Autocomposição realizada através de oficial de justiça

July 14, 2017 | Autor: Carolina Uzeda | Categoria: Conciliação, Mediação e Arbitragem, Novo Código De Processo Civil Brasileiro
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AUTOCOMPOSIÇÃO REALIZADA ATRAVÉS DO OFICIAL DE JUSTIÇA

Carolina Uzeda Libardoni[1]

O ser humano evolui à medida que deseja, visualiza o que pretende
alcançar e persegue seus objetivos. Sempre que nos deparamos com
determinado desconforto lutamos para alcançar a paz de espírito e a
facilitação de nossas vidas. O CPC/15, apesar de ainda não poder ser
considerado a invenção do século, não fugiu à regra. Diante da insatisfação
com o sistema processual entendemos (enquanto sociedade) que a nova lei
contribuiria para a solução do problema, para amenizar nosso profundo
desconforto (de alguns, pelo menos).

Uma das respostas trazidas pela nova lei foi a inclusão dos meios
alternativos de solução de conflitos dentre as normas fundamentais (art.
3º) e sua valorização em todo sistema, de tal forma que, no CPC/15 a busca
pela autocomposição é frequente e ininterrupta.

Contudo, como em tudo na vida há dualidade, a perseguição dos
objetivos leva a grandes passos, mas também pode ser deturpada. Maquiavel
quando assegurou que os fins justificam os meios, externou o que, no fundo,
temos feito desde sempre: ultrapassado limites e atropelado certezas,
deixando de lado desejos e valores para buscar assegurar o resultado
favorável da nossa peregrinação. Não foi diferente no CPC/15. Não foi
diferente com a autocomposição.

Apenas a obrigatoriedade da audiência já serviria de grande exemplo
para a questão que aqui se propõe. Ela, a bem da verdade, vem sendo
crucificada por parte da doutrina[2], diante da incompatibilidade entre o
ato obrigatório e a voluntariedade inerente à conciliação e à mediação.
Virou o centro das atenções, que faz com que outros defeitos do sistema, no
que diz respeito à autocomposição, não sejam percebidos ou não recebam a
devida atenção. Um deles, sobre o qual a análise se faz imprescindível está
previsto no artigo 154, IV e parágrafo único.

O referido artigo diz respeito à atividade do oficial de justiça e
elenca, dentre seus deveres: "VI – certificar, em mandado, proposta de
autocomposição apresentada por qualquer das partes, na ocasião de
realização de ato de comunicação que lhe couber". Prossegue, no parágrafo
único, criando um procedimento decorrente da referida certificação:
"certificada a proposta de autocomposição prevista no inciso VI, o juiz
ordenará a intimação da parte contrária para manifestar-se, no prazo de 5
(cinco) dias, sem prejuízo do andamento regular do processo, entendendo-se
o silêncio como recusa.".

Buscamos referências à proposta certificada pelo oficial de justiça
por todo o código, sem sucesso. O procedimento apenas tem previsão no
artigo 154, VI e parágrafo único. Cumpre-nos, portanto, analisá-lo.

Extrai-se do texto que o oficial de justiça não tentará promover a
autocomposição, mas tão somente certificá-la, documentando o que a parte
lhe disser. Não nos parece que a lei tenha tentado transformar o auxiliar
da justiça em conciliador, mesmo porque a conciliação ou mediação apenas
pode ser realizada com a presença/manifestação de todos interessados.
Cumpre-lhe tão somente transcrever o que for solicitado pela parte, não
podendo esquivar-se de fazê-lo.

Ressalte-se que o oficial de justiça geralmente praticará ato
prejudicial à parte (citação, penhora, arresto...), o que, caso fosse-lhe
autorizado tentar buscar a autocomposição, por si só, já constituiria
constrangimento ou intimidação, atitude vedada aos conciliadores[3]. A
manifestação pela autocomposição deve, portanto, ser absolutamente
espontânea e sem qualquer interferência do oficial de justiça.

Imaginemos a seguinte situação: o oficial de justiça procederá à
penhora de determinado bem do executado que, por sua vez, naquele momento,
afirma ter interesse em realizar um acordo para o pagamento do débito.
Expõe ao auxiliar da justiça sua proposta, que será devidamente
certificada, com a certeza que a fé pública dos atos produzidos pelo
oficial lhe atribui. O juiz, por sua vez, diante da proposta e em
obediência ao parágrafo único, intimará a parte contrária, dando-lhe prazo
de cinco dias para sua manifestação acerca da proposta realizada. A omissão
será interpretada como recusa. O processo não será suspenso, tampouco
deixará o oficial de justiça de cumprir o que foi determinado, em virtude
da realização da proposta. A não suspensão do processo merece aplausos, já
que evita a realização de propostas com a única finalidade de impedir o
cumprimento da diligência e protelar indevidamente o feito.

Em uma primeira leitura, concluímos que, aceita a proposta, caberá ao
juiz homologá-la, sentenciando e resolvendo o problema das partes,
sobretudo se considerarmos que é também dever do magistrado buscar a
autocomposição a qualquer tempo. Seria a consequência lógica e
aparentemente buscada pelo legislador. Mais efetividade impossível. O
oficial de justiça certificaria a proposta que, se aceita (no prazo de
cinco dias), terminaria homologada sem sequer ser necessário designar
audiência.

