Autoritarismo e Democracia em Francisco Campo: Um estudo da construção ideológica e doutrinária...

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FERNANDA DUARTE DELTON R. S. MEIRELLES RAFAEL MARIO IORIO FILHO BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA (ORGANIZADORES)

DIREITO E CULTURA: ESTUDOS SOBRE O PROCESSO CIVIL NO BRASIL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FERNANDA DUARTE DELTON RICARDO SOARES MEIRELLES RAFAEL MARIO IORIO FILHO BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA (coordenadores)

DIREITO E CULTURA: estudos sobre o Processo Civil no Brasil

1ª EDIÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

NITERÓI 2016

EDITORA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO Universidade Federal Fluminense Rua Tiradentes 17, Ingá 24210-510 Niterói/RJ +55 (21) 3674-7477 [email protected]

Editoração, padronização e formatação de texto FRANCIS NOBLAT Projeto Gráfico e Capa FRANCINE NOBLAT Conteúdo, citações e referências bibliográficas OS AUTORES

CIP — Catalogação na Publicação Elaborada pela bibliotecária GABRIELA FARAY (CRB7-6643) D598

DIREITO E CULTURA : ESTUDOS SOBRE O PROCESSO CIVIL NO BRASIL / [LIVRO ELETRÔNICO] / FERNANDA DUARTE … [ET AL.] (COORDENADORES). — NITERÓI : PPGSD — PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO, 2016. -- BYTES ; .PDF

ISBN 978-85-89150-18-7 (RECURSO ELETRÔNICO) 1. SOCIOLOGIA JURÍDICA. 2. ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS. 3. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. I. DUARTE, FERNANDA. II. TÍTULO. CDU. 316.334.3 CDD. 306.2

FERNANDA DUARTE DELTON RICARDO SOARES MEIRELLES RAFAEL MARIO IORIO FILHO BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA (coordenadores)

DIREITO E CULTURA: estudos sobre o Processo Civil no Brasil VOLUME I

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

NITERÓI

É de inteira responsabilidade dos autores os conceitos aqui apresentados. Reprodução dos textos autorizada mediante citação da fonte.

ÍNDICE Introdução

XII

Os Autores

XVI

A Oralidade No Processo Civil Brasileiro: Extensão e Significados

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BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA

Liebman: Entre o Indivíduo e a Pessoa: Uma Análise a Partir de Roberto Damatta

36

BRUNO REZENDE FERREIRA DA SILVA

O Law & Development Movement e a influência do pensamento jurídico anglo-americano nas reformas do sistema de justiça civil brasileiro pós-1988 45 FRANCIS NOBLAT

Poder Central x Justiça Comunitária: Observações sobre o Sistema Português e sua Aplicação no Mundo Lusófono 62 DELTON R. S. MEIRELLES

Autoritarismo e Democracia em Francisco Campos: Um Estudo da Construção Ideológica e Doutrinária na Obra “O Estado Nacional”

89

FERNANDA DUARTE RONALDO LUCAS DA SILVA MATHEUS GUARINO SANT’ANNA LIMA DE ALMEIDA

É Tempo de Mediar! Mas há Tempo para Mediar?

106

KLEVER PAULO LEAL FILPO

Uma Análise Semiolinguística dos Discursos de Abertura do Ano Judiciário (2004-2015): Estratégias e Práticas Discursivas do Supremo Tribunal Federal 117 RAFAEL MARIO IORIO FILHO MATHEUS GUARINO SANT’ANNA LIMA DE ALMEIDA GABRIEL GUARINO SANT’ANNA LIMA DE ALMEIDA

Como a Coisa Julgada era Tratada no Brasil Antes de Enrico Tullio Liebman? SIMONE SOUZA

136

A Teoria Eclética da Ação sob a Ótica do Novo Código de Processo Civil

151

CARLOS MANOEL DO NASCIMENTO

Limites Objetivos da Coisa Julgada na Obra de Liebman e no CPC/15

158

PAULO ERLICH VARELLA

A Influência de Liebman no Processo de Execução Brasileiro

170

THIAGO GOMES MORANI

Referências Bibliográficas

CLXXXV

xi

Introdução Tradicionalmente o olhar formalista para o Direito se contenta em compreendê-lo e explicá-lo como um sistema lógico que se encerra na correção formal de sua harmonia interna. Ainda que buscando uma abertura para o plano dos valores ou da Ética (como propõe, na atualidade, o chamado Pós-Positivismo), o aspecto prescritivo marca, com exclusão, a compreensão do jurídico. Como consequência, o objeto de interesse jurídico se reduz ao plano normativo, quer sob o aspecto dogmático ou legislativo ou mesmo jurisprudencial e os estudos jurídicos se aprisionam e restringem ao mundo do “dever-ser”. Entretanto, pode-se pensar o Direito a partir de perspectivas mais abertas que , numa abordagem mais inclusiva a outras áreas do conhecimento humano, o descrevem, explicam e problematizam, ampliando seu objeto de estudo e investigação, inserindo a vida, a realidade, o contexto fático como parte constitutiva do mesmo. Assim, através do olhar empírico, o Direito supera as fronteiras do normativo-formalista, ainda que dele não possa prescindir. E alarga seus horizontes resultando de um processo histórico, político, social e cultural, vivido e construído por seres humanos e suas teias de relações. As representações, as mentalidades, as moralidades, os rituais, os discursos e as práticas também passam a integrar e a redefinir o normativo, lhe atribuindo outros sentidos, nem sempre consentâneos com o prescrito na norma ou com a interpretação que dela fazem os juristas eruditos. Entre que o “os manuais dizem ser o direito” e “o direito como ele é”, há um hiato naturalizado que precisa ser reconhecido e compreendido como tal. Sob essa inspiração, um grupo de professores e alunos — que se encontram em distintas etapas de suas carreiras — se reuniu num esforço para aproximar o Direito de outros saberes, com o intuito de chamar a atenção para a necessidade de se começar a o pensar o Direito para além do plano do dever-ser, rompendo com as fronteiras da disciplinariedade. Como alertam Kant de Lima e Bárbara Lupetti, [..] o próprio campo jurídico começou a se dar conta de que as respostas prontas e definitivas que o Direito oferece para os problemas dinâmicos e cotidianos enfrentados pelo Judiciário não atendem às demandas diferenciadas da sociedade, e esse notório descompasso, verificado entre aquilo que os cidadãos desejam e aquilo que a Justiça lhes oferece, está causando uma incontrolável crise de (des)legitimidade desse Poder da República, que precisa resgatar a sua credibilidade para fazer cumprir o seu papel institucional, que é primordial para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, ainda muito distante da nossa realidade. (2010, p. 3).

Desse esforço, apresentamos a coletânea ‘Direito e Cultura: estudos sobre o Processo Civil no Brasil’. Nela temos o resultado de pesquisas que tem se desenvolvido no âmbito do Laboratório Fluminense de Estudos Processuais/LAFEP da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense/UFF, associado à rede de pesquisadores do INCT-InEAC, em cooperação com o Núcleo de Estudos sobre Direito, Cidadania, Processo e Discurso/ NEDCPD do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá. xii

Diversos são os temas abordados e com metodologias também distintas, mas que tem como fio condutor um propósito de sair da zona de conforto da “abstração” professada pela nossa dogmática (que marca-se pela reprodução e pelo argumento de autoridade), num esforço de estranhar o familiar, explicitar o “óbvio” e problematizar o direito. A escolha do processo civil brasileiro como espaço privilegiado para as problematizações aqui explicitadas decorre não apenas da atualidade do tema, devido à recente promulgação do Novo Código de Processo Civil Brasileiro (Lei nº 13.105/2015), que tem a proposta de revolucionar o sistema até então vigente, como também (e especialmente) da nossa percepção crítica de que existem aspectos muito arraigados na cultura jurídica brasileira, que destoam das idealizações postas pela dogmática e que confrontam tensões que ficam invisibilizadas nos estudos exclusivamente teóricos (aqui entendidos como sinônimo de dogmáticos). Assim, a proposta de Bárbara Gomes Lupetti Baptista, em ‘A oralidade no Processo Civil Brasileiro: extensão e significados’ é explicitar a forma e as circunstâncias em que o princípio da oralidade se materializa no processo civil brasileiro e, a partir disso, tentar entender quais são as relações e as implicações dessas manifestações orais na construção da verdade jurídica. O princípio da oralidade é incorporado pela dogmática brasileira de uma forma absolutamente distinta daquela depreendida pela empiria. Neste trabalho, a dogmática está representada pela produção teórica do campo do Direito e a empiria, pela descrição das práticas judiciárias do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, onde realizei pesquisa de campo. O princípio da oralidade é categorizado pela doutrina como uma garantia processual dos cidadãos a um processo justo e democrático, ao passo que a análise dos rituais judiciários demonstra que, na prática, tal princípio é descartado pelos operadores do campo, mormente, sob o fundamento de que esta forma de manifestação processual representa um entrave à celeridade da prestação jurisdicional. A hipótese da qual se partiu para a realização desta pesquisa percebeu a oralidade como uma forma de manifestação processual que permitiria a construção de uma verdade jurídica consensual e, por conseguinte, possibilitaria uma efetiva aproximação entre os cidadãos e os Tribunais. No entanto, a etnografia realizada demonstrou que a oralidade não é um instrumento disponibilizado aos cidadãos, mas sim absorvido pelo Estado, que, através do Juiz, dele se utiliza para ditar e impor uma verdade jurídica - produzida essencialmente por escrito no curso do processo - materializada e revelada na decisão judicial. Apropriando-se dos estudos de Roberto DaMatta sobre a sociedade brasileira, Bruno Rezende Ferreira da Silva, no texto ‘Liebman: entre o indivíduo e a pessoa: uma análise a partir de Roberto DaMatta’ discute a visão que se tem da influência de Liebman no cenário jurídico brasileiro, analisando especialmente a figura de Liebman, e não sua obra doutrinária. Em seguida trabalha com o surgimento da Escola Processual de São Paulo, contextualizando seu surgimento e significado perante a comunidade jurídica brasileira. Sob a esfera da extensão da influência de diferentes correntes de pensamento no cenário jurídico nacional, Francis Noblat busca, em seu ‘O Law and Development Movement e a influência do pensamento jurídico anglo-americano nas reformas do sistema de justiça civil brasileiro pós-1988’, tentar compreender as intersecções entre o crescente de reformas em Processo Civil no Brasil no final do último século e difusão de determinadas compreensões do Direito e do Processo Civil em escala global. Ao analisar o Law and Development movement, retraçando sua expansão como corrente de pensamento, e consequente globalização, Noblat interpreta e conecta as transformações no Processo Civil

xiii

nacional ao panorama socio-político internacional, interpretando em termos de congruências as reformas no Processo Civil brasileiro e as ideias difundidas pelo movimento do Direito e Desenvolvimento. Em ‘Poder Central X Justiça Comunitária: observações sobre o sistema português e sua aplicação no mundo lusófono’, de autoria de Delton R.S. Meirelles, busca reconstruir a formação do aparelho judiciário de Portugal e sua herança para os países colonizados. Em seguida, verifica em que medida houve continuidade ou ruptura no processo de independência das colônias para, ao final, analisar o caso brasileiro. A hipótese aqui apresentada é a de que o formalismo e o estatismo lusitanos contribuíram para a formação de estruturas judiciárias refratárias à participação popular, a despeito de tolerar algumas formas de justiça comunitária (porém não democráticas), o que não abreviou a corrente tensão entre centralização e poderes locais, presente ao longo da história do Império português. No artigo ‘Autoritarismo e Democracia em Francisco Campos: um estudo da construção ideológica e doutrinária na obra “O Estado Nacional”’, Fernanda Duarte, Ronaldo Lucas da Silva e Matheus Guarino Sant’Anna Lima de Almeida pretendem investigar a relação entre os conceitos de autoridade e democracia na obra de Francisco Campos, com foco de análise na obra “O Estado Nacional”, que reúne diversos discursos, entrevistas e textos do autor. Tendo ocupado diversos cargos políticos, dentre eles o de Ministro da Justiça, e sendo articulador de importantes reformas legislativas, o trabalho pretende discutir como a obra de Francisco Campos se alinha com a ideologia autoritária do Estado Novo. Quanto à metodologia, os autores se valem das categorias da análise do discurso de Patrick Charaudeau, para melhor compreender e explicitar a construção ideológica e doutrinária realizada por Francisco Campos. A pesquisa revela como Francisco Campos articula a ideia de crise das democracias liberais à necessidade de uma ditadura adequada à “política de massas”, para legitimar a ascensão e manutenção do Estado Novo e da centralização do regime na figura de Getúlio Vargas. Em ‘É tempo de mediar! Mas há tempo para mediar?’, Klever Paulo Leal Filpo pretende problematizar a introdução da mediação de conflitos como uma etapa procedimental do rito comum, no âmbito do novo Processo Civil Brasileiro. Seu enfoque é a aparente incompatibilidade entre o “tempo da mediação” e o “tempo do processo”. Evidencia que a mediação é uma aposta institucional destinada a promover maior economia, qualidade e, especialmente, celeridade na prestação jurisdicional em processos cíveis. Contudo, pesquisa etnográfica em curso no Estado do Rio de Janeiro sobre o uso judicial das técnicas mediativas sugere que a busca desenfreada pela celeridade processual pode comprometer o êxito da mediação, que demanda tempo para atingir os seus objetivos. Em ‘Uma Análise Semiolinguística dos Discursos de Abertura do Ano Judiciário (2004-2015): estratégias e práticas discursivas do Supremo Tribunal Federal’, Rafael Mario Iorio Filho, Matheus Guarino Sant’Anna Lima de Almeida e Gabriel Guarino Sant’Anna Lima de Almeida apresentam uma análise dos discursos realizados anualmente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) na Sessão de Abertura do Ano Judiciário. A solenidade, inaugurada em 2004, é realizada anualmente, marcando o início das atividades do Judiciário. Para tanto, são utilizadas as ferramentas metodológicas da Análise Semiolinguística do Discurso de Patrick Charaudeau, para explicitar como as estratégias discursivas utilizadas nestas solenidades vem imprimir uma ideologia do STF sobre si mesmo e sobre o papel do Judiciário. A pesquisa revela uma continuidade no discurso do STF quanto

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à identificação dos principais problemas do Judiciário e na justificativa das medidas tomadas no âmbito dos três poderes para a solução destes problemas. Com os resultados obtidos, e os autores esperam contribuir com a elucidação da ideologia do STF e do Judiciário e do papel que este tem tomado frente à sociedade brasileira e suas instituições. E Simone Souza discute ‘Como a coisa julgada era tratada no Brasil antes de Enrico Tullio Liebman ?’. Para a autora, é voz corrente entre conceituados doutrinadores a influência de Enrico Tullio Liebman no processo civil brasileiro. Segundo afirmam, foi através do “Mestre” que se desenvolveu o método científico para o processo até então desconhecido. Entretanto obras raras demonstram que muito antes da vinda de Liebman as discussões acerca de temas como a “coisa julgada” já se faziam corrente, despontando da metade do século XIX nomes que seriam sensivelmente visionários, dentre os quais Francisco de Paula Baptista, cuja obra em muito se assemelha às discussões de tempos posteriores. Por outro lado, ainda que em princípio em dissonância metodológica com a proposta da coletânea, optamos por adotar uma postura inclusiva. Também são apresentados textos que reduzem o direito à sua dimensão formal, ao privilegiar uma abordagem dogmática, já que esta é a produção tradicional do campo jurídico e como tal revela-se como contraponto ao olhar interdisciplinar que o livro busca explicitar. Nesse sentido, chamamos atenção para três trabalhos. Carlos Manoel do Nascimento, em ‘A teoria eclética da ação sob a ótica do Novo Código de Processo Civil’, pretende mostrar como o novo Código de Processo Civil passará a tratar das condições da ação, fazendo uma análise comparativa sob o prisma do entendimento de Libeman, as consequencias derivadas da inexistência dessas condições, a espécie de sentença a ser proferida, bem como, a recepção da teroria da asserção no direito brasileiro, doutrina e jurisprudência. O texto de Paulo Erlich Varella, ‘Limites objetivos da coisa julgada na obra de Liebman e no CPC/15’, tem como objetivo apresentar aspectos da tese de Enrico Tullio Liebman acerca da coisa julgada, com foco mais específico em seus limites objetivos, e refletir sobre a manutenção da importância e utilidade de sua obra, confrontando-a com o novo tratamento dado ao tema pelo Código de Processo Civil de 2015, cuja análise e investigação de seus fundamentos e consequências práticas ao jurisdicionado também serão objeto do trabalho. E no artigo ‘A influência de Liebman no Processo de Execução Brasileiro’, Thiago Gomes Morani trata da influência do autor italiano, no Brasil, na adoção do modelo binário de execução, composto por duas ações autônomas, uma de cognição e outra de execução. Também discute a problemática do modelo defendido pelo autor e sua relação com método científico. Por fim, com uma pluralidade de olhares e distintos recortes possíveis de serem aplicados a um objeto de interesse jurídico, esperamos que o diálogo com o presente livro se traduza numa experiência instigante, desafiadora e reflexiva para nossos leitores.

