AULAS DE MÚSICA NO ENSINO MÉDIO: UM RELATO SOBRE A INFLUÊNCIA DA INDÚSTRIA CULTURAL

July 22, 2017 | Autor: Patricia Mertzig | Categoria: Music Education, Education, Educación, Educação Musical
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MERTZIG, Patrícia. Aulas de música no ensino médio: um relato sobre a influência da Industria Cultural. In: Anais do IX Encontro Regional Centro-oeste da ABEM. Campo Grande: Editora UFMS, 2009.

AULAS DE MÚSICA NO ENSINO MÉDIO: UM RELATO SOBRE A INFLUÊNCIA DA INDÚSTRIA CULTURAL Patrícia Mertzig [email protected]

Resumo O presente artigo pretende desenvolver uma discussão sobre a influência da indústria cultural entre adolescentes em idade escolar, e como isso pode afetar as aulas de música no ensino médio. Para tanto, primeiramente, será definido o contexto escolar em que esse relato foi feito. Será necessário também definir o que está sendo chamado de indústria cultural. Sua fundamentação será realizada a partir do texto de Maria José D. Subtil e da teoria crítica, principalmente na escola de Frankfurt. Portanto, utilizaremos o pensamento de T. W. Adorno, M. Horkheimer e W. Benjamim. Palavras-chave: indústria cultural, música, ensino médio. A presente pesquisa foi feita com adolescentes, com idade entre 15 a 18 anos, em uma escola Estadual na cidade de Maringá, no Estado do Paraná. A escola em questão fica localizada na região central da cidade e grande parte dos alunos reside nas redondezas da escola. As turmas são de 1o e 2o colegial dos períodos matutino e noturno. Quando abordados sobre sua preferência musical, os alunos do ensino médio costumam listar uma série de músicas que podem ser consideradas músicas de massa. Contudo, trazer esses hábitos auditivos para a sala de aula e torná-lo um elemento de discussão pode vir a ser uma interessante abordagem sobre conteúdos musicais, questões culturais, estéticas e sobre a indústria cultural. Partindo dessa constatação, é preciso, então, definir o termo música de massa e como funciona a chamada indústria cultural para, posteriormente, entender como e porque a música pode tornar-se um importante agente de emancipação do homem e, conseqüentemente, formar indivíduos capazes de e refletir sobre sua realidade. O termo Indústria Cultural foi utilizado pela primeira vez pelos filósofos alemães

Theodor W. Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973) em 1947 com a publicação do livro Dialektik der Aufklãrung em Amsterdã. Em nossos esboços tratava-se do problema da cultura de massa. Abandonamos essa última expressão para substituí-la por “indústria cultural”, a fim de excluir de antemão a interpretação que agrada aos advogados da coisa; estes pretendem, com efeito, que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas, em suma, da forma contemporânea da arte popular (ADORNO, 1994, p. 92).

A indústria cultural trata a cultura e a arte como mercadorias, e seu objetivo maior está nos lucros. Num período onde tudo pode ser comercializado, gerando rendas inimagináveis, por que as produções artísticas também não seriam fontes de lucro? Para a indústria cultural, a arte, seja ela no campo das artes plásticas, na música, na literatura e por que não pensar no teatro e na dança, foi transformada em indústria de entretenimento e, portanto, é vista como objeto de consumo. Com o século XX as técnicas de reprodução atingiram um nível tal que, de agora em diante, elas não somente poder-se-ão aplicar a todas as obras de arte do passado e modificar de maneira muito profunda seus modos de influência, mas também poder-se-ão impor elas próprias como formas originais de arte (BENJAMIM, 2000, p. 223).

O estilo musical que mais aparece na fala dos alunos é o sertanejo. Pois “a mídia expõe esses objetos de curta duração, passageiros e de tempo limitado que, com certeza, servem para alavancar outros produtos e mercadorias culturais mais duráveis e com retorno menos imediato” (SUBTIL, 2003). Escolhida então uma música sertaneja1, os alunos são convidados a falar sobre ela. Eles iniciam pela letra, reconhecem que a letra possui um tema romântico, que fala de relações pessoais afetivas e que muitos já passaram ou, então, vivenciaram uma relação muito parecida com a descrita na música. Nesse momento, os alunos são chamados a refletir a respeito da seguinte questão: será que a escolha desses temas, bem como da forma como são contados não são escolhidos por uma indústria cultural que sabe o que as pessoas sentem? Quando questionados por que gostam dessas músicas, ouve-se muitos comentários como “puxa vida, essa música conta exatamente a minha história amorosa!”, ou ainda, “foi 1 A música escolhida foi da dupla sertaneja Hugo Pena e Gabriel e a música “Quero falar de amor”.

