Autonomia do Indivíduo e Direitos Fundamentais versus Política Antidrogas: O Caso da Lei 11.343/2006

June 20, 2017 | Autor: Débora Biu | Categoria: Direitos Fundamentais, Drogas, Paternalismo, Direto, LEI 11.343/06
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JUR ÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO REC IFE

DÉBORA FONSÊCA BARBOSA

AUTONOMIA DO INDIVÍDUO E DIREITOS FUNDAMENTAIS VERSUS POLÍTICA ANTIDROGAS : O CASO DA LEI Nº 11.343/2006

Recife 2015

DÉBORA FONSÊCA BARBOSA

2

AUTONOMIA DO INDIVÍDUO E DIREITOS FUNDAMENTAIS VERSUS POLÍTICA ANTIDROGAS : O CASO DA LEI Nº 11.343/2006

Monografia final de curso apresentada como

requisito

para

obtenção

do

título de Bacharelado em Direito pelo CCJ/UFPE. Orientador: Junior

Recife 2015

Prof.

Torquato

Castro

3

AUTONOMIA DO INDIVÍDUO E DIREITOS FUNDAMENTAIS VERSUS POLÍTICA ANTIDROGAS : O CASO DA LEI Nº 11.343/2006

DEFESA PÚBLICA em Recife, ______ de ____________________ de 2015.

BANCA EXAMINADORA Presidente: Orientador: ________________________________________ 1ª Examinadora: ________________________________________ 2º Examinador: ________________________________________

Recife 2015

4

AGRADECIMENTOS

Este

estudo

é

resultado

da

minha

curiosidade

e

das

minhas

inquietações, que, na verdade , é fruto da vida que eu compartilho com algumas pessoas. Aqui, reservo algumas palavras para dizer: gratidão pelas discussões e, principalmente, pelo amor trocado. Em nome de algumas pessoas, quero agradecer a todas que sabem que estão nessa estrada comigo. Ao orientador e amigo Torquato, pelos incansáveis estímulos e pela atenção carinhosa e esperançosa nas ideias apresentadas neste trabalho. Aos amigos da vida toda, Gabriel e Caio e aos meus sempre cúmplices, Saúva e Digo. Às parceiras que admiro e que estão na luta comigo todos os dias, Raísa, Clarissa, Maria Helena e Maria Júlia. Ao Movimento Zoada, por todos os mundos que compartilhamos. Ao começo, meio e fim de tudo, Carmem, Gustavo e Júlia. E ao meu redutor de danos , embora meu companheiro de riscos, Davi.

5

RESUMO BARBOSA, Débora Fonsêca. Autonomia do Indivíduo e Direitos Fundamentais versus Política Antidrogas : O Caso da Lei nº 11.343/2006. 65 f. Trabalho de conclusão do curso de bacharelado em Direito - Faculdade de Direito do Recife, Uni versidade Federal de Pernambuco. Recife, maio/2015. Este estudo procura compreender os caminhos que as relações entre seres humanos e substâncias psicoativas percorreram ao longo da história até ser deflagrada a guerra às drogas. Usando como ponto de partida a valorização da autonomia do indivíduo, que se perfaz com a liberdade e a individualidade, e a diminuição da intervenção estatal, buscou-se reconhecer os elementos que permeiam dita relação, utilizando o s direitos fundamentais como argumento legal. Por fim, será feita uma análise crítica da Lei 11.343/2006 confrontando -a com os direitos humanos, apresentando o contexto e as conseqüências principalmente na América Latina e no Brasil. Palavras-chave: Paternalismo. Drogas. Lei nº 11343/06.

Individualismo.

Direitos

Fundamentais.

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SUMÁR IO

Introdução...... ................................................... ..............................0 8 1.

Estado, Sociedade e Indivíduo...............................................................................10

1.1 Uma Questão de Obediência..................................................................................10 1.1.1. Estado, Paternalismo e (ausência de) Democracia........................10 1.1.2. Autotutela e Heterotutela da Consciência............................... .....17 1.2 Liberdade, Intimidade e Individualidade......... ............................23 1.2.1. Os Direitos Fundamentais e suas Garantias .......... .................... ..23 1.2.2. Indivíduo, Sujeito Concreto....................... ................................26

2. Substâncias Psicotrópicas: Cultura, Política e Norma ....................30 2.1 Drogas: Uma Cultura Proibida.................... ................................30 2.1.1. Drogas, Cultura e Sociedade..................... .................................30 2.1.2. Proibicionismo: a política que nunca fun cionou................. .........34 2.2 Leis Antidrogas: um breve panorama do Brasil, América Latina e Mundo............................................................. ...................... ...........38 2.2.1. Leis de Drogas: Contextos e Consequências............... .................38 2.2.2. Lei n° 11.343/ 06 e os Desrespeitos Constitucionais.....................42 Considerações Finais.............. ......................................................... .55 Referências Bibliográficas...... ......................................................... .59

7

Nós não podemos viver em uma sociedade que

é

tanto

livre

quanto

“livre

das

drogas”, não se pode ter os dois.

(H AR VEY, B ret t. T he C ul t ure H i g h. Do c u me n tár io . 1 1 9 mi n . Es tad o s U n id o s, 2 0 1 4 ) .

8

Introdução As crescentes práticas do Estado com vistas a dispor da dinâmica de vida do indivíduo vêm se aperfeiçoando em uma cadeia de normas autoritárias e invasivas. As Leis e Decretos que se destinam a cuidar da vida de cada pessoa nos seus pormenores (dispondo sobre suas roupas, sua saúde e sua “felicidade”) são incontáveis. Além da subserviência à moral

instituída,

essas

práticas

se

materializam

em

políticas

da

proibição, do não permitido. Um exemplo de política proibicionista é a Lei de Drogas n° 11.343/2006, bem como suas correlatas em seus respectivos países. Preocupado em entender os limites da intervenção estatal na vida privada e a consequente violação aos direitos fundamentais, o presente trabalho de conclusão de curso, do bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, pretende discutir questões que discorrem desde os direitos fundamentais à livre disposição do corpo, à autonomia na construção da identidade de cada ente, até as políticas paternalistas do Estado , com o exemplo da lei antidr ogas brasileira e a sua lesividade frente aos indivíduos. Para melhor análise do tema, a presente monografia s e estruturará sob dois capítulos. O primeiro capítulo se propõe a ressignificar a importância e o papel do Indivíduo e do Estado dentro da sociedade, especialmente no contexto de uma democracia. Assim, a primeira parte deste trabalho se bifurca em, prim eiro, tentar compreender por que, quando se trata do Estado Democrático Paternalis ta, os indivíduos vivem sob a égide da obediência, discutindo , como nomearia Henrique C arneiro 1, a autonomia e a heteronomia da consciência. O outro caminho percorrido ainda no primeiro capítulo traz os conceitos , de forma crítica, que norteiam os direitos fundamentais individuais, partindo da perspectiva muito bem 1

C AR NEI R O, H e nr iq u e. Aut o no mia o u H et er o no mi a no s E sta do s Alte ra do s de Co n sc iê nc ia . I n LAB AT E, B eatr i z Ca i ub y e t a l [o r g s.]. Dro g a s e C ult ura : no v a s per s pec t iv a s. Sa l vad o r : EDU FB A, 2 0 0 8 .

9

ensaiada pela anarquista Emma Goldman 2, do indivíduo como sujeito concreto. O segundo capítulo, por sua vez, procura levantar os argumentos que permeiam a discussão atual sobre substâncias psicot rópicas, à luz de uma perspectiva jurídico -sociológica. O referido capítulo inicia tentando analisar o histórico das relações humanas com as drogas, buscando compreender

como

emergiu

a

consolidada

política

global

do

proibicionismo e quais são suas consequências. Explorando o panorama brasileiro da Lei 11.343/06, que se insere no contex to latino-americano e global de legislações antidrogas, procura-se entender a legitimada supressão de direitos fundamentais concretos em virtude de bens subjetivos, como a saúde coletiva. Assim, este trabalho visa ajudar a compreender a liberdade do cidadão (na qual a moral, a vivência política e social têm sua expressão máxima) como elemento De cap it al i mp o rt â nci a p ara a co n str u ção nã o só d e u ma so c ied ad e j u s ta, ma s so b ret u d o d e u m E s tad o j us to , p ró sp ero e b en é fi co p ara o b e m c o mu m d e to d o s o s cid ad ão s e m se u co nj u nto , r e fle xo d o b e m - e s tar d e cad a i nd i v íd uo re sp e itad o e m s u a l ib erd ad e p le n a e e m s ua s l ib er d ad e s p ec u li are s e 3 p ar ti c ul ar e s .

Por fim, abre-se margem para subsum ir que o vício do Estado e da sociedade em intervir na liberdade individual é insustentável, assim como a Lei 11.343/06 em sua essência, admitindo a primazia da individualidade como um princípio intocável, eventualmente podendo ser aceita alguma intervenção no sentido promover, desenvolver e proteger os interesses do indivíduo que procura os meios mais apropriados para realizar plenamente sua vida.

2

GO LDM AN, E m ma. O I nd iv í d uo , a So ci eda de e o E sta do , e o utro s e n sa io s. P l í nio Au g u s to Co e l ho [ o r g.] . São P a u lo : Hed r a, 2 0 0 7 . 3 NEIV A, R ita d e Cá s si a Go nd i m. Ap re se n taç ã o in MI LL, J o sep h St uar t. E n sa io So b re a Li be rda de . [ t r ad .] NEI V A, R it a d e Cá s si a Go nd i m. S ão P au lo : Ed ito r a Esc ala , 2 0 0 6 . ( p . 0 7 ) .

10

1. ESTADO, SOCIEDADE E INDIVÍDUO

1.1. Uma Questão de Obediência 1.1.1. Paternalismo, Estado e (ausência de) Democracia

Por paternalismo compreende -se a ação, que no caso do presente trabalho tem como agente ativo o Estado e agente passivo o indivíduo ou grupos de indivíduos, de imiscuir -se na liberdade de outra pessoa com o propósito de defender seu bem 4. De acordo com Valdés, o paternalismo divide -se em dois tipos: um que contempla os casos em que o Estado intervém com o propósito de assegurar um benefício ao destinatário da medida; e um outro tipo, que se aproximaria de um paternalismo chamado de perfeccionism o moral (este visando beneficiar o próprio Estado) 5. Atienza, por sua vez, ajuda -nos a deixar mais clara a questão, explicando

que

o

paternalismo,

a

princípio

e

por

definição,

se

autojustifica, correspondendo a um processo no qual: se limita a liberdade de alguém com vistas a seu bem. Essa visão permite supor que certas pessoas possuem um saber ou competência que as autoriza intervir em uma felicidade que não é a sua. A aplicação de medidas paternalistas supõe, pois, uma relação de supra e subordinação 6. Então, partindo desse pressuposto, vislumbra -se o competente como alguém forte, superior em qualquer dos sentidos possíveis: cronológico, cultural, político, religioso, econômico ou profissional. A partir dessa realidade, a sociedade tem estabelecido uma sér ie de relações de competência versus incompetência, a exemplo: amo e servo, 4

AT IE N ZA, Ma n u el. Di s cut a mo s So br e Pa te rna li s mo . Re vi s ta Do xa – C uad er no s d e Fi lo so fía d e l D er ec h o . N ° 5 . 1 9 8 8 . (p . 2 0 3 ); CE RV E R A, V ict o ria Ca mp s . Pa ter na l is mo y B ie n E s t a r . R e vi s ta Do x a – C ua d erno s d e F ilo so fí a d e l Dere c ho . N ° 5. 1988. (p. 195). 5 AT IE N ZA, Ma n u el. D is cut a mo s So br e Pa t er n a li s mo . Op C it (p . 2 0 5 ); LAGIE R, Da ni el e RÓ DE N AS, Á n ge le s. Lo s De ber e s Po sit iv o s Ge ne ra le s y e l Co n ce pto de « Ca u sa » . Re v i sta Do xa - C uad er no s d e F ilo so fí a d el D ere c ho . N ° 3 0 . 2 0 0 7 . (p . 1 0 5 1 0 9 ). 6 C AMP S, V icto r ia. Pa t e r na l is mo y B ie n E sta r . Op Ci t. (p . 1 9 8 ) .

11

governante e governado, pai e filho, professor e aluno, clérigo e discípulo, médico e enfermo e tantas outras. É importante pontuar, contudo, que os incompetentes o são apenas quando agem de acordo com tais, não em todo caso 7. Ainda, o princípio paternalista defende que as medidas tomadas para proteger determinado bem não destruam (ou firam) outros bens de igual ou semelhante valor 8. Contudo, se o argumento de proteger o bem das pessoas não significa um requisito suficientemente forte para justificar uma medida paternalista



isso

porque

não

justifica

o

furto

da

liberdade

e

individualidade das pessoas de forma indiscriminada –, a ideia perde por completo o sentido. Afinal, ao que parece, não há como se prever um bem em sentido objetivo (uma vez que apenas a própria pessoa é que conhece qual é o „seu bem‟), carecendo, assim, de legitimidade de fato o bem subjetivo tutelado 9. Desta forma, a saída para os “Estados babás”

10

não é outra senão

estigmatizar o indivíduo, para poder classificá -lo de acordo com critérios objetivos, e então tutelá -lo. Assim, o Estado passa a estabelecer incontáveis regras e n ormas que, para vigorarem, prevê em diversos tipos de sansões para quem for visto como desviante 11. Para melhor explicar, utilizo o exemplo da política antifumo estadunidense 12, severamente aplicada a partir de 2003, uma das mais

7

AT IE N ZA, Ma n u el. D is cut a mo s So br e Pa t er na li s mo . Op C it . (p . 2 0 8 ). AT IE N ZA, Ma n u el. D is cut a mo s So br e Pa t er na li s mo . Op C it . (p . 2 1 0 ). 9 AT IE N ZA, Ma n u el. D is cut a mo s So br e Pa t er na li s mo . Op C it . (p . 2 1 0 ). 10 O “e st ad o b ab á” v e m d o ter mo i n g lê s n a n n y sta te , te nd o sid o ut il izad o p e la p r i me ira ve z p e lo e x -p ar la me nt ar b r it â nico Iai n No r ma n Mac leo d p ar a e xp li car “ u m go v er no q ue te m u m s up er i nte r e s se e m mi cro ad mi n i stra r a v id a d o s cid ad ão s, no s p ro te ge nd o d o s no sso s p r ó p r io s co m p o r ta me n to s”, e m H AR S AN Y, D a vid . O E sta do B a bá : co mo ra d ica i s, bo ns sa ma r it a no s , mo ra l is ta s e o ut ro s b uro cra ta s ca be ça s - d ura s te nta m infa nt ili za r a so cie da d e. Rio d e J a ne iro : L i tte r is Ed ., 2 0 1 1 . (p . 7 ). 11 B EC KE R, Ho war d S a ul. O ut si de rs: e stu do s so bre a so cio lo g ia do de s v io . Rio d e J ane iro : J o r ge Za har Ed . , 2 0 0 8 . ( p . 2 1 – 2 6 ). 12 Le gi sl ação a nt i f u mo ap l icad a e m al g u ma s cid ad es d o s E s tad o s U n id o s, i ni ci al me n te p ro ib ia o co n s u mo d e ta b a co e m b ar es e re sta u ra nt e s, e m 2 0 1 1 fo i a mp l i ad a p a ss a nd o a co n te mp lar p ar q ue s p ú b lico s, p r a ia s e p ra ça s; no ca so d e d e sc u mp ri me nto p o d e s er ap li cad a u ma mu l ta d e até U S$ 1 0 0 ,0 0 (ce m d ó lare s), me s ma mu l ta j á p rev i sta p ar a o s ca so s d e q u e m fo r p e go p ed i nd o es mo la o u ur in a nd o na r ua. G1 . Le i a ntif u mo e m No v a Yo r k é e st e nd i da pa ra pra ia s e pa r q ue s . G1 . Fe v erei ro d e 2 0 1 1 . Di sp o ní ve l em > ace s sad o e m ab r il /2 0 1 5 . 13 Lei a nt i f u mo b r as ile ir a , n° 1 2 .5 4 6 /2 0 1 1 , d i sp o n ív el em ; ca mp a n ha p ub l ic itá r ia d a L1 2 5 4 6 : “ Alé m d a p ro ib ição d e fu ma r no s lo cai s to ta l me n te f ec had o s, e m to d o o p a ís , a go ra ta mb é m i mp ed e o fu m o no s lo ca is p arci al me n te fec h ad o s e m q ualq u er u m d e s e us lad o s p o r u ma p ared e , d iv i só ri a, te to o u to ld o . E nad a d e f u mó d r o mo s. A l ei va le ta mb é m p ar a áre as co mu n s d e co nd o mí n io s e cl ub e s.” Di sp o ní ve l em > a ce ss ad o e m mar ço /2 0 1 5 . 14 H AR S ANY, Da v id . O E st a do B a bá : co mo ra d i ca i s, bo n s sa ma r ita no s, mo ra li sta s e o ut ro s b uro cra t a s c a beça s - d ura s te nta m i nfa n ti liza r a so c ie da d e. Op C it . (p . 1 1 0 ). 15 H AR S ANY, Da v id . O E st a do B a bá : co mo ra d i ca i s, bo n s sa ma r ita no s, mo ra li sta s e o ut ro s b uro cra t a s c a beça s - d ura s te nta m i nfa n ti liza r a so c ie da d e. Op C it . (p . 1 1 3 ). 16 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª edição. Rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1993. (p. 14); KE LSEN , Ha n s. T eo ria Ge ra l do Di rei to e do E sta do . 3 ª ed ição . São P a ulo : M ar ti n s Fo n te s, 2 0 0 0 . ( p . 2 7 3 ); B EC KE R, H o ward S a ul. O ut si de rs: e st u do s da s o cio lo g ia do de sv io . Op C it. ( p . 3 0 ).