Os Organizadores

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Os Autores BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA é Doutora em Direito pelo Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Gama Filho — PPGD/UGF; Professora Adjunta do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense — SPP/FD-UFF, e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida — PPGD/UVA; Pesquisadora do Laboratório Fluminense de Estudos Processuais — LAFEP/FD-UFF e do do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos — INCT-InEAC/NUPEAC.

BRUNO REZENDE FERREIRA DA SILVA é Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá — PPGD/UNESA; membro do Núcleo de Estudos sobre Direito, Cidadania, Processo e Discurso — NEDCPD/UNESA; membro da Law and Society Association.

CARLOS MANOEL DO NASCIMENTO é Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá — PPGD/UNESA; Tabelião.

DELTON R. S. MEIRELLES é Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro — PPGD/UERJ; Professor Adjunto do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense — SPP/FD-UFF, e Professor do corpo permanente do Programa de PósGraduação em Sociologia e Direito — PPGSD/UFF. Coordenador do Laboratório Fluminense de Estudos Processuais — LAFEP/FD-UFF.

FERNANDA DUARTE é Doutora em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro — PPGD/PUC-RJ; Professora Adjunta do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense — SPP/FD-UFF, e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá — PPGD/UNESA; Coordenadora do Laboratório Fluminense de Estudos Processuais — LAFEP/FD-UFF, do Núcleo de Estudos sobre Direito, Cidadania, Processo e Discurso — NEDCPD/PPGD-UNESA, do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos — INCT-InEAC/NUPEAC, e do Comparative Constitutional Law and Legal Culture: Asia and the Americas Collaborative Research Network — CRN1, da Law and Society Association; Membro do Carnegie Council for Ethics in International Affairs, na qualidade de Global Ethics Fellow; Visiting Professor na Mercer Law School, Georgia/EUA.

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FRANCIS NOBLAT é Mestre em Ciências Sociais e Jurídicas pelo Programa de PósGraduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense — PPGSD/UFF e Bacharelando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ.

GABRIEL GUARINO SANT’ANNA LIMA DE ALMEIDA é Mestrando em Ciências Sociais e Jurídicas pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense — PPGSD/UFF, e Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — CAPES; Membro do Laboratório Fluminense de Estudos Processuais — LAFEP/FD-UFF e do Grupo Sexualidade, Direito e Democracia — SDDFD/UFF); Pesquisador em formação do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos — INCT-InEAC/NUPEAC.

KLEVER PAULO LEAL FILPO é Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Petrópolis — PPGD/UCP; Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Petrópolis — PPGD/UCP, da Universidade Católica de Petrópolis — PPGD/UCP e Professor Substituto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro — UFRRJ; Coordenador do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa Empírica sobre Administração de Conflitos — GIPAC/UCP; Pesquisador do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos — INCTInEAC/NUPEAC.

MATHEUS GUARINO SANT’ANNA LIMA DE ALMEIDA é Bacharelando em Direito pela Universidade Federal Fluminense — UFF; Membro do Laboratório Fluminense de Estudos Processuais — LAFEP/FD-UFF; Bolsista do Programa de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal Fluminense — PIBIC/UFF; Pesquisador em formação do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos — INCTInEAC/NUPEAC.

PAULO ERLICH VARELLA é Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá — PPGD/UNESA; Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro — PPGD/PUC-RJ; Advogado.

RAFAEL MARIO IORIO FILHO é Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Gama Filho — PPGD/UGF, e Doutor em Letras Neolatinas pelo Programa de Pós-Graduação em em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro — PGNEOLATINAS/UFRJ; Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá — PPGD/UNESA; Bolsista Pós-Doutorado Júnior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — CNPq; Coordenador do Laboratório Fluminense de Estudos Processuais — LAFEP/FD-UFF, do Núcleo de Estudos sobre Direito, Cidadania, Processo e Discurso — NEDCPD/PPGD-UNESA, e do Comparative Constitutional Law and Legal Culture: Asia and the Americas Collaborative Research Network — CRN1, da Law and Society Association; Pesquisador do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos — INCTInEAC/NUPEAC; Visiting Professor na Mercer Law School, Georgia/EUA.

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RONALDO LUCAS DA SILVA é Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Petrópolis — PPGD/UCP; Professor da Universidade Estácio de Sá — UNESA; Coordenador do Comparative Constitutional Law and Legal Culture: Asia and the Americas Collaborative Research Network — CRN1, da Law and Society Association; Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Direito, Cidadania, Processo e Discurso — NEDCPD/PPGD-UNESA.

SIMONE SOUZA é Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá — PPDG/UNESA em Direito; Professora do Centro Universitário Augusto Mota — UNISUAM; Advogada.

THIAGO GOMES MORANI é Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá — PPDG/UNESA em Direito; Especialista em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá — UNESA, e, em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes — UCAM; Advogado.

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FERNANDA DUARTE DELTON RICARDO SOARES MEIRELLES RAFAEL MARIO IORIO FILHO BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA (coordenadores)

DIREITO E CULTURA: estudos sobre o Processo Civil no Brasil VOLUME I

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

NITERÓI

A ORALIDADE NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: EXTENSÃO E SIGNIFICADOS Bárbara Gomes Lupetti Baptista

Considerações Iniciais A proposta deste trabalho é explicitar a forma e as circunstâncias em que o princípio da oralidade se materializa no processo civil brasileiro e, a partir daí, tentar entender quais são as relações e as implicações dessas manifestações orais na construção da verdade jurídica. O princípio da oralidade é incorporado pela dogmática brasileira de uma forma absolutamente distinta daquela depreendida pela empiria. Neste trabalho, a dogmática está representada pela produção teórica do campo do Direito e a empiria, pela descrição das práticas judiciárias do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, onde realizei pesquisa de campo. O princípio da oralidade é categorizado pela doutrina como uma garantia processual dos cidadãos a um processo justo e democrático, ao passo que a análise dos rituais judiciários demonstra que, na prática, tal princípio é descartado pelos operadores do campo, mormente, sob o fundamento de que esta forma de manifestação processual representa um entrave à celeridade da prestação jurisdicional. A hipótese da qual parti para a realização desta pesquisa percebia a oralidade como uma forma de manifestação processual que permitiria a construção de uma verdade jurídica consensual e, por conseguinte, possibilitaria uma efetiva aproximação entre os cidadãos e os Tribunais. No entanto, a etnografia realizada demonstrou que a oralidade não é um instrumento disponibilizado aos cidadãos, mas sim ao Estado, que, através do Juiz, dele se utiliza para ditar e impor uma verdade jurídica — produzida essencialmente por escrito no curso do processo — materializada e revelada na decisão judicial. Os dados empíricos colhidos através da etnografia que realizei e da observação participante1 que procedi — pelo fato de ser advogada atuante naquele Tribunal de Justiça — demonstram que, com efeito, inexiste comunicação entre o mundo dos manuais de Direito e o mundo das práticas judiciárias. De fato, o Direito é um campo do conhecimento situado entre o real e o ideal, o que torna as suas lógicas paradoxais e a sua compreensão inexata, conseqüentemente, a sua atuação socialmente ilegítima, como tentarei explicitar a seguir. A forma reprodutora através da qual o campo do Direito se manifesta impede — ou, pelo menos, restringe — a possibilidade de se enxergar os aspectos implícitos que atuam nesse

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A oralidade no Processo Civil Brasileiro: extensão e significados | 21

campo e que, queiram os Juristas ou não, orientam a sua forma de atuar e regulam as suas práticas e rituais. A etnografia possibilita, exatamente, que esses mecanismos, obscurecidos pela forma de produção e circulação do saber jurídico, se revelem e, tornando-os explícitos, permite uma melhor compreensão do campo e de sua lógica. Foi tentando, exatamente, “descortinar” os rituais judiciários que eu fui a campo, a fim de buscar compreender a sistemática e as variáveis que regulam esse campo do saber, focalizando o meu olhar para os seus rituais. Este trabalho pretende, a partir da articulação entre a produção teórica do Direito e a sua manifestação empírica (rituais judiciários), tentar perceber a extensão e os significados do Princípio da Oralidade Processual.

I. Dogmática x Empiria: a prevalência da celeridade como garantia do cidadão Especificamente em relação ao princípio da oralidade, analisando os rituais judiciários, através da pesquisa de campo que desenvolvi, me foi possível perceber que a dogmática2 atualiza o tema de uma forma absolutamente distinta daquela depreendida pela empiria. A doutrina reconhece a oralidade como uma garantia das partes a um processo justo e democrático, portanto, um instituto fundamental que deve ser observado e assegurado a todos os cidadãos. No entanto, a análise dos rituais judiciários mostra que a oralidade é descartada pelos operadores do campo, sob o fundamento de que esta forma de manifestação processual acaba sendo um empecilho à concretização de outro princípio processual, ainda mais importante: o da celeridade da prestação jurisdicional. A celeridade, assim como a oralidade, é um princípio de direito processual alçado à categoria de garantia, sendo que, diferentemente da oralidade, tem status constitucional, estando previsto expressamente no rol dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, a saber, no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República. A finalidade precípua do princípio da celeridade, nos termos sustentados pela dogmática, é assegurar aos cidadãos a “duração razoável do processo”, cujo significado, nas palavras de um processualista consagrado nesse campo, é assim traduzido: “o interesse público é o de que as demandas terminem o mais rapidamente possível, mas que também sejam suficientemente instruídas para que sejam decididas com acerto”. (Santos, 1985, p. 298). Assim, o tempo é um fator significativo para a administração institucional de conflitos no Brasil, sendo, a celeridade, modernamente, senão a maior, uma das mais importantes metas da agenda jurídica em pauta. Nesse contexto, o que as práticas judiciárias apontam — e a dogmática desconsidera — é um nítido conflito entre princípios processuais, em que a oralidade cede espaço à celeridade

22 | DIREITO E CULTURA: estudos de Processo Civil no Brasil

já que, em sendo assegurados às partes todos os atos processuais orais legalmente previstos, a celeridade acabaria por não se efetivar e, no sistema vigente, a “duração razoável do processo” é um requisito essencial à prestação jurisdicional. Foi muito curioso o que ocorreu quando comparei o discurso dogmático com o empírico acerca da dicotomia oralidade x celeridade, pois, na dogmática, a oralidade tem uma conotação imensamente positiva. Ela é romanceada pelos doutrinadores, ao passo que no discurso dos operadores, que lidam com a oralidade em seu cotidiano — e aqui se verifica isso muito mais no discurso dos juízes do que no dos advogados — ela é opostamente vista com uma conotação negativa. É tida como algo que atrapalha o bom andamento do processo e que não tem destinação, de fato, útil. Neste ponto, uma característica peculiar verificada na pesquisa de campo diz respeito a um paradoxo que pude verificar justamente quando atrelei o tema da oralidade ao da celeridade. No discurso dos advogados prevalece a idéia de que “a oralidade é o instrumento que objetiva dar maior celeridade ao processo, pois as partes, ao invés de apresentarem defesa escrita, apresentam-na oralmente”. “Trata-se [a oralidade] de um mecanismo célere na condução da lide, por parte do julgador”; sendo certo que “o conceito de oralidade significa a introdução de fases no processo em que se privilegie o contacto direto do juiz com as partes”, bem como “a minimização das burocracias”, “proporcionando rapidez na prestação jurisdicional”. Nesse contexto, a oralidade aparece desenhada pelos advogados como um instrumento que viabilizaria a rapidez do trâmite dos processos e que permitiria o contacto físico e direto entre o juiz e as partes, evitando a burocracia.3 Isto me sugeriu que os advogados estavam preocupados em reproduzir para mim a mesma concepção dogmática, como se isto reforçasse a sua intimidade com a “teoria” e os tornasse coerentes com a sua formação acadêmica. No caso dos Juízes, o inverso aconteceu. Os magistrados sustentam exatamente o contrário. Ou seja, que a oralidade é um obstáculo à celeridade processual e um entrave que inviabiliza a concretização do princípio constitucional que preconiza a “duração razoável do processo.” “A oralidade é a maior proximidade do juiz com a parte, com as testemunhas, tal, mas eu não acho que essa oralidade além do necessário seja benéfica. Muito pelo contrário, ela é muito maléfica. Tanto que estou em uma vara cível e posso afirmar que não há necessidade de se fazer mais do que dez ou doze audiências por mês. Não há. É inviável hoje em dia ficar ouvindo as partes, os advogados, não há tempo. Nós não temos mais tempo para essas questões. A oralidade atrapalha. Você não pode ser obrigado a fazer uma audiência.”. (Juiz em exercício em Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro). “Nós temos regras que nós precisamos seguir [...] A oralidade, em Vara Cível, é muito mitigada porque ela faz com que o Juiz gaste muito tempo ouvindo, ao passo que ele pode gastar menos tempo lendo.” (Juíza Titular de Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro).

A oralidade no Processo Civil Brasileiro: extensão e significados | 23

“A oralidade atrapalha do ponto de vista prático. O volume de trabalho é muito grande. É muito mais rápido despachar por escrito, muito mais fácil analisar, ler as petições, do que ficar ouvindo as pessoas em audiência. Os advogados não têm poder de síntese, as partes muito menos. Não há condições de ouvir todo mundo ponderar o que quer. Temos que ser muito objetivos.” (Juiz Titular de Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro).

Ou seja, o significado e a extensão atribuída ao conceito de oralidade são distintos quando se compara o discurso dos juízes ao dos advogados, especialmente, porque, para os magistrados entrevistados4, o conceito de oralidade possui uma vinculação direta com o tema da prova5, sendo esta categoria — oralidade — absorvida simplesmente como um meio de prova a ser produzido no processo, na fase de instrução, isto é, em audiência, e um meio de prova que, na verdade, atrapalha o curso do processo, por ser ineficaz, e que dificulta a “distribuição da justiça”, por inviabilizar a celeridade, impedindo, ao final, a realização de um bom trabalho por parte dos juízes. “Eu entendo a oralidade como sendo a própria produção da prova oral. Ela é a aproximação do juiz com a parte, do juiz com a testemunha ... mas, eu tenho uma visão um pouco restrita da oralidade. Para mim, oralidade é colheita de provas. O contacto da parte com o Juiz numa audiência de conciliação apenas, para mim, não retrata um aspecto da oralidade.” (Juiz titular de Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro). “Eu acho que, na prática, nem precisaria de oralidade. Em vara cível. Digo pelas varas cíveis. Isso se resumiria à fase de audiência. Como eu vou ficar fazendo uma petição inicial oral, contestação oral, uma réplica oral? Não tem cabimento, entendeu? Não sei a que se resumiria isso. Qual seria o benefício disso em Vara Cível? Tem tantas outras coisas que a gente pode fazer para diminuir o volume, para diminuir o tempo de processamento, sabe? A nossa lei permite um monte de recursos que não deveriam existir. Nossa, a gente espirra e dá uma decisão de qualquer besteira, vem agravo, agravo, agravo... O processo fica um monstro por causa de todos os incidentes que vão acontecendo [...] até porque também, a nossa natureza está arraigada de provas, documentos, papéis [...] e também não é só isso ... é que é uma prova não muito útil mesmo. A prova oral não é muito útil. Você perde tempo, 1h ou 1h e meia e não vem a contribuição que você quer.” (Entrevista formal concedida por uma Juíza de Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro). “Eu sei que há autores que defendem uma maior oralidade nos processos. Eu confesso a você que eu penso de forma diferente. Para mim, a oralidade é só nos casos estritamente necessários porque a oralidade ela acaba sendo um entrave para o normal prosseguimento dos processos. Não vejo a oralidade como algo necessário. Aliás, acho que pode ser até prejudicial.” (Entrevista formal concedida por um Juiz titular de Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro). “Toda a rotina do Direito Brasileiro é baseada nos documentos e nas peças escritas. Não adianta. Essa rotina vem do Direito Português, é uma tradição, ao contrário do common law. É difícil você fazer um profissional do Direito sair de sua rotina. Então, o princípio da oralidade é consagrado, mas não tem aplicabilidade por causa dessa rotina, dessa tradição.” (Entrevista formal concedida por um Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro).

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E, mesmo enquanto meio de prova, a oralidade é extremamente desvalorizada no processo civil tanto porque a “mentira” é o pressuposto vigente no sistema, quanto porque tal meio probatório é tido como subsidiário à escrita e, portanto, moroso e despiciendo. Ou seja, os Juízes pressupõem que as pessoas vão ao Judiciário mentir, por estarem, necessariamente, comprometidas com alguma das partes, sendo, logo, “parciais”. Além disso, há um comportamento estereotipado que deve ser adotado por todos diante do Juízo, sob pena de desconfiança. Se, por acaso, as testemunhas — ou mesmo as partes — forem a Juízo e não confirmarem o que consta, por escrito, nos autos processuais, ou titubearem, ou gaguejarem, quando perguntadas sobre os fatos que ensejaram a ação judicial, supõe-se que estão mentindo e, conseqüentemente, desconsidera-se o seu depoimento. Assim, trata-se de uma prova ineficaz. É esta a concepção do campo. Na audiência deve-se confirmar oralmente as declarações já anunciadas por escrito [...] Freqüentemente, a declaração oral não será mais que um evocar das escritas, uma referência às escrituras [...]. (Chiovenda, 1938, p. 56) “Se eu tenho um documento dizendo uma coisa e vem aqui uma testemunha que eu não sei nem quem é e me diz outra, é óbvio, eu vou acreditar no documento. A menos que essa testemunha seja muito, mas muito valiosa mesmo... assim, que seja uma testemunha muito especial, se for uma testemunha comum não [...] teria que ser alguém de muita confiança mesmo, alguém por quem eu tivesse muita credibilidade.”

