Aurora adiada: os movimentos da redemocratização de 1984 e a Emenda Dante de Oliveira.

July 22, 2017 | Autor: Anderson Faria | Categoria: História do Brasil, Ditadura Militar
Share Embed


Descrição do Produto

Aurora adiada: os movimentos da redemocratização de 1984 e a Emenda Dante de Oliveira.
Anderson Silveira Faria*
Resumo: O propósito deste artigo - à luz das efemérides contempladas dos 51 anos do Golpe Militar e dos 30 anos do retorno aos processos democráticos - é estabelecer ligação entre o projeto de emenda do deputado Dante de Oliveira com os movimentos populares que eclodiam em protestos de diversos matizes, dentre os quais exigindo o fim das restrições ao voto e que tais movimentos já contemplavam esta pauta no campo social. A Emenda Dante de Oliveira ocupou lugar na história nacional da redemocratização não só por sua proposta de ajuste à constituição eleitoral, mas como ponta-de-lança político do movimento "Diretas Já!" entre os anos de 1983 e 1984.

O dia 25 de abril de 1984 poderia ter sido diferente para a memória e a história nacional não fossem os 22 votos que faltaram para compor o quórum necessário à aprovação da Emenda Dante de Oliveira, que permitiria o pronto restabelecimento das eleições diretas para presidente da República após o hiato de duas décadas gerado pelo regime militar. Por pouco o ano de 1984 não fecharia o ciclo de isenção aos processos democráticos com uma votação acompanhada por milhões de brasileiros e fustigada temporariamente; o curso da História nacional estava irremediavelmente apontado para uma transição efetiva do sistema bicameral imposto pelos governos militares através dos partidos MDB e ARENA, sistema que não permitia uma interpelação cidadã através do voto direto, para um de cunho pluripartidário e democrático - de autoria conjunta dos generais Geisel e Golbery com a Lei Orgânica dos Partidos em 1979, mas completando-se somente em em 1989 nas eleições presidenciais diretas. Diante do quadro final de votação frustração foi inevitável, dos populares aos parlamentares que participaram da sessão, como o deputado Henrique Eduardo Alves. À época, votou favorável pela emenda:
Nos últimos anos de vida pública talvez tenha sido a noite mais frustrante de que eu participei no Congresso Nacional. Era como se de repente estivesse caminhando, chegando a um ponto de satisfação, de realização, comunhão com o povo brasileiro e, de repente, se partisse.

Esse misto de frustração e desvinculação de rumos ficou patente através dos periódicos que revelaram detalhes sobre a opção do PDS, classificada como uma estratégia "vergonhosa" pela ausência de alguns de seus membros e aos que votaram contra a emenda, bem como a motivação por anunciar o resultado da votação "tarde da noite (ou mesmo até de madrugada), de forma a permitir que se dispersassem as multidões que, durante o dia se concentraram nos grandes centros urbanos e mesmo em cidades do interior" . Tal cuidado transparecia um temor não somente por uma reação irada da população, ansiosa pelo resultado positivo e favorável ao retorno dos processos democráticos e assim se iniciasse uma revolta, mas pela própria vitória da oposição que atestaria o fim do regime militar e de todo o aparato que o sustentava. Aquela votação marcaria o coup de grace sobre duas décadas de trevas na História nacional, mas as determinações e conjunturas políticas momentâneas ainda não privilegiaram uma abertura democrática de fato. A aurora foi adiada por alguns meses, tempo suficiente para que o movimento "Direto Já!" ganhasse a amplitude nacional determinante ao processo de redemocratização.
A emenda Dante de Oliveira precisava, segundo a determinação para alterações na Constituição, de dois terços efetivos de votos válidos - ou 320 votos dos parlamentares favoráveis. Entretanto por 22 votos ausentes o quadro resumiu-se em 298 votos a favor, 65 contrários e três abstenções. Além disso, contou-se com a influência do governo ao tentar esvaziar a votação e colaborar para que 113 deputados simplesmente não aparecessem ao evento. Diante do quadro negativo o anúncio da rejeição ficou patente:

A proposta foi rejeitada pela Câmara, deixando assim de ser admitida pelo Senado, ficando prejudicadas as emendas de número 6, 8, 20, 93, constante dos itens 2 e 3 da pauta. A mesa quer silêncio [muitas vaias da galeria]. Esgotado o tempo regimental para duração. Está encerrada a sessão.