13

A soberania, assim, é elemento cru cial para a manutenção do poder e aqueles grupos cuja posição soci al lhes garante o poder de polícia e o gerenciamento do Estado são mais aptos a impor suas regras à coletividade. Assim, o Governo, em seu caminho natural, além de buscar meios para conservar o poder que detém, também procura reforçá -lo, ampliá-lo e perpetuá-lo no interior e no exterior de suas fronteiras. O que sugere que quanto mais forte a autoridade, quanto maior o Estado e seus poderes, mais intolerável será para ele a existência de uma autoridade similar ou um poder político paralelo 17. Contudo, o governo não pode existir sem o consentimento, tácito ou simulado, do povo. Através do constitucionalismo e da democracia, inoculado pelo que se chama „educação‟ 18, tem-se as formas modernas de legitimar esse pretenso consentimento. Com a ideia de que o homem é mau, virulento e por demais incompetente para saber o que é bom para si próprio, o povo consente porque é persuadido da necessidade da autoridade 19. Embasado nisso – para legitimar aquele pretenso consentimento – é que o ex-presidente norte americano Ronald Reagan disse, certa vez, que “o governo existe para nos proteger uns dos outros; quando o governo ultrapassa seus limites é para decidir nos proteger de nós mesmos”

20

.

De certo, é importante mencionar que o Brasil carrega em sua história

o

peso

de

uma

inexperiência

democrática

enraizada

em

complexos culturais e carente de formação neste sentido 21, na qual o povo jamais se aproximou ou teve qualquer experiência de autogoverno,

17

GO LDM AN, E m ma . O In d iv í duo , a So ci eda de e o Esta do , e o utro s en sa io s. Op Ci t. (p . 3 6 ) . 18 C f. F REI RE, P a u lo . A E du ca çã o Co mo Prá ti ca de Li be rda de . Rio d e J an eiro : P az e T erra, 1 9 6 7 . 19 C f. HOB B E S, T o ma s. Lev ia t ã o u M a téria , Fo r ma e Po de r d e u m E sta do Ec le siá st ico e C iv i l. Sã o P au lo : Mar ti n C lare t, 2 0 0 3 . (p . 1 3 1 -1 4 3 ). 20 H AR S ANYI , D a vid . O Est a do B a bá : co mo ra d ica is, bo n s s a ma r ita no s, mo ra li sta s e o ut ro s b ur o cra t a s ca b eça s - du ra s tenta m i nfa nti li za r a s o cie da de. Op Ci t. (p . 1 6 9 ) . 21 F REI RE, P a u lo . A E du c a çã o Co mo P rá tica d e Li be rda de . Op C it . (p . 6 6 ).

14

o que significa a essência da própria democracia 22. Em uma breve leitura da história do Brasil, sobre o desenvolvimento do tema, Paulo Freire explica: O B r a si l na sc e u e c re s ce u se m e xp eri ê nc ia d e d iá lo go . De cab eç a b a i xa, co m rec eio d a Co ro a. S e m i mp r e ns a. Se m r ela çõ e s. Se m es co l as . “Do e n te.” S e m fa la a ut ên ti ca. Dep o is d e u ma c it ação la ti na , q ue ter mi n a co m a p ala vra in fa n s , d iz Vie ir a n u m d o s se u s s er mõ e s: “Co mec e mo s p o r es ta ú lt i ma p ala vr a, i n fa n s, i n fa nt e , q u er d izer o q ue n ã o fala . N es te es tad o e s ta va o me n i no B ati st a, q ua nd o a se n ho ra o vi si to u, e ne s te e stad o e st a va o B ras il mu i to s ano s q ue fo i , a me u ver, a ma io r o ca si ão d e s e us ma le s. Co mo d o e n te n ã o p o d e fa lar, to d a o utr a co nj ect u ra d i fic u lt a mu i to a med i ci na. P o r i s so Cr i s to ne n h u m e n fer mo curo u co m ma i s d i fic uld ad e, e e m ne n h u m mi l a gre ga sto u ma is te mp o , q ue e m c urar u m end e mo ni ad o mu d o ; o p io r ac id e n te q ue te ve o B ras il e m s u a en f er mid ad e fo i o to l h e r - se - l he a fal a: mu i ta s ve ze s se q ui s q ue i xar j us ta me n te , mu ita s ve ze s q u i s p ed ir o s re méd io s d e se u s ma le s, ma s se mp re l he a fo go u as p al a vra s n a gar g a nt a, o u o r esp ei to , o u a vio l ên cia : e se a l g u ma vez ch e go u al g u m ge mi d o ao s o u vid o s d e q ue m d e ver a re med i ar, c h e gara m ta mb é m a s vo z e s d o p o d er e v e ncer a m o s cla mo re s d a r azão ” 23.

Dessa forma, um Estado que não tem a cultura de uma democracia plena 24, dificilmente respeitará os pilares democráticos a esses regimes inerentes, universalmente consagrados 25, provocando, em certos casos, interesses divergentes entre Estado e indivíduo 26.

22

C f. T OC QU EVI LLE, Al ex i s d e. A De mo c ra cia na A mé ri ca : le is e co st u me s de certa s lei s e c ert o s co st u me s po lít ico s q ue f o ra m na t ura l me nt e su g eri do s a o s a mer ica no s po r se u e st a do so cia l de mo c rá tico . 2 ª ed i ção . São P a u lo : Mart i n s Fo nt es, 2 0 0 5 . 23 Ser mã o d a Vi s ita ção d e No s sa Se n ho r a, p re gad o q ua nd o d a c he g ad a d o Marq uê s d e Mo n ta l vão , v ic e -r e i d o B r as il. Ho sp i ta l d a Mi s ericó rd ia. B a hi a. Ob ra s Co mp let as d o P ad re An tô nio V ie ir a. Ser mõ es , Vo l. III. P ô rt o : Lelo & Ir mão s Ed i to r es, 1 9 5 9 . (p . 3 3 0 ). In F R EI RE, P a u lo . E du ca çã o co mo Prá t ic a de L ib er da d e. Op Ci t. (p . 6 6 -6 7 ). 24 E m p esq u i sa r e al izad a p elo I n st it u to Eco no mi s t I nt el li g e nce U ni t De mo cr ac y, p ub lic ad a na r e v is ta T he E co no mi s t, no a no d e 2 0 1 3 , d e 1 6 7 p aís e s p esq ui sad o s, ha v ia 2 5 p aí se s e m d e m o cr ac ia p l e na e 5 2 (d e nt re o s q u ai s o B ra s il) e m d e mo cra cia i mp er fe it a. E s sa cl a ss i fi cação u ti lizo u c ri tério s rela cio nad o s a o p ro c e ss o elei to ra l e p lu ral i s mo p o lí ti co , o f u ncio n a me n to d o go ver no , p ar ti cip ação p o l íti ca, c u lt ura p o lít ic a e l ib er d ad e s ci vi s . S ite d a Re vi s ta T h e Eco no mi s t. Lo nd r es. Di sp o ní v el e m > ace s sad o e m d ez e mb r o /2 0 1 4 . 25 P rin cip a l me n te p elo s e n u nc iad o s d a D ec lara ç ão d e Dir ei to s d o Ho me m e d o Cid ad ão ( 1 7 8 9 ) e d o P acto d e S ão J o s é d a Co st a Ric a (1 9 6 9 ). C f. T e xto s B ás ico s so b re D er e c ho s H u ma no s. Mad r id . U ni ver s id ad Co mp l ute n se , 1 9 7 3 Ap u d FE R REI R A Fi l ho , Ma no el G. et . al l. Li be rda de s P ú bli ca s. São P a ulo : S ara i va , 1 9 7 8 . Di sp o ní v el em < < ht tp : // www. d ir e ito s h u ma no s. u sp .b r/i nd e x.p hp / Do c u me n t o s -a n ter io re s % C3 % A0 -cr ia % C3 % A7 % C3 % A3 o -d a - So c ied ad e -d a s - Na % C3 % A7 % C3 % B 5 es at %C3 % A9 1 9 1 9 /d ecl a r acao -d e - d ire ito s -d o - ho me m- e -d o - cid ad ao -1 7 8 9 .h t ml >>; C f. P ro cur ad o r ia Ger al do Es tad o de São P a u lo . D i sp o ní v el em

15

Dessa forma, o Estado, através das instituições políticas e econômicas que instaurou, não pode sobreviver senão modelando os indivíduos, a fim de que eles sirvam a seus interess es; ele os condiciona no respeito à lei e à ordem, ensinando -lhes obediência, submissão e fé absoluta na sabedoria e na justiça do Governo 27. No entanto, em termos literais, o Estado não é mais que um nome, uma abstração, assim como outras concepções do me smo tipo – nação, raça, humanidade -, ele não tem realidade orgânica. A palavra Estado designa o aparelho legislativo e administrativo que lida com negócios humanos 28. Na ordem econômica atual, de raiz capitalista, o indivíduo é classificado

através

da

sua

qualificação

para

o

trabalho,

sendo

29

substituível como engrenagem da máquina do capital . Sendo assim, esses entes nada mais são do que criaturas despersonalizadas, capazes de adquirir direitos e deveres 30. A

partir

de

uma

perspectiva

que

generaliza

o

indiví duo,

universalizando o que não é universalizável, o Estado adota posturas paternalistas com o intuito de manter a ordem e a moral instituídas, passando a tratar os indivíduos apenas enquanto coletividade. Por mais que estas questões pareçam tolas, elas sã o legítimas. Atualmente, nossos governos estabeleceram uma tirania do bem -estar que rebaixou a liberdade dos indivíduos à mera aceitação das práticas políticas e normas legais impostas. A partir de argumentos apoiados sobre saúde, sobriedade e moralidade, o Estado que se propõe democrático, na verdade, passa a interferir

diretamente

na

vida

privada

dos

indivíduos,

sem

o

> ace s sad o s e m ma io /2 0 1 5 . 26 B EC KE R, Ho war d Sa u l. O ut si de rs: e stu do s da so c io lo g ia do de sv io . Op C it . (p . 2 7 ). 27 KE LSEN , H a ns . Teo r ia Ge ra l do Di rei to e do E sta do . Op C it . (p .2 6 2 -2 6 3 ). 28 C f. HOB B E S, T o ma s. Lev ia t ã o u M a téria , Fo r ma e Po de r d e u m E sta do Ec le siá st ico e C iv i l. O p Ci t ; G O LDM AN, E m ma . O I nd iv í d uo , a So cie da de e o E sta do , e o ut ro s en sa io s. Op Ci t. (p . 3 3 ). 29 O LIV EI R A, Lu c ia no . O s E xc lu í do s E x i ste m? No ta s so br e a e la bo ra çã o d e u m no v o co nc eit o . R e vi st a B r as ile ir a d e Ci ê nc ia s S o cia is , nº 3 3 . 1 9 9 7 . (p . 4 9 -6 1 ). 30 B OR GE S, Ro xa n a Car d o so B r a s ile iro . Di re ito s de pe rso na li da d e e a uto no mi a pri v a da . 2 ª ed ição . São P au lo : Ed ito r a Sara i va, 2 0 0 7 . (p . 9 ).

16

consentimento

deles

e,

muitas

vezes,

sem

o

conhecimento,

desrespeitando, inevitavelmente, inúmeros direitos fundamentais, como veremos adiante. A socióloga Anne Wortham, ao tratar dos argumentos utilizados pelos antitabagistas, resumiu muito bem o caráter doutrinário das práticas paternalistas: “eles ensinam que, se você fuma, está em um estado de falsa consciência, porque não sabe o que lhe faz bem; recusamse a reconhecer a capacidade das pessoas de fazer escolhas; o Estado simplesmente as considera fora do diálogo” justificada

porque

tenta

explicar

31

. Tal conduta é dificilmente

vários

tipos

de

situações

e

comportamentos da mesma maneira e i gnora a possibilidade de que exijam variadas explicações, tentando uniformizar posturas que na verdade derivam de determinadas convicções 32. Em outra perspectiva, qualquer tipo de proteção ou ajuda não justificada dá ensejo a alguns questionamentos, como: “ quem exatamente pediu

a

ajuda

de

alguém?”

ou,

“quem

pode

assumir

essa

responsabilidade, se ela houver, de estabelecer quando e como se deve intervir na vida do outro?”

33

.

Assim, os m étodos paternalistas do Estado – fundamentados na coerção, que progressiv amente se transforma em violência, opressão e terror sistemáticos – na verdade perseguem o próprio bem, defendendo o próprio interesse (fundado em seus princípios e sua moral), por baixo da aparência de que se está protegendo um indivíduo ou um grupo. Sob o nome do bem comum, quer-se impor uma ideologia, aproveitando -se de um status superior e privilegiado.

31

H AR S ANY, Da v id . O E st a do B a bá : co mo ra d i ca i s, bo n s sa ma r ita no s, mo ra li sta s e o ut ro s b uro cra t a s c a beça s - d ura s te nta m i nfa n ti liza r a so c ie da d e. Op C it . (p . 1 1 0 -1 1 1 ) . 32 B EC KE R, Ho war d Sa u l. O ut si de rs: e stu do s da so c io lo g ia do de sv io . Op C it . (p . 3 3 ); CE RV E R A, Vi cto r i a C a mp s. Pa t er na l is mo y B ie n Es ta r . Op Ci t. (p . 1 9 8 -2 0 0 ). 33 CE R VE R A, V icto r ia C a mp s. Pa ter na li s mo y B ien E sta r . Op C it . (p . 1 9 5 ); H AR S ANY, Da v id . O E st a do B a bá : co mo ra di ca i s, bo n s sa ma rita no s, mo ra l i sta s e o utro s bu ro cra t a s ca b eça s - d ura s t enta m in f a nti li za r a so c ie da de. Op Ci t . (p . 1 1 0 ).

17

1.1.2. Autotutela e Heterotutela da Consciência 34

A autotutela e a heterotutela , em termos jurídicos, correspondem, respectivamente, aos casos: (a) em que uma pessoa formula certa norma e ela mesma a executa, ou (b) em que uma pessoa formula certa norma para que outra pessoa venha a executar. Enquanto formas distintas de dispor da li berdade de consciência, a questão gira em torno da titularidade dessa consciência, ou seja, se quem é o titular da consciência de determinado indivíduo é ele mesmo (se autotutela), ou uma autoridade pública (no caso da heterotutela) 35. Historicamente há um a confusão nas diversas culturas entre autonomia e heteronomia nas decisões humanas no que diz respeito a ações de alçada individual. Isto é, se quem dispunha da vida (ações, práticas e vontades cotidianas) de determinada pessoa era ela própria, ou um terceiro, alheio e com status superior àquela para poder impor suas convicções. Acontece que, de forma inevitável, o campo das ações e opiniões individuais acaba sendo resultado de injunções sociais 36. A consciência é, portanto, um produto histórico e coletivo. Desta forma, as decisões individuais, mesmo íntimas, acabam obedecendo a parâmetros ético s e morais coletivos. Contudo, de forma progressiva, a relação entre a ação individual e as determinações sociais tem se ampliado, passando a admitir o direito à singularidade e à excentricidade 37.

34

Os t er mo s Aut o t ut el a e Het er o t u te la, ut il izad o s p o r B OB B IO, No rb e rto . Teo r ia da No r ma J ur í dica . 2 ª ed i ção . S ão P au lo : E DIP R O , 2 0 0 3 ; se a s se me l ha m à s co ncep çõ e s d e Au to no mi a e He ter o n o mia e m C AR NEI R O H e nr iq ue. A uto no mi a o u H etero no mia no s Es ta do s Alt era do s de Co n sci ên cia . In LA B AT E, B eat riz Cai ub y et a l [o r g s.]. Dro g a s e C ult ura : no v a s per s pe ctiv a s . Sa l vad o r: E DU FB A, 2 0 0 8 ; e A uto co ntro le e Het ero co n tr o le e m C A ST EL, Ro b e rt e COP P EL, An n e. Le s Co n t rô le s d e la To xi co ma n ie. I n E hr e nb er g , Ala i n [o r g.]. I n div i du s So us I nf lu en ce . P ar is : Ed it io ns Esp r it, 1 9 9 1 . 35 C f. B OB B I O, No r b er to . Teo ria da No r ma J u rí d ica . 2 ª ed iç ão . São P a ul o : E DIP R O, 2 0 0 3 . (p . 8 9 -9 2 ) ; C f. M OR AE S, Mar ia Cel i na B o d i n d e. A Un iã o E ntr e Pes so a s do M es mo Se xo : u ma a ná l is e so b a per s pe ctiv a civ il - co n sti tu cio na l . Re vi s ta T ri me s tral d e Dir ei to Ci vi l, R io d e J a n eiro , a no 1 , v . I, (p . 8 9 -1 1 2 ), j a n/ ma r 2 0 0 0 . 36 C f. M AR X , Kar l e E N GE LS, Fr ied r ic h. A I d eo lo g ia Ale mã . São P a ulo : M art i n Cl are t, 2 0 0 4 . 37 C AR NEI R O, He nr iq ue. Aut o no mi a o u H et er o no mi a no s E sta do s A ltera do s de Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 6 5 -6 7 ) .