Empiricamente, mostra-se, a oralidade, como um obstáculo, um entrave, ao bom andamento do processo. Distintos discursos apontam este fato, destacando-se o de um Juiz por mim entrevistado, que demonstra bastante bem a concepção da oralidade no campo e a imposição da escrita, como instrumento mais eficaz de administração de conflitos do Judiciário: “Um juiz hoje não pode se dar ao luxo de ficar fazendo as audiências porque as partes querem ou ouvir todo mundo porque as pessoas querem falar. Não pode. Não pode. Ele pode dar uma bela sentença escrita. Ele pode ser uma pessoa excepcional; dar uma bela decisão. Mas se ele não tem pulso, se ele deixa que coisas inúteis se produzam no processo, ele, no fundo, está prejudicando a distribuição da justiça.” (Juiz em exercício em Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro)

Nesse sentido, pretendo explicitar neste trabalho, justamente, que, embora o princípio da oralidade seja estudado, teoricamente, como uma garantia processual que estimula o diálogo entre o Juiz e as partes, na realidade, a sua efetivação não produz consenso, pois aos cidadãos, raramente, é concedida a oportunidade de falar ou se manifestar diante da autoridade, pois a escrita prepondera. Em razão da exigência prioritária da celeridade da prestação jurisdicional, o Juiz acaba não tendo tempo de ouvir as partes, razão pela qual os rituais descartam eventual contacto

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entre Tribunal e sociedade, que se mantêm distantes, fato que cria, cada vez mais, obstáculos à legitimação do Direito, dos Tribunais e das decisões do Judiciário. Pois bem. Feito este paralelo entre celeridade e oralidade, impõe descrever: o que diz a doutrina, então, acerca da oralidade? A doutrina, como esperado — pois é assim que o Direito se estrutura: entre o real e o ideal — tem uma visão poética e utópica do princípio da oralidade no processo civil. Ao ler as manifestações dogmáticas tem-se a sensação de que a oralidade é a solução de todos os males do sistema e o fim do abismo que notoriamente separa e distancia os cidadãos do Judiciário. Em sede doutrinária, como dito, a oralidade é alçada à categoria de princípio norteador de um processo justo e democrático6 (Greco, 2005), estando reproduzida por uma série de procedimentos que, supostamente, propiciam a sua supremacia.7 Percebe-se uma alta carga de sensibilidade, nos juristas, ao estudarem e lecionarem sobre a aplicação desse princípio.8 9 Toda a leitura doutrinária aponta — o que não é possível verificar com tanta clareza na reflexão sobre outros institutos jurídicos — uma emotividade intensa, de forma que a aparente proximidade que o sistema oral estabelece entre o Judiciário e a sociedade faz nascer uma atmosfera que parece contagiar os operadores. Na prática, entretanto, nem sempre é assim que o processo se materializa, inclusive porque a escrita prevalece, em função, justamente, da necessidade, cada vez mais premente, de celeridade na prestação jurisdicional. A dogmática identifica o princípio da oralidade, basicamente, como um metaprincípio que se subdivide em outros quatro, sem os quais ela não se caracteriza: o da identidade física do juiz, o da concentração, o da irrecorribilidade das decisões interlocutórias e o da imediatidade, sendo este o de maior relevância, por supostamente permitir a aproximação do juiz com as partes e com as provas produzidas no processo, isto é, garantir a coleta direta da prova pelo juiz e, por conseguinte, a sua maior afinidade com a causa. Trata-se, com efeito, do mais representativo e característico princípio do sistema oral. A oralidade, portanto, só se configura, na visão dogmática: 1) se o juiz que colher as provas orais for o mesmo que julgar a causa (identidade física do juiz); 2) se os atos processuais forem concentrados em único momento, a fim de que o juiz preserve-os em sua memória até o momento da prolação da decisão (concentração); 3) se o processo não for truncado por constantes interrupções advindas da interposição de recursos à instância superior (irrecorribilidade das decisões interlocutórias); 4) se o juiz colher a prova oral pessoalmente, participando, de forma efetiva e direta da fase instrutória do processo (imediatidade). Para a doutrina, então, oralidade é a soma desses princípios, e só. Adianto que em função, especialmente, da necessidade imperiosa da celeridade do processo, a materialização desse ideal dogmático é irrealizável e, por conseguinte, a aplicação desses quatro subprincípios, uma ficção, motivo pelo qual se impera, no processo civil, a supremacia da escrita, como apontam os rituais judiciários.10 A dinâmica das audiências, em que a troca de peças escritas predomina, bem como a estrutura de uma sessão de julgamento recursal, onde os advogados são instados a não falar

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para que não se use o tempo do Tribunal desnecessariamente, fazem cair por terra esta atmosfera romântica construída pela dogmática. No Direito — e o estudo de campo das manifestações orais do processo apontou isso com especial singularidade — se verifica que nada do que se escreve se realiza e nada do que se realiza se escreve! Ao contrário, trata-se — a lógica que orienta a prática — de uma outra forma de atualizar o instituto, completamente dissonante daquela filosoficamente almejada pela doutrina. Considerando, enfim, que o contraste com a empiria é o ponto chave deste artigo, convém explicitar — após feita a descrição dogmática acerca da extensão do significado da oralidade no processo — a narrativa empírica desta categoria no campo, o que levará, inexoravelmente, à desconstrução do discurso teórico, como adiante se demonstrará (“oralidade processual”).

II. A desconstrução do conceito de oralidade: quando o campo se impõe Merece destaque a desconstrução do conceito de oralidade vinculado aos quatro subprincípios que a constituem. Como demonstrado, a oralidade é definida pela doutrina a partir dos subprincípios que a caracterizam, sem os quais, o seu conceito não subsiste. São eles: imediatidade; identidade física do Juiz; concentração; e irrecorribilidade das decisões interlocutórias. Os procedimentos ora descritos ilustram que, nos termos sustentados pela dogmática, nenhum desses princípios processuais se materializa. O processo civil pode tramitar do início ao fim sem que a parte sequer compareça ao foro, ou seja, é viável, legítimo e jurídico que um processo transcorra do início ao fim sem que as partes jamais vejam o Juiz. A imediatidade, nesse sentido, não se manifesta, tendo em vista que a sua representação doutrinária demanda um contacto físico, direto, entre as partes e o Juiz, o que não ocorre. Nesse sentido, a empiria descarta a dogmática. Na maioria das vezes — salvo na prova oral — o Juiz delega, inclusive, a função de conduzir as audiências e de analisar os autos processuais aos seus secretários, de modo que, nem sempre, as provas são, de fato, por ele sopesadas, avaliadas ou até mesmo deferidas ou indeferidas. A imediatidade está reproduzida não só na doutrina, mas na Lei. Trata-se de princípio legislado, estando consagrado no art. 446, inciso II, que dispõe: “Compete ao juiz em especial [...] II - proceder direta e pessoalmente à colheita das provas [...]”, no entanto, ainda assim, sua materialização é descartada pelos Juízes:11 “Não acho que tenhamos que ter esse contacto pessoal com as partes não. Não acho isso importante para o processo. Para a parte o que importa é a sentença e não fazer audiências é uma forma de agilizar a produção12 de sentenças. A maioria das ações são ações em que você não precisa nem da prova testemunhal. Poucas vezes a prova testemunhal influencia no processo. Veja você mesma: estou aqui com, o quê? Acho que aqui deve ter uns 40 processos. Desses todos só marquei audiência em três. Nos outros, não preciso ouvir ninguém, não preciso marcar audiência nem nada. Tudo é por escrito e isso não me impede de julgar adequadamente a lide.”

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No processo civil, o Juiz que profere a decisão nem sempre é o Juiz que prolata a sentença, tendo em vista as exceções previstas na própria legislação. O art. 132 do CPC prevê as diversas hipóteses que excluem a possibilidade de a sentença ser prolatada pelo mesmo Juiz que colheu a prova oral. É certo, também, que o parágrafo único do mesmo dispositivo determina que “em qualquer hipótese, o Juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas.”. No entanto, a carga de trabalho que afoga os Tribunais impede que eles realizem até mesmo as audiências corriqueiras, delegando-as a funcionários, quanto mais somar à rotina diária casos excepcionais. Isso, empiricamente, não ocorre. Nota-se, daí, a relativização, também, ao princípio da identidade física do Juiz, reconhecida, inclusive, por parte da dogmática. Laspro (1995, p. 124) descreve: “Dentro do atual sistema judiciário, a identidade física dessa forma aduzida seria verdadeira utopia [...]”. As audiências não são unas e indivisíveis. O campo mostrou isso. É raro que na mesma audiência o Juiz decida sobre nulidades, incidentes, colha provas e ainda prolate a sentença. As audiências destinadas ao saneamento dos processos e ao deferimento ou indeferimento de provas vêm sendo delegadas, de forma que aos Juízes cabe, quase exclusivamente, presidir as audiências de instrução e julgamento, onde são colhidos pessoalmente os depoimentos orais das partes, testemunhas e peritos. De fato, na prática, as audiências de instrução sempre são presididas pelo Juiz. No entanto, a realização destas tem se restringido a casos excepcionais. A regra é não haver a produção de prova oral e, por conseguinte, não haver a audiência de instrução, resumindo-se o processo a um conjunto de atos escritos, delegados, que terminam na prolação de uma decisão judicial. Como dito outrora, o processo tem-se limitado à troca de petições escritas entre os advogados e o Juiz, bem como a um ilimitado número de decisões judiciais escritas, muitas vezes proferidas por funcionários que, ao final, em algum momento determinado, acabam em uma sentença. Daí que a concentração de atos tem sido cada vez menos executada, fazendo cair por terra, mais uma vez, a previsão dogmática: o subprincípio da concentração não tem aplicabilidade no processo civil. Por derradeiro, convém destacar que o princípio da irrecorribilidade das decisões judiciais — ainda estudado pela dogmática como um subpríncipio sem o qual não se conceitua a oralidade — também não se concretiza. Aliás, este é o que menos se manifesta no processo civil brasileiro contemporâneo. O que mais há (e isto é amplamente divulgado como um tremendo obstáculo à celeridade) são recursos. Recursos estes que suspendem o curso do processo, atravancando-o até que seja proferida uma decisão na seara recursal que permita a continuidade do processo em 1º grau de jurisdição. Desde o Código Processual de 1939 as decisões proferidas no curso do processo são passíveis de recurso (mandado de segurança e agravos, de instrumento e retidos). Falar em irrecorribilidade de decisões interlocutórias como uma característica crucial da oralidade é desconhecer minimamente os rituais judiciários.

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Na verdade, melhor dizendo, ao que me parece, a dogmática descreve os institutos jurídicos desconsiderando completamente a empiria e trata o saber jurídico como um campo abstrato do conhecimento, cuja pretensão é explicitar a forma como as práticas “devem ou têm de ser”, não como de fato são. Cuida-se de uma maneira peculiar de lidar com o conhecimento, voltada a categorizações ideais, não pragmáticas, tal como, por exemplo, se verifica no estudo da Filosofia. Esta pode ser uma justificativa para o fato de o campo “teórico” do Direito desconsiderar que todas essas questões práticas aqui destacadas estão acontecendo e permanecer sustentando que o princípio da oralidade — garantia fundamental do processo — se configura a partir da materialização dos quatro subprincípios que o suportam teoricamente, mas estão absolutamente desconstruídos pelos dados de campo. A principal característica da oralidade, consubstanciada na idéia de que partes e Tribunais dialogam por via da palavra, está completamente descaracterizada. Os resultados da pesquisa demonstram que tanto a legislação quanto as práticas judiciárias legitimam um processo do qual as partes, efetivamente, não participam. A integração dos maiores interessados na solução do conflito levado ao Judiciário — as partes — não se concretiza. Sempre que possível, a sua representação é feita através de seus advogados e, igualmente, toda vez que se faz viável a adoção de práticas escritas no lugar de manifestações orais que permitiriam um diálogo ou um contacto entre todos os “atores processuais”, estas são apartadas em prol daquelas. Um processo não transcorre, em 1ª instância processual, sem a participação dos advogados; sem a participação do Juiz; sem a participação do perito; sem a participação dos funcionários; mas o seu curso se verifica, normalmente, sem a participação das partes, seja autora seja ré. A presença física das partes no sistema processual vigente é absolutamente descartável e a audiência, característica fundamental da oralidade, transcorre perfeitamente sem o seu comparecimento. Nesse contexto, a oralidade prestigiada na teoria é, ao revés, afastada pela empiria. É certo que existem rasgos de oralidade no processo civil; existe uma participação do Juiz na condução do processo; existe um contacto físico dele com as provas e com os advogados; existem manifestações processuais orais; mas a intensidade com que essas manifestações ocorrem não é nada parecida ao que sustenta a dogmática, razão pela qual, alçar a oralidade à categoria de garantia, é desvirtuar e anular aquilo que se infere no cotidiano dos Tribunais. É deveras prejudicial à oralidade o fato de as partes não atuarem na condução do processo. Elas são nitidamente afastadas da relação processual, exercendo um papel de mero espectador dos atos processuais. As partes, em nosso sistema, são representadas pelos advogados; suas falas são traduzidas pelos Juízes; seu comportamento é controlado; suas manifestações subjetivamente interpretadas; sua voz não é ouvida. Assim, as partes não partilham o processo com os demais atuantes, esperando a verdade ser ditada pelo Juiz; um terceiro que, através

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da sua convicção íntima, escolhe qual versão dos fatos deve prevalecer (a do autor ou a do réu) na sentença. Um Juiz por mim entrevistado durante a pesquisa, esclareceu-me: “Verdade só tem uma. Você tem que buscá-la. Você usa os instrumentos jurídicos para dar a cada um o que é seu.” Na 2ª instância, fase recursal do processo, igualmente, os cidadãos são descartados, sendo inexistente a sua participação, o que se dá com ainda mais intensidade do que na instância inicial do processo. Muitas vezes, os julgadores (vogais) desconhecem o processo que vão julgar e, mesmo assim, são capazes de, em minutos, reformar decisões proferidas pelos Juízes de 1ª instância em processos que levaram anos para serem instruídos. Segundo ressalta Leonardo Greco, em “A falência do sistema de recursos”, os Tribunais imprimem cada vez mais mecanismos para emperrar o processo e não deixar as partes recorrerem, tentando atingir uma rápida prestação jurisdicional, sem lograr êxito, pois: Os tribunais, congestionados com o excesso de recursos, proferem julgamentos de qualidade sempre pior, porque não dão vazão à quantidade. Não têm mais tempo para examinar as alegações e provas dos autos e de discuti-las colegiadamente. Julgam processos, presumivelmente iguais, em pilhas. Não têm mais paciência para ouvir os advogados. Não têm mais tempo, sequer, para ouvir os relatórios e votos dos seus próprios membros. O próprio STF naufraga nessa avalanche. (2005, pp. 298-299).

Tudo isto aponta um fato curioso, ao menos, em minha opinião: o de que os Tribunais atuam independentemente dos cidadãos. Quiçá, apesar dos cidadãos, sendo este aspecto um importante dado para se pensar a crise de legitimidade desse campo. O cotidiano dos Tribunais é normalmente constituído de rituais desconhecidos pelos cidadãos, e até mesmo pelos acadêmicos de Direito, que, embora com eles não sejam socializados, a eles têm de se curvar13, o que cria um sério problema de legitimidade para este campo, que quer se impor a qualquer custo, sem, no entanto, dialogar com aqueles a quem se destina. Na prática, a oralidade é vista como sendo, necessariamente, um princípio a ser relativizado, a fim de, sempre que o Juiz perceba a sua desnecessidade, tenha a possibilidade de afastá-la. Um Juiz Titular de Vara Cível por mim entrevistado, manifestou-se: “Sinceramente, eu não concordo que a oralidade seja uma garantia absoluta. As pessoas pensam que Você marcando uma audiência para fazer valer o princípio da oralidade e para permitir que ele transpareça de uma forma mais clara, para que seja produzida uma prova oral, isso é importante. Mas só tem que ter isso quando a prova é útil, quando a prova não é útil, não tem que ter oralidade alguma. Basta analisar com os documentos que estão nos autos e julgar”.

