tipos de “juízes”: o juiz espectador das coisas presentes, o juiz das coisas passadas e o juiz das coisas futuras; correspondendo, grosso modo, à multidão reunida, ao tribunal e à assembleia deliberativa, respectivamente; Causa PRESENTE (Epidítico) – Causa PASSADA (Judiciário) – Causa FUTURA (Deliberativo)

Estrutura dos Gêneros de Causa

Estrutura dos gêneros em Aristóteles e no seu legado Presente (Gênero Epidítico) Passado (Gênero Judiciário) Futuro (Gênero Deliberativo)

Temporalidade (Gênero de causa)

Talento do Orador

Belo / Feio – louvar ou vituperar

Aquilo que se passou

Justo ou bom / injusto ou torpe – acusar ou defender

Aquilo que se deve deliberar a respeito

Útil ou honroso / Nocivo ou desonroso – aconselhar ou dissuadir

Em julgamento

Tipo de julgamento – ação argumentativa

A Retórica Aristotélica (a retórica apodítica)  Apodeiktikós: que evidencia. Argumentações demonstrativas. A retórica seria uma técnica (arte) rigorosa de argumentação, assim como a dialética;

 A técnica demonstrativa/probatória da retórica, no entanto, é diferente da Lógica;  A Lógica está para os silogismos tal como a Retórica está para os entimemas. A evidência retórica é produzida na dialética do entimema;  A Lógica é um meio de conhecer verdades irrefutáveis a partir de premissas universais (silogismos); a Retórica é um meio de encontrar argumentos convincentes, prováveis, a partir de premissas retóricas: verossimilhanças, sinais (semeion) ou provas (tekmeria);  O entimema é aquele tipo de silogismo em que ao menos uma de suas premissas não tem validade universal, mas depende de um “acordo”, seja por tratar-se de algo verossímil, provável ou indicado por meio de sinais sensíveis.

Aristóteles: o gênero judiciário como paradigma da retórica apodítica.  Os argumentos típicos da retórica apodítica de Aristóteles são “lógicos”. Uma vez que as premissas são tomadas como válidas, a técnica argumentativa apela exclusivamente ao juízo da “razão”;  Aristóteles vê o “argumento lógico” ou “pragmático” da retórica apodítica como o único adequado ao tribunal e entende como viciosos os argumentos que buscam convencer os juízes por meios emocionais;  Em Aristóteles as argumentações retóricos podem ser de três tipos: “lógicas/pragmáticas”, típicas do gênero judiciário; éticas, típicas do gênero deliberativo, e patéticas, típicas do epidítico. Esses tipos de argumentos também podem ser nomeados como logos/pragma, ethos e pathos;  Os argumentos de quaisquer desses tipos envolvem provas ténicas (pisteis entechnoi) e não técnicas (atechnoi). Entechnoi, são aquelas provas que se constituem por efeito da própria argumentação. Pisteis atechnoi não aquelas que são mobilizadas na constituição das provas técnicas de modo a produzir efeitos de prova.

Indução, exemplo e amplificação.  No gênero judiciário, a técnica de argumentação (prova técnica) é chamada de indução: o orador monta sua argumentação partindo de provas não técnicas que lhe permitem articular uma totalidade coerente e verossímil;  No deliberativo, a técnica de argumentação (prova técnica) é o exemplo (parádeigma), também chamado de “indução retórica” ou “entimema indutivo”. Ele busca fundamentar a tomada de decisões gerais por meio da consideração de casos concretos e particulares que ilustram o caso;  No epidítico, a técnica de argumentação (prova técnica) por excelência é a amplificação. Por meio dela, busca-se enfatizar o juízo negativo ou positivo sobre características atribuídas àquele objeto/tema/pessoa que se está a louvar ou viuperar.  No gênero deliberativo, as provas não técnicas são constituídas pelas histórias exemplares que compõem o repertório daqueles que participam da assembleia. No epidítico, elas são as próprias características que se reconhecem no determinado objeto/personagem/tema em questão.

A retórica do ethos e do pathos  O mecanismo de funcionamento das formas de argumentação éticas e patéticas não é muito distinto daquele das provas lógicas, pois é sempre de caráter indutivo, envolvendo provas técnicas e não técnicas;  Mas o ethos e o pathos incluem aspectos psicacógicos que, conforme o livro I da Retórica de Aristóteles, devem ser evitados no domínio da retórica apodítica, própria dos tribunais ou do gênero judiciário;  O ethos e o pathos dispõem o orador e o auditório de modo análogo ao do argumento. O ethos busca incidir sobre o orador e seu caráter, transpassando ao público que se trata de uma voz de autoridade, refletindo sabedoria, virtudes, benevolência... O pathos busca suscitar, no ouvinte, reações emocionais capazes de conduzir o seu juízo, fundamentados no prazer ou na dor, como cólera, compaixão, temor, amor...