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feita para mim, é a minha música!”. As relações dos sujeitos entre si, com as músicas, com a família e com a própria tecnologia são formas de construir realidades particulares, estruturadas sim, mas com um razoável potencial de autonomia. A compreensão do sistema deve ser buscada nas contradições aparentes entre as falas, e vivências tanto de professores quanto de alunos e que são reveladas na diversidade e inconstância do gosto, nos atos de cantar, dançar, escolher e comprar músicas, gravar, pedir música pela rádio, tocar, “dizer no pé”, enfim nas práticas concretas e cotidianas (SUBTIL, 2003).

A par dessas considerações, pode-se entender que a indústria cultural “é forjada para não questioná-lo e muito menos revertê-lo, perpetuando, assim, relações sociais que na verdade são relativas e históricas e, por conseguinte, passíveis de transformação” (FABIANO, 2002, p.229). Ao sugerir-se discussões acerca da música, os alunos passam, então, a descrever os instrumentos musicais. Todos os timbres são reconhecidos e é um bom momento para trazer esse conteúdo musical: o timbre. Outros aspectos musicais como o ritmo, a melodia e a harmonia passam a ser percebidos com maiores dificuldades. Os alunos são, em seguida, convidados a ouvir outros tipos de música que não possuem letras2, e a primeira reação foi de total desprezo, seguida de comentários satíricos. Com insistência da professora para falar a respeito das músicas ouvidas, os alunos reconhecem, novamente, primeiro os aspectos tímbricos e alguma informação de contexto histórico. O fato da audição musical estar ligada ao gosto, no sentido de reconhecer na música algum elemento do cotidiano, faz com que uma audição fora do universo musical do aluno seja motivo de aversão gerando a incapacidade de uma discussão de ordem estética, o que, conseqüentemente, provoca a perda de um momento de fruição. A prática de apreciação musical foi, por isso, incisiva no decorrer das aulas. Devido a alternação dos estilos musicais, as turmas, com o passar do tempo, aprenderam a ouvir com mais atenção. O reconhecimento de elementos musicais não saíram, em um ano, do nível do ritmo e do timbre, porém, a aversão por escutar novas músicas foi diminuindo gradualmente a ponto de suscitar comentários do como “Gostei dessa música. Qual o nome do grupo para eu baixar na internet?” 2 Foi selecionado um pequeno trecho do 1o movimento da 5 sinfonia de Beethoven e o canto Saúre nhõre da Tradição Xavante do CD Etenhiritipá.

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As discussões sobre a Indústria Cultural e como ela opera também foram abordadas nas aulas e ainda tiveram um interessante reforço vindos das aulas de filosofia e sociologia, uma vez que tais conteúdos também são abordados por essas disciplinas. De fato, milhares de alunos passam pela escola e apresentam, nas aulas de arte, uma cultura musical impregnada pela indústria cultural. Seus padrões auditivos já estão tão estabelecidos que eles não só desconhecem o universo musical como também apresentam um preconceito em relação à música melhor elaborada. Esse fator último é a principal dificuldade encontrada em sala de aula quando se pretende desenvolver uma metodologia que depende da audição de uma música de melhor qualidade. Cabe ao professor de música propiciar ambientes de escuta para tentar quebrar esse ciclo nocivo. Hoje, os hábitos de audição das massas gravitam em torno do reconhecimento. Música popular e sua respectiva promoção estão orientadas para a promoção desse hábito. O princípio básico subjacente a isso é o de que basta repetir algo até torna-lo reconhecível para que ele se torne aceito. Isso serve tanto a estandartização do material quanto à sua promoção (ADORNO, 1996, p. 130).

A audição de músicas nas aulas de arte deve proporcionar ao aluno momentos de fruição. Esta, por sua vez, acontece apenas se há o mínimo de vontade por parte do ouvinte para que então ele possa ser capaz de analisar e discutir aspectos técnicos e estéticos da obra, conteúdos prototípicos de uma aula de música. É preciso que o aluno permita-se envolver pelo som e se disponha a reconhecer pelo menos o mínimo de informações ali contidas. Por isso, é tão importante insistir na audição e discussão ao invés de abandonar o conteúdo. Portanto, o que se percebe é que não há, em um primeiro momento, nem uma prédisposição por parte dos jovens para ouvir música que não aquela habitual. Conforme já foi dito anteriormente, seus hábitos de escuta são reféns da indústria cultural. “O sentido musical é o NOVO - algo que não pode ser subsumido sob a configuração do conhecido, nem a ele ser reduzido, mas que brota dele, se o ouvinte vem ajudá-lo” (ADORNO, 1994, p. 131). Para que o aluno entenda o discurso musical, ele precisa reconhecer os elementos que formam a obra. Quando se manipula apenas elementos simples e previsíveis, como acontece nas músicas de massa, esses aspectos acabam se tornando irreconhecíveis quando