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O processo civil, definitivamente, não privilegia um sistema oral de administração de conflitos, especialmente, por conta da visão atual do Judiciário de que a eficiência da prestação jurisdicional está intimamente ligada à celeridade. Há, nitidamente, uma tremenda descrença dos magistrados nos depoimentos orais prestados em Juízo. E é neste ponto que se vinculam o tema proposto e a questão da construção da verdade jurídica por meio do processo.

Concluindo: a construção da verdade jurídica via oralidade: consenso ou imposição? A oralidade, como visto, é expropriada pelo Estado, que, ao impedir a participação ativa das partes no curso do processo, impõe uma verdade, produzida por escrito, através da sentença, demonstrando que o monopólio de dizer e de interpretar o Direito (e desvendar a verdade) é exclusivo do Juiz. A oralidade é, logo, um princípio que norteia tão-somente os manuais de processo civil brasileiro, sendo inexeqüível nas rotinas judiciárias praticadas no cotidiano forense. Às partes, impõe-se o cumprimento das decisões judiciais, mesmo que estas sejam tomadas sem levar em conta a sua mínima participação, sendo certo que, nesse sentido, “verdade” é aquilo que o Juiz diz que é na hora de julgar, fazendo-o ao arbítrio das partes. O discurso de um magistrado que entrevistei corrobora a idéia: “Raramente eu me surpreendo com o que ocorre na audiência. Em geral, está tudo no processo. Você já sabe, na verdade, o que o cara vai dizer. Você sabe ... ele vai dizer o que está sustentando no processo. Se não é assim, ele vai ou mentir ou omitir ou dizer que não lembra. O ser humano é muito previsível, ele é previsível por natureza. Você sabe mais ou menos o que ele vai dizer. Aí, nesse sentido, o ato da audiência não serve muito. Por isso.” (Juiz Titular de Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro).

A verdade é, portanto, fruto do que está produzido por escrito nos autos e daquilo que é construído pelos operadores, cabendo às partes, apenas acatá-la. A oralidade não pode, portanto, operando neste sistema, ser categorizada como uma forma consensual de construção da verdade jurídica, pelas partes. É também por isso que, na prática, se opta pela prevalência da escrita, que é tida como um meio de prova mais seguro. O discurso dos juízes, inclusive, aponta essa notória preponderância empírica da escrita no processo civil. “Realmente, não há lugar hoje para aquele juiz de antigamente que fazia as audiências, falava ... Eu prefiro no papel, é muito mais produtivo. Enquanto no papel eu saneio dez processos eu talvez não consiga sanear nem a metade se eu tiver de fazer audiência. Não há lugar, simplesmente não há lugar para aquele juiz que conversa ali ... imagine se tivermos de fazer isso em todos os processos! Agora, o que a gente faz, o que a gente deve fazer? Bom, através do próprio processo eu despacho e peço esclarecimentos. Eu vou compondo a situação através dos esclarecimentos

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escritos dos advogados [...] o escrito é muito melhor, muito mais produtivo.” (Juiz em exercício em Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro)

A verdade processual deriva de um “caminho particular” (Garapon, 2003). Se o processo é oral, a verdade é produzida de determinada forma; se é escrito, o consenso tende a perder espaço para o arbítrio; bastando lembrar, nesse contexto, que é bastante significativo o fato de o processo inquisitivo ser sigiloso e escrito; e o acusatório, oral e público. Em nossa cultura jurídica, como se viu, o diálogo e o consenso não são, em hipótese alguma, estimulados e o processo judiciário brasileiro incorpora essa lógica tutelar, de cunho inquisitorial. Nesse contexto, a oralidade, que, na minha hipótese inicial, representaria um instrumento facilitador da produção de uma verdade jurídica consensual — e, conseqüentemente, legítima — na verdade, ou é afastada e substituída pela escrita ou é expropriada pelo Estado e retirada das partes, que, no fundo, não têm qualquer participação no processo. Aliás, não têm a mínima socialização com o Direito e com os seus rituais, embora a eles tenham que, obrigatoriamente, se submeter. A função sagrada de pronunciar o que é justo, qual é o Direito, quem está certo e, portanto, enunciar a verdade, é intrínseca ao Juiz, cuja sensibilidade jurídica está atrelada a essa concepção - de verdade - assumida de forma transcendente. Garapon e Papadopoulos (2003, p. 153) destacam o Juiz “ministro da verdade” ou “oráculo do direito” como um Juiz que controla todas as fases do processo de modo a não ficar à parte de nenhum fragmento do ato de julgar. A concentração dos poderes exclusivamente nas mãos do Juiz é parte deste sistema que, em função disso, obstaculiza o diálogo entre as partes. Do início ao fim o processo é conduzido pelo Estado, de modo que se impede a discussão entre duas partes que, em igualdade de condições, argumentem as razões do conflito e estabeleçam o diálogo. No Brasil, o papel que o Juiz exerce no processo é central, tornando-se ainda mais representativo no sistema oral, onde isso transparece de forma mais evidente. O Juiz, em nosso sistema, toma para si a direção da causa (Oliveira, 1938) e, por conseguinte, a busca e a manifestação da verdade. A verdade, nesse sentido, é monopólio do magistrado. O processo não se constitui por pontos de vista parciais da realidade, mas por uma verdade objetiva, que advirá do convencimento do juiz. Os fatos não são fruto de um diálogo exercido entre as partes, mas são impostos e definidos pelo Juiz, que centraliza em suas mãos o curso processual. É aí que a verdade e a oralidade se inter-relacionam. Se a oralidade fosse efetivada, a verdade seria objeto de construção em audiência. Em sendo escrito o processo, a verdade advém do discurso de autoridade do Juiz, externado na sentença que ele profere em seu gabinete, sem a participação dos envolvidos, a quem só cabe acatar. “A via privilegiada para perceber uma cultura jurídica continua a ser, incontestavelmente, os seus rituais, visto que é através deles que ela se manifesta quase às claras.” (Garapon, 1997, p. 155). Descrever as práticas judiciárias é, sem dúvida, uma importante forma de definir a

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subjetividade e a construção do saber e da verdade de uma determinada cultura (Foucault, 2003). Imbuída dessas concepções, percebi que o estudo do Direito estava demasiado restringido aos manuais de procedimentos e que as práticas cotidianas dos Tribunais não estavam na pauta de discussões desse campo do saber. Compreendi que era necessário entender como a nossa sociedade administra os seus conflitos rotineiramente. Foucault (2003) destaca que foi a partir das práticas judiciárias que nasceram os modelos de verdade que circulam até os dias de hoje em nossa sociedade. A verdade é, pois, uma construção que se pode atingir por diversos caminhos e Foucault (2003) nos desperta para isso ao descrever as inúmeras formas de enunciação da verdade no curso da história, exemplificando, especialmente, o seu deslocamento do divino para o terreno (testemunho). Fundamentando-me nessa premissa, percebi que a oralidade e a escritura representariam formas distintas de construir a verdade jurídica e que, portanto, estudar esses sistemas processualmente seria um caminho interessante para reconhecer de que maneira o processo civil se constitui e que tipo de verdade ele busca produzir. Espero ter explicitado, de alguma forma, o meu intuito primordial: a necessidade de se estudar o Direito sob um novo olhar, de modo a entender as lógicas que regem a sua concretização. Fundamentalmente, creio que a principal questão que envolve o tema da oralidade, nesse contexto, diz respeito à constatação de que neste sistema não há processo consensual de formação da verdade jurídica, pois, nas palavras de Kant de Lima: Os fatos descritos não são construídos pelo acordo sistemático entre as partes litigantes, mas são fruto das representações obrigatoriamente contraditórias delas, registradas nos autos através das interpretações que as autoridades judiciárias fazem a partir da perspectiva dos participantes — operadores jurídicos, partes ou testemunhas — quando reduzem a termo os atos processuais. Assim, sempre uma tese (oposição) perde e outra ganha: não pode haver consenso. (2004a, p. 14).

As distintas verdades produzidas nas instâncias processuais, entremeadas entre escritura e oralidade, fazem com que o sistema perca legitimidade perante a sociedade e, ademais, o alto grau de subjetividade expressado na legislação e nas práticas judiciárias permite que situações idênticas tenham representações e soluções distintas, dependendo da pessoa que pleiteia; do Juiz que aplica a norma; e da fase em que se encontra o processo. No curso do processo civil, o oral remodela o escrito e o escrito remodela o oral. Nos Tribunais, por exemplo, a oratória da tribuna faz com que os advogados, utilizando-se do oral, dêem nova forma ao que consta por escrito nos autos, assim como, por outro lado, os Juízes, quando reduzem depoimentos a termo, por via escrita remodelam o oral, dando àquele o tom que melhor convém às técnicas processuais. O escrito redimensiona o oral e é essa interdependência entre a oralidade e a escritura que permite esse entrelace no processo (Sanders, 1995).

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Nesse sentido, o processo civil brasileiro se apresenta predominantemente de forma escrita e, mesmo os rasgos de oralidade que perduram na legislação são, empiricamente, por força dos rituais, tolhidos e, em sendo assim, a administração dos conflitos é imposta à sociedade, através da decisão judicial, de modo que, em não sendo legitimada pelos interessados, o conflito é devolvido do Judiciário para a própria sociedade, em vez de ser solucionado (Kant de Lima, Amorim & Burgos, 2003). Tenho a sensibilidade — despertada pela pesquisa empírica — de que enquanto o Direito se utilizar dos seus próprios mecanismos teóricos para buscar o aprimoramento do seu sistema, as mudanças não se efetivarão. Por isso, a pesquisa de campo foi um método importante neste caso. Se o enfoque deste artigo tivesse como único referencial o estudo da dogmática, a conclusão dos leitores acerca do tema estaria desvirtuada, pois, necessariamente, aceitaria a hipótese de que a oralidade é uma garantia do processo civil brasileiro, que, por sua vez, é construído a partir do diálogo efetivado entre magistrados, advogados e cidadãos, estes últimos tendo, inclusive, participação ativa no curso do processo, quando, na verdade, é cediço que basta assistir a uma simples audiência no foro do Rio de Janeiro para se perceber que a teoria que rege a prática judiciária é outra, que não aquela apregoada e idealizada pela doutrina jurídica nos manuais de processo, sendo, a celeridade preponderante e a oralidade, por conseguinte, secundária. O princípio da oralidade poderia ser um instrumento eficaz a proporcionar uma nova forma de administração dos conflitos pelo Judiciário, legitimada pelo consenso, mas, por enquanto, por mais paradoxal que possa parecer, a oralidade está restrita aos papéis impressos nos manuais da dogmática.

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No contexto deste trabalho e considerando a minha formação acadêmica - exclusivamente jurídica - reputo relevante esclarecer que me valho dos conceitos de etnografia e observação participante, tal como ora os menciono. Fazer trabalho de campo significa conviver intensamente com o objeto de estudo; é vivenciá-lo com intensidade (Malinowski, 1984). Nas palavras de Kant de Lima, “o ponto central do método etnográfico é a descrição e a interpretação dos fenômenos observados com a indispensável explicitação tanto das categorias ‘nativas’ como aquelas do saber antropológico utilizado pelo pesquisador [...] A convivência e participação na vida dos grupos costuma-se denominar observação participante [...]”. (Kant de Lima, 1983). Para visualizar como fazer etnografia, utilizando-se da observação participante, cf. Foote-Whyte, 1975, pp. 77-86.

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A expressão dogmática equivale à doutrina jurídica, que, no Direito, significa “o estudo de caráter científico que os juristas realizam a respeito do direito, seja com o objetivo meramente especulativo de conhecimento e sistematização, seja com o escopo prático de interpretar as normas jurídicas para sua exata aplicação” (Diniz, 1994, p. 284). Na verdade, em síntese, pode-se dizer que a dogmática é um normativismo, inspirado na teoria positivista Hans Kelsen. 2

A problemática da burocracia — tida como inerente aos processos escritos — aparece, também, nas entrevistas realizadas com os juízes, destacando-se o seguinte trecho de uma que me foi concedida por um Juiz titular de uma das Varas Cíveis da Comarca do Rio de Janeiro: “O sistema é burocrático, tem muito papel. Foi feito para burocratizar tudo. Mesmo quando você quer fazer coisas para simplificar, às vezes não consegue. Por mais que você tente, você não consegue só com boa vontade. Eu já cheguei a essa conclusão há muito tempo, você não consegue um resultado melhor só com a sua vontade pessoal.” 3

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A pesquisa, como adere asseverado, foi realizada no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sendo que, mais especificamente, observei as práticas efetivadas nas Varas Cíveis da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. 5

Esta representação assimila a idéia constante na exposição de motivos do atual Código de Processo Civil que mitiga a oralidade, tornando-a prevalecente apenas em audiências onde seja necessária a produção de prova oral. Tive a oportunidade de verificar — através do discurso de alguns operadores do campo — que, na prática, a oralidade não tem correlação com um processo democrático. Destaco um trecho de uma entrevista concedida por uma magistrada, que assim se manifestou: “Acho que a presença mais permanente da oralidade no processo não facilitaria o alcance de um processo mais democrático. O processo democrático é aquele em que todos têm acesso a tudo e têm todos os meios de prova ao seu alcance. Se a gente enfatizar o princípio da oralidade, esses meios de prova vão ser muito reduzidos. Então, eu acho que não tem uma coisa a ver com a outra. Acho que até prejudicaria um pouco. Se bem que, não sei, não sei como isso seria implantado em sede de varas cíveis propriamente. Mas se fosse como ocorre em juizados, acho até que aqui, em vara cível, atrapalharia, não seria uma forma democrática não. E digo isso não por causa da demora, mas por causa da pobreza das provas orais.” 6

O procedimento oral é visto como uma garantia de autodefesa da parte, proporcionada por um “diálogo humano e público com o juiz da causa” (Greco, 2005). A oralidade seria, então, o instrumento capaz de possibilitar ao juiz não só ouvir, mas, especialmente, “sentir” as partes e as testemunhas e, por conseguinte, avaliar melhor as provas diante dele produzidas e formar, com mais certeza e precisão, o seu convencimento. A oralidade é representada, na dogmática, como um método que proporciona “à luta judiciária [o processo] o seu genuíno caráter humano, que comunica vida e eficácia ao processo [...]” (Morato, 1938); é um sistema em que o juiz participa ativamente do processo, entretanto, à sua autoridade pública sobrepõe-se a soberania individual das partes (Leal, 1938); trata-se de um mecanismo que possibilita “uma justiça rápida, perfeita e barata”, é, na verdade, “um remédio heróico” (Cunha Barreto, 1938); é o que possibilita a palavra viva em sobreposição à escrita morta, eis que “na palavra viva fala também o vulto, os olhos, a cor, o movimento, o tom da voz, o modo de dizer, e tantas outras pequenas circunstâncias, que modificam e desenvolvem o sentido das palavras e subministram tantos indícios a favor ou contra a própria afirmação delas. A mímica, a eloqüência do corpo, são mais verídicas do que as palavras [...].” (Chiovenda, 1938); a oralidade, afinal, “garante uma justiça intrinsecamente melhor; faz do juiz partícipe na causa e permite-lhe dominá-la melhor [...] assegura melhor a veridicidade e a sinceridade dos resultados da instrução [...]”. Já a escrita, ao revés, está costumeiramente atrelada à idéia de um instrumento que impede a efetivação da justiça. A escrita é representada no Direito como sendo a documentação do processo, estando, pois, reproduzida na frieza dos autos processuais, cujo registro é preto e branco. Por isso, dissera Morato (1938), “a escrita não faz palpitar o fato na sua humanidade, em sua expressão mais espontânea e pura, pois carece do colorido da voz, da manifestação da convicção íntima, do ardor do justo [...]”. 7

Tereza Gaulia ressalta que “[...] somente a partir desta nova fórmula, é que o Magistrado passará a estar mais próximo dos problemas sociais da comunidade em que atua, uma vez que conseguirá, através da multiplicidade de problemas e conflitos cotidianos da população, em primeiro lugar, vivenciar a alteridade, que os gabinetes e a própria estrutura corporativa do Judiciário impossibilitam, e, em segundo plano, reconhecer as aflitivas situações que se abatem sobre as pessoas comuns.” Embora não seja, diretamente, o assunto que me propus a tratar, o final da manifestação da magistrada sugere uma idéia — de certa forma presente no campo do Direito — de que os juízes não são “pessoas comuns”. 8

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No sistema oral, a sentença não nasce do estudo meticuloso e calculado dos autos, mas sim do diálogo franco e aberto entre o julgador, as partes e as testemunhas, de modo que o livre convencimento do magistrado apareça firmemente enraizado à situação concreta posta sob sua apreciação, e não decorra de alguma reflexão fria sobre “o que se disse que é a causa [...]”. (Reis, 2005).