 Nas argumentações éticas e patéticas, a arte retórica adentra nos domínios “irracionais” da psiché humana e morais de um determinado grupo.

Aristóteles: Filosofia (Dialética) – Retórica – Poética  A retórica, como técnica de argumentação apodítica e de produção de efeitos psicacógicos, situa-se em um meio termo entre a Dialética e a Poética: (Sentido apodítico)

Dialética ↔ Retórica ↔ Poética (sentido estético-psicagógico)

 Como a dialética, é uma arte universal da argumentação, aplicável ou presente em qualquer campo em particular. Portanto, lida mais com os lugares comuns do que com os lugares próprios;  O estilo, em retórica, a aproxima da poética. As figuras (metáfora, antíteses e o vigor) atendem a uma exigência de poeticidade, que se refletem em: clareza, força expressiva, agrado e excentricidade;  O “cômico oratório”, o “chiste retórico” e as “facécias”: surpreender por meio de jogos de palavras, por meio dos fatos e na relação entre estilo e fatos de modo a produzir “enganos”, no sentido georgiano.

Poética de Aristóteles  Para Aristóteles, a Poética é uma arte de constituição da fábula (imitação de ações) em vista do belo poético;

 O belo poético é a produção de um efeito de catarse, paradigmaticamente reconhecido no gênero trágico nos sentimentos de terror e de compaixão;  Os gêneros poéticos se distinguem-se em função dos seus meios (ritmo, linguagem e harmonia), objetos (ações de personagens melhores, piores ou iguais a “nós”) e maneiras (formas narrativas e “dramáticas”) de imitar;  Na comédia, por exemplo, o meio é o verso jâmbico, o objeto é o ridículo dos maus costumes (personagens piores) e a maneira é por meio de personagens que agem diante de expectadores;  Princípios da unidade da ação e da verossimilhança (caráter “universal” e “filosófico” da Poética em comparação ao caráter “particular” das narrativas Históricas.

Teoria Peripatética dos Estilos (Teofrasto e Demétrio de Faleros)  A partir das teorias de Aristóteles constitui-se uma doutrina estilística apoiada nas “virtudes” do discurso: helenismo (pureza ática, “aticismo”), prépon ou coerência (decoro) entre estilo e conteúdo e kósmos (ornamentação capaz de elevar o discurso – especialmente o prosaico – acima da fala cotidiana);  Ao longo da tradição retórica, especialmente em Cícero, outras virtudes podem ser agregadas ao discurso: latinitas, “latinidade”, correspondente romana do “aticismo” grego, enfatizando correção e pureza de linguagem; clareza e agudeza (clatitas e perspicuitas), importantes para a evidência do discurso; brevidade (brevitas) e outras;  A teoria peripatética admite três estilos básicos: asiático (muito ornamentado, abundante), ático (claro e correto) e ródio (moderado). Ou ainda: simples, temperado e sublime.

Partes da Retórica – Tradição aristotélica e desenvolvimento latino Inuentio (invenção) Dispositio (disposição)

PLANO

Elocutio (elocução) Actio (ação) Memoria (memória)

PERFORMANCE

Para além de Aristóteles

 Hermágoras de Temnos – “ponte” entre o Aristotelismo e a Retórica Latina. Desenvolveu a teoria da “disposição” e subdividiu os gêneros em genus infinitum (teses / gerais) e genus definitum (hipóteses / controvérsias). Extendeu a stásis (status causae) para a tipificação de discursos judiciários.  Aphthonius (Progymnasmata) – exercícios retóricos: fábulas (mythos), narrativa (diegesis), anedotas (chreia), máximas (gnome), refutações (anaskeve), confirmações (kataskeve), lugares comuns (koinos topos), encômios (enkomion), vituperações (psogos), personificações (ethopoeia), descrição (ekphrasis)...

Bibliografia  ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética, São Paulo: Edições de Ouro, 1980.  BARNES, Jonathan. The Cambridge Companion to Aristotle, Cambridge: Cambridge University Press, 1996.  KENNEDY, George A. Classical Rhetoric and its Christian and Secular Tradition. From Ancient to Modern Times, Chapel Hill and London: The University of North Carolina Press, 1999.  PLEBE, Armando. Breve história da retórica antiga, São Paulo: EDUSP, 1978.  REBOUL, Olivier. Introdução à retórica, São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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