Essa rejeição repercutiu de forma vergonhosa na imprensa, e seus participantes tachados como indignos de serem relacionados à memória nacional dos congressistas. A presença dos movimentos populares em frente ao Congresso nesta ocasião demonstrava o pleno interesse das camadas civis pelo desfecho positivo da transição democrática para o retorno do voto pleno ao eleitor. Mobilizações que começaram de fato anos antes, no princípio do governo de João Baptista Figueiredo, o último mandatário ligado ao regime militar (1964-1985) e que tinha a missão de conduzir e completar a distensão política que seu antecessor, Ernesto Geisel, iniciara. Entre os anos de 1978 e 1979 as tensões sociais pela campanha em favor da anistia dos milhares de brasileiros que viviam no exterior acusados pelo governo de cumplicidades a atos terroristas durante a vigência do AI-5 evidenciavam uma oposição que já se articulava em esforços na liquidação do regime, juntamente com as greves organizadas pelos trabalhadores ligados as lideranças sindicais emergentes durante as greves nas indústrias no ABCD paulista.
Entende-se hoje que tais mudanças apontavam para uma definição na esfera política: a revogação do AI-5 em dezembro de 1978, o retorno do habeas corpus e o fim da censura, bem como a efetiva adoção da anistia em agosto de 1979. O caráter truculento do regime ainda era presente pela expressiva declaração feita por Figueiredo quanto a sua disposição para dar continuidade ao processo de abertura política. Dispensando sutilezas, o "prendo e arrebento" ressaltou a ingrata tarefa do general em "fechar o regime" como também foi seu "canto do cisne". Nesse contexto os movimentos para uma transição democrática de fato rumavam sob dois aspectos e dois ritmos: a da paciente disposição das alas liberais opositoras ao regime e o de setores sociais que já se articulavam, como a exemplo dos metalúrgicos em greve no ABCD; estes últimos foram responsáveis por expor a face dura do regime em plena luz do dia, no cortejo fúnebre que levou o corpo do operário Santo Dias da Silva, morto durante protestos, através de brados contrários ao presidente Figueiredo. Outro aspecto que provocava as articulações favoráveis aos processos de abertura política era de ordem econômica. A tentativa de conter números acendentes de inflação a intenção em se reinstalar uma nova versão do "Milagre econômico de 69/73" pelo ministro Delfim Neto (Planejamento) não renderia um índice menor que os 77% anuais. A questão habitacional também proporcionou o repertório para ações civis: graças ao arrocho salarial e a inadimplência derivada desse quadro surgem movimentos específicos como os de defesa a mutuários do BNH e associações de moradores, consideradosconsiderados preambulares e importantes demonstrativos das indignações populares.
Grupos políticos já alinhados com as articulações democráticas pró-Abertura foram beneficiados com tais movimentos, como o MDB, cuja unidade resultava de uma composição distinta de correntes e posicionamentos ideológicos que tão-somente arranjavam-se favoravelmente ao processo de abertura política. Com a Lei Orgânica dos Partidos emitida em 1979 abriu-se campo para o multipartidarismo e as opções de legenda que surgiriam posteriormente com as eleições para governador, as primeiras efetivamente "diretas" por admitirem a participação cidadã em 1982. Partidos já compostos, como o PMDB, PDS e PDT, preparados e dispostos a completar o processo rumo ao voto pleno para a escolha do próximo presidente da República. 1980 foi o mais tumultuado em termos políticos e em ativismos ligados as insatisfações com os processos de abertura, em suma atribuídos a grupos extremistas de orientação conservadora e direitista. Bancas de jornal que distribuíam periódicos de protesto até aquela encaminhada à OAB e ao seu presidente; maior desfecho seria assentado na operação frustrada do Riocentro, em 1981, não fosse a súbita explosão do artefato. Esses eventos não provocaram outra reação senão a de indignação diante da ainda persistente resistência em atribuir tais fatos a um terrorismo de esquerda numa investigação fantasiosa que culminou na demissão do general Golbery.
O projeto inicial da emenda foi encabeçado pelo deputado Dante de Oliveira, do PMDB, em março de 1983, que iniciou a campanha para as eleições diretas à presidência, mas originalmente datava de 1982 – quando o deputado estadual ainda era prefeito de Cuiabá/MT, seu reduto natal:

Eu apresentei esse projeto de lei aqui na Câmara dos Deputados em 2 de março de 1983. Isso foi consequência de toda a minha campanha para deputado federal em Mato Grosso em 1982. Quando eu percebia que em todos os comícios e reuniões que fazia naquela campanha, quando falava das questões das diretas, do povo recuperar o voto para presidente, a resposta da população era sempre mais forte, maior, mais profundo. Aquilo foi me marcando, dia a dia. Quando me elegi federal, falei: vou apresentar a emenda das diretas para restabelecer esse direito do povo.
Em sua ascensão como deputado estadual, Dante de Oliveira apresentou a proposta que acabou por angariar apoio de parlamentares e populares, crescendo em interesse graças também a uma série de comícios ocorridos à ocasião: o mais notório deu-se no município de Abreu e Lima, Pernambuco, em março de 1983 – pouco mais de um ano antes da apreciação derradeira da emenda. No mês seguinte registraram-se saques e quebra-quebras nos grandes centros (em São Paulo, especialmente), associados à insatisfação de populares e desempregados; àquela mesma ocasião já pautava nos jornais a informação de que 74% da população desejava o retorno do pleito direto. A insatisfação popular estabeleceu-se com força nos anos iniciais da década, disparando a oferta pelo pronto restabelecimento democrático. A tônica da proposta encontrava-se com o anseio efetivamente popular, o de retornar o poder do voto aos cidadãos:
Art. 74 - O Presidente e Vice-Presidente da República serão eleitos, simultaneamente, entre os brasileiros maiores de trinta e cinco anos e no exercício dos direitos políticos, por sufrágio universal e voto direto e secreto, por um período de cinco anos.






http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/REPORTAGEM-ESPECIAL/466301-DIREITAS-JA-REJEICAO-DA-EMENDA-DANTE-DE-OLIVEIRA-MARCA-A-HISTORIA-DO-PAIS-BLOCO-1.html. Acessado em 13/4/15.
http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_26abr1984.htm. Acessado em 13/4/15.
Citação do presidente do Senado na ocasião, Moacir Dalla. http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/REPORTAGEM-ESPECIAL/466301-DIREITAS-JA-REJEICAO-DA-EMENDA-DANTE-DE-OLIVEIRA-MARCA-A-HISTORIA-DO-PAIS-BLOCO-1.html . Acesso em 14/4/15.
Jornal "O Estado de São Paulo", editorial do dia 26/4/84. Reproduzido em: http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_26abr1984.htm. Acesso em 15/4/15.
Como visto em http://www.abcdeluta.org.br/materia.asp?id_CON=145 .Acesso em 14/4/15.
PENNA, Lincoln de Abreu. Uma História da República. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, p. 323.
Entrevista. Como visto em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/REPORTAGEM-ESPECIAL/466301-DIREITAS-JA-REJEICAO-DA-EMENDA-DANTE-DE-OLIVEIRA-MARCA-A-HISTORIA-DO-PAIS-BLOCO-1.html .Acessado em 14/4/15.
O Estado de São Paulo, de 05/4/1983. Consulta via acervo digital em: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19830405-33151-nac-0001-999-1-not/tela/fullscreen .Acesso em 14/4/15.
h

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.