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Cintra, Grinover & Dinamarco (1997, p. 329) chamam a atenção para a inaplicabilidade desses princípios na prática judiciária: “[...] certos princípios, dados por infalíveis, não tiveram fortuna na prática: assim, a identidade física do juiz, a relativa irrecorribilidade das interlocutórias, a imprescindibilidade da audiência e debates orais.” 11

Outra exceção ao princípio da imediatidade se verifica na colheita da prova testemunhal através de carta precatória. Quando a testemunha reside em outra Comarca, ela não é obrigada a comparecer ao Juízo onde o processo tramita para prestar depoimento. Nesses casos, o Juiz que conduz o processo solicita, mediante carta precatória, a um Juiz da Comarca onde reside a testemunha, que a ouça e colha o seu depoimento, registrando-o em ata a ser reencaminhada ao Juízo onde originalmente tramita o processo (art. 410, inciso II do CPC c/c arts. 202 a 212 do CPC). 12

Atualmente, é comum a preocupação do Judiciário com as estatísticas. Trata-se de uma nova forma empresarial de administração da Justiça que vem sendo implementada sob a coordenação da Fundação Getúlio Vargas. No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro existe o projeto de implantação do sistema de gestão da qualidade e certificação ISO 9001. 13

O formalismo aparece como fruto do processo escrito, no entanto, reputo relevante destacar que, mesmo a oralidade, quando aplicada no processo, é repleta de exigências formais. Há toda uma “etiqueta” exigida pelo campo para que as manifestações orais sejam realizadas. Por exemplo, a parte tem de chamar o Juiz de Excelência e, além disso, tem assento específico. Se um advogado, em uma sessão de julgamento no Tribunal de Justiça, desejar esclarecer para o Desembargador Relator do seu processo algum fato que tenha ficado obscuro, precisa pedir a palavra ao Presidente da Câmara, pronunciando, necessariamente, a expressão “Pela ordem, Sr. Presidente”. E, aqueles que não se atêm a essas normas, são veementemente repreendidos, como se tais regras fossem de conhecimento público e somente pessoas desqualificadas não as conhecessem; o que parece absurdo, tendo em vista que as pessoas não são socializadas para entender o Direito e as suas regras, tão próprias e peculiares.

LIEBMAN: ENTRE O INDIVÍDUO E A PESSOA: UMA ANÁLISE A PARTIR DE ROBERTO DAMATTA Bruno Rezende Ferreira da Silva

Introdução O texto não tem por escopo uma análise doutrinária acerca da obra de Liebman. Contrariamente ao que, de forma ordinária, se encontra em textos jurídicos, aqui, haverá uma tentativa de se entender Liebman e sua influência no Brasil sob outro ponto de vista. Não se trata de uma desqualificação ou tentativa de descrédito do autor, apenas há uma busca pela possibilidade de um olhar isento para suas contribuições e, principalmente, para o modo como ele é enxergado por parcela relevante dos juristas pátrios. Para tanto é necessário trazer a lume o momento em que a história de Liebman e a do processo civil brasileiro começam a imiscuir-se. Nesse sentido, serão utilizadas como referências algumas obras de autores que têm Liebman ocupando uma posição de altíssima estima em sua formação, algo facilmente notado em seus textos. O objetivo é analisar a influência de Liebman no pensamento jurídico brasileiro do século XX, usando como referência as ideias de “casa” e “rua” e de “pessoa” e “indivíduo” de Roberto DaMatta. E com isso, compreender como sua figura serve de substrato para um conveniente discurso.

I. Período no Brasil, gênese da influência Liebman chegou ao Brasil no final da década de trinta, ainda em um período inicial da Segunda Guerra Mundial, e deixou o país em 1946, após seu término (Buzaid, 1986, p. 132). Parece seguro afirmar que sua vinda à América do Sul teve como clara motivação a Guerra. Algo que fica ainda mais claro ao se destacar sua origem judaica. A Itália, como largamente sabido, vivia sob um regime fascista e que perseguia judeus. Curioso é o fato de Liebman ter ido para um país, o Brasil, que era fascista e que em pequena escala, se comparado com a Alemanha e a Itália, também perseguia judeus (Vidigal, 1986, p.107). Nestes aproximados sete anos em que viveu fora da Itália, Liebman teve como principal morada a cidade de São Paulo, residindo à Alameda Ministro Rocha Azevedo. Liebman já havia ocupado, na Itália, a posição de professor catedrático de processo civil na Universidade 36

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de Parma (Dinamarco, 2005, p. 261), logo, ter sido contratado como professor de processo civil não é de se causar espécie. É preciso considerar ainda que Liebman não chegou credenciado apenas por sua origem europeia e pela sua posição de professor. Ele estudou com Chiovenda na Faculdade de Direito de Roma (Dinamarco, 2005, p. 261) e oportunizou a tradução de obra considerado um dos maiores processualistas italianos (Grinover, 1986, p. 100). Continuando seu trabalho no Brasil, Liebman traduziu para o português sua obra “Eficácia e autoridade da sentença” e produziu, primeiro em português, as obras “Processo de execução” e “Estudos sobre o processo civil brasileiro” (Grinover, 1986, p. 100). É de grande nota que nestes trabalhos realizados no Brasil o autor já contava com uma interação com juristas brasileiros e que ele teve a preocupação de contextualizá-los com o direito brasileiro através de notas de adaptação (Grinover, 1986, p.100). Essa breve passagem por alguns de seus feitos demonstra que Liebman realmente digno de influenciar uma gama de grandes juristas, pois já havia sido feita uma ponte com um centro acadêmico europeu, a Itália, possibilitando o acesso a diversas informações em um período pré-internet, em que as informações circulavam em uma velocidade completamente diversa da que se observa hoje. Passa-se, agora, para uma importante peculiaridade da estada de Liebman no Brasil. Como anteriormente mencionado, Liebman residiu na Alameda Ministro Rocha Azevedo por aproximadamente sete anos. E este fato é de extrema para o propósito deste trabalho, os encontros aconteciam na sala da casa de Liebman. Neste endereço um seleto grupo de assíduos alunos e estudiosos do processo civil era recebido com a maior cordialidade pelo professor para discussões e produções acadêmicas. Faziam parte deste grupo, entre outros: Antonio Roggero, Benvindo Aires, Alfredo Buzaid, Plinio Cavalcanti de Albuquerque, Bruno Affonso de André, Luís Eulálio de Bueno Vidigal e José Frederico Marques (Buzaid, 1986; Vidigal, 1986). Trata-se da “primeira geração de processualistas” influenciados por Liebman, esses que tiveram a oportunidade com ele enquanto ele residiu no Brasil. Ada Pellegrini Grinover (1986, p. 100) é quem fala em “processualistas de segunda geração” e, por isso tomou-se a liberdade de chamar os anteriores de “primeira geração”. A autora destaca alguns nomes que seriam merecedores desta alcunha devido a um “constante contato de Liebman” sobretudo a partir de 1968 quando se deu um “incessante intercâmbio intelectual e pessoal entre os dois países”. A palavra “pessoal” destacada pela autora será de suma importância na sequência deste trabalho. Como integrantes desta “segunda geração destacam-se alguns nomes apresentados no texto além da própria Ada: José Carlos Barbosa Moreira; Sérgio Bermudes; Cândido Rangel Dinamarco; Antônio Carlos de Araújo Cintra; Arruda Alvim; Celso Neves; entre outros.

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II. Escola Processual Passada a necessária etapa de contextualização de Liebman no cenário brasileiro, adentrase um pouco mais em direção ao cerne da discussão a que o texto se propõe: esclarecer a influência de Liebman no Brasil sob um viés não doutrinário. Não raramente encontram-se as expressões “escola paulista de processo” e “escola brasileira de processo”. Mas, qual o lastro científico para o emprego destas expressões? Começa-se a análise a partir dessa indagação e trazendo um trecho de obra de há muito popular nos cursos jurídicos de todo o país — Teoria Geral do Processo de Cintra, Grinover e Dinamarco. Neste espaço do livro é atribuído a Liebman o mérito de ter propiciado o ingresso, definitivamente, do método científico no Brasil. A Escola Paulista de São Paulo caracterizou-se pela aglutinação dos seus integrantes em torno de certos pressupostos metodológicos fundamentais, como a relação jurídica processual (distinta e independente da relação substancial, ou res in judicium deducta), autonomia da ação, instrumentalidade do direito processual, inaptidão do processo a criar direitos e, ultimamente em certa medida, a existência de uma teoria geral do processo (Cintra, Grinover & Dinamarco, 2006, p. 136).

Destacam-se, então, dois pontos a serem problematizados. Primeiro, há uma confusão quanto ao significado de “pressuposto metodológico”. E segundo, não há que se falar em “Escola” a partir dos dados apresentados. Continuando, destarte é bom salientar que não é possível pensar em “o método científico” (algo único), mas se poderia falar em “um” método científico que este determinado grupo teria entendido como o adequado para o seu objeto de estudo, no caso, o direito processual. Ainda quanto a este “método”, parece que ele restou confundido com o que melhor se poderia caracterizar como consensos acadêmicos compartilhados e/ou aceitos por determinado grupo que se pretende ser enxergado como uma unidade a fim de que suas conclusões atinjam outros públicos. Passando para a denominação “Escola”, é preciso que se atente para alguns detalhes. Na citação supra transcrita falou-se em “aglutinação de seus integrantes”. Parece que a unidade de pensamento ou de concepções é algo importante para uma “Escola”. Para tanto destaca-se a seguinte passagem: Assim, são os requisitos elencados para a formação de um modelo de pensamento jurídico: mestres, muitos, variados e criativos, capazes de multiplicar ideias; uma tradição jurídica; e jovens capazes de perceber e adquirir consciência de suas missões (e este, sabidamente, o requisito mais difícil). Como disse Couture: ‘um só grupo compacto, ligado por um ideal científico comum, decidido a esquecer-se, por um momento, de suas unidades individuais para oferecer um só flanco à crítica e à luta contra o ceticismo e o desinteresse alheio [...] em uma palavra, o sentido de massa que lhe é indispensável’ (Mitidiero & Zanetti Júnior, 2004, p. 16).

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Sem olvidar, então, a importância de unidade que uma Escola deve possuir, traz-se a baila a origem da expressão “Escola de Direito Processual Paulista”. Ao que consta, Niceto AlcaláZamora y Castillo , um espanhol radicado no México, foi quem “criou” tal a expressão (Vidigal, 1986, p. 110; Pellegrini, 1986, p. 100). Alcalá Zamora teria apontado como integrantes da Escola: Gabriel de Rezende Filho, Joaquim Canuto Mendes de Almeida, José Frederico Marques, Alfredo Buzaid e Luís Eulálio Bueno Vidigal. Eis que o próprio Vidigal contesta a afirmação de que a Escola Paulista existiria e muito menos com estes integrantes. E o faz por “amor à verdade científica” (Vidigal, 1986, p.110). Vidigal, então, em curto espaço e utilizando poucas linhas esclarece que dos autores supracitados, embora todos tenham estudado e aprendido muito com Liebman, apenas Buzaid e o próprio teriam sido “verdadeiros discípulos” de Liebman. Nota-se, portanto, que a necessária unidade para a formulação de uma Escola não existiu. Assim, e resgatando a concepção anteriormente mencionada de “processualistas de segunda geração”, é fato que há, pelo menos, um segundo grupo no Brasil impactado pelos ensinamentos de Liebman. Mas, as críticas aqui destacadas também se sustentam quanto a eles. Vidigal deixa claro que não concorda com a existência da Escola, fazendo a ressalva que aceita o termo como “homenagem devida a Liebman” (Vidigal, 1986, p. 112). Não se quer com isso, de maneira alguma, retirar crédito ou mérito de Liebman e de sua contribuição para o cenário processual brasileiro. Contudo, é preciso que a análise seja feita adequadamente, pois quando Dinamarco (2005, p. 284) diz que Liebman foi o “Pai” do pensamento jurídico processual brasileiro e Pellegrini (1986, p. 99) diz que “o método científico” até a chegada de Liebman era desconhecido dos processualistas brasileiros, parece que antes dele aqui nada havia! E de maneira alguma esta é a história do Direito processual brasileiro. Antes de Liebman havia doutrina, citada pelo próprio em seu “Estudos sobre o processo civil brasileiro”. Antes de Liebman havia o Regulamento 737 de 1850. Antes de Liebman já havia o Código de Processo Civil de 1939. E qual seria este “método científico” que teria tido o condão de transmutar radicalmente a história do direito processual no Brasil? Se ele é tão paradigmático, por que realizando uma pesquisa poucas linhas que nem o definem foram encontradas? O método científico não pode ser confundido com as conclusões e teses que estão presentes na obra de Liebman. E como afirmado na introdução deste trabalho, inclusive por escolha metodológica, para atingir o fim a que se propõe a doutrina de Liebman não será abordada. Agora, é bom que aqui se faça um esclarecimento. Não há qualquer pretensão de descrédito da obra de Liebman. Sua contribuição em diversas áreas como teoria da ação, processo de execução, sentença, entre outras, não devem ser esquecidas. Trata-se de um autor paradigmático em diversos assuntos, os quais não podem ser devidamente no Brasil sem passar pelo estudo de Liebman. Contudo, a percepção criada em torno de sua figura precisa ser melhor esclarecida.

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E é exatamente a partir deste ponto que se propõe uma visão da influência de Liebman a partir do olhar sociológico de Roberto DaMatta para tentar melhor compreender os motivos de se enxergar Liebman desta maneira.

III. Liebman como indívíduo pertencente ao “mundo da rua” Retomando a ideia apresentada na introdução, aqui se inicia a tentativa de compreender o modo como a comunidade jurídica brasileira em sua maioria, principalmente os processualistas, enxergam Liebman como uma referência. Para tanto, serão utilizadas algumas concepções de Roberto DaMatta. A principal dicotomia apresentada por DaMatta para se compreender as peculiaridades da sociedade brasileira é que traça uma distinção entre indivíduo e pessoa. Ocorre que esta dicotomia pode ser diretamente associada com outra: casa e rua. É mister, então, que essas dualidades sejam explicadas. Começando pelo que vem a ser a separação entre casa e rua. Segundo DaMatta (1997, p. 93) ambos os espaços “devem ser governados pela hierarquia fundada no respeito”. Assim, a diferença, que aqui será destacada sem prejuízo de outras existentes na obra do autor, é que explica a relação com a hierarquia. No espaço da casa as hierarquias são conhecidas a priori, sendo difícil, portanto, que elas deixem de ser observadas. Segundo o autor a “casa remete a um universo controlado, onde as coisas estão nos seus devidos lugares” (DaMatta, 1997, p. 92). A separação entre os dois espaços fica clara a partir de uma especial atenção que se deve ter na rua para que hierarquias não sabidas ou não percebidas não sejam violadas. DaMatta faz uma alusão a Hobbes ao explicar o mundo da rua, mas não parece fazê-lo com a carga de pessimismo que o inglês coloca sobre os homens. Neste ponto, o autor brasileiro entende que a rua é o espaço “onde todos tendem a estar em luta contra todos, até que uma forma de hierarquização possa surgir e promover alguma ordem” (DaMatta, 1997, p. 93). Então, um paralelo pode ser feito. É possível entender como a partir do relacionamento com Liebman a referência ao autor trouxe uma ideia, ainda hoje muito arraigada, de argumento de autoridade. Algo que pertence muito mais ao âmbito da casa do que ao da rua. Interessante notar que em todos os textos sobre Liebman aqui expressamente mencionados há destaque para a “casa”. Por todos, destaca-se um trecho de Buzaid (1986) que algumas linhas após mencionar a casa da Alameda assim relata: “Sentados junto a uma mesa cumprida, em cujo centro ficava o Mestre”. Assim como o sociólogo DaMatta, não se faz essa análise com um olhar ingênuo. Os dois espaços não são inteiramente excludentes, podendo haver graduações. E exatamente por isso que se dá destaque aos encontros terem acontecido na sala de Liebman. É seguro afirmar que a mesa mencionada por Buzaid ficava na sala. DaMatta enxerga a sala como “um espaço intermediário”. Mas, nota-se haver uma maior relevância dos elementos da casa.