18

O modelo de renúncia de si como ideal ético tem origens na moral cristã, que entendia o indivíduo como incapaz de julgar a si mesmo, pois se admitia o princípio da obediência a um outro (geralmente, um tipo de mestre, que “en tenderia” de consciência e saberia o melhor para você). Assim, o cuidado de si significava necessariamente o sacrifício de si, na medida em que se conhecer é abdicar de si mesmo 38. O autocontrole, o policiamento e a vigilância permanente de si próprio

eram

a

tecnologia

disciplinar

que

as

práticas

clericais

desenvolviam. Assim, A h u ma n id ad e te ve q u e in fl i gir - se terr í ve is v io l ên cia s até se r p r o d uz id o o si me s mo , o cará ter d o ho me m a ut e nt ico , v iri l, d ir i g id o p ar a fi n s, e al go d is so se rep e te a ind a e m cad a in f â nc ia. O es fo rço p a ra ma nt er fi r me o „e u ‟ p r e nd e - s e ao „e u ‟ e m to d o s o s s e us es tá g io s e a t e nta ção d e p e rd e -lo se mp r e ve io a p ar co m a ce ga d eci são d e co n ser v á -lo 39.

Os primeiros passos no sentido contrário começaram a ser observados no século XX, como forma de um processo de expansão dos direitos de livre disposição do corpo, com a valorização dos direitos sexuais 40. A ideia de sacralização do corpo, de adoração ao imaculado, foi relativizada. O corpo, então, passou a ser visto como uma situação, pois os humanos são capazes de modificar seu corpo de acordo com suas vontades e necessidades, deixando de concebê -lo como apenas uma herança biológica 41. Então, na época moderna, o individualismo emerge como um modelo de representação legítimo da consciência de si . A ideia de um ser autônomo, que, em seu interior, brilha uma luz própria da razão, ganhou força, que, projetada sobre o mundo e sobre si mesma, pode revelar as

38

C AR NEI R O, He nr iq ue. Aut o no mi a o u H et er o no mi a no s E sta do s A ltera do s de Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 6 6 ) . 39 HO RK HEI ME R, M a x. Co nc ei to d e Il u mi n is mo . Ap u d C AR N EI RO , He nr iq ue. Auto no mia o u H et ero n o mia no s E sta do s A lte ra do s de Co n sc iê nc ia . Op Ci t. (p . 6 9 ). 40 C AR NEI R O, He nr iq ue. Aut o no mi a o u H et er o no mi a no s E sta do s A ltera do s de Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 6 5 ) . 41 B E AU VOI R, Si mo n e. A p u d C AR NEI RO , He nr i q ue . Au to no mia o u H e tero no mi a no s Esta do s Alt e ra do s de Co n sc iê nc ia . Op Ci t. (p . 8 1 ).

19

verdades do mundo e refletir criticamente sobre a própria instância subjetiva 42. O iluminismo trouxe o ser humano como indivíduo, não mais perdido entre a coletividade, agregando os conceitos identidade, sujeito e consciência. Com isso, passa-se a considerar que a natureza humana possa não ser uma máquina, construída com base em um modelo e determinada a fazer exatamente o trabalho a ela atribuído, mas um ser, assim como os outros seres, que necessita crescer e desenvolver -se para todos os lados, de acordo com a tendência das forças interiores que fazem dela algo vivo 43. Os indivíduos não perm anecem, e nem querem permanecer, como a natureza os fez (isso se refletiria de várias formas, desde os simples adornos utilizados para enfeitar o corpo). Intervir deliberadamente sobre a mente nos seus múltiplos aspectos (perceptivos, cognitivos, afetivos, ) é mais uma forma de mostrar como os estados de humor podem ser direcionados, potencializados ou amenizados, por efeitos oriundos de diversos processos – das drogas (lícitas e ilícitas) à televisão (maior máquina contemporânea de produção de subjetividade s, de acordo com Henrique Carneiro 44. O que resta debater é como administrar o arsenal de substâncias

e

a

quem

cabe

as

determinações

de

pr escrevê-las

e

proscrevê-las. A partir dessas ideias, reconhece -se o conceito de gestão de si como um processo de apropr iação do próprio corpo e pensamento, através do conhecimento de si, questão que assume relevância quando se trata de liberdade 45. Neste sentido, decidir sobre sentir ou não as próprias dores e como buscar remédios para os sofrimentos da alma e depois perceb er os 42

C AR NEI R O, He nr iq ue. Aut o no mi a o u H et er o no mi a no s Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 6 7 ) . 43 MI LL, J o sep h St u ar t. E nsa io So b re a Li be rda de . [ trad .] Go nd i m. S ão P a ulo : Ed i to r a E sc al a, 2 0 0 6 . (p . 8 8 ). 44 C AR NEI R O, He nr iq ue. Aut o no mi a o u H et er o no mi a no s Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 7 7 ) . 45 C AR NEI R O, He nr iq ue. Aut o no mi a o u H et er o no mi a no s Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 7 2 ) .

E sta do s A l tera do s de NEI V A, R it a d e Cá ss i a E sta do s A ltera do s de E sta do s A ltera do s de

20

limites – se existirem – da relação com cada substância, é um direito indissociável da ideia de autotutela. Indicando que a gestão de si não pode ser sequestrada por um desconhecido, seja um médico ou um legislador 46. O uso de drogas, por exemplo, pod e ser feito segundo critérios autônomos,

do

próprio

usuário,

ou

heteronômicos,

geralmente

de

autoridades médicas 47. Contudo, a gestão de si mesmo exige o direito mais amplo à autonomia na determinação da interioridade, não admitindo a administração no uso d os fármacos como atributo exclusivo de “especialistas” (que geralmente o são em uma área, mas não em outra acerca do conhecimento do corpo), devendo ser facultada a consumidores autônomos e informados (a exemplo de outras tarefas da sociedade, como dirigir). Além disso, deve-se ter em mente que padrões de comportamento se desenvolvem em uma sequência ordenada. Por exemplo, ao explicar o uso de maconha por um indivíduo, devemos admitir e lidar com uma sequência de passos, de mudanças no comportamento e nas p erspectivas do indivíduo, a fim de compreender o todo como um fenômeno. Ou seja, ninguém pode se tornar usuário de maconha se não tiver dado cada passo (essa pessoa precisa – minimamente – ter tido contato com a droga, experimentado-a e continuado seu uso) . Contudo, é de se salientar, que as variáveis que propiciam cada passo, se tomadas separadamente, não fazem diferença entre usuários e não -usuários 48. A síntese do debate sobre o uso de drogas refere -se à natureza da liberdade

humana

em

poder

decidir

e

es colher.

A

liberdade

de

pensamento pressupõe o direito à autonomia de escolha sobre a mente e o corpo, ou seja, necessariamente, opõe -se à legislação heteronômica compulsória dos hábitos humanos 49, que, por sua vez, alegam que as 46

C AR NEI R O, He nr iq ue. Aut o no mi a Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 8 0 ) ; 47 C AR NEI R O, He nr iq ue. Aut o no mi a Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 6 5 -7 3 ) ; 48 B EC KE R, Ho war d Sa u l. O ut si de rs: (p . 3 4 ). 49 C AR NEI R O, He nr iq ue. Aut o no mi a Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 7 5 ) .

o u H et er o no mi a no s E sta do s A ltera do s de o u H et er o no mi a no s E sta do s A ltera do s de e stu do s so bre a so c io lo g ia do d es v io . Op C it. o u H et er o no mi a no s E sta do s A ltera do s de

21

drogas – devido às suas prop riedades psicoativas – se sobrepõe à qualidade de „indivíduo‟ sendo considerada “mais forte que você”, tornando-o incapaz. Contudo, deve-se ao menos ponderar que Se à p es so a l he é re co n h ecid a a u to no mi a ( na es fera d a lib er d ad e i nd i v id ual) , n ão p o d e l i mi tá - la se n ão na med id a e m q ue e n tr a e m co n fl ito c o m a a u to no mi a al h ei a. O co ns id er ar a p es so a co mo a u tô no ma te m s u as co n seq u ê nc ia s ine v it á ve is e in e xo r á v ei s, e a p r i me ir a e ma i s i mp o rta n te d e to d a s co n si s te no s a s s u nto s q ue so me n te à e la d i ga m r esp ei to , q ue so me n te p o r ela d e v e m s er d ec id id o s. D izer no l u gar d a p es so a é ar r eb a ta r - l he b r u ta l me n te s ua co nd i ção ét ica , red u zi - la à d e o b j eto , co i si fic á -l a, co n ver tê - la e m u m me io p a ra o s fi ns q u e p o r fo r a d el a se e le ge m . Q u a nd o o E stad o re so l ve re co n hec er a a uto no mi a d a p e s so a , o q ue há d ecid id o , n e m ma i s ne m me no s, é co n st atar o â mb ito q ue o co rr esp o nd e co mo s uj eito éti co : d e i xar q u e d ec id a so b re o ma i s rad ic al me n te h u ma n o , so b r e o b o m e o ma u, so b re o se nt id o d e s u a e x i st ê nci a 50.

Após estas palavras, a Corte Constitucional Colombiana aponta pela semelhança entre o Estado Paternalista e o Estado Totalitário, apontando que o primeiro, ao tentar proteger o sujeito de si mesmo (principalmente pelo direito penal), produz o mesmo efeito que o segundo, qual seja: a n egação da liberdade individual no âmbito que não interfere na esfera da liberdade alheia 51. Pode-se depreender, assim, que nenhuma pessoa, nem qualquer número de pessoas, tem permissão de dizer a outro ser humano em idade madura o que ele não deve fazer com sua vida, mesmo que seja para seu “próprio bem”. O indivíduo é a pessoa mais interessada em seu bem estar: o interesse que qualquer outra pessoa (talvez em casos de forte relação pessoal) possa ter nele é superficial, comparado com aquele que 50

“Si a la p er so n a s e Le r eco no ce e s a a uto no mi a (es fera d e lib erd ad e i nd iv id ua l) no p ued e li mi t ar se s i no e m la med id a e n q ue e n tra en co n fl ito co m la a uto no mi a aj e na. El co ns id er ar a la p er so na co mo a utó no ma ti en e s u s co ns ec ue n cia s in e vi tab e s y in e xo rab le s, y la p r i mer a y má s i mp o rta n te d e t o d as co ns i ste e n q ue lo s as s u nto s q u e só lo a la p er so na a ta ñ en, só lo p o r e ll ad eb e n ser d ecid id o s. D ec id ir p o r ell a e s arreb a tar le b r ut al e nte s u co nd ició n ét ica, r e d uc irl a a La co nd i ció n d e o b j eto , co s i fic ar l a, co n v er t ir l a en mé d io p ara lo s fi ne s q ue p o r fu era d e el l a se el i ge n. C ua nd o el E st ad o r e s ue lv e r e co ncer la a u to no mi a d e la p er so na, lo q u e há d ecid id o , no má s n i me no s, e s co n st atar e l á mb i to q ue le co rre sp o nd e co mo s uj eto ét ico : d ej arla q ue d ec id a d o b r e lo má s r ad i ca l me n t e h u ma no , so b re lo b ue n o y lo ma lo , so b re el se n tid o d e s u ex i ste n ci a”. Co r te Co n s tit u cio n al d a Co lo mb ia, Sa la P l e na, Se n te nça C - 2 2 1 /9 4 , B o go t á, P o ne n te Car lo s G av iri a D iaz . 0 5 d e ma i o d e 1 9 9 4 . In B OT T INI , P ier p ao llo . Des cri mi na li za r o uso d e dro g a s: u ma qu e stã o co n stit uc io na l . C ONJ U R: 2 0 1 5 . ( p . 4 -5 ); 51 Co r te Co n st it u cio na l d a Co lo mb ia , Sal a P l e na, S en te nç a C -2 2 1 /9 4 , B o go tá, P o ne n te Car lo s Ga v ir i a Di az. 0 5 d e ma io d e 1 9 9 4 . In B OT T INI, P ierp ao l lo . De scr i mi na l iza r o u so d e dro g a s: u ma q ue st ã o co n stit uc io n a l. Op Ci t . (p . 4 -5 ).

22

responderá diretamente pelos seus atos; o intere sse que a sociedade tem nele é parci al e completamente indireto, geralmente fundamentado em suposições que, ainda que „certas‟, podem provavelmente ser mal aplicadas a cada caso por pessoas não melhores conhecedoras que os próprios indivíduos 52. Tão logo qualquer parte da conduta de uma pessoa afete prejudicialmente os interesses de outros, a sociedade inevitavelmente terá jurisdição sobre tal, e a questão do bem -estar geral ser ou não promovido por sua interferência, tor na-se aberta à discussão. Mas não há nenhum espaço para abrigar tal questão quando a conduta de uma pessoa não afetar os interesses de outras pessoas além dela própria, ou que não precisa afetá-las a menos que elas queiram. Em todos esses casos deve haver liberdade perfeita, legal e oficial , para realizar a ação e suportar as consequências 53. Assim, em uma situação que, por exemplo, uma pessoa, por intemperança ou extravagância, fosse incapaz de pagar suas dívidas ou de sustentar e educar sua família (uma ve z encarregada disso), será passível de reprovação e deverá ter sua atenção justamente chamada; mas é pela quebra das obrigações com sua família e seus credores, não por sua extravagância 54. No tecnologias

final

das

exigem,

contas, antes

os

de

usos tudo,

alternativos o

e

conhecimento

rebeldes

das

sobre

seus

significados e uma clara opção política e moral pela exigência de controle autonômico dos indivíduos e comunidades sobre seus recursos biológicos, corporais e mentais 55. U m p r o j eto e ma nc ip a tó rio e a uto no mi s ta, d o esp íri to e d o s co r p o s h u m a n o s , d e ve l ev ar e m co nta a re i vi nd icaç ão d e li vr e d isp o s ição d e s i me s m o , d o co rp o e d a me n te, co mo u m d ir ei to h u ma n o fu nd a me nt al 56.

52

MI LL, J o sep h S t uar t . E nsa io So b re a L i ber da d e . Op C it . (p . 1 0 9 ). MI LL, J o sep h S t uar t . E nsa io So b re a L i ber da d e . Op C it . (p . 1 0 8 ). 54 MI LL, J o sep h S t uar t . E nsa io So b re a L i ber da d e . Op C it . (p . 1 1 5 ). 55 C AR NEI R O, He nr iq ue. Aut o no mi a o u H et er o no mi a no s E sta do s A ltera do s de Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 8 4 ) . 56 C AR NEI R O, He nr iq ue. Aut o no mi a o u H et er o no mi a no s E sta do s A ltera do s de Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 8 4 ) . 53

23

1.2 Liberdade, Intimidade e Individualidade 1.2.1. Os Direitos Fundamentais e suas Garantias

Os direitos e garantias fundamentais correspondem, a princípio, a obrigações de fazer e não-fazer do Estado para com o indivíduo, sendo este o detentor de tais direitos e garantias. Os direitos fundamentais corresponderiam às obrigações declaradas, enquanto as garantias fundamentais se apresentam como meios que servem para preservar tais direitos. Esses institutos começaram a ganhar força em resposta ao processo de emersão de uma forma de Estado centralizador. Na medida em que há uma latente necessidade de limitar o poder concentrado, as ideias por trás dos direitos fundamentais surgem justamente com o intuito de amenizar esse poder em prol da soberania popular, efetivando, por exemplo, direitos individuais, sociais e políticos. Das sociedades com ausência de governo às sociedades com o poder centralizado nas mãos dos reis absolutistas, a democracia submerge, como resultado de um processo histórico, em uma das formas contemporâneas de governo, com base na origem e controle do poder pelo povo57. Com isso, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – chamada também de Constituição Cidadã e representando a expressão máxima da vontade do povo – reconhece e prevê direitos e garantias fundamentais, entendendo como medida indispensável para auxiliar a luta do povo em seu objetivo de conter o poder estatal. A Constituição traz como direitos fundamentais os direitos individuais e coletivos

(com

base

no

princípio

da

liberdade,

que

podem

ser

encontrados no art. 5º da CRFB/88 e, no entendimento do S upremo Tribunal Federal, espalhados em outros dispositivos constitucionais); os direitos sociais (com base no princípio da igualdade e anunciados nos artigos 6 a 11 da CRFB/88); além do s direitos de nacionalidade (artigos 12 e 13 da CRFB/88) e dos direitos políticos (artigos 14 a 16 da CRFB/88). Para o momento, interessa-nos pontuar algumas considerações a respeito dos direitos de primeiro grau (aqueles historicamente reconhecidos em primeiro lugar), que 57

SI LV A, J o sé Afo n so . C ur so de Di rei to Co n sti tuc io na l Po s itiv o . 2 5 ª ed ição . São P au lo : Mal h eir o s Ed ito r es, 2 0 0 5 . (p . 1 3 2 ).

24

se manifestam na forma dos direitos individuais58. Nos direitos de primeira dimensão o Estado tem o dever principal de não agir, de abster-se, de permitir que emanem os direitos individuais (como a vida, liberdade, propriedade, entre outros) e que eles se justifiquem pelos seus próprios meios. Tais direitos impõem uma abstenção estatal para a garantia da liberdade individual, ou seja, significam uma atitude negativa por parte do Estado59. Nesta perspectiva, as liberdades negativas são as liberdades civis, face a uma liberdade positiva que

corresponde à

capacidade de

autogovernar-se. Por um lado, a liberdade de coação e, por outro, a liberdade para querer, decidir, pensar e atuar. Ser livre em sentido positivo quer dizer ser plenamente sujeito, e não objeto 60. A história e evolução constitucional associam-se, portanto, diretamente ao avanço dos direitos e garantias fundamentais. O núcleo central dos textos constitucionais é a existência de regras de limitação ao poder autoritário e de prevalência dos direitos fundamentais, como forma de distanciar-se da concepção autoritária de Estado. Contudo, Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (...) O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas 61.