Ocorre que, via de regra (sempre, no que concerne à citação), a parte
quando se vê na presença de oficial de justiça não está acompanhada de
advogado, especialmente porque os atos são praticados sem hora marcada e de
forma "inesperada". O CPC/15 previu expressamente a prática de ato pela
parte, em um momento que, na absoluta maioria dos casos, sabemos todos que
estará desacompanhada de seu representante.

A lei, contudo e com razão, permanece exigindo capacidade
postulatória[4] e tal obrigatoriedade não é excepcionada para a
autocomposição[5], que apenas poderá ser obtida se a parte se fizer
acompanhada do respectivo profissional, sob pena de nulidade do ato.
Faltando capacidade postulatória, não pode a parte praticar ato processual,
independentemente de suas boas intenções. Disso extrai-se que não é válido
realizar proposta perante o oficial de justiça, ou quem quer que seja, sem
a presença do advogado.

Caso ainda assim o oficial de justiça certifique a proposta, como
acreditamos que acontecerá na prática, se esta for aceita pela parte
contrária, não poderá o juiz homologá-la, mas tão somente designar
audiência de conciliação ou mediação, a ser realizada preferencialmente por
profissionais especializados. A proposta aceita pode ser tida apenas como
indício do desejo das partes em buscarem a autocomposição, sendo salutar
que a tentativa de obtê-la ocorra de forma válida.

Apesar de não existir expressa previsão legal e a proposta não ser
válida, é dever do juiz buscar a autocomposição a qualquer tempo, sempre
que perceber que as partes tendem a fazê-lo, ainda que as demonstrações de
tal tendência ocorram de forma sutil. A designação de audiência, na qual
estarão necessariamente presentes os patronos, soluciona o problema, uma
vez que, se for o caso de ratificação da proposta, esta será reproduzida e
aceita, podendo, agora sim, ser homologada.

Nada impede, porém, que após conversar com seu advogado, a parte
perceba que a proposta realizada não lhe convém e que, a bem da verdade,
apenas a fez por desconhecimento técnico. Suas atitudes foram fruto da
ignorância e do nervosismo diante da presença do oficial de justiça. Não
há, aqui, o que se falar, caso a parte desista da proposta, em preclusão
lógica ou ofensa à boa fé, uma vez que foi realizada sem capacidade
postulatória, logo, sem possibilidade de surtir efeitos, sequer para
determinar sua futura conduta.

O mesmo raciocínio não se aplica à parte contrária que, intimada
através de seu advogado, terá condições de avaliar de forma legítima e
adequada a proposta. Sua aceitação deverá ser observada quando da
realização da audiência e a recusa em ratificá-la poderá ser interpretada
como violação à boa fé objetiva.

De toda sorte, estando presente o patrono no ato de comunicação, nada
obsta que o juiz, com a aceitação da parte contrária, homologue diretamente
o acordo, única hipótese em que será dada plena efetividade ao artigo 154.

A autocomposição deve ser buscada por todos os sujeitos do processo,
a qualquer tempo mas nunca a qualquer preço. É importante que a tendo como
objetivo, não nos esquivemos de observar todas as demais garantias do
processo, as quais não podem ser atropeladas, sob pena de irremediáveis
abusos e prejuízos aos jurisdicionados.



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[1]

[2] Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/RJ. Professora
substituta da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRuralRJ.
Professora do curso de especialização em Direito Processual Civil da
PUC/RJ. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro da
Comissão de Estudos em Direito Processual Civil da OAB/RJ, triênio
2013/2015. Advogada.

[3]

[4] . "Quando a autocomposição é imposta, perde sua legitimidade e
compromete a já abalada credibilidade do Poder Judiciário". (TARTUCE,
Fernanda. Conciliação e Poder Judiciário. Disponível em
www.fernandatartuce.com.br Acesso em 05.02.2015.).



[5]

[6] Art. 165. § 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos
casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir
soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de
constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

[7]

[8] Art. 103. A parte será representada em juízo por advogado
regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.

[9]

[10] Nesse sentido já se manifestou o STJ: EXECUÇÃO DE ALIMENTOS.
REQUERIMENTO CONJUNTO DAS PARTES NO SENTIDO DA EXTINÇÃO DO FEITO NOS TERMOS
DOS ARTS. 269, III, E 794, I, DO CPC. EXEQÜENTE DESACOMPANHADA DE SEU
PATRONO. NECESSIDADE NO CASO DA ASSISTÊNCIA DO PROFISSIONAL. ART. 36 DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. – Tratando-se de ato privativo de profissional
legalmente habilitado (art. 36 do CPC), é ineficaz a decisão que acolhe a
postulação formulada de modo incompleto, sem a assinatura do advogado de
uma das partes. Recurso especial não conhecido. (REsp 351.656/PR, Rel.
Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 06/02/2003, DJ
14/04/2003, p. 226)
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