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Com esta preponderância, as relações sociais parecem estar mais controladas. Fazendo a ponte para o ponto fulcral deste texto, um maior controle sobre a figura Liebman que permeia o imaginário daqueles que não “desfrutaram” deste contato pessoal. Nos dizeres de DaMatta (1997, p. 95): “Minha casa é o local da minha família, da ‘minha gente’ ou dos ‘meus’”. Já a rua é o local da “dura realidade da vida”. Além disso, DaMatta relaciona o mundo da rua com o trabalho, o que justifica a necessidade de que a relação com Liebman se dê mais por este viés (1986, p. 23). E é neste ponto em que a discussão aqui travada centra-se mais na “figura de Liebman”. De maneira mais específica, em como Liebman é enxergado como pessoa e não como indivíduo pela dita Escola Paulista. A dicotomia pessoa e indivíduo é apontada por DaMatta como duas maneiras distintas de conceber o universo social e de nele agir (1997, p. 227). Mas, para compreender a dialética relação entre as duas categorias, primeiro é preciso compreendê-las. Parte-se da noção de que o indivíduo deve ser encarado como “centro e foco do universo social” e que a sociedade está contida dentro dele (DaMatta, 1997, p. 230). Neste ponto, o autor faz o importante recorte de que se analisa a ideologia de indivíduo desenvolvida no Ocidente, que, portanto, se aplica ao Brasil. DaMatta (1997, p. 234) apresenta características do indivíduo, aqui serão destacadas apenas três, com a finalidade de contrastá-las com a noção de pessoa: o indivíduo é livre e tem direito a um espaço próprio; o indivíduo é igual a todos os outros; e o indivíduo participa da criação das regras do mundo em que vive. Já a noção de pessoa parte de uma visão diametralmente oposta, a partir dela enxerga-se “o indivíduo contido e imerso na sociedade”. Explica-se com as palavras de DaMatta (1997, p. 231) que a pessoa pode ser “caracterizada como uma vertente coletiva da individualidade, uma máscara colocada em cima do indivíduo”. A noção de pessoa busca uma diferenciação, uma distinção para o indivíduo. A busca por ser “pessoa” é o anseio de alcançar um tratamento que os indivíduos, livres e iguais, não possuem. Três características da pessoa se contrapõem às destacadas logo acima em relação ao indivíduo: a pessoa é presa à totalidade social, à qual se vincula de modo necessário; a pessoa é complementar aos outros; e a pessoa recebe as regras do mundo em que vive. DaMatta (1997, pp. 227, 234) nos tópicos “Das distinções entre indivíduo e pessoa” e “A dialética entre indivíduo e pessoa” em várias oportunidades estabelece uma intrínseca conexão entre “pessoa” e sistemas holísticos e hierárquicos/hierarquizantes. Citando para tanto exemplos como: bairros étnicos; clubes; fraternidades (sororities); etc. O traço comum parece sempre ser a busca pela distinção, a busca por um “algo a mais” capaz de retirar alguém do tratamento igualitário do mundo dos indivíduos e levá-lo ao mundo da pessoa. Então, é possível enxergar uma conexão entre o mundo da casa e a pessoa, assim como, o mundo da rua e o indivíduo.

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Na casa as hierarquias estão estabelecidas, todos são “pessoas” em sua casa. Neste âmbito familiar há vinculação, os integrantes se complementam e as regras da casa estão postas. Tal não acontece no mundo da rua, no qual se sobrepõe a relação entre indivíduos. Contudo, as dicotomias não são excludentes. Ninguém é totalmente indivíduo e nem totalmente pessoa. A partir de tal constatação é que DaMatta busca explicar a dialética entre indivíduo e pessoa e, para tanto, se utiliza do estudo do “sabe com quem está falando?”. É preciso, antes de continuar na análise que aqui se faz, estabelecer que se parte de uma sociedade ocidental que privilegia o indivíduo, calcando-se por standards de igualdade. Assim, será abordada, apenas, a transição da condição de indivíduo para a condição de pessoa. Diante disso, é possível problematizar os aspectos que dizem respeito ao modo como Liebman é enxergado. Como destacado acima no texto, ex-alunos que parecem pertencer ao mundo da casa de Liebman, hierarquizando-se perante o Mestre, conferem-lhe um tratamento de pessoa. Algo perfeitamente aceitável, visto que a dicotomia não é excludente e tem o seu espaço. Ocorre que a transposição perante os demais indivíduos que compõem a sociedade (no caso a comunidade jurídica e mais especificamente ainda, processualística) mostra-se capaz de uma segregação, ainda que não intencional. “Você sabe com quem está falando?”: processualistas de primeira geração, que estudaram com Liebman no Brasil ou processualistas de segunda geração, que estudaram com Liebman através de intercâmbios a partir da década de sessenta. Desta noção paradigmaticamente estabelecida “surge” a noção de Escola Processual Paulista, que pode ser enxergada como um clube com cunho pessoal e hierarquizante (DaMatta, 1997, p. 236). E o problema é exatamente o de transportar esses laços de amizade e respeito adquiridos nas peculiaridades destas relações para o âmbito do trabalho (academia), no qual devem imperar as lógicas da rua e do indivíduo. Mais uma vez faz-se o alerta de que não se tem uma visão ingênua do assunto, mas partese de uma concepção, que se tem por consensual, de que o ambiente de produção acadêmica é regido pelo cientificismo. E este não comporta uma visão pessoal e nem argumentos de autoridade. Exatamente neste sentido se faz mister retomar a ideia supra explanada de que o “método científico” chegou ao Direito Processual brasileiro com Liebman. E a partir desta chegada iniciou-se a “Escola Processual”. Ideias rechaçadas por este texto. Fato é que a “Escola Processual” existe, assim, rechaça-se sua existência como o ideal que o discurso daqueles que dela fazem parte tentam passar — principalmente os ditos processualistas de segunda geração. E este discurso, calcado na ideia de Liebman como pessoa e que busca uma hierarquia dada como tipicamente se encontra no mundo da casa, é que se entende como prejudicial à academia. A obra de Liebman fala por si e está acessível a todos que dela desejem desfrutar.

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Pode ser encontrada em bibliotecas, livrarias e no site da Universidade de São Paulo. Liebman para todos os indivíduos. Pensar em um “clube” ou Escola Processual, do qual faz parte apenas um seleto grupo que teve a oportunidade de estudar com Liebman é um tanto elitista. Ainda que Pelegrini (1986, p. 101) fale em processualistas de terceira geração, que seriam aqueles que têm um contato indireto com Liebman — contato com quem teve acesso direto ao Mestre. Este pensamento, ainda que calcado em uma intenção vanguardista e que dele tenham sido possibilitados grandes avanços na ciência processual brasileira ao longo da segunda metade, é hierarquizante. E por si só retrógrado. A sociedade brasileira, como tipicamente ocorre na grande maioria das sociedades ocidentais, tem a gênese do seu Estado de direito enraizada em ideias de liberdade e igualdade. Típicos do mundo do indivíduo. Inverter esta lógica trazendo a condição de pessoa como preponderante para relações que não deveriam ter este de hierarquia é o que se tem, aqui, por problemático. E que neste ponto se entende que o pensamento de “Escola Processual” remete, na verdade, a um período pré-iluminista. Veja-se a clareza trazida na uma nota de rodapé de número 47 de DaMatta: Estamos pensando na alta instituição de ensino e pesquisa, em que as relações face a face são intensas, o trabalho é artesanal, a patronagem e a amizade são fundamentais, as hierarquias estão em vigor e todo o sistema tem como modelo as universidades europeias do mundo medieval. (1997, p. 236).

E aí reside o problema, o mundo acadêmico pertence, ou deve pertencer aos indivíduos. O seu descolamento para o mundo da pessoa traz um ar de exclusividade e de hierarquia incompatível com o espaço que deve ser igualitário.

Conclusão Antes de concluir, é preciso mais uma vez esclarecer que não se pretendeu retirar qualquer mérito da obra de Liebman e de nem diminuir sua importância para o cenário nacional. Não obstante esta ressalva, e tendo em vista as razões pautadas nas categorias de DaMatta, o autor precisa ser encarado como indivíduo e sua importância, bem como a análise de sua obra deve ser pautada exclusivamente pela lógica da academia, correspondendo à lógica do mundo da rua em que hierarquias devem ser estabelecidas trilhando-se sempre os caminhos pertinentes para avaliação de seus pares. A dita “Escola Processual Paulista” aponta um “método científico” trazido por Liebman. Contudo nos textos em que tal afirmação é encontrada não há uma explanação quanto a este método. Liebman trouxe este método ao Brasil? Em seu Manual de Direito Processual Civil e em seu Estudos sobre o Processo Civil brasileiro não há tal referência, qual seja, a explícita adoção a um método científico.

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Interessante notar que na obra “Teoria Geral do Processo” de Cintra, Dinamarco e Grinover — processualistas de segunda geração — há menção a três fases metodológicas distintas (2006, pp. 48 e 135). Atribui-se a Liebman o rompimento com a fase metodológica processualista, conceitualista ou autonomista. E em consequência disso, conclui-se, teria o autor italiano trazido consigo a influência da fase metodológica instrumentalista. Contudo, não é o que a leitura do texto “As fases metodológicas do processo” de Marco Félix Jobim. Neste trabalho com maior fôlego acadêmico sobre este assunto especificamente, é possível perceber como Liebman se encontra melhor alocado em um estágio metodológico anterior. Fase em que houve uma preponderância de sistematização e definições científicas, sem uma maior preocupação com a realidade (Jobim, 2015, p. 10). Jobim, então, prossegue demonstrando como a fase metodológica denominada instrumentalista é, pela maioria, considerada a que ainda hoje prepondera no Brasil. Embora, o próprio não concorde com isso. Demonstrando que o Código de 1973 elaborado por Buzaid e notoriamente dedicado e calcado nos ensinamentos de Liebman já adota premissa metodológica distinta (Jobim, 2015, p. 11). Passa-se para outro destaque de suma importância a “íntima unidade de pensamento” (Cintra, Dinamarco & Grinover, 2006, p. 136). Trata-se de segunda característica vital para a existência da “Escola Processual Paulista”. Esta que o próprio Luís Eulálio Vidigal rechaçou como apontado no terceiro tópico deste trabalho. Assim, conclui-se com a afirmação que as referências a Liebman como aquele que iluminou o processo brasileiro trazendo para o Brasil o método científico e formador de uma Escola não subsistem. A academia comporta uma excessiva valorização da pessoa, devendo prioritariamente ser prestigiado a figura do indivíduo. A importância do autor jamais será extirpada da história. A sua teoria eclética, a contextualização de obras italianas com o ordenamento brasileiro, sua lições sobre execução etc. Mas, elas devem ser analisadas como as demais obras acadêmicas o são, ou o devem ser, sob a égide de terem ser produzidas por um indivíduo e que por se tratar de um ambiente laboral, regidas pela lógica do mundo da rua.

O LAW AND DEVELOPMENT MOVEMENT E A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO JURÍDICO ANGLO-AMERICANO NAS REFORMAS DO SISTEMA DE JUSTIÇA CIVIL BRASILEIRO PÓS-1988 Francis Noblat

Introdução Em fins da década de 1980, após um período de mais de vinte anos sob um regime autocrático civil-militar, o Brasil iniciará um processo de reformas em suas instituições administrativas estatais, em decorrência da alternância entre regimes de governo e de abertura político-econômica, de modo a tentar readequar-se à normalidade democrática. Nesta tentativa de reestabelecer a normalidade democrática instalar-se-á, em 1987, assembléia constituínte com fins de elaborar nova constituição — de modo que a solução de continuídade com o regime autoritário antes estabelecido se desse em caráter definitivo —, esta que viria embasar a ordem política e jurídica daquela que se pretendia a nova democracia brasileira. Sob esta perspectiva, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, muito mais do que representar a fundação do regime democrático que então se reestabelecia , o fundamento do arcabouço jurídico do Estado brasileiro, e a base sob qual toda a produção legislativa vindoura seria pensada, era a oficialização dos preceitos fundamentais sob os quais todos os direitos, deveres e garantias seriam, de então, interpretados. As reformas que, de então, iriam ocorrer na estrutura institucional do Estado brasileiro deveriam — para além de ter de atender aos anseios do retorno à democracia, com todas as suas promessas —, contudo, responder a múltiplas contingências: uma crise monetáriocambial decorrente de um hiperendividamento, e a hiperinflação dela decorrente; uma dívida externa bilionária, credenciada às instituições financeiras internacionais, e os condicionamentos e compromissos dela resultantes; um déficit nas contas públicas em igual magnitude, e suas consequências na administração do aparelho do Estado e na economia; instabilidade política e econômica, sob a égide da incerteza trazida pela transição dos regimes; acompanhados todos de medíocres índices de crescimento, e cada vez mais gritantes indicadores humanos Não se tratava, portanto, apenas de uma escolha de qual modelo de administração do Estado asseguraria com maior eficácia a realização dos direitos e garantias sob as quais passava a se fundamentar a recém-instituída democracia brasileira — e a atuar o Poder

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Judiciário, que “[...] não poderia ficar à margem deste processo [...].” (Meirelles, Mello & Gomes; 2009, p. 2). Em perspectiva, quase a totalidade da estrutura normativo-institucional brasileira seria — em maior ou menor amplitude — alterada, de modo a adequar-se ao conteúdo de direitos e garantias que passavam a ser assegurados na — então — nova constituição republicana: ora, aquela que se conveio denominar de a Reforma do Estado brasileiro; no âmbito da legislação processual civil, esse movimento de reformas — seguindo então uma lógica de alterações parciais ao texto do Código — seguiria durante as décadas de 1990 e 2000 — com mais ou menos ímpeto, mas, ainda assim sempre de modo contínuo. E, uma vez que a estrutura normativo-institucional do Estado se encontrava — e permaneceria — no centro dos debates sobre o modelo de administração pública a ser instituído, o Direito seria a esfera dos embates da construção discursiva, e da instrumentalização das estruturas jurídico-políticas nacionais; ou, dito de outra forma, Law has long been recognized not only as a reflection of the prevailing forces in a given society but also as a potential instrument of change and progressive development. These two attributes enable it to play two seemingly conflicting roles: that of a keeper and interpreter of the status quo and, simultaneously, that of a catalyst for its change and the mechanism through which such a change may be brought about in an orderly manner. The intricacies of the role law can play in introducing policy changes and influencing the pace and pattern of development and, conversely, its possible role as an obstacle in the face of further develop-ment are yet to be fully understood . (Shihata, [1990], p. 219).

Este duplo papel do direito, “[...] of a keeper and interpreter of the status quo and, simultaneously, that of a catalyst for its change and the mechanism through which such a change may be brought about in an orderly manner [...]”, é o ponto de inflexão para compreendermos a centralidade que a ideia de reforma irá receber em direito, especialmente na segunda metade do século XX. Desde meados do século XX, um campo de conhecimento dentro do direito1, tem dedicado-se ao estudo do papel que direito poderia assumir no ‘processo de desenvolvimento’, e de como o direito, as leis, e as instituições e sistemas jurídicos poderiam contribuir para o ‘desenvolvimento’ de um dado país ou região. Apesar de, contudo “[...], nos últimos tempos, o bacharel ter cedido espaço aos economistas, na condução da política nacional , não se pode desprezar o papel de destaque dos cursos jurídicos nas estruturas brasileiras de poder [...]” (Meirelles, 2004, p. 3). Sob a designação de Law and Development — Direito e Desenvolvimento —, estudos sobre a relação entre o direito e o desenvolvimento econômico têm ocorrido desde a década de 1960 e, atuando em conjunto com organizações internacionais, tem promovido a criação e implementação de políticas públicas voltadas a programas de reforma dos sistemas de justiça em diversos países ditos ‘em desenvolvimento’.

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Neste panorama, mesmo em uma breve análise comparativa das fundamentações usadas para justificar as reformas até então postas em efeito em nosso sistema de justiça civil, é possível perceber pontos de convergência com as teorizações, ‘diagnósticos’ e recomendações do Direito e Desenvolvimento. Sob estas premissas, todo um arcabouço principiológico se teriam influenciado, sob os auspícios do Law and Development, pela naturalização de uma determinada ideologia sobre o escopo da atuação jurisdicional do Estado — “como reflexo de um discurso muito falado e pouco refletido” (Franco & Cunha, 2013, p. 517).

I. O Law and Development como movimento intelectual e como campo de conhecimento O Law and Development — ou, mesmo, Law and Development Movement, o movimento Direito e Desenvolvimento, ou ainda, Law and Development Doctrine, a doutrina do Direito e Desenvolvimento — é um ramo do direito, de caráter multidisciplinar, que desde meados do século XX dedica seus estudos, através de intersecções entre o direito e outras áreas das ciências sociais aplicadas — notadamente, a economia ; mas, em igual medida, as sociologia, antropologia, administração, e relações internacionais —, a investigar as relações entre os sistemas normativo e regulatório, suas instituições, processos e agentes, e o desenvolvimento econômico e social — em suas diversas interpretações —, e de como aqueles lhes podem influenciar, positiva- ou negativamente. Apesar de apresentar-se como um campo do conhecimento jurídico e social relativamente recente, “[...] The study of the relationship between law and economic development goes back at least to the nineteenth century. It is a question that attracted the attention of classical thinkers like Marx and Weber.”2 (Trubek & Santos, 2006b, p. 1). Em termos, entretanto, de atuação propriamente prescritiva e de criação de políticas públicas, “[...] it was only after World War II that systematic and organized efforts to reform legal systems became part of the practice of international development agencies” (Trubek & Santos, 2006b, p. 1); uma vez parte da atuação de organizações internacionais, o Direito e Desenvolvimento tornar-se-ia a base para um conjunto de programas de assistência, e, em uma outra perspectiva, criaria uma ‘linguagem-padrão’ na promoção de iniciativas bi- e multilaterais. A denominação Direito e Desenvolvimento, a seu turno, muito menos do que delimitar um campo específico do conhecimento, seria mais a expressão de um conjunto de abordagens e interpretações sobre as relações — e mesmo questionando-se se estas seriam possíveis de se estabelecer — entre atividade normativa, performance econômica e indicadores sociais. (Trubek & Santos, 2006a). Neste sentido, ao tempo em que a expressão Direito e Desenvolvimento designa um âmbito de estudos envolvendo diversas disciplinas e subdisciplinas dentro das ciências sociais

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aplicadas, as compreensões sobre o que seria o Direito e Desenvolvimento enquanto campo do conhecimento — e caso se pudesse falar em um Direito e Desenvolvimento —, tanto quanto a delimitação seu escopo variam grandes medidas. 3 Englobando diversas subdisciplinas em direito — como os direito comparado, antropologia jurídica, estudos sócio-jurídicos, direito economico internacional, direito e economia, mas não se restringindo necessariamente a elas —, em economia e nas demais ciências sociais, na tentativa de compreender as questões a que se propõe responder, o Direito e Desenvolvimento será, a cada momento de sua história — e da história — em que decidamos lhe observar, delimitado pelos paradigmas que se impõem em cada uma destas disciplinas, com os quais irá dialogar, e a partir dos quais originará a seus próprios. Multiderminado em termos disciplinares, e, ainda assim, não é apenas termos acadêmicos que devemos buscar definir como o Direito e Desenvolvimento se constrói enquanto campo do conhecimento. At the intersection of law, economics, and the practices of states and development agencies, the field of law and development undergoes continuous realignment. As economic policies, legal theories, and institutional practices change, the salient issues in law and development change as well. (Trubek et al., 2012, p. 281).