Desta forma, entende-se que a liberdade (como uma necessidade que se faz sentir em todos os indivíduos) não pode ser concedida ou conferida por nenhuma lei ou governo, importando em algo anterior a tudo isso, sendo a desobediência às formas de coerção sua expressão instintiva. Para manter esses valores, a comunidade deve perceber que seu apoio mais sólido, mais durável, é o indivíduo 62. Assim, o grau de liberdade de que goza o indivíduo sug estiona a direção da civilização e da cultura, fundamentado na ausência de castas 58

B AST O, Cel so Rib er io . Cu rso de dir eito co n s titu cio na l . 2 1 ª ed iç ão . São P a ulo : Sara i va, 2 0 0 0 . ( p . 1 7 5 ) . 59 S AR LET , I n go W o l f ga n g. A ef icá c ia do s di re it o s f un da me nta i s . 9 . ed . , re v., a mp l. P o rto Al e gr e : Li vr ar ia d o Ad vo gad o , 2 0 0 7 (p . 5 4 ) 60 CE R VE R A, V icto r ia C a mp s. Pa t er na l i s mo y B i en E sta r . Op C it. (p . 1 9 5 ). 61 B OB B IO, No r b er to . A E ra do s Dir eito s. Rio d e J an eiro : Ca mp u s, 1 9 9 2 . (p . 5 -1 9 ); 62 GO LDM AN, E m ma . O In d iv í duo , a So ci eda de e o Esta do , e o utro s en sa io s. Op Ci t. (p . 4 2 ) .

25

privilegiadas e na valorização da vontade de liberdade e dignidade humanas. Em resumo, o critério de civilização aqui adotado corresponde ao grau de emancipação real do indiv íduo 63. Neste sentido, admite-se que a sociedade deve estar a serviço do homem e não o contrário. O único objetivo legítimo da sociedade é prover as necessidades do indivíduo e ajudá -lo a realizar seus desejos 64. Nessa luta, da proteção do indivíduo contra i nterferências que se estimem indevidas por parte do Estado, pode -se invocar os princípios da proporcionalidade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana 65. A atenção ao direito da personalidade, no qual todo e qualquer indivíduo deve controlar o uso de seu corpo, nome, imagem e demais aspectos constitutivos de sua identidade, se faz indispensável. Nesta acepção, deve-se admitir, portanto, três condições para o exercício da personalidade por cada ente, quais sejam: autonomia da vontade, esta que diz respeito à autonomia moral; alteridade, que por sua vez representa o reconhecimento do ser humano como entidade única e diferenciada de seus pares; e dignidade, como uma qualidade derivada, ou seja, podendo existir apenas se o ser humano for autônomo em suas vontades e se lhe for reconhecida alteridade perante a comunidade em que vive66. Assim, como direitos básicos e reconhecidos internacionalmente, temos a liberdade (que não deve ser confundida com a igualdade ou a justiça, a cultura, a riqueza ou a consciência tranquila)

67

e a intimidade.

Este último direito, reconhecido também como privacidade, pode ser analisado sob dois aspectos, o positivo, como um comportamento cuja prática não exclui que outros indivíduos também o pratiquem, e o negativo, como ato no exer cício da liberdade individual incapaz de afetar bens jurídicos alheios 68. 63

GO LDM AN, E m ma . O In d iv í duo , a So ci eda de e o Esta do , e o utro s en sa io s. Op Ci t. ( p . 4 1 ) . 64 GO LDM AN, E m ma . O In d iv í duo , a So ci eda de e o Esta do , e o utro s en sa io s. Op Ci t. (p . 4 4 ) . 65 MEN DE S, G il ma r e B R AN CO , P au lo G. Cu rso de D ire ito Co n stit uc io na l . Ed . São P au lo : Sar ai va , 2 0 1 1 . ( p . 4 2 3 ) . 66 B ITT AR, C ar lo s Alb er t o . O s d ire ito s da pe rso na l ida de . 7 ed . at ua l. p o r Ed uard o Car lo s B ia n ca B it tar . R i o d e J a ne iro : Fo re n s e U ni v er si tár ia, 2 0 0 6 . (p . 2 - 2 3 ). 67 CE R VE R A, V icto r ia C a mp s. Pa t er na l i s mo y B i en E sta r . Op C it. (p . 1 9 6 ). 68 B OT T INI , P ier p ao l lo . Des cr i mi n a l iza r o uso de dro g a s: u ma q ue stã o co n stit uc io na l . Op C it . ( p . 6 ) .

26

Assim, a individualidade deveria pertencer à parte da vida na qual é o indivíduo o principal interessado, restando à sociedade a parte que interessa à sociedade 69. Sendo assim, Até q ue p o n to é li ci to r es tri n g ir a l ib erd ad e n e ga ti v a a fi m d e ed u car e ad e str ar no e x ercí cio d a lib erd ad e p o s iti v a? Até q u e p o n to a j u st a re al iza ção d a d e mo cra cia i mp li ca a s er vid ão d o s uj ei to a u ma vo n tad e ger al? N ie tz sc he d i v id e o mu n d o e m p es so a s d éb e i s e fo r te s ; o s fo r te s, q ue o s ão e m se nt id o p le no e mo r a l, ter ão q ue s ub o rd i nar a lib e rd ad e ao d e ver ; as s i m, as in s ti t ui çõ e s d e ve rão p r o te ger ao d éb il, ao i n c o mp e te n te, ao in cap a z d e e x erce r d i g n a me nt e s ua l ib erd ad e, d ev e nd o fazê - lo co mp et e nte 70.

1.2.2. Indivíduo, Sujeito Concreto O indivíduo, figura central deste capítulo, é a verdadeira realidade da vida, um universo em si. Ele não existe em função dessas abstrações chamadas Estado, Sociedade ou Nação, que nada mais são que um conjunto de indivíduos; estes, por sua vez, sujeitos concretos 71. O indivíduo, sujeito concreto, por sua própria condição , exerce, ou

precisa

exercer,

sua

individualidade.

Podemos

dizer

que

a

individualidade corresponde à consciência do indivíduo de ser o que é, de viver a diferença em dado meio. fazem-se

e

desfazem-se,

enquanto

O Estado e as instituições sociais a

individualidade

permanece

e

persiste. A própria essência da individualidade é a expressão, o sentimento da dignidade e da independência. A individualidade não é esse conjunto de reflexos impessoais e maquinais que o Estado considera por “indivíduo”

72

.

A individualidade válida não é aquela que limita o sujeito a ser explorado pelas classes dominantes com a ajuda das bases legais, promovendo a degradação espiritual e o doutrinamento sistemático da moral servil. Essa forma de individualismo corrompido e viciado existe 69

MI LL, J o sep h S t uar t . E nsa io So b re a L i ber da d e . Op C it . (p . 1 0 7 ) ; A d i vi são tr açad a p o r Niet z sc he p o d e ser o b ser v ad a e m H u ma no , De ma s ia do H u ma no , 1 8 7 8 , Ap u d C ER VE R A, Vic to r ia C a m p s. Pa te rna li s mo y B ie n E sta r . Op Ci t. (p . 1 9 6 -1 9 7 ) . 71 GO LDM AN, E m ma . O In d iv í duo , a So ci eda de e o Esta do , e o utro s en sa io s. Op Ci t. (p . 3 1 ) 72 C f. G O LDM AN, E m ma . O In div íd uo , a So cie d a de e o E sta do , e o ut r o s en sa io s . Op Ci t. ( p . 3 1 ) ; C AMP S , Vi cto r ia. Pa ter na li s mo y B ie n E sta r . Op Ci t . (p . 2 0 0 ). 70

27

como uma forç a repressora da individualidade e reduz a vida a uma corrida degradante ao prestígio social 73. Assim, não há o que se falar em individualidade sem liberdade de fato. Todo progresso moderno é essencialmente marcado pela extensão das liberdades do indivíduo em detrimento da autoridade exterior, tanto no que concerne à sua existência física quanto à política ou econômica. É sempre o indivíduo quem realiza a proeza da superação, geralmente a despeito das proibições, das perseguições, da intervenção da autoridade por suas várias facetas 74. A ideia de uniformidade social prostra o indivíduo, mais do que a própria autoridade constituída. O fato de ele ser “único”, “diferente”, isola-o e torna-o estrangeiro em seu país e, à s vezes, até mesmo em seu próprio lar. A melhor muralha da a utoridade é a uniformidade 75. O Estado teme o indivíduo e sua individualidade e, alegando “legítima defesa”, o Governo oprime, persegue, pune e até mata o indivíduo, recebendo o auxílio de todas as instituições cujo objetivo é preservar a ordem existente. Ele recorre a todas as formas de violência e é apoiado pelo sentimento de indignação moral da maioria contra o herético, o dissidente social, o rebelde político. Se estes forem de caráter forte e romperem seus grilhões, tornar -se-ão uma marca para a socieda de que não conseguiu redu zi-los ao lugar comum, de apontá -los com solene advertência como “errantes”

76

.

Nessa conjuntura, a humanidade rapidamente se tornará incapaz de

conceber

a

diversidade,

quando

por

algum

tempo

tiver

sido

desacostumada a vê -la 77. 73

GO LDM AN, E m ma . O In d iv í duo , a So ci eda de e o Esta do , e o utro s en sa io s. Op Ci t. (p . 3 2 ) . 74 GO LDM AN, E m ma . O In d iv í duo , a So ci eda de e o Esta do , e o utro s en sa io s. Op Ci t. (p . 3 0 -4 0 ) . 75 GO LDM AN, E m ma . O In d iv í duo , a So ci eda de e o Esta do , e o utro s en sa io s. Op Ci t. (p . 3 6 ) . 76 C f. B E C KE R, Ho wa r d S. O ut si der s: es tu do s da so cio lo g ia do de sv i o . Op Ci t ; MI LL, J o sep h S t uar t . E nsa io So b re a L i ber da d e . Op C it . (p . 9 5 ). 77 MI LL, J o sep h S t uar t . E nsa io So b re a L i ber da d e . Op C it . (p . 1 0 5 ).

28

Tendo

em

vista

essa

perspectiva,

devemos

hesitar

e

ter

sensibilidade para perceber que o mundo constitui uma série de símbolos diversos para cada ser especialmente, significa a parte do meio com a qual ele entra em contato (através do seu partido, sua seita, su a classe social, etc.). Digamos, assim, que se trata de perceber que toda pessoa o seja realmente, não sendo justo que se faça a imagem e semelhança de um modelo preconcebido 78. Se

nos

desagrada,

podemos

expressar

nosso

desagrado,

e

podemos nos manter afas tados de uma pessoa assim como de algo que não nos convém; mas não devemos, porém, nos sentir inclinados a se intrometer a vida desta pessoa e torná -la desagradável 79. Devemos imaginar que ela suporta, ou suportará, todo o castigo de seu erro. No lugar de desejar puni-la, devemos antes nos esforçar para aliviar sua punição, mostrando -lhe como pode evitar ou curar os males que sua conduta tende a lhe trazer. Ela pode ser objeto de pena ou desgosto, mas não de raiva ou ressentimento, não devemos trata -la como um inimigo da sociedade 80. Emma Goldman nos lembra que, para Kropotkin, a sociedade humana se desenvolve através da cooperação. Ao contrário do Estado devastador e onipotente, só o apoio mútuo e a cooperação voluntária constituem os princípios básicos de uma vida livre, fundada sobre o indivíduo e a associação 81. O Estado nada mais é que a sombra da ignorância e d o medo do indivíduo, em quem a vida começa e termina . É o indivíduo que vive,

78

MI LL, J o sep h S t uar t . E nsa io So b re a L i ber da d e . Op C it . (p . 3 8 ). B o b b io e n si na q ue e m u ma d e mo c rac ia a s d ec is õ es ser ão to mad a s d e ac o rd o co m a vo n tad e d a maio r ia , s e m, co nt ud o , li mit ar o s d irei to s d a mi n o ri a. E m B OB B IO, No rb er to . Dic io ná rio d e Po l ít i ca . 2 º ed ição . B ras íl ia: Ed . U ni v er sid ad e d e B r as íl ia, 1 9 8 6 . (p . 3 1 9 -3 2 7 ) . 80 B OB B IO, No r b er to . Dic io ná rio de Po l ítica . Op Ci t. (p . 1 1 3 ). 81 GO LDM AN, E m ma . O In d iv í duo , a So ci eda de e o Esta do , e o utro s en sa io s. Op Ci t. (p . 3 9 ) . 79

29

respira e sofre. O que devemos vislumbrar é a eliminação gradual do abstrato, ao qual se substitui pouco a pouco o concreto 82.

82

GO LDM AN, E m ma . O In d iv í duo , a So ci eda de e o Esta do , e o utro s en sa io s. Op Ci t. (p . 3 4 ) .

30

2. SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS: CULTURA, POLÍTICA E NORMA 2.1 Drogas: Uma Cultura Proibida 2.1.1. Drogas, Cultura e Sociedade Para o historiador Henrique Carneiro, as Drogas correspondem a uma das formas de conhecimento e controle de si (autônomas ou heterônomas), com sistemas próprios de utilização na forma de signos, ritos, estilos, bem como correspondem, também, às moléculas físicas produtos de laboratórios e ins trumentos 83. A conotação contemporânea da palavra droga , contudo, está associada a palavras como mau, doença, morte, remetendo a formas de interrupção da vida, temporárias ou definitivas; sendo classificada, geralmente,

de

acordo

com

duas

características

pr incipais:

desarticuladora/doentia e/ou inebriante/festiva. As drogas – atualmente classificadas em legais e ilegais – fazem parte da vida dos seres humanos há séculos, dando ensejo a perceber que para se analisar o uso de drogas, necessariamente , deve-se analisar o seu entorno, sua extensão e sua intensidade. Para isso, faço uma breve análise de t rês substâncias psicoativas: a cocaína, a maconha e o ó pio, atualmente completamente proibidas no Brasil, mas com alguns dos seus princípios

ativos

explorados

e

co mercializados

pela

indústria

farmacêutica, como veremos adiante. Como

suscitado,

a

relação

entre

humanidade

e

drogas

aconteceram nos vários tempos e nos diversos lugares do mundo. A cocaína, um dos 14 alcaloides da planta de c oca, tem em sua história, por exemplo,

registro

de

lendas

indígenas,

nas

quais

é

associada

à

fertilidade, à sobrevivência, à morte e à cura, bem como era utilizada pela nobreza inca antes da chegada dos espanhóis nas Américas. No 83

C AR NEI R O, He nr iq ue. Aut o no mi a o u H et er o no mi a no s E sta do s A ltera do s de Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 8 2 ) .

31

período colonial brasileir o, o uso entre os índios se popularizou, também com o status recreativo, na busca do bem -estar, mas não sem a oposição da igreja católica portuguesa. Entre o povo tukanos 84 a coca é derivada da palavra leite, que deriva também a palavra via -láctea, entendendo a coca como materialização da compreensão de cosmovisão desse povo 85. A planta cannabis, popularmente conhecida por maconha no Brasil, por sua vez, tem seus primeiros relatos do período colonial, quando os portugueses diziam ter sementes de cânhamo trazidas para o Brasil pelos escravos, além de ser utilizado o fio de cânhamo para a manufatura das cordas dos navios e das vestes dada s aos índios pelos jesuítas para cobrirem suas vergonhas 86. Em 1785, o plantio e o uso foram incentivados pela coroa portu guesa, tendo sido difundido pelas classes mais baixas, para satisfazer os interesses da metrópole 87. O ópio, enfim, é uma substância extraída da planta da papoula, que produz os opióides (derivados diretos, como a morfina , e derivados indiretos, como a hero ína – que é obtida através de um processamento químico da morfina). Os sumérios a chamavam de planta da alegria; o uso tornou-se popular na Roma do século II d. C.; após a queda do Império Romano, houve a estagnação do uso (séculos V -X d.C,), então os islâmicos retomaram os estudos do ópio e o elegeram o mais poderoso dos analgésicos. Neste contexto, introduzi ram o ópio na Índia e na China – usado por mais de mil anos pela dinastia chinesa – que, contudo, proibiu em 1800 a importação do ópio, provocando a gu erra do ópio com a Inglaterra (em dois momentos, entre os anos de 1839 -42 e 1856-60), na

84

P o vo q ue v i ve e ntr e a s r eg iõ e s d a Ama zô ni a – B ras il, d a Co lô mb ia e d a Ve nez u el a. FE R REI R A, P ed r o Eu g ên io e M ART INI, Ro d ri go . Co ca ína : le nda s, hi stó ria e a bu so . R io Gr a nd e d o S ul : Re v i sta B ra si le ira d e P siq u iat ria, 2 0 0 1 . (p . 9 6 -9 9 ). 86 Na ép o c a, a i mp o r ta ç ão d e sed a era mu i to o nero sa e ai nd a n ão ha v ia sid o d is se mi nad o o p la n tio d o al go d ão . 87 C AR LINI , El i sa ld o . A H i st ó r ia da M a co n ha no B ra si l. In C AR LINI , E ; RO D RIG UE S, E ; G A LDU R O Z, J . Ca n na bi s Sa tiv a L. e s ua s su b stâ ncia s ca na bi nó i de s e m me d ic ina . S ão P a ulo : CEB RID , 2 0 0 5 . (p . 3 1 4 -3 1 7 ). 85

32

qual a China saiu derrotada e assinou o Tratado de Nanquin, na qual foi obrigada a legalizar a importação do ópio inglês 88. De

forma

geral,

desde

a

antiguidade,

os

xamã s,

então

responsáveis pela medicina, utilizavam recursos vegetais para fins de cura e consolo. Na Europa da Idade Média, as especiarias, oriundas dos países quentes, eram artigos de luxo, consideradas estimulantes e afrodisíacas. E, no contexto da revoluçã o industrial, drogas com propriedades

excitantes

passaram

a

fazer

parte

do

cotidiano

dos

operários, para um maior desempenho no trabalho das fábricas 89. Algum tempo depois, em meados do século XIX, surgiu uma intermediadora fundamental para o rumo da histór ia das drogas: a indústria farmacêutica. As grandes empresas da área de farmácia, principalmente de origem alemã, holandesa e japonesa, perceberam a importância das propriedades medicinais das plantas e se apropriaram dos princípios ativos delas. Remédios derivados dos fármacos em estado puro

(morfina,

cafeína,

codeína)

passaram

a

ser

produzidos

e

administrados em laboratórios para fins comerciais. A partir daí – da introdução da indústria farmacêutica de grande escala – se estabeleceu uma nova interação en tre indivíduo, sociedade e droga 90. Surgiram, então, outra qualidade de droga, os psicodélicos (DMT, LSD, mescalina, psilocibina), que provocam efeitos descritos, mais do que antidepressivos, como estáticos ou euforizantes, não implicando sempre em um remédio que busca corrigir algo, mas sim algo que proporciona

uma

busca

de

exuberânci a,

de

intensidades.