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ouvem uma música melhor elaborada. Não reconhecer esses elementos essenciais, que deveriam fazer parte do universo do aluno, independente do acesso a escola, faz com que o ensino de música não saia de um nível elementar e, por conseguinte, uma discussão que realmente proporcione um momento de emancipação cultural acaba não acontecendo. “Reconhecer torna-se um fim, ao invés de ser um meio” (ADORNO, 1994, p.131). A música considerada erudita não recebe essa terminologia aleatoriamente, pois se entende por erudito tudo aquilo que é bem elaborado. As grandes obras sinfônicas, por exemplo, nos apresentam uma infinidade de timbres e nuances musicais capazes de criar diferentes sensações no ouvinte, além de ampliar possibilidades de interpretação de uma mesma obra. Existem, ainda, a música de diferentes etnias e a música popular brasileira que podem ser outro exemplo para ampliar tanto a audição, quanto a discussão sobre música e cultura em sala de aula. No entanto, essa riqueza artística não faz parte do universo de grande parte da população, ou, nas palavras de Adorno, da massa. Um dos motivos apontados pelo autor reside no fato de a sociedade apresentar uma crise em sua formação cultural. Os sintomas do colapso da formação cultural que se fazem observar por toda parte, mesmo no extrato das pessoas cultas, não se esgotam com as insuficiências do sistema e dos métodos da educação, sob a crítica de sucessivas gerações. Reformas pedagógicas isoladas, embora indispensáveis, não fazem contribuições substanciais (ADORNO, 1996, p. 388).

Por essa razão, não se pode contar apenas com a escola como o agente de transformação cultural da sociedade, até porque a própria cultura já possui um valor. Seria preciso, de acordo com o autor, “a partir do movimento social e até mesmo do conceito de formação cultural, pesquisar como que se sedimenta, (...), uma espécie de espírito objetivo negativo” (ADORNO, 1996, p. 389). Por outro lado, grande parte da população contenta-se em ouvir músicas que fazem uso de padrões rítmicos e melódicos pobres e repetitivos e ainda decoram letras que abordam temas do cotidiano como amor, amizade e traição de forma banalizada. Não se trata nem das massas em primeiro lugar, nem das técnicas de

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comunicação como tais, mas do espírito que lhes é insuflado, a saber, a voz de seu senhor. A indústria cultural abusa da consideração em relação às massas para reiterar, firmar e reforçar a mentalidade destas, que ela toma como dada a priori e imutável. (ADORNO, 1994, p. 93).

A indústria cultural influencia diretamente a conduta escolar dos alunos, fato que aparece de forma transparente nas aulas de música. Poderosa e infalível, ela inibe o acesso da população a uma multiplicidade de formas artísticas que se contrapõe a uma única forma de arte e, conseqüentemente, acaba por se tornar responsável pela falta de identidade de uma sociedade, de autonomia individual e sustenta uma cultura uniformemente frágil e manipulada. Por isso, acreditamos que as aulas de música são importantes: elas proporcionam ao aluno a apreciação, discussão e por que não dizer, a emancipação musical, tornando-o um indivíduo mais crítico capaz de compreender e melhorar a sociedade em que vive. Referências: ADORNO, Theodor W. Teoria da semicultura. In: OLIVEIRA, Newton R. de, et al. Educação e Sociedade: revista quadrimensal de ciência da educação. Campinas: Papirus, ano XVII, n. 56, p. 388- 411, 1996. ___________ A Indústria Cultural. In: COHN, Gabriel (Org). Sociologia. 2a ed. São Paulo: Ática, 1994. p 92-99. ___________ Sobre música popular. In: COHN, Gabriel (Org). Sociologia. 2a ed. São Paulo: Ática, 1994. p 115-161. BENJAMIM, Walter. A obra de arte no tempo de suas técnicas de reprodução. In: LIMA, Luiz Costa (org.) Teoria da cultura de massa. 5a ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 221254. FABIANO, Luiz Hermenegildo. O desaparecimento do sujeito: educação, alienação e ideologia. In: CHITOLINA, Claudinei Luis e HARTMANN, Hélio Roque. (Orgs) Filosofia e aprendizagem filosófica. Maringá: Dental Press, 2002. p. 227-240. SUBTIL, Maria José Dozza. Mídias e produção musical em crianças da quarta série do ensino fundamental. 26o Reunião Anual da ANPEd, GT: Educação e Comunicação, out. 2003. Disponível em:

www.anped.org.br/reunioes/26/trabalhos/mariajosedozzasubtil.rtf. Acesso em: 20 de abril, 2009.

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