Ele acompanhará os paradigmas em direito e em economia — e os seus próprios —, e, igualmente, pelo como são utilizados estes paradigmas ao embasar políticas públicas e programas de reforma, a nível nacional e internacional, pelas instituições internacionais financeiras e de ‘auxílio ao desenvolvimento’: “Although this doctrine has academic roots in economic and legal theory, it is a practical working tool for development agencies”4 (Trubek & Santos, 2006b, p. 1). Assim, ao tentar compreender aquilo que é — ou seria — o Direito e Desenvolvimento, devemos ter em conta, portanto, que este não é tão somente as teorias que se produzem na academia, nem apenas a atuação das instituições internacionais financeiras e de ‘auxílio’ — atuação esta que é definida, a cada momento, pelos contextos político-econômicos internacional e — em menor grau — nacionais. Será através desta múltipla determinação — enquanto um heterogêneo campo do conhecimento, enquanto aparato teórico de agências internacionais de ‘auxílio ao desenvolvimento’, e enquanto ferramenta de agências governamentais na construção de políticas públicas — que o Direito e Desenvolvimento irá se caracterizar, e se construir e reconstruir, se teorizar e se instrumentalizar, se expandir e se retrair, e se redefinir. Devemos, portanto, ter em conta que o “Law and Development is a peculiar and heterogeneous discipline.” (Newton, 2006, p. 176). Contextualmente, o Direito e Desenvolvimento irá surgir em contiguidade a outros movimentos em direito que se propõem a compreender — ou, tentar compreender —, dentro do contexto da moderna sociedade ocidental, questões que não se poderiam responder compartimentalizadamente, no âmbito do conhecimento disciplinar jurídico clássico5.

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Ao lado de outros movimentos de origem anglo-americana, como os Realismo Jurídico — Legal Realism —, como o Direito e Sociedade — Law and Society —, como o Economia e Direito — Law and Economics —, todos movimentos surgidos, ou trazidos à expoente nos Estados Unidos durante o século XX, o Direito e Desenvolvimento surge tanto como uma “promessa de emancipação, quanto uma ferramenta de submissão”.6 Em termos históricos, a trajetória do Direito e Desenvolvimento dividiria-se em três momentos distintos, cada um destes momentos definido por um determinado modelo de atuação das agências internacionais de ‘auxílio ao desenvolvimento’ , e de um determinado paradigma em direito, os quais definir-se-iam através da correlação de ambos “[...] (1) um modelo geral da relação entre direito e sociedade, e (2) uma explicação específica da relação entre sistemas de direito e o ‘desenvolvimento’.” (Trubek & Galanter, [1974], p. 268). Sendo parte de um panorama mais amplo de eventos7, e por eles determinada, a história do Direito e Desenvolvimento será, igualmente, a história da atuação do ‘auxílio multilateral ao desenvolvimento’, e das reforma dos sistemas e instituições jurídicas. O primeiro movimento do Direito e Desenvolvimento surgirá em meados da década de 1950, com e como resultado do surgimento da dinâmica moderna das relações internacionais, através dos ‘auxílios bi- e multilaterais ao desenvolvimento’. The first such Movement emerged during the 1950s and 1960s. Development policy focused on the role of the state in managing the economy and transforming traditional societies. Development practioners assumed that law could be used as a tool for economic management and a lever for social change. Initially, these assumptions were largely tacit but eventually a body of theory and doctrine emerged. First Movement doctrine stressed the importance of law as an instrument for effective state intervention in the economy. It helped guide a small number of law reform projects in a few parts of the world. (Trubek & Santos, 2006b, p. 1).

“We can think of the First Moment as ‘Law and the Developmental State’ ” (Trubek & Santos, 2006b, p. 4), sendo certo que a maior parte dos projetos em Direito e Desenvolvimento naquele momento original eram direcionados à países caracterizados por uma economia de caráter desenvolvimentista. Em um contexto no qual a ideia de ‘progresso’ permeava as teorias acerca do ‘desenvolvimento econômico e social’, o então surgente Direito e Desenvolvimento iria assistir na concepção de modelos regulatórios à industria, e de programas de ensino aos cursos jurídicos, aos quais se creditava a capacidade de promover “mudanças de mentalidade e de cultura”, fomentando assim o ‘desenvolvimento’8. Mudanças, a seu turno, nas dinâmicas política e econômica, nas esferas internacional e nacionais — em termos conjunturais —, na configuração e na atuação das instituições internacionais financeiras e de ‘auxílio’ — em termos institucionais —, e de dentro e de fora da acadêmia — em termos teóricos —, ao longo das década de 1960 e 1970, redundariam no surgimento de um movimento crítico que implicaria diretamente nas atividades do Direito e Desenvolvimento: em decorrência de um movimento crescente de críticas, por sua vez,

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levariam à declaração de ‘morte’ do Direito e Desenvolvimento, quando seu “[...] campo foi encerrado como atividade corrente nas universidades norte-americanas e européias” (David Trubek in Rodrigues et al., 2007, p. 309). As atividades de ‘auxílio ao desenvolvimento’ em direito, criadas sob o aporte do Direito e Desenvolvimento, a seu turno, permaneceriam. “The Second Moment might be called ‘Law and the Neoliberal Market’” (Trubek & Santos, 2006b, p. 5), em termos que — em suplantando o modelo desenvolvimentista — em economia e em política, e, mais tarde, em direito, teorias de caráter liberal — naquela ocasião, neoliberais — se tornariam o paradigma dominante, e fundamento teórico para as compreensões acerca do ‘desenvolvimento’. Se no modelo desenvolvimentista a compreensão sobre direito, necessária ao ‘desenvolvimento’, passava por suas interpretação e aplicação pragmáticas — de modo a permitir aos Estados nacionais um maior e mais flexível controle sobre suas burocracias nas elaboração legislativa e implementação de modelos regulatórios que possibilitassem suas “revoluções capitalistas” —, no paradigma neoliberal, o papel do direito seria pois o oposto: controlar a atuação do Estado, de modo a permitir à economia a ‘alocação eficiente e adequada dos recursos’, de então necessária ao ‘desenvolvimento’.9 Deste modo, a partir da década de 1980, com a inflexão teórica direcionada à promoção da ideologia — ou mesmo, fundamentalismo — do livre mercado como o paradigma em economia e em política, em direito — onde, igualmente, tornava-se às teorias liberais —, o paradigma do Rule of Law10 se tornaria o ‘consenso’ em ‘auxílio ao desenvolvimento’. Sob os paradigmas do neoliberalismo, e do Rule of Law, as instituições internacionais de ‘auxílio ao desenvolvimento’ — e, em igual medida, as instituições financeiras multilaterais — atuariam, de então, a “desmantelar” as economias nacionais, em defesa das “boas práticas de gestão” e da “governança”, de então necessárias para estimular tanto o crescimento interno, quanto para atrair o investimento estrangeiro (Trubek, 2006, p. 84). Este segundo momento do Direito e Desenvolvimento seria caracterizado, igualmente, pela expansão do crédito concedido bi- e multilateralmente, em termos de programas de ‘assistência ao desenvolvimento’, e, do mesmo modo, pela ampliação — do alcance político — dos programas financiáveis.11 Como consequência, com o avançar dos anos 1980, reformas seriam implementadas em países da América Latina, África e sudeste Asiático, e, com o fim da União Soviética nos fins da década, igualmente na Europa oriental e no Médio Oriente. Fosse em resposta à atuação de instituições de ‘auxílio ao desenvolvimento’ e de organizações não-governamentais — estes atuando em defesa dos direitos humanos, da liberdade, dos direitos políticos e das garantias supra-individuais —, fosse em razão do atendimento aos condicionamentos das instituições financeiras internacionais — estes que requeriam ‘adequações’ em setores da burocracia estatal, com reformas nos sistemas de direito privado, com foco na proteção ao direito de propriedade e contratuais —, sob o

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paradigma do Rule of Law iriam ocorrer reformas nos sistemas de justiça em países por todo o globo, e continuariam a ocorrer durante toda a década de 1990.12 Não obstante, em se aproximando o final da década de 1990, tornar-se-ia insustentável a manutenção do paradigma neoliberal, enquanto tal. Com a ‘percepção’ de que as reformas como até então estruturadas e implementadas não haviam atendido às expectativas de resultado propostos — nem no crescimento econômico calculado pelas intituições financeiras internacionais; nem promovido o incremento dos indicadores sociais previsto pelas agências de ‘auxílio ao desenvolvimento’ —; e, ao revés das teorizações dos profisionais em Direito e Desenvolvimento, resultado no aprofundamento das relações de dependência e clientelismo que o Rule of Law prometia superar —, iria ocorrer uma — nova — inflexão, a qual seria caracterizada, por parte da literatura, como o surgimento de um novo paradigma. Em parte, com a absorção das críticas ao modelo de atuação das agências internacionais de ‘auxílio ao desenvolvimento’ e, em parte através da revisão do paradigma em ‘desenvolvimento’ que havia até então embasado as reformas promovidas pelas instituições financeiras internacionais — e mesmo em razão de mudanças estruturais no sistema políticoeconômico global —, o Direito e Desenvolvimento, em igual medida, poria em questão os fundamentos assumidos sob a “era do Rule of Law”: “Some thought that a basic change had occurred; others were not sure that the neoliberal era had really ended. Was there a new paradigm, or simply a chastened form of neoliberalism?” (Trubek & Santos, 2006b, p. 3). Com a revisão de compreensões sobre a importação de modelos regulatórios e institucionais, e sobre a implementação vertical de políticas — da perspectiva das agências de auxílio ao desenvolvimento —, e, com a reavaliação do planejamento e do modo de conduzir as reformas, e do papel das instituições e culturas locais — sob a perspectiva das instituições financeiras —, em Direito e Desenvolvimento — mesmo por não poder ser pensado fora destas reconfigurações — irá se debater o surgimento de um “terceiro movimento.”13 Definir-se-ia como “terceiro movimento” uma vez que, não se trataria propriamente do paradigma neoliberal — posto que o Estado passa a ter atribuição de intervir para regular situações de desequilibrio, e promover políticas e redes de seguridade social —; nem propriamente de um retorno ao paradigma desenvolvimentista — posto que, ainda sob o Rule of Law, a atuação discricionária estatal deve pautar-se sob o signo constitucional, e em acordância aos contratos, acordos e tratados firmados bi- ou multilateralmente . Constituir-se-ia, portanto, de ambos os paradigmas anteriores — se apresentando “como uma terceira via, tanto ao projeto liberal quanto do socialismo” (Castelo, 2012, p. 263) —, assimilando as críticas de cada um dos momentos anteriores, e utilizando-se da experiencia adquirida para elaborar um modelo que, enquanto privilegia uma economia de mercado, usa de mecanismos de controle político — para reduzir a um mínimo a ocorrência de crises sistêmicas —, e social — de modo a legitimar-se, evitando rejeições e minimizando o custo operacional de troca.

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Diante da incerteza do ‘modelo de desenvolvimento’ que se contemporiza, é certo que o direito será, não obstante, um dos elementos fundamentais deste “projeto”: quer seja sob a denominação de ‘Social’, quer seja sob a denominação de ‘Neodesenvolvimentista’, este novo paradigma — como aqueles que o precederam — “[...] will generate pressures for new laws and new roles for law [...]: statutes will change, procedures will be altered.” (Trubek et al., 2012, p. 306). Sob a égide de ambos os paradigmas desenvolvimentista e neoliberal, acompanhados de suas respectivas teorizações em Direito e Desenvolvimento — e das teorias que lhes deram origem —, reformas ocorreram e ocorreriam durante todo o século XX, e leis, instituições e práticas judiciárias foram, e seriam modificadas.

II. Reforma de Estado, Reforma do Judiciário e reformas processuais cívis: o pós-1988 como espaço de embate de modelos institucionais Como um dos Poderes do Estado, e regulado constitucionalmente, o Poder Judiciário esteve no centro dos debates sobre a reforma da administração pública que se seguiria ao processo de reforma institucional decorrente das transição democrática e promulgação da Constitutição da República de 1988. Referindo-se ao conjunto de alterações decorrentes da Revisão Constitucional, a Reforma do Judiciário, em igual medida nomearia à atividade legislativa, às reformas infraconstitucionais, e às mudanças na estrutura da administração da justiça que, em razão mesmo da nova disciplina constitucional — e da ‘nova compreensão’ acerca da prestação dos serviços judicias e da administração da justiça —, deveriam adequar e harmonizar o sistema de justiça ao regime democrático da Nova República. Em termos, “[...] tornava-se necessário adequá-lo ao novo cenário de respeito às liberdades fundamentais, ao mesmo tempo em que se assegurasse um maior acesso à Justiça”. (Meirelles, Mello & Gomes; 2009, p. 2). Justificada ora em razão da insuficiência de estrutura e recursos para atender às demandas que, de então lhe acometiam; ora na premência de desestruturar-se a organização judiciária legada do período autoritário; ora na “necessidade de adequar a estrutura do Poder Judiciário às exigências de uma administração moderna do Estado” (Koerner, 1997); permanecia inquestionável, a seu turno — ainda que representada através de interesses contrastantes —, a necessidade de reformas no sistema de administração da justiça. Sob a conjuntura de crise econômica — que forçava a assunção de compromissos, e determinava o campo das escolhas possíveis, mesmo no que concernia ao sistema de justiça —, e dadas as peculiaridades do arranjo político-institucional e das relações LegislativoExecutivo característicos do Brasil — o quais tornam o processo legislativo uma constante negociação de interesses14, por vezes muito distintos entre si, e, mesmo inconciliáveis à primeira vista15 —, que, somandos à ‘crise’ nas prestação jurisdicional e dos serviços

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judiciais, e administração dos confitos, definiriam as contingências específicas da Reforma do Judiciário, e das reformas pontuais que, de então, se poriam em efeito — até se ter concluída a efetiva reforma do Código de Processo Civil. Seriam, a seu turno, estas “crise” e “percepção da morosidade e inoperância do sistema” (Nunes & Teixeira, 2013, p. 70) — e, talvez não surpreendentemente — que definiriam o conduzir das reformas que, de então, sob o signo da adequação do sistema de justiça às exigências constitucionais de respeito aos direitos e garantias fundamentais — sendo certo que, em termos de legislação processual, o Código de Processo Civil à época em vigor fora promulgado sob a égide da Constituição da República de 1967, ora sob um regime de excessão —, assumiriam uma peculiar feição. Voltando-se, ora, a uma particular compreensão do papel do sistema de justiça na execução dos serviços judiciários e na administração da justiça — “[...] A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático” (Brasil, 2004, p. 8) —, as diretrizes de reforma se veriam transfigurar, com o avançar da implementação, ainda que o discurso que as legitimava permanecesse — e, que permaneceria — o mesmo: [...] a efetividade das medidas adotadas indica que tais compromissos [de combater a morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões] devem ser reafirmados e ampliados para fortalecer a proteção aos direitos humanos, a efetividade da prestação jurisdicional, o acesso universal à Justiça e também o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito e das instituições do Sistema de Justiça. (Brasil, 2009, p. 1).

Sob esta perspectiva, a própria reforma do Código de Processo Civil, ocorrida entre os 2009 e 2015, teria “[...] como ideologia norteadora dos trabalhos a de conferir maior celeridade à prestação da justiça, no afã de cumprir a promessa constitucional da ‘razoável duração dos processos’ ” (Fux, 2010, p. 1, grifos nossos),

III. O papel do ‘Estado Democrático de Direito’ na consolidação democrática: o Law & Development como pano de fundo intelectual e ideológico das reformas em Processo Civil no pós-1988 Sob o contexto de crise fiscal do Estado enfrentada por uma considerável parte dos paises do eixo sul, decorrente do crescimento exponencial da dívida externa ao longo das décadas de 1970 e 198016, as críticas — então correntes — aos modelos de administração centralizada da economia serviriam como ‘confirmação’ da ‘presumida incapacidade’ do Estado, em comparação ao mercado, de alocar ‘eficientemente os recursos’ e a ‘fornecer as condições necessárias para o ótimo funcionamento da economia.’