Estas

substâncias foram descobertas e desenvolvidas nos mesmos anos da expansão 88

da

indústria

psicotrópica,

mas ,

diferentemente

dos

DU ART E, Da n ilo . U ma B rev e H is tó ria do Ó pio e do s O pió id e s. Re v is t a B ras il eir a d e Ane s te sio lo gia . Vo l. 5 5 . N ° 1 . J a ne iro - Fe ve re iro 2 0 0 5 . (p . 1 3 5 -1 4 6 ) . 89 C AR NEI R O, H e nr iq u e. Po rt a i s de To do Pr a zer . In R e vi st a d e Hi stó r ia d a B ib lio te ca Nac io na l. An o 1 0 . N ° 1 1 0 . S AB IN : Rio d e J a n eiro , No v e m b ro /2 0 1 4 . (p . 1 7 -2 0 ). 90 C AR NEI R O, H e nr iq u e. Po rt a i s de To do Pr a zer . In R e vi st a d e Hi stó r ia d a B ib lio te ca Nac io na l. An o 1 0 . N ° 1 1 0 . S AB IN : Rio d e J a n eiro , No v e m b ro /2 0 1 4 . (p . 1 7 -2 0 ).

33

antidepressivos que se to rnaram alguns dos medicamentos mais vendidos no mundo (a exemplo do Prozac), terminaram proibidas e perseguidas 91. Estabeleceu -se, assim, a diferença entre drogas proibidas, drogas permitidas e drogas de uso médico controlado; distinção que delimitava três rotas diferentes para substâncias de efeitos semelhantes e, algumas vezes, de mesma origem botânica. Esta situação foi fundamental para a movimentação da economia moderna, tanto os mercados legais (das drogas vendidas nas farmácias, bares, mercados) como o s mercados ilegais (de drogas como cocaína, heroína e haxixe). No descrito processo de apropriação dos princípios ativos das plantas, substâncias antes encontradas

na

natureza

foram

transformadas

em

mercadorias,

contribuindo diretamente para a expansão e c onsolidação do capitalismo, ao fazer parte da rede de comércio a nível global. O u so d e d ro g as p si co a ti va s, a s si m, e vo ca s i g ni fic ad o s ma i s p r o f u nd o s d o q ue si mp l es me n te u m h ed o ni s mo q uí mico o u u m u so co mo re méd io p s ico t erap ê u ti co , ma s r e me te a u ma cr e sce n t e p la s tic id ad e d a s ub j eti v id ad e h u ma n a q ue se e sp el h a e m d i v er so s meio s té c ni co s p ara b u sc ar a al ter a ção d e s i, d o s es tad o s d e co n s ciê n ci a, co g n ição , a fet i vid ad e e h u mo r. De ntr e as t éc ni ca s d e i nt er ve nç ão , u ma d a s mai s a nt i ga s é a d a eb r ied ad e e d o êx ta se. Este c u id ad o d e s i é u m s ub str ato u ni v er sal d a c ul t ura m ater ia l d a h u ma nid ad e, q u e a lé m d e n ut r ir e ab r i gar, b u sc a ale gr ar, co n so l ar e cur ar co m a s 92 p la nt as e se u s p ro d u to s .

As primeiras leis que versavam sobre substâncias ilícitas foram marcadas por avan ços científicos, mudanças sociais e guerras civis, gerando um número cada vez maior de consumidores em todo o mundo, das mais diversas substâncias e pelas mais diversas razões. Após mais de 45 anos da proclamação da Guerra às Drogas – que decretou um tratamento de austeridade c om todas as “drogas perigosas” – as substâncias proibidas se diversificaram, ficaram mais baratas e tornaram se ainda mais acessíveis.

91

C AR NEI R O, He nr iq ue. Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 92 C AR NEI R O, He nr iq ue. Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p .

Aut o no mi a o u H et er o no mi a no s E sta do s A ltera do s de 80). Aut o no mi a o u H et er o no mi a no s E sta do s A ltera do s de 7 7 -7 8 ) .

34

2.1.2. Proibicionismo: a política que nunca funcionou Por proibicionismo, entende-se a pretensa intenção, por parte de autoridades médicas, jurídicas e políticas , de acabar completamente com algumas drogas e com os hábitos associados a elas. Esse pensamento se estruturou na forma de políticas de E stado repressivas, que combatem as drogas ilegais e tud o que estiver ligado a elas com o intuito de estabelecer a abstinência entre os indivíduos 93. Ao analisarmos as origens do proibicionismo, verificamos que ainda no século XIX a relação entre pessoas e drogas como ópio e cocaína,

por

exemplo,

era

admitida

so cialmente.

Com

fins

tanto

científicos quanto recreativos, as substâncias psicoativas raramente eram concebidas como ameaçadoras à ordem social e serviam a diferentes camadas sociais , das mais diversas formas ( como medicamento, alimento ou forma de lazer )

94

.

Entretanto, face à mudança de contexto verificada na passagem para o século XX, alguns prejuízos relacionados ao uso de drogas psicoativas começaram a ser verificados, a maior parte deles como resultado do consumo elevado destas substâncias . Havia uma situação na qual I n tel ec t uai s b us ca va m i n sp ir ação e tr a ns ce nd ê n cia at ra vé s d o u so d o ó p io e d o ha x i xe , enq u a nto me mb ro s d e cla s se s so ci ai s me no s fa vo rec id a s e m ai s e xp o s ta s à s ma zel as d a Re vo l ução I nd u str ia l re co rri a m à s b eb id a s a lco ó li ca s e a med ic a me n to s b ar ato s a b a s e d o ó p io e d a co ca í na, p ara e n fr en tar s ua d ura r eal id ad e . T o d o s o s es trato s d a p o p u la ção reco rr ia m a d i fer e n te s t ip o s d e s ub st â nci as p si co a ti va s p ara ev it ar q ua lq uer tip o d e so fri me nto 95.

93

RO D RIG UE S, T hi a go . Ap r e se n tação - Dro g a s e Gu erra s. In LAB R OU SS E, Al ai n. Geo po lít ica da s D ro g a s . São P a ulo : D es at i no , 2 0 1 0 . (p . 0 8 ); RO DR IG UES , T h ia go . Trá f ico , G ue rra , Pro i biç ã o . I n LAB AT E, B e atri z C ai ub y e t a l [o r g s.]. D ro g a s e Cu ltu ra : no v a s p er sp ec t iv a s . S al v ad o r: ED UFB A, 2 0 0 8 . (p . 9 3 ). 94 C f. E S C OH OT ADO , An to n io . A H i stó r ia Ge ne ra l d e la s Dro g a s. M ad rid : Al ia nz a Ed ito r ia l , 1 9 8 9 . 95 M ART INS , J o ão e M AC R AE, Ed ward . Po r U m O l ha r So c io c ul tu ra l So b re a Q ue stã o da s Dro g a s. I n o r g. FI LHO , An to ni o Ner y e V ALÉ RIO, An d réa Le ite Rib eiro M ó d ulo pa ra a Ca pa c it a çã o do s Pro f i s sio na i s do Pro jeto Co ns u ltó r io de Rua . S al vad o r : CET AD, 2 0 1 0 ( p . 2 1 ).

35

Foi nesse contexto, onde os abonados usavam drogas por gosto e os

pobres

por

necessidade,

que

surgiu

e

se

instalou

o

modelo

proibicionista 96. Modelo este que tinha por escopo eliminar a produção, a circulação e o consumo das substâncias psicoativas de forma geral, cujas principais características observam a na tureza farmacológica das drogas, a sua ilegalidade, a repressão e a abstinência 97. Com o intuito de amenizar questões de ordem clínica, psicológica e social, já no início do século XX a mentalidade proibicionista ganhou alguma expressão, pois com suas ideia s delineadas desde o século anterior nos Estados Unidos, foi disseminada com argumentos de cunho moral e médico 98. À medida que o uso recreativo de algumas drogas foi colocado na ilegalidade, o profissional de medicina passou a ser o responsável pela autorização do consumo das substâncias, então, ilícitas. Ao longo de todo século XX, a produção de drogas medicamentosas aumentou de maneira praticamente ininterrupta – um exemplo disso foi o vasto uso terapêutico do ópio para a produção de morfina, utilizada em larga escala nos soldados desmobilizados após o término da guerra civil americana (1861-1865). Assim, de forma progressiva, a dose que se comprava livremente nas farmácias mudou de qualidade e tornou -se remédio e a dose excedente passou a ser consumida pe lo mercado ilegal 99. 96

ES CO HOT ADO, An to n io . La s Dr o g a s: De Lo s O ríg en es a La Pro h ib ic ió n . Mad rid : Ali a nza Ed i to r i al, 1 9 9 4 . 97 M AC R AE, Ed wa r d . An t ro po lo g ia : As pe cto s S o cia i s, Cu lt ura is e R i tua l í stico s. São P a ulo : At he ne u , 2 0 0 1 ; R OD RI GU ES, T hi ago . T rá fi co , Gu erra e Pro i bi çã o . Sal v ad o r: E D UFB A , 2 0 0 8 I n M ART INS, J o ão e M AC R AE, Ed wa rd . P o r U m O l ha r So c io c ult ura l So br e a Q ue st ã o da s D ro g a s . O p C it. (p . 2 2 ). 98 E m 1 8 6 8 fo i f u nd ad a a So c ied ad e No va -Io rq u i n a p ara S u p re ss ão d o V íc io ; E m 1 8 7 3 fo i fu nd ad a a Li g a d as Se n ho ra s Cr is tã s p ela S o b ri ed ad e ; e E m 1 8 7 9 (e m u ni v er sid ad e s) fo i cr i ad a a F ed era ção Ci e nt í fica p e la So b ri ed ad e. RIB EI RO, Ma urid es e RI B E I R O, Mar ce lo . Po lít ica M un d ia l d e Dro g a s Il íci ta s: u ma refl e xã o hi stó r ica . Si te d a As s o ciaç ão B ra si leir a d e Est u d o s d o Álc o o l e O ut ra s Dro ga s . Di sp o ní v el em > ac es s ad o e m j a ne iro /2 0 1 4 . 99 RIB EI R O, Ma ur id e s M elo e RIB EI RO , M arc elo . Po l ítica M un dia l de Dro g a s Il íc ita s : u ma ref le xã o hi st ó r ica . Op C it; V A RG AS , Ed u ard o V ia n a. Fá r ma co s e O utro s O bj et o s Só c io - Té cn ico s: no ta s pa ra u ma g en ea lo g ia d a s dro g a s. In LAB AT E, B ea tr i z Cai u b y e t a l [o r g s.]. Dro g a s e C u ltu ra : no v a s per s pec tiv a s .

36

De

forma

gradativa,

o

Estado,

adotando

ideais

e

valores

difundidos pela política proibicionista, foi eleito o agente regulador da política de drogas. Como consequência, formaram -se grandes aparelhos estatais para repressão ao comércio e ao consumo de entorpecentes a nível global. Ao tornar ilícitas algumas substâncias (como maconha, ópio e cocaína) e deixar outras lícitas (como álcool e tabaco), o Estado propicia o surgimento dos mercados ilegais, fazendo com que, de um lado, produtores, comerciantes e usuários de certas drogas se transformem em inimigos da lei e da própria população, enquanto , do outro lado, personagens do mercado de drogas lícitas andam às pazes com a ordem e a sociedade 100. A guerra contra as drogas foi oficialmente declarada pelo ex presidente dos Estados Unidos da América, Richard Nixon, que defendia “uma guerra total contra o inimigo número um nos Estados Unidos: as drogas perigosas” . Foi assim que, em 1972, a expressão war on drugs (guerra às drogas) ficou consagr ada como política de combate às drogas ilícitas, sendo rapidamente espalhada pelo mundo 101. A primeira crítica a esta política foi feita no sentido de questionar o nome dado à ela. Ao denominar impropriamente de guerra, o caráter bélico utilizado teve o efei to de sugerir que na guerra são permitidas medidas exacerbadas, com vistas ao combate do inimigo, servindo de motivo para a não consideração de algumas garantias individuais 102. Sal v ad o r: E DU FB A, 2 0 0 8 . ( p . 5 1 e 5 2 ); P AS SET T I, Ed so n . Da s Fu me ri es a o Na r co t rá f ico . São P a u lo : ED U C, 1 9 9 1 . 100 K AR AM, M ar ia Lu ci a. Pro i bi çã o à s D ro g a s e Vio la çã o a Di rei to s F u nda me nta is . Si te d o La w E n fo r ce m en t Aga i n st P ro h ib i tio n – LE AP B R AS I L. D isp o n í ve l e m > ac e ss ad o e m d eze m b ro /2 0 1 4 . 101 RO D RI G UE S, T hia go . Q ue m é o I ni mig o ? In R e vi st a d e H is tó ri a d a B ib l io t eca Nac io nal . Ano 1 0 . N ° 1 1 0 . S AB I N : Rio d e J a ne ir o , No ve mb ro /2 0 1 4 . (p . 3 8 -4 1 ). 102 ALO NS O, Mar t i n. La P ro h ib ició n de Dro g a s: del ta b u a la de so be di ênc ia c iv i l. Ap u d DO RNE LLE S, Ma r celo . A Co n st itu cio na l ida de do a rt ig o 2 8 da Le i 1 1 .3 4 3 /0 6

37

Atualmente,

a

política

proibicionista

tem

suas

principais

diretrizes organizadas em três Convenções da ONU sobre o tema: a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961, a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 e a Convenção de Viena Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988. Essas Convenções, das quais o Brasil é signatário, surgiram como forma de articulação internacional para atuar por meio de ações coordenadas de colaboração entre os Estados no combate ao uso, à troca, à distribuição, à importação, à exportação, à manufatura e à produçã o de drogas psicoativas. Além disso, a versão mais recente trata da extradição, do transporte e dos procedimentos de transferência dos traficantes de drogas 103. Os

documentos

aprovados

nas

mencionadas

Convenções

consagram diretrizes de cunho proibicionista, visando limitar o acesso às substâncias consideradas ilícitas ao uso médico e científico, por meio de políticas que reafirmam a repressão em detrimento da liberdade, conformando a intervenção do sistema penal em todos os níveis do mercado de entorpecentes, com uma postura que oculta fatos, demoniza substâncias e pessoas. Assim, os danos resultantes da guerra às drogas , inclusive os iminentes, são consequência direta do proibicionismo , muito mais do que do consumo de drogas em si. O perigo não está na circul ação dessas substâncias, mas sim na proibição delas, que ao expandir o poder punitivo, superlotar as prisões e negar direitos fundamentais aos indivíduos, mais uma vez aproxima o Estado D emocrático a que assistimos a um Estado totalitário. A intervenção do sistema penal sobre produtores e distribuidores cria e fomenta a violência, devendo ficar claro que não são as drogas que e sua na t u reza j ur íd ica . I n C ALLEG AR I, And r é; T EDES C O, M i g uel [o rg s.]. Le i de Dro g a s: a s pec t o s po lê mi c o s à l uz da do g má tica p ena l e da po lít i ca cri mi na l. P o rto Al e gr e : Li vr ar ia d o Ad vo gad o Ed ito ra, 2 0 0 8 . (p . 2 0 7 ). 103 Si te d a U n it ed N at io ns O f fi ce o n Dr u g s a nd Cr i me – E scri tó r io d e li g ação e p arcer ia no B r as il . D i s p o n í vel e m > ace s sad o e m n o ve mb r o / 2 0 1 4 .

38

produzem

a

violência,

a

violência



acompanha

as

atividades

econômicas de produção e distribuição das drogas justamente porque o mercado é ilegal. A guerra às drogas, assim, já revela a incorporação ao controle social exercido, através do sistema p enal, sobre a figura do inimigo – aquela

pessoa

que

tem

quaisquer

comportam entos

diferentes

ou

desviantes, comumente confundida com a do cri minoso, do terrorista, do dissidente. Essa transnacionalidade criminosa dá lugar , por sua vez, a uma sistemática produção de autoritárias legislações.

2.2 Leis Antidrogas – um breve panorama do Brasil, América Latina e Mundo 2.2.1. Leis de Drogas: Contextos e Consequências Ele s f ab r i ca m b a nd id o s e m no s so p aí s, o u vo c ê vir a b a nd id o o u vo c ê vir a me nd i go . Ele s q uer e m i s so . E le s não q u ere m q ue vo c ê „ vi v a al ter n at i vo ‟, não q u ere m q u e vo cê q ue ira aq ui lo q ue vo cê q u er 104.

À época da proclamação da política d e combate efetivo às drogas, a América Latina contava com apr oximadamente cinco mil anos da cultura da coca pelo s povos andinos (concentrados principalmente nos países

da

Bolívia,

Peru

e

Colômbia).

A

partir

das

medidas

proibicionistas, especialmente os paí ses plantadores de coca sofreram com as ilegalidades que passaram a viciar o ato de plantar, armazenar e consumir, bem como todo o mercado que circundava a planta de coca. Uma atividade genuinamente típica de um povo passou, então, a ser considerada uma pr ática ilícita perante a comunidade internacional e, portanto, passível de sansões 105.

104

Dep o i me n to d e u m a r t esão q u e te ve s ua s co i sa s ap re e nd id as e fo i p ro ib id o d e ve nd er s e u s ar te s a nato s n a P r aç a Set e, no ce n t ro d e B e lo Ho rizo n te, Mi na s Ger ai s. E m P O LI C ARP O, Ri car d o , G ASP AR, Mo a cir e LAG E, Ra fa el. A Cr i mi na l iza çã o do Arti sta : co mo se f a b ri ca m ma rg i na i s e m no s so pa í s. Do c u me nt ário . 1 7 mi n. B elo Ho rizo n te, 2 0 1 1 . 105 LAB RO US SE, Alai n . G eo po lít ica da s D ro g a s . São P a u lo : De sa ti no , 2 0 1 0 . (p . 2 5 3 2 ).

39

A exemplo da trágica mudança na relação com as drogas na América Latina, elas passaram a ser tratadas , então, como um problema social a nível global , e que por isso, como adverte o sociólogo Lenoir, não pode ser naturalizado, devendo-se canalizar as atenções no sujeito , no sentido de protegê-lo, voltadas para o seu contexto social, se se quer iniciar uma busca efetiva de soluções 106. É necessário, pois, fazer um recorte no tema, para melhor compreensão desta pesquisa, nos importando, assim, o momento em que as substâncias psicoativas foram institucionalizadas e passaram a ser chamadas de drogas. Nas palavras de Vargas, a sociedade mode rna parece ter criado literalmente o fenômeno das drogas, conformado em duas vias principais, a da medicalização e a da criminalização 107. Nos

últimos

séculos,

os

interesses

conjuntos

de

médicos,

cientistas, políticos e juristas convergiram na busca pela abs tinência de algumas drogas a nível mundial de forma implacável. A primeira conferência sobre o tema, em 1909, ocorreu em Xangai, e reuniu 13 países para discutir formas de enfretamento à entrada do ópio na China, havendo, dois anos depois, a primeira confe rência internacional do ópio, em Haia (1911). Vieram ainda o acordo de Genebra (1925) e a conferência de Bangkok (1931), tendo ocorrido mais duas conferências até 1936, em Genebra, por fim estabelecendo um acordo que visava vedar a difusão do vício nos paí ses signatários. Em seguida, vieram às Grandes Guerras, período em que o debate ficou arrefecido, sendo retomado em seguida com proporções até então não vistas, culminando nas três grandes convenções da ONU sobre o tema, já suscitadas anteriormente 108.

106

LON OI R, 1 9 9 8 . Ap u d FI O RE , M a uríc io . O Uso de Dro g a s – Co ntro v é r sia s M édica s e De ba t e Pú bl i co . S ão P a ulo : M erc ad o d as Letr as , 2 0 0 6 . (p . 2 2 - 2 3 ). 107 V ARG AS , Ed uar d o Vi a na. O s co r po s int en s i v o s: so b re o e sta t uto so cia l da s dro g a s leg a i s e i leg a i s. ( p . 1 2 4 ) Ap u d FI O RE, Ma ur ic io . Uso d e “ Dro g a s” – co ntro v ér sia s mé d ica s e de ba t e p ú bl ico . S ão P au lo : Mer cad o d e Le tr as, 2 0 0 6 . (p . 2 3 ). 108 DO RN E LLE S, Mar c elo . A Co n st itu cio na l i da d e do a rtig o 2 8 da Le i 1 1 .3 4 3 /0 6 e sua na t ur eza j ur íd ica . Op Ci t. ( p . 2 0 6 ) .

40

A discussão sobre as questões que levaram à implantação de políticas intolerantes de drogas é muito ampla e tem argumentos dos mais variados. Assim, sugiro alisarmos o contexto da força impulsiva da política de drogas (o Estados Unidos da América), que mais tar de viria a ser conhecida por proibicionismo, para ajudar minimamente a entender alguns dos motivos que levaram à implementação dessa política na maioria dos países. Para isso, tomo emprestada as palavras de Tiago Rodrigues sobre o processo de regulamentaçã o das substâncias nos EUA: E mb o r a s e us go v er na nt e s te n h a m p re s sio nad o to d o s o s d e mai s p aí se s d o mu n d o a c o nt ro lar co m ri go r a p ro d ução d e d eter mi n ad as s ub stâ n cia s, p ri n cip a l me n te o ó p i o , a hero í na e a co ca í na, ta l e s fo r ço se d e u não ap e na s p a r a e xp o rt ar u m mo d o d e vid a co n sid erad o id eal o u p o r s eu s i nt ere ss e s eco nô mi co s e p o l ít ico s, a mb o s se m d ú v id a i m p o rta nt es , mas ta mb é m p ara le gi ti mar u ma p o lí ti ca i n ter n a ri go ro s a d e co n tr o l e d o uso d e d ro g as ; [a p o l ít ica a nt id ro ga s era , ta mb é m, u ma v er t e nte d a s] p o l íti c a s xe nó fo b as , q ue o b j eti var a m o co n tr o l e d e et n ia s e cla s se s t id a s co m o p eri go s a s, p r i ncip al me n t e a tra vé s d e u ma vi nc u la ção d ire ta en tre el a s e o u so e /o u co mé rc io d e al g u ma s s ub st â nc ia s (o s i rla nd e se s co m o álco o l, o s ne gro s c o m a co c aí na , o s me x ica no s co m a ma co n ha e o s c hi n es es co m o ó p io , fe nô me no , in cl u s i ve, q u e se e sp a l ho u p elo B ra s i l; [a lé m d o ] p ro t a go ni s mo d a c la ss e méd ic a e cie n tí fic a q ue, p ro gr es s i va me n te , p a s s o u a l e gi ti ma r e ap o i ar o co n tro le d o Es tad o so b re a s d ro g as, v ei c ula nd o p esq u is as q ue d e mo n str a va m o p eri go q ue el as re p res e ntar ia m, ao q u e so ma o cre sc i me n to d o n ú mero d e u s uár io s e d e d ep e nd e nt e s d e d eter mi n ad as s ub s tâ nc ia s 109.

Contudo, dados da Comissão Latino -Americana sobre Drogas e Democracia apontam que, nas últimas décadas, o crime org anizado aumentou significativamente, tanto pelo tráfico internacional quanto pelo controle dos mercados domésticos e de territórios por parte dos grupos criminosos. Consequências diretas disso são o crescimento significativo da violência, afetando o conjun to da sociedade e, em particular, os pobres e jovens. Aponta, também, para a crescente criminalização da política e a organização do crime, com vínculos mais expressivos entre ambos, que se perfaz com o advento do crime organizado nas instituições democráticas. Ou seja, mostra que a estrutura dos ordenamentos jurídicos

109

RO D RI G UE S, T ia go . Pro i bi çã o e co nt ro le so c ia l n o s Es ta do s U ni do s: u ma g enea lo g ia da g ue rra à s dro g a s . In FIO R E, Ma ur íc io . O Uso de Dro g a s – Co nt ro v ér s ia s M édica s e D eba t e P ú bl ico . São P au lo : Merc ad o d a s Let r as, 2 0 0 6 . (p . 2 4 ).

41

encontram-se afetadas pela corrupção dos funcionários públicos, do sistema judiciário, dos governos, do sistema político e das forças policiais encarregadas de manter a lei e a ordem 110. Por sua vez, a nova Lei de Drogas brasileira, Lei nº 11.343/06, que será melhor estudada no tópico seguinte, surgiu como reafirmação da política proibicionista, tendo substituído as leis n° 6.368/76 111 e n° 10.409/02 112.. É verdade que a nova lei deixa de prever li teralmente a pena privativa de liberdade, mas é bem verdade, também, que já a primeira Lei de Drogas, promulgada durante a ditadura militar brasileira, previa detenção de seis meses a dois anos, enquadrando -a, portanto, entre as infrações penais de menor p otencial ofensivo. Deste modo, o usuário que fosse enquadrado na Lei nº6.368/76 era julgado à luz de normas semelhantes às dos juizados especiais (que na época ainda não tinham sido criados), que é a atual jurisdição competente estabelecida pela Lei de Drogas para lidar com o “crime de uso”

113

.

Em apertada síntese, pode -se considerar que, embora a Lei nº11. 343/06 preveja uma pena mais branda para o crime de uso do que a pena 110

Co mi s são La ti no - A mer i ca na so b re Dro g as e D e mo cra cia . D ro g a s e D e mo c ra c ia : ru mo a u ma mu da n ça de pa ra d ig ma . D isp o n í ve l em > ace s sad o e m no ve mb ro /2 0 1 4 . 111 Lei n° 6 .3 6 8 , d e 2 1 d e o ut ub r o d e 1 9 7 6 . “D is p õ e so b re med id a s d e p rev e nção e rep re ss ão ao tr á f ico il í cito e u so i n d e vid o d e s ub st â nci as e nto rp ec e nt e s o u q ue d eter mi n e m d ep e nd ê nc i a fí s ica o u p síq u ic a, e d á o u tra s p ro v id ê n cia s”. As si n ad a, d ura n te o Es tad o de E xce ção , por Ern es to Gei se l. Di s p o n í vel em > a ce s sa d o em no ve mb ro /2 0 1 4 . 112 Lei n° 1 0 .4 0 9 , d e 1 1 d e j ane ir o d e 2 0 0 2 . “Di sp õ e so b re a p re v e nção , o t rata me n to , a fi sca liz ação , o co ntr o le e a r ep re ss ão à p ro d uç ão , ao u so e ao t rá fi co il íci to s d e p ro d u to s , s ub st â nci as o u d r o ga s il íc it as q ue c a u se m d ep e nd ê nc ia fí si ca o u p s íq uic a, as si m ele n cad o s p e lo M in i st ér io d a Sa úd e , e d á o utr a s p ro v id ê n cia s ”. Ap ro vad a p o r Fer na nd o He nr iq ue Car d o so e p r i me ira so b re o te ma ap ó s a Co n s ti t uiç ão Fed eral d e 1988. Di sp o ní v el em > ace s sad o em no ve mb ro /2 0 1 4 . 113 Lei nº 9 .0 9 9 , d e 2 6 d e set e mb r o d e 1 9 9 5 . “D i sp õ e s so b r e o s J uiz ad o s Esp ec iai s Cí v ei s e Cr i mi n ai s” . P r evê a i mp o s i ção a nt ecip ad a e ne go ci ad a d e p e na s não p ri vat i va s de lib erd ad e. Disp o n í ve l em > a ce s sa d o em no ve mb ro /2 0 1 4 .

42

restritiva de liberdade, não retira sua natureza delitiva, nem o caráter estigmatizante da incidência da norma penal 114. O que produz uma imensa reação

social

informal

sobre

os

consumidores,

dificultando

sua

recuperação e submetendo -os a tratamentos degradantes por parte de autoridades policiais e pela própria justiça 115. Assim, para Zaffaroni , por trás da oportunidade vislumbrada pelo Governo de manter a ordem, as leis antidrogas foram só mais um apêndice dessa ideologia, fazendo parte, na verdade, da legislação contra subversão 116. Neste sentido, Aq uel as id eo lo gi as o c u ltad as p elo s ap are l ho s d e Es tad o q u e in v iab il iza m a o ti mi za ç ão d o s d ire ito s h u ma n o s, d e mo ns tra m a d ia fo ni a e xi s te nt e en tre o d i sc ur so o fi cia l e a f u nc io nab il id ad e d o si s te ma d e d ro ga s fu nd ad o s e m le gi s laçõ es p e na is d o t er ro r 117.

Por fim, inserido em um contexto no qual a América Lat ina: a) continua sendo a maior exportadora mundial de cocaína e maconha; b) converteu-se em crescente produtora de ópio e heroína; e c) se inicia na produção de drogas sintéticas, o Brasil possui níveis de consumo de drogas ilícitas que continuam se expand indo, às custas de perdas humanas e de constantes ameaças à essência democrática 118.

2.2.2. Lei n° 11.343/ 2006 e os Desrespeitos Constitucionais Para abrir esta discussão, lanço o seguinte dado: no Recurso Extraordinário nº 635659, que teve por relator Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal reconhece a repercussão geral sobre a 114

K AR AM, Mar ia Lu ci a. A Le i 1 1 .3 4 3 /0 6 e O s R epet i do s Da no s do P ro i bic io ni s mo . In LAB AT E, B e atr iz C a iub y e t a l [o r gs. ]. Dro g a s e Cu lt ura : No v a s P ers pe ctiv a s . Sal v ad o r: ED U FB A, 2 0 0 8 . ( p . 1 0 5 -1 2 0 ). 115 B OT T I NI , P ier p ao llo . De sc ri mi na liza r o u so de dro g a s: u ma q ue stã o co n stit uc io na l . C ONJ U R: 2 0 1 5 . ( p . 1 ) . 116 ZAF F AR O NI , E u gê nio R a u l. La Leg i s la c io n “ Ant i - D ro g a ” La t ino a merica na : S u s Co mp o ne nt e s de De rec ho P ena l Auto rita rio . F asc íc u lo d e Ciê n ci as P e na i s. V. 3 . Nº 2 . ( p . 1 6 -2 5 ) . P o r to Ale g r e : ab r i/ mai /j u n , 1 9 9 0 . (p . 1 6 ). 117 C AR V ALH O, S alo d e . A Po l ít i ca Cr i mi na l d e Dro g a s no B ra s il: d o di sc ur so o ficia l à s ra zõ e s da d e s cri mi na liza çã o . Rio d e J ane iro : Lua m, 1 9 9 6 . ( p . 1 0 ) . 118 Si te d o I n st it u to Nac i o na l d e P e sq ui sa , De s en vo l vi me n to e Ar ti c ul ação so b r e Dro ga s I g ar a p é. Di sp o ní v el em < < ht tp : // i gar ap e.o r g. b r/ wp co n te n t/ up lo ad s/2 0 1 4 /0 2 /NE -1 4 - O -d e sp e rtar - d a - A m% C3 % A9 ri ca - Lati n a - u ma rev i s% C3 % A3 o -d o - no vo -d eb at e -so b re -p o l % C3 % AD tic a -d e -d ro g as - fi na l. p d f> > ace s sad o e m d ez e mb r o /2 0 1 4 .

43

constitucionalidade da criminalização do uso de drogas . Este precedente abre espaço para questionar a adequação da atual política de combate aos entorpecentes, que utiliza por estratégia usar o direito penal contra o consumidor de entorpecentes 119. Esse argumento ganha força em Greco, que

vai

identificar,

então,

uma

espécie

de

paternalismo

penal,

responsável pela criminalização de comportamentos inere ntes ao espaço de autonomia do individuo 120.

É de se reconhecer que a lei de drogas brasileira em vigor promoveu algumas mudanças, ainda que discretas e sem muita eficácia. Primeiramente, ela passa a substitui r o termo „substância entorpecente‟ por „drogas‟, com o intuito de acompanhar a tendência internacional. Contudo, a normal penal que criminaliza qualquer relação com drogas no Brasil, ainda é uma norma penal em branco, posto que a palavra droga não significa uma coisa só, mas sim uma pluralidade de substâncias 121. Sobre a norma em branco, Greco Filho e Rassi esclarecem: “nota -se maléfica

flexibilização

do

princípio

da

legalidade

que

acarreta

irreversível efeito na base do sistema de garantias fundamentais, indicando a questionável constitucionalidade de tal técnica legislativa” 122

. Embora a Lei 11.343/06 seja inaugurada consagrando o respeito

aos

direitos

especialmente

fundamentais quanto

à

da

sua

pessoa

autonomia

humana e

à

(art. 4º,

sua

inciso

liberdade,

I) ,

co mo

pressupostos do Sisnad (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas), ela mascara o seu verdadeiro teor ao indicar um proibicionismo 119

B OT T I NI , P ier p ao llo . De sc ri mi na liza r o u so de dro g a s: u ma q ue stã o co n stit uc io na l . Op C it. ( p . 1 ) . 120 GR E CO, Lu is . Po s se de Dro g a , Priv a ci da d e, Auto no mia : r efle xõ e s a pa rti r da dec i sã o do t ri b una l c o ns t it uc io na l a rg e nt in o so b re a in co n st itu ci o na l ida de do tipo p ena l de po ss e de dro g a co m a fi na li da d e de p ró p rio co n s u mo . Rb c cri m, S ão P au lo , v. 1 8 , n 8 7 , no v/ d ez 2 0 1 0 . (p . 9 4 ) in B O TT INI, P ierp ao llo . De s c ri mi na l iza r o uso d e d ro g a s: u ma q u est ã o co n st itu cio na l . O p C it . (p . 4 ). 121 DO RN E LLE S, Mar c elo . A Co n st itu cio na l i da d e do a rtig o 2 8 da Le i 1 1 .3 4 3 /0 6 e sua na t ur eza j ur íd ica . Op Ci t. ( p . 2 1 4 ) . 122 FI LHO , Gr eco e R AS SI , J o ão Da ni el. Le i de Dro g a s Ano ta da – Lei n º 1 1 .3 4 3 /2 0 0 6 . São P a u lo : Sar ai va , 2 0 0 7 . (p . 2 2 ) .

44

moderado com estratégias de redução de danos. Os princípios suscitados não se verificam em outras regras estabel ecidas no mesmo texto normativo

como

veremos

a

seguir,

assim

como

chegam

a

ser

desconsiderados no momento da aplicação da lei 123. As circunstâncias suscitadas promovem uma contradição no interior

do

ordenamento

jurídico,

afinal,

ao

se

deparar

com

a

criminalização do uso, por exemplo, situação em que determinada pessoa está simplesmente utilizando uma substância ilícita, nenhum bem jurídico alheio está sendo atingido. Para explicar melhor, tomo como exemplo a tentativa de suicídio, na qual o agente, que é a própria vítima, não será legalmente criminalizado, pois em teoria já está sofrendo diversas penas, que não jurídicas, para chegar a cometer tal ato ou por ter tentado cometê-lo. Assim, o espaço de legitimidade do direito penal e xige do intérprete

da CRFB/88

o

reconhecimento de

que

comportamentos

praticados dentro do espaço de autodeterminação do individuo, sem repercussão para terceiros, não têm relevância penal 124. O Estado, portanto, não prevê punição à autolesão. Diferentemente do que foi recebido com ovações por boa parte dos usuários e simpatizantes da causa, que tiveram como impressão a ilesividade a Lei de Drogas de 2006, ela na realidade reafirma a criminalização da posse para o uso pessoal em seu artigo 28. O dispositivo que trata da posse para uso pessoal está disciplinado no capítulo III da lei em questão, que dispõe justamente “D os Crimes e Das Penas”. Fica claro, portanto, o escopo criminalizador que a mencionada

123

B OIT EUX, Lu c ia na e W EI C KO, El a e t a l (co o rd s.). S éri e P en sa ndo o Di rei to n º 1 /2 0 0 9 - T rá f i co de Dro g a s e Co n stit u içã o . B ra sí lia : Se cre tar ia d e As s u n to s Le gi sl at i vo s , M i ni st ér io d a J u s ti ça, 2 0 0 9 . (p . 3 5 ). 124 “La p r o tec io n d e no r m as mo r al es , re li g io s a s o id eo ló gic as , c u ya v ul ner ac io n no te n ga r ep er c u s io ne s so c ial es , no p er te ne ce, e m ab so l uto , a lo s co me tid o s d e l E st ad o De mo cr at ico Del Der ec ho , q ue p o r e l co ntra r io d eb e p ro te ger la s c o nc ep ic io ne s d is crep a n te s d e la s mi n o r ia s y s up u e sta e m p ra cti ca”. E m RO XIN , Cla u s. D ere cho Pena l. P ar te Ge n er al . 2 ª ed i ção . Mad r id : T h o mso n, 2 0 0 6 . (p . 6 3 ) . In B OT T INI, P ierp ao l lo . De scr i mi na liza r o u so de dro g a s: u ma q ue stã o co n stit uc io na l . CO NJ U R : 2 0 1 5 . ( p . 2 ) .

45

norma tem ao definir que “q uem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou re gulamentar”, bem como “quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica” deverá ser submetido às seguintes penas: a dvertência sobre os efeitos das drogas; prestação

de

serviços

à

comunidade;

medida

educativa

de

comparecimento a programa ou curso educativo. O artigo em questão prevê, também, que , no caso de reincidência, o limite máximo para a aplicação das penas previstas nos incisos II e III, que era de 5 meses, passa a ser de 10 meses. Todavia, e admitindo que ninguém pode ser condenado pelo o que é, mas apenas pelo o que fez, este dispositivo viola o princípio da culpabilidade, pois atribui pena duas vezes pelo mesmo fato. Ou seja, quando se determina uma pena mais grave está se estabelecendo uma nova sanção por uma conduta já passada 125. Ainda como punição legal a ser aplicada ao usuário, com o intuito de garantir o cumprimento das medidas educativas previstas no caput do artigo 28, o seu parágrafo 6º define que o juiz poderá submeter o infrator à admoestação verbal (que se trata de um tipo de advertência) e multa. Quando a lei prevê multa para o usuário de drogas, está sendo estabelecido

um

contrassenso

social,

afinal,

se

contrapõe

às

circunstâncias em que um indivíduo normalmente já precisa arcar com elevados custos decorrentes da utilização de drogas. Mas, ignorando esta situação, o legislador obriga o apenado a satisfazer pecuniariamente sua obrigação com o Estado, d evendo repassar entre 1/30 avos e 300% do salário mínimo vigente ao erário público.

125

K AR AM, M ar i a Luc ia. A L ei 1 1 .3 4 3 /0 6 e O s R epet i do s Da no s do Pro i bic io ni s mo Op Ci t . ( p . 1 1 1 ) .

46

Ao definir um valor mínimo para a aplicação desta sanção, a individualização da pena fica comprometida 126, pois o julgador deveria ter a possibilidade de fixar no caso concre to a pena, respeitando as condições pessoais do acusado. A multa, diversamente da pena privativa de liberdade, por uns pode ser executada, enquanto por outros não poderá ser suportada, dando margem, assim, para que seja levantada a sua inconstitucionalidad e 127. Ao cr i mi n al izar o p o r t e d e d ro g as p ara u so p es so a l, a l ei p ar ece a fr o nt ar a id e ia d a d i g nid ad e d a p e sso a h u ma n a e d a p lu r al id ad e, a mb as p r e v is ta s na C F. A p ri me ira co rre sp o nd e à cap ac id ad e d e a u to d et er mi na ção d o ser h u ma no p ar a o d ese n vo l vi me nto d e u m mu nd o d e vid a a u tô no mo , o nd e sej a p o s sí ve l a r ec ip ro c id ad e . P lu ral id ad e s i g ni fic a a to le râ nc ia no me s mo co r p o so c ia l d e d i fere n te s mu n d o s d e v id a, es ti lo s, id eo lo g ia s e p re ferê nc ia s mo ra is , re sp ei tad as a s fro n tei ra s d o s 128 mu n d o s d e vid a s d o s o u t ro s .

A

proteção

de

um

bem

jurídico

não

pode

passar

pela

criminalização de seu próprio titular. A incidência da sanção penal sobre alguém retira uma parcela de sua autodeterminação. Não parece fazer qualquer sentido a subtração da liberdade de alguém com o objeti vo de proteger essa mesma liberdade sob outro prisma. Assim, o uso do direito penal contra o usuário de drogas com a justificativa de p rotegê-lo carece de legitimidade 129.

126

P rev is ta p elo i n ci so X LVI , a r t i go 5 º , d a Co n s ti tu iç ão d a Rep úb l ic a Fe d erat i va d o B ras il de 1988. Disp o n í ve l em > ace s sad o e m d ez e mb r o /2 0 1 4 . 127 “A no va r ed a ção d o ar t. 5 1 d o Có d i go P en al, tr azid a p e la Lei 9 .2 6 8 / 9 6 , d eter mi n a q ue ap ó s o tr â n si to e m j ul g ad o d a s e nte n ça co nd en ató r ia, a p e n a p ec u n iá ria d e v e ser co n s id erad a d í vid a d e v alo r , s ai nd o d a e s fera d e a t uação d o J u ízo d a E xe c ução P e na l e se to r na nd o r e sp o n sab ilid ad e d a Faz e nd a P úb l ica, q ue p o d erá o u não e xe c u tá - la , d e aco rd o co m o s p a ta mar es q ue co n sid ere rel e va nt e. T al si t ua ção , co n t ud o , não l h e retir a o car át er p u n it i vo , d e ve nd o o p ro ce ss o d e e xec u ção cri mi n a l ser e xt i nto so me n te ap ó s o e f et i vo cu mp r i me n to d a p e n a p e cu n iár ia, s al vo , é c laro , se so b re vi er u ma d a s ca u sa e xt i nt i v as d a p u n ib i lid ad e p r e v is ta s no ar t. 1 0 7 d o Có d ig o P e na l.” S up re mo T r ib u nal d e J us tiç a , R ela to ra M in i str a LAU RIT A V A Z. D at a d e J ul g a me n to : 2 5 /0 9 /2 0 0 7 , T5 QUI N T A T UR M A. Di sp o ní v el em > a ce s sad o e m d ez e mb ro /2 0 1 4 . 128 B OT T I NI , P ier p ao llo . De sc ri mi na liza r o u so de dro g a s: u ma q ue stã o co n stit uc io na l . Op C it . ( p . 2 ) . 129 B OT T I NI , P ier p ao llo . De sc ri mi na liza r o u so de dro g a s: u ma q ue stã o co n stit uc io na l . Op C it . ( p . 4 ) .

47

Outra questão que chama a atenção na nova lei de drogas é a severidade com que é trata da a ação de tráfico. No cenário mundial atual, em que recentemente dois brasileiros foram condenados à pena de morte na Indonésia pelo crime de tráfico de drogas, fato que gerou grande comoção nacional e apelo do governo brasileiro, parece se ter esquecid o que a nossa Lei nº 11.343/06 também prevê o tratamento mais severo admitido no Brasil, enquadrando o tráfico de drogas como crime hediondo 130. A Lei de Drogas traz em seu artigo 33 (incisos I, II e III) as hipóteses (na verdade 18 verbos, entre preparar, p roduzir, vender, oferecer,

ter

em

depósito,

transportar ,

etc.)

que

caracterizam

formalmente o crime de tráfico, prevendo pena de reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de multa. Nas mesmas penas incorre quem contribui, através das mesmas hipóteses, para a produção (semeia, cultiva ou colhe), armazenamento (em local próprio o u de terceiros, guarda, vigia ou administra) e distribuição de matéria -prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas. As ações de induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso de drogas também recebem punições, quais sejam, detenção de 1 a 3 anos e multa, assim como oferecer droga, ainda que eventualmente e sem objetivo de lucro, a amigo, em consumação conjunta, detenção de 6 meses a 1 ano, e pagamento de multa. A pena mínima de tráfico aplicada ao indivíduo ou grupo de indivíduos que for autuado em qualquer uma das tipificações acima, era de três anos de reclusão. Mas, com o advento da Nova Lei de Drogas, essa pena passou a ser de cinco anos e, ainda, teve suas circunstâ ncias

130

C f. C ONJ U R. Go v er no diz q ue e x ec uçã o de br a si le iro é “ fa to g ra v e” na re la çã o co m I ndo né s ia . C ONJ U R. 28 de a b ril de 2015. D i sp o ní v el em > ace s sad o e m ma io /2 0 1 5 .

48

qualificadoras ampliadas. As novas qualificadoras são aplicadas nos casos em que se verifique o emprego de arma de fogo ou de intimidação (art. 40, IV), ou quando a ação é realizada nas

imediações de

estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospital ares (art. 40, III). Ao definir que estará incorrendo em ilícito penal quem possuir, transportar ou expedir drogas, a Lei nº 11.343/06 fere a presunção de inocência do cidadão, antecipando o momento criminalizador pela produção e distribuição das drogas, q uando o bem zelado ainda não foi atingido. Ao eliminar a distinção entre consumação e tentativa e estabelecer o mesmo tratamento para quem possui, transporta ou expede, prevendo a mesma pena para ambos os casos, está penalizando uma conduta que corresponde a uma ação futura, distante no tempo, e que, portanto, não ameaça diretamente o bem jurídico. Para criminalizar uma situação, o Poder Legislativo precisa definir previamente um bem a ser protegido, que sirva de argumento à limitação de algumas condutas. O bem jurídico que será tutelado pelas regras da Lei de Drogas é a Saúde Pública, que figura como agente passivo na prática dos crimes previstos nesta Lei. A criminalização antecipada, portanto, viola o princípio da ofensividade, segundo o qual uma conduta só pode ser objeto de criminalização quando direta, imediata e significativamente afeta um bem jurídico relacionado a direitos individuais concretos. Meros atos preparatórios (cultivo ou fabricação), fornecimento, posse de matéria prima, equipamentos ou m ateriais que possam ser utilizados na produção das substâncias ilícitas, não poderiam ser criminalizados se respeitados os direitos fundamentais. A Lei nº 11.343/06 prevê, ainda, a “associação para o tráfico” como uma tipificação específica, na qual bastam duas pessoas para se configurar, diferentemente do crime de associaçã o criminosa que só se configura a partir de mais de três pessoas. Deve -se ressaltar, ainda, que,

49

no caso da associação para o tráfico , o enquadramento é prévio , ou seja, o crime não precisa ter sido cometido, apontando mais uma contradição dentro do ordenamento, pois, ainda que haja uma reunião com o objetivo de “cometer o crime”, não significa que o crime começou de fato a ser executado. Outra inovação nesta lei é a tipificação do financiamento ou custeio do tráfico como um crime autônomo e mais grave. Contudo, no crime de extorsão mediante sequestro, por exemplo, alguém que o financie não estará praticando crime autônomo e sim deverá responder justamente pelo crime de extorsão medi ante sequestro. Uma questão importante nesta lei é a violação ao princípio da proporcionalidade no que diz respeito à penalização pelo crime de “financiamento do tráfico”, pois ao estipular penas extr emamente altas (reclusão de 8 a 20 anos) estabelece que a pena mínima seja, por exemplo, superior a de um homicídio (reclusão de 6 anos). Ressaltando, ainda, que

o

financiamento ou

custeio

do

trá fico

aparece

como

circunstância qualificadora . Em sede de execução da pena privativa de liberdade, o crime de tráfico de drogas, como já mencionado, é tipificado como crime hediondo, pois a Lei nº 11.343/06 nega a possibilidade de concessão de graça, anistia, indulto, suspensão condicional da execução da pena (sursis) e, também, veta a sua substituição por pena restritiv a de direitos (as penas alternativas). A negação aos condenados por tráfico, do indulto, do sursis e da substituição da pena, assim como maior prazo para o livramento condicional e negação do livramento condicional para reincidentes específicos 131, viola também o princípio da individualização da pena. Este princípio reza que, no momento da estipulação da pena, se leve em 131

Art. 83, Có d igo P e n al B r as ile iro . D i sp o ní v el > ace s sad o e m n o ve mb r o / 2 0 1 4 .

em

50

consideração apenas e nos limites em que a situação concreta ocorreu, não sendo possível trabalhar com o tipo de crime genericame nte previsto em lei. No momento de execução da pena, o cidadão que recebeu condenação por um crime qualquer e teve sua pena estabelecida em 5 anos, tem gravidade de pena igual a quem foi condenado, também a 5 anos, por tráfico de drogas; mas o cidadão que tiver sua conduta tipificada pelo último ilícito penal, receberá tratamento diferenciado durante o cumprimento da pena pelos motivos acima mencionados. Os meios de obtenção de provas, previstos na Lei nº 11.343/06, são os mais invasivos e gravosos ao acusa do. Ações controladas de agentes 132, infiltração, delação premiada 133 e a quebra do sigilo de dados pessoais (sigilo bancário, escuta telefônica), buscam fazer com que o próprio indivíduo mostre a “verdade” sobre as suas ações tornadas criminosas, ferindo o di reito a não se auto-incriminar. Não é o réu que tem de provar que não praticou o crime de que é acusado, muito menos podendo ser constrangido com a acusação. Quem acusa que deve carregar o ônus das provas. Esse mecanismo se perfaz com a coerção do Estado para que o acusado seja enganado e colabore. Inevitável é perceber que, mesmo que a democracia republicana repudi e moralmente a traição, quando

lhes

recompensas

convém , a

o

indivíduos

Estado

pode

investigados

oferecer se

estes

alguns forem

prêmios

e

delator es,

promovendo a traição. 132

Lei nº 1 2 .8 5 0 , d e 2 d e ago s to d e 2 0 1 3 . “De fi n e o rg a niz ação cri mi n o s a e d i sp õ e so b re a i n ve st i gaç ão c r i mi n al, o s me io s d e o b te nção d a p ro va, i n fr açõ e s p e na i s co rrel ata s e o p r o c ed i me nto cr i mi n al” . As si n ad a p ela p re s id e nt a Di l ma Ro u ss e ff. Di sp o ní v el em > a ce s sad o e m n o ve m b ro /2 0 1 4 . 133 Alé m d a c it ad a Lei q ue in a u g ur o u a no r mat i vi za ção d a d ela ção p re mi ad a no B ras il, at ua l me n te o i n s ti t uto e nco n tr a - se p re vi s to e m d iv er so s i n str u me n to s l eg ai s, d e n tre o s q ua i s: Có d i go P e n al ( ar t s. 1 5 9 , § 4 º , e 2 8 8 ) ; Lei d o C ri me Or g a ni zad o , nº 9 .0 3 4 /0 5 (art. 6 º ); Le i d o s Cr i me s co nt r a o S i ste ma F i na nc eiro Nac io na l, nº 7 .4 9 2 /8 6 (ar t . 2 5 , § 2 º ); Le i d o s Cr i me s d e La va g e m d e C ap i tai s, nº 9 .6 1 3 /8 8 ( art. 1 º , § 5 º ); Le i d o s Cri me s co ntr a a Or d e m T r ib u tár ia e Eco nô mi ca, nº 8 .1 3 7 /9 0 (ar t . 1 6 ); Le i d e P ro teção a v ít i ma s e te st e mu n h a s, nº 9 .8 0 7 /9 9 (art. 1 4 ) ; No v a Le i d e Dro g a s, nº 1 1 .3 4 3 /0 6 ( a r t . 4 1 ) ; e , ma i s r ece n te me n te, na Lei q u e t rat a d o S is te ma B ras ile iro d e De fe sa d a Co nco r r ê nc ia, nº 1 2 .5 2 9 /2 0 1 1 ( art . 8 6 ).

51

Outra peculiaridade da Lei nº 11.343/06 é que, durante o decurso do processo, as diligências policia is podem continuar acontecendo, ferindo diretamente os princípios do contraditório e da ampla defesa; além de determinar que seja o réu incumbido d o ônus de provar a origem lícita de bens que o Ministério Público alega terem sido obtidos através do tráfico. Diante deste cenário legislativo e do crescente número de produção, consumo e comercialização de drogas, verifica -se que a cultura social, espelhada nos diversos conjuntos de normas, regras de conduta e costumes, é mais apropriada para justificar o uso de determinadas substâncias do que o Código Legislativo em si. Sendo, portanto, os controles sociais informais os maiores responsáv eis pela manutenção da ordem social 134. O Estado brasileiro, por meio dos seus órgãos legislativo e judiciário, regulamenta e aplica o combate às drogas com o argumento de proteger

a

saúde

pública,

conforme

mencionado

anteriormente.

Entretanto, deve -se admitir que bens jurídicos de caráter colet ivo devem sempre vir referenciados em direitos individuais concretos. Mas o Estado, ao tutelar um bem jurídico subjetivo em prejuízo de um bem jurídico concr eto, suprime direitos pessoais com a ignorante pretensão de poupar o indivíduo 135. Quanto às drogas, a elas têm sido atribuída a culpa por doenças, mortes e crimes. Contudo, pode um objeto inanimado ser o autor dessas ações? O problema da droga não existe em si, mas é o resultado do encontro de um produto, uma personalidade e um modelo sócio cultural 136. Esses elementos, somados à promoção da guerra às drogas,

134

C AST E L, Ro b er t e C OP P EL, An n e. L e s C o ntrô le s de la To xic o ma n ie. I n EH RENB E RG, Ala i n [ o r g.] . I n div id u s So u s I n flu en ce . P ar is : Ed it io n s Esp r it, 1 9 9 1 (p .2 3 7 -2 5 6 ) . 135 HO RK HEI ME R, M a x A p u d C AR NEI R O, H e nri q ue . A uto no mi a o u H e tero no mi a no s Esta do s Alt e ra do s de Co n sc iê nc ia . Op Ci t. (p . 6 9 ). 136 M ART I NS , J o ão e M AC R AE, Ed wa rd . Po r U m O l ha r So c io c ult ura l So bre a Q ue stã o da s D ro g a s . O p C it. ( p . 1 7 ) .

52

provocam violações a direitos fundamentais indispensáveis à manutenção do Estado Democrático de Direito . A dignidade da pessoa humana significa um dos fundamentos democráticos velados pela Constituição Federal. Esse princípio atua como uma qualidade derivada, podendo existir apenas se o ser humano for autônomo em suas vontades e se lhe for reconhecida alteridade perante a comunidade em que vive. Com isso, t odo e qualquer indivíduo deve controlar o uso de seu corpo, nome, imagem e demais aspectos constitutivos de sua identidade, com autonomia moral na condição de entidade única e diferenciada de seus pares 137. A d e s vi n c ul ação d e r e g ras cri mi na li zad o ra s d a a fe taç ão d e d ire ito s i nd i v id uai s co n cre to s d il u i o i nd i v íd u o e m u ma ab s tra ta co let i v id ad e, d e sp e rso n al iza n d o -o e co nd u zi nd o -o ao a nô n i m o p ap el d e i ns tr u me n to a ser vi ço d e f i ns q ue, d i vo rc iad o s d a re fer ê nci a i nd i v id ua li zad a, sac r i f ica m a l ib erd ad e e ali me n ta m to ta li tar i s mo s d e to d o s o s ma t ize s. A vi s ão d e q ue ab s tra to s i nt e res se s d e u ma ta mb é m ab s trat a so c ied ad e d e ve s se m p r ev ale cer so b r e o s d ir ei to s i nd i v id ua i s não e sco n d e e s sa in sp ir aç ão to t al itá ria . A so ci ed ad e há de ser co n cr e tiz ad a. A so ci ed a d e não é al go ab st rato , ma s si m o co nj u nto d e i nd i v íd uo s co ncr eto s. Os d ito s i n tere s se s d a so c ied ad e só s e le g i ti ma m q ua nd o re fe rid o s a b e ns 138 ind i vid u al izá v ei s .

As

ofensas

aos

princípios

constitucionais,

portanto,

são

verificadas desde a elaboração da Lei de Drogas – que em sua própria gênese tem caráter discriminatório – até a aplicação da lei por seus agentes. Princípios da liberdade, da isonomia, da privacidade, da segurança,

da

presunção

de

inocência

são

costumeiramente

secundarizados, quando não completamente esquecidos, no tratamento jurídico aos personagens enquadrados na Lei de Drogas. Uma lei que distingue substâncias semelhantes – que há séculos servem igualmente para “tornar suportável a existência terrena do homem 137

Art. 1º, III, C F/1 9 8 8 . Di sp o ní v el em > ace s sad o e m d ez e mb r o /2 0 1 4 . 138 K AR AM, M ar ia Lu ci a. Pro i bi çã o à s D ro g a s e Vio la çã o a Di rei to s F u nda me nta is . Op Ci t.

53

decaído” 139 – entre umas que são passívei s de regulação (legais) e outras que são demasiadamente danosas à sociedade e, portanto, colocadas à margem dela (ilegais), prevê normas fundamentadas na discriminação, ferindo, desse modo, o princípio da igualdade de tratamento entre os entes 140. A postura que a nova lei pretende que os cidadãos adotem, utilizando por mote uma política insistentemente proibicionista, reafirma a repressão em detrimento da liberdade, com uma postura que oculta fatos, demoniza substâncias e pessoas. Uma Lei que reproduz a crimi nalização estabelecida desde a primeira Convenção da ONU sobre o tema, datada de 1961, não dispõe de mecanismos de estratégia que ultrapassem o caráter ilegal atribuído historicamente

às

substâncias.

Essa

legislação

encontra -se,

assim,

limitada e sem condi ções de apresentar alternativas substancialmente novas, conformando a intervenção do sistema penal em todos os níveis do mercado de entorpecentes. Irônico é perceber que a saúde pública, que teoricamente é a beneficiada pela implementação da lei de drogas, é diretamente lesionada com a criminalização das drogas, ao se impedir um controle de qualidade das substâncias, obstar o uso medicinal, dificultar a informação e a assistência e permitir que as substâncias ilícitas sejam utilizadas na forma que o usuário tiver condições de usá-las, facilitando a proliferação de doenças. Uma

lei

parcial,

que

sequer

especifica

quantidades

das

substâncias ilícitas para diferenciar usuários de comerciantes, deixando esta distinção a ser decidida pelos juízes com base em crité rios gerais como quantidade e qualidade da droga, ficha criminal do suspeito, e as suas condições pessoais e sociais. 139

S AH LI NS, Mar s ha l Ap u d V ARG AS , Ed uard o V ia na. Fá r ma co s e O utr o s O bjeto s Só c io - Téc ni co s : no t a s pa ra u ma g e nea lo g ia d a s dro g a s . Op Ci t . (p . 4 8 ) . 140 Art. 5 º , ca p u t , Co ns ti t u ição d a Rep úb lic a Fed e r ati v a d o B ras il, 1 9 8 8 . Di sp o ní v el e m > ace s sad o e m d e ze mb r o /2 0 1 4 .

54

Entre 2007 e 2010, o número de pessoas encarceradas por crimes relacionados às drogas aumentou em mais de 62% 141. Este aumento deveu-se principalmente à prisão de réus primários que não tinham envolvimento com o crime organizado. Sendo assim, com a transgressão à liberdade individual e a privacidade,

a

democráticos,

Lei ferindo

legalidade/validade constitucionais,

de

da

Drogas direitos norma,

indispensáveis

em que

vigor

desrespeita

estão

ligad os

se

tratarem

se

está

por quando

à

os

pilares

questão de

inserido

da

garantias em

uma

democracia.

141

B OIT EUX, Luc ia na . D rug s a n d pri so n s: t h e re pr es s io n o f dr ug s a n d t he inc rea se o f t he B ra zi li a n pe nit e nt ia ry po pu l a tio n. 2 0 1 1 . I n W O LA & T NI, ed s. Sy s te ms O v e rlo a d: Dr ug La w s a nd P ri so ns in La t i n A me r ica . D isp o n í ve l e m ‹h ttp :/ /re fo r md r u gp o li c y .co m/ wp -co n te nt / up lo ad s/2 0 1 1 /0 9 / S ys t e ms - O ver lo ad .p d f› ace s sad o e m j u l ho /2 0 1 4 .

55

Considerações Finais Ser u m p a í s a p ro mo ver a gra nd eza d a ab o l ição d a e sc ra vid ão d o séc u lo X XI atr a vé s d a d es cri mi n a liz ação to tal d a s d ro ga s, tir a nd o d a p o l íci a s u a ad mi n i stra ção e p as sa nd o p ar a o Mi ni s tér io d a S a úd e, C ul t ura , Faz e nd a (. ..) to rna nd o - a u ma q ue s tão to tal me n t e c ul t u ral, q ue l i vrará o p aí s d es te ge no c íd io p r ati cad o d ia ria me nt e , p ri ncip al me n t e co n tra a s cri a nça s d e to d o s o s C a n ud o s - Fa v el as d e to d o P a í s 142.

Entre os argumentos médicos , jurídicos e políticos que ganharam força ao longo do século XX, resultando na política proibicionista , objetivou-se criticar conjuntamente tais posicionamento com a clareza de que há algo anterior, superior e naturalmente incondicionado a todos eles, e que, por conseguinte, merec e melhor atenção: o indivíduo. De forma progressiva tem-se desmistificado o papel paternalista do Estado, verificando-se que são inúmeras as suas contradições e que os limites da sua intervenção na vida do indivíduo devem ficar mais claros, principalmente quando se está inserido em uma democracia. Ficou demonstrado que o Estado, ao perseguir os seus próprios interesses, políticos e morais, se aproveita da condição de representante do povo para impor certa ideologia em “nome do bem comum”. Através do seu poder de heterocontrole, no qual o Estado emite a ordem e delega seu poder regulador a determinados agentes especialistas (tais como médicos e policia is), que, por sua vez, exercem controles parciais (enquanto as práticas do uso de drogas requerem atenção a fatores que são multidimensionais) e, por isso, insuficientes e incapazes de compreender ou controlar os problemas relacionados ao consumo de psicoativos 143. Assim, a autonomia do indivíduo deve prevalecer enquanto condição sine qua non de existência do mesmo, pois em todos os casos deve haver liberdade para realizar uma ação e suportar as conseq uências,

142

CELSO, José apud TABOSA, Neco. O Fino da Massa 2010 – Ano de Conquistas e Pequenos Avanços – Assim Tropeça a Humanidade. Disponível em acessado em dezembro/2014. 143 M AC R AE , Ed war d . A Su bc u lt u ra da Dro g a e Pr ev e nçã o . C e ntro d e E st ud o s e T erap ia ao Ab u so d e Dr o ga s. U ni v er sid ad e Fed e ral d a B a h i a. Sal v ad o r, 2 0 0 3 . ( p . 7 ) .

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pondo em risco suas convicções políticas e morais, sendo capaz e responsável de dispor de seus próprios recursos corporais e mentais 144. É inevitável perceber que se concentra na individualidade de cada ente, como expressão da liberdade, a essência dele ser o que é. Por isso, além de anunciado como direito fundamental internacional e ratificado pelo ordenamento jurídico brasileiro, a individualidade é uma condição intrínseca à existência humana e, portanto, anterior a qualquer lei, devendo significar justamente a parte da vida na qual é o indivíduo o principal interessado, restando à sociedade a parte que interessa à sociedade. Ao perceber que o mundo significa uma série de símbolos diversos para cada ser especialmente, a questão da relação entre seres humanos e drogas apresenta -se muito mais complexa e específica em cada caso, não podendo ser limitado o se u entendimento às normas legais e aos diagnósticos formais . Percebeu-se que as drogas estão na humanidade há séculos e que, até o final do sécul o XIX, seus usos foram raramente concebidos como ameaçadores à ordem social . Contudo, por interesses dos mais variados por parte do Estado, a guerra às drogas se popularizou com o discurso do medo, operando pela desqualificação e demonização do usuário e d o traficante, que naturalmente passam a representar o papel de “inimigo”, justificando as drogas como substâncias capazes de governar a qualquer tempo

qualquer

cidadão,

ganhando

força

para

a

manutenção

das

intolerantes legislações . Isso ocorre porque, apro veitando-se da falta de um debate público, a idéia é encobrir alguns dos reais problemas estruturais da sociedade criando um inimigo imaginário que tem sua utilidade na manutenção do poder e do status quo , levando, como diria MacRae, à uma impermeabilizaçã o da subcultura da droga, de difícil acesso a

144

C f. C AR N EI RO, H e nr iq ue. A ut o no mia o u H ete ro no mia no s E sta do s A ltera do s de Co n sc iê nc ia . Op Ci t. ( p . 8 4 ) ; MI LL, J o sep h S t u art. Op Ci t. (p . 1 0 8 ).

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agentes de saúde ou a representantes de qualquer tipo de discurso que não seja oficial 145. O Brasil, após décadas de combate às drogas, continua com índices de consumo e circulação de entorpecentes crescentes , o que aponta para o evidente fracasso da estratégia proibicionista . Ao mesmo passo, o Estado brasileiro insiste nessa política encarceradora e assassina e, para os que resistem, suprime -lhes a liberdade individual e a privacidade, desrespeita ndo pilares democráticos e ferindo direitos fundamentais. Ao concentrar a atenção no combate a produtos simplesmente, perde-se de vista os detalhes sociocultur ais dos seus usos e esquece-se completamente do ob jetivo real da lei de drogas – salvaguardar a saúde pública –, pois descarta as possibilidades de prevenção dos efeitos indesejáveis, na promoção do violento proibicionismo. No caso em apreço, o ditado popular “melhor prevenir do que remediar” ganha consistência, sugerindo que é melhor abordar os aspectos conflitivos da vida das pessoas, para que não se tornem vulneráveis e ignorantes, sem dá margem a um quadro negativo de relação com os entorpecentes, quando se torna mais difícil o tratamento. Uma política que desenvolva as intervenções a partir de um modelo participativo e voluntário, mas que terá que ser objeto de uma próxima discuss ão, ficando a sugestão, parece se apresentar um caminho viável à equação que aponta os elevados números de indivíduos e grupos violados (socialmente, psicologicamente e f isicamente) cotidianamente pelas leis antidrogas no Brasil e no mundo 146.

145

M AC R AE , Ed war d . A S ub cu lt ura da Dro g a e P rev e nçã o . Op Ci t. (p . 2 ) . U ma alt er na ti v a q ue r e co n h ece o us u ário d e d ro ga s co mo u m cid ad ã o co mo o s d e mai s ( se m q ue st io nar o se u d ir e ito a co n ti n u ar co n s u mi n d o ) e q ue n ão te m co mo me ta e xc l u si v a a ab st i n ên cia d o u so d e d ro ga s , ut il iza nd o med id a s cr iat i va s p ara a me ni zar o s d a no s b io l ó gi co s, p s íq uico s, so c i ai s o u eco nô mico s, é a Red ução d e Da no s. P ar a i n ic iar u m e st u d o , C f. R OM A NÍ, Or io l. Po lit ica s de D ro g a s: prev en ció n, pa rt ici pa c ió s y r e du cció n D el d a ño . S al ud Co lec ti v il iz ara: B ue no s Aire s, S ep t ie mb r e - Di ci e mb r e, 2 0 0 8 ; F ON SE C A, Eli ze ; B AST OS, Fr a nc is co I nác io . Po lít ica s d e Re du çã o de Da no s e m Pe r sp ec tiv a : co mp a ra n do a s ex pe riê nc ia s a mer ica na , br it â n ica e bra si le ira . In Ac se lra d G. 2 ª ed ição . Av es so s do Pra z er: dro g a s, AI D S e di re it o s h u ma no s. Ri o d e J a n eir o : Ed . FI OC R U Z, 2 0 0 5 . 146

58

Enfim, na intenção de perceber o indivíduo nas suas nuances, no seu poder de brincar e usar o seu corpo, nas suas capacidades de autodeterminação e auto gestão, e, então, conceber que p rimeiro e principalmente o indivíduo é responsável sobre si mesmo, buscou -se compreender o fenômeno das drogas como algo que já percorreu um longo caminho junto ao ser humano e que dificilmente terá esse laço cortado. Desta forma, uma pretensiosa política que vislumbre desfazer essa relação não tem condições de prosperar, ela é um fracasso em si mesma, insustent ável inclusive pelos que a elaboram e a compõem, quanto mais por todos os outros indivíduos condenados a viver à luz de uma moral repressora e convenientemente limitada .

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