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Assim era necessário reduzir a participação do Estado na economia , promover reformas que buscassem a “eficiência”[...], [e] aumentar o grau de exposição da economia nacional ao ambiente externo, garantir, portanto condições adequadas para que os detentores da riqueza líquida (os credores de fato e os credores em potencial) voltassem a aportar recursos . (Coelho, 2002, p. 157).

Retornava-se, de então, a uma compreensão de cunho liberal, rejeitando-se o modelo de administração pública da economia até então adotado, desenvolvimentista, posto que este não mais seria capaz de lidar eficientemente com as contingências da dinâmica economica internacional — o que se ‘evidenciava’ através das crises das dívidas externas dos países da América Latina e África. E, sob a premissa da imprescindibilidade de uma administração pública ‘eficiente’, um sistema de justiça igualmente eficiente seria, de então, uma condição não apenas desejável, mas “necessária”17 ao desenvolvimento econômico. Em exortação à necessidade de se adequar a estrutura burocrática estatal à economia de mercado, reformas passariam a ocorrer e, com elas, passava-se a revisar toda a estrura administrativa do Estado, e, Devido a ligação que os modelos processuais possuem com a organização socioeconômica e, especialmente, política dos Estados modernos, a tendência implementada geraria efeitos na estruturação processual. Far-se-ia necessária a criação de um modelo processual que não oferecesse perigos para o mercado, com o delineamento de um protagonismo judicial muito peculiar, em que se defenderia o reforço do papel da jurisdição e o ativismo judicial, mas não se assegurariam as condições institucionais para um exercício ativo de uma perspectiva socializante ou, quando o fizesse, tal não representaria um risco aos interesses econômicos e políticos do mercado e de quem o controla. [...] Ademais, o modelo processual defendido deveria assegurar uma padronização decisória, especialmente para dimensionar a litigiosidade repetitiva que não levaria, em muitos casos, em consideração as peculiaridades do caso concreto, mas asseguraria alta produtividade decisória, de modo a assegurar critérios de excelência e de eficiência distorcida requeridos pelo mercado financeiro, dentro de um peculiar acatamento do movimento de convergência entre a civil law e a common law, mas com utilização muitas vezes equivocada, de julgados como verdadeiros precedents. (Picardi & Nunes, 2011, p. 104).

“This was the context for the rediscovery of law in the development community” (Trubek, 2006, p. 83): ante a — criação da — ‘necessidade’ de um arcabouço jurídico que assegurasse a livre-circulação de ativos, ao insular o mercado das ‘distorções’ causadas pela intervenção estatal — com toda sua ‘ineficiência’, ‘oportunismo’ e ‘corrupção’ —, assegurasse condições mínimas de ordem pública para que a economia e o comércio operassem, ao tempo que permitisse a integração econômica a um nível global, o Rule of Law — Estado de Direito — seria ‘o’ sistema capaz de garantir a independência, a isonômia, a imparcialidade, e a previsibilidade necessários para o ‘desenvolvimento’ econômico e social: “it is relatively easy to see that law facilitates economic activity in large part because the law is general and neutral.” (World Bank, 2002, p. 19).

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Neste sentido, na definição do paradigma em Direito e Desenvolvimento, “[...] [i]t implied a triple shift, from state to market, from internal to export-led growth, and from official capital flows to private foreign investment.” (Trubek, 2006, p. 83). No âmbito jurídico, seria necessário, assim, o gerenciamento eficiente dos processos, a ampliação do acesso à justiça e a meios alternativos de resolução de conflitos, a criação de mecanismos para tornar as decisões judiciais ‘mais efetivas’, e a promoção da independência judicial. Sob a justificativa de que o fortalecimento das instituições judiciais seria de fundamental importância para a consolidação da ordem democrática, garantia dos direitos humanos e sustentação do desenvolvimento econômico, uma série de atores internacionais (agências de cooperação, instituições financeiras, Estados, [organizações não-governamentais], etc.) desprendeu esforços para a consecução dessa reforma. Diante dessa conjuntura, diversos documentos publicados a partir do final da década de 90 alegavam que, de um modo geral, as instituições judiciárias da América Latina e Caribe não satisfaziam as crescentes necessidades do setor privado, do público, e, em especial, a necessidade dos pobres. E, por tanto, era necessário a implementação de um plano de reforma judicial que privilegiasse a independência dos juízes, a eficiência dos tribunais, a celeridade dos processos, a alteração das leis processuais, o acesso à justiça, entre outros temas sensíveis na condução desses Judiciários . (Santos, 2008, p. 68).

Destinados a atender às exigências de “baixo custo de acesso e decisões justas, rápidas e previsíveis, em termos de conteúdo e de prazo.” (Pinheiro, 2009, p. 7) que caracterizariam um sistema de justiça que “funciona bem”, as reformas deveriam voltar-se — e voltar-se-iam — ao objetivo “de torná-lo mais ‘barato’, ‘ágil’ e ‘transparente’, ou seja, capaz de atender aos interesses do capital privado, eficaz na defesa da propriedade privada e, sobretudo, comprometido com a segurança jurídica de ativos e contratos.” (Pereira, 2009, p. 265). Em termos de políticas concretas, e, de reformas jurídico institucionais, o resultado mais concreto deste movimento seria a aprovação, após uma trâmite de mais de uma década , da Emenda Constitucional nº. 45, de 2004. Introduzindo modificações na disciplina constitucional, a Emenda não apenas elevava os “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (Brasil, 2004b) à categoria de direito fundamental — tornando-os, portanto, indiscutível —, como instituía órgão de controle externo ao Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça. Estas inicitivas, a seu turno, não se resumiriam à esfera de atuação dos órgãos responsáveis pelas reformas, sendo consubstanciadas sob um compromisso de Estado. Poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no tocante aos diagnósticos quanto à questão judiciária. A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático. Em face do gigantesco esforço expendido sobretudo nos últimos dez anos, produziram-se dezenas de documentos sobre a crise do Judiciário brasileiro, acompanhados de notáveis propostas visando ao seu aprimoramento. Os próprios Tribunais e as associações de magistrados têm estado à frente desse processo, com significativas proposições e com muitas iniciativas inovadoras, a demonstrar que não há óbices corporativistas a que mais avanços reais sejam conquistados. O Poder Legislativo não tem se eximido da tarefa de contribuir para

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um Judicirio melhor, como demonstram a recém-promulgada reforma constitucional ([Emenda Constitucional de] nº 45/2004) e várias modificações nas leis processuais. A reforma do sistema judicial tornou-se prioridade também para o Poder Executivo, que criou a Secretaria de Reforma do Judiciário no âmbito do Ministério da Justiça, a qual tem colaborado na sistematização de propostas e em mudanças administrativas. São essas as premissas que levam os três Poderes do Estado a se reunirem em sessão solene, a fim de subscreverem um Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano [...] (Brasil, 2004a, p. 1).

Sob esta perspectiva, se estavam bem claros desde o ínicio — e, mesmo antes que a reforma se iniciasse — os parâmetros sob os quais seriam editado o novo Código de Processo Civil — ora a melhor representação do que seria este movimento de reformas institucionais no âmbito civil no pós-1988 —, a seu turno, os atores18, interesses, a dinâmica da negociações e os resultados das deliberações permaneceriam — como mesmo característico do políticoinstitucional brasileiro (Giannotti et al., 1996; Limongi & Figueiredo, 1998; Diniz, 1999; Koerner, 1997), no entanto, a ser definidos a cada nova fase do processo legislativo.

Conclusão Sendo certo que uma reflexão sobre as escolhas e tomadas de posição que resultam, em última instância, na produção legislativa, só é possível a partir de uma análise do contexto no qual se desenvolvem seus processos decisórios, ao nos debruçarmos sob a atuação do Law and Development, e como seus posicionamentos institucionais foram sendo construidos — melhor compreendidos como um processo de construção, decorrentes “[...] from a considerable record of experiments, retreats, reassertions and yet the overall accumulation of power and influence” (Peet, 2009, p. 32) — nos permite melhor compreender o movimento de reformas que ocorreram no sistema de justiça civil brasileiro no período que se segue à promulgação da Constituição da República de 1988. Através do transplante de modelos regulatórios e da reforma do programas de faculdades de direito, em meados da década de 1950; passando pela promoção do Rule of Law, da independência judicial, e da defesa da propriedade privada, a partir do final da década de 1970; até, em atualidade, atuar na construção de um modelo que, sob as premissas do paradigma neoliberal, mesclaria o controle regulatório estatal e a primazia do setor econômico, o discurso endossado pelo Direito e Desenvolvimento tem sido um componente constante — e, mesmo, fundamental — das reformas normativo institucionais ocorridas em países como o Brasil, ao longo do último século. Sem querer afirmar, contudo, que tenha sido determinante no modo como as reformas ocorreram, há de se lhe imputar, contudo, certa cumplicidade nos encaminhamento e conteúdo das alterações realizadas. “A branch of legal education attempts at present to address the role of law in the development process. Building on earlier writings in jurisprudence, it also attempts to provide answers to the time honored questions related to the 1

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true role of law in society and why it may function at times to serve its originally intended purposes and at times to promote different or even conflicting purposes. A number of modern national and international institutes also provide training and encourage research in the various practical aspects of the subjects raised by these questions.” (Shihata, [1990], p. 219). “Nos dias de hoje, especialistas no assunto novamente fazem especulações sobre a relação entre direito e desenvolvimento. No século XIX, pensadores como Maine, Durkheim e Weber, que estudaram a ascensão da civilização industrial, consideravam o direito como um fator dominante nos processos que investigaram e, por essa razão, contribuíram significativamente para aumentar nosso conhecimento sobre o papel social do direito. No entanto, até muito recentemente, os estudos sobre direito e as ciências sociais não levaram adiante esta tradição e pouco foi acrescentado ao trabalho inicial realizado pelos teóricos sociais clássicos. Durante os últimos anos esta questão foi novamente levantada, dando margem ao aparecimento de uma pequena, mas crescente, literatura contemporânea que busca investigar as relações entre os fenômenos jurídicos e as grandes mudanças sociais, econômicas e políticas associadas à industrialização a que se costuma referir como modernização.” (Trubek, [1972], p. 151). 2

“If we take ‘development’ to refer to the diverse projects of comprehensive economic transformation and the accompanying social and political processes in the non-industrialized world, then [Law and Development] could have meant any number of particular ways of framing the relation between those projects and processes, on the one hand, and law (legal discourse, institutions, professionals, culture, etc.), on the other — which, somewhat surprisingly, turns out to be none of the above. The account of its adventitious origins supplied by Trubek and Galanter almost three decades ago already confronts its indeterminate status (academic movement, full-fledged subdiscipline, scholarly field or funding arctifact?) and contents. It remains singularly refract to bounding exercises. It does not appear to possess a particular normative armature or notable thematic consistency or much of unifying logic or set of organizing principles. The most one can say is that the disciplinary range of [Law and Development] is constituted by the aggregate of studies pursued by its self-identifying adherents. The odd thing is that it continues to command allegiance of some sort, right up to the present, although the very term seems as outmoded, as dated and period bound, as say, ‘stages of growth’, or ‘modernization’. Indeed, all the phenomena that at one time or another have figured in law and development discourse, the subject matter of articles, or books, the topics or themes of conference agendas and action programs, could readly (and perhaps more logically) be distributed among or subsumed within other, ostensibly more estabilished or at least coherent, legal subdiscilpines: comparative law, legal anthropology, socio-legal studies, international economic law, and law and economics. As a result there are all sorts of things that self-identifying [Law and Developmet] students address that concern, in one way or another, legal systems of successor states to former European colonies (land reform in Nicaragua, social action litigation in India, legal pluralism in Uganda) but are other wise disparate and disconnected. And there are other things that would (arguably) belong at the core of [Law and Development] studies, like corporate governance in Ukraine, but that have become the scholarly domain of those who would vehemently disavow any affiliation whatsoever, whether intellecttual or spiritual or professional, with self-identifying [Law and Development] adherents. One can nonetheless descry a kind of general course, with tacks and veers, or ‘moments’, that a discipline called for convenience ‘[Law and Development]’ has followed for decades, whatever the disciplinary identifications of its imputed membership. These moments follow fairly closely, albeit with a certain important lag, the winds shift or paradigm changes of development economics itself. [Law and Development] in a certain sense has always trimmed its sails to the prevailing winds of development economics. And yet, [...] [Law and Development] responds to these wind shifts obliquely: it tacks into the wind, it doesn’t simply sail with it. Had [Law and Development] followed development economics more directly — had it run before the wind — it might have fashioned a research agenda more particularly concerned with the economic functions of law and occupied itself more centrally, with an analysis of the legal entailments or requirements of particular industrialization strategies.” (Newton, 2006, pp. 176-7). Cf. Trubek & Galanter, [1974]. 3

“ ‘Law and development doctrine’ orients and explains the current practices of those who seek to change legal systems in the name of development, however defined. This doctrine is more than a detailed blueprint and less than a robust theory. Our thesis is that at any point in time, the doctrine can best be understood if it is seen as the intersection of current ideas in the spheres of economic theory, legal ideas, and the policies and practices of development institutions.” (Trubek & Santos, 2006b, p. 3). 4

“It is born North American but gets internationalized, only to be renaturalized and reinternationalized. In the same way as its fate is bound up with American ideas (like law and society or law and economics) and ideology (like modernization or neoliberalism), so is that fate bound up with interventionism and policy making. (This is not to make hegemonic claims but to recognize something native to the discourse, whatever the geographic or spiritual provenance of its expoents). It zigzags back and forth across hemispheres in the process, and colonizes other disciplines, or gets colonized by them (comparative law, law and economics). It zigzags as well between efficiency 5

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and equity, between formalism and deformalization, hegemony and oppositionism, regularity (or uniformity) and heterogeneity, diffusionism and comparativism, internationalism and nationalism, mainstream and alternative, interventionism and quietism, Weber and Marx, Pigou and Coase, but in keeping with its dialectical development, each successive zig or zag acquires a changed significance, and [Law and Development] becomes richer and stranger.” (Newton, 2006, pp. 174-5). “[...] Entrei no campo do Direito e Desenvolvimento pela causa: libertar os povos da opressão e da tirania. Havia aspectos anticomunistas no projeto de desenvolvimento da década de [19]60. Ele era alardeado como uma alternativa ao socialismo; como uma alternativa ao comunismo em uma época em que os Estados Unidos e a Europa Ocidental estavam preocupados com a tomada do Terceiro Mundo e, mais tarde, da China, pelos soviéticos. Achávamos que o risco era o autoritarismo da esquerda. Descobrimos que o verdadeiro risco era o autoritarismo da direita. Mas éramos muito jovens e ingênuos e não conseguimos ver isso. Queríamos lutar contra o autoritarismo e queríamos fazer algo contra a distribuição desigual de recursos entre as economias de todo o mundo. Não usávamos a palavra ‘eficiência’ naquela época; este não era um termo comum, mas certamente sabíamos o que ele significava. Achávamos que a busca por ‘eficiência’ era a maneira de chegar onde queríamos e pensávamos que um rápido crescimento econômico contribuiria para a libertação política. [...] E realmente pensávamos que, se conseguíssemos fazer com que as faculdades de Direito da América Latina se parecessem cada vez mais com Yale, contribuiríamos para o desenvolvimento da região. Eram idéias que seguíamos com sinceridade. O Direito e Desenvolvimento era uma causa. Era uma causa, e as causas últimas eram a igualdade e a liberdade. Sem dúvida, tratava-se de uma visão emancipadora [...]. O desenvolvimento era uma causa, e era uma causa emancipadora. Pensávamos que a exportação de instituições jurídicas ocidentais fosse libertadora. Pensávamos que o auxílio estrangeiro fosse um empreendimento altruístico. Pensávamos que o crescimento econômico, por si mesmo, levaria à Democracia e, portanto, não era necesário preocupar-se com a política. Não estou dizendo que alguém sentou e escreveu artigos que diziam essas coisas. Esta é uma explicação para a prática que consistia em concentrar-se na Economia e deixar de se preocupar com os direitos humanos ou com a democracia. Esta era a visão inicial. Passamos depois por um período de grande aprendizado. Aprendemos que o auxílio internacional poderia ser uma ferramenta demoníaca. Aprendemos que as instituições jurídicas ocidentais poderiam ser importadas e postas a serviço da opressão e do autoritarismo. Aprendemos que a idéia mesma de exportar instituições poderia servir à manutenção das elites e da dominação. Aprendemos o lado negro do Direito e Desenvolvimento, e isso levou às críticas.” (David Trubek in Rodriguez et al., 2007, pp. 322-3). 6

“We all suggest that the postwar consensus had something to do with broader ideas about the welfare state, embedded liberalism, the larger postwar international legal, institutional and economic order, and the possibilities opened by the Cold War. We link thinking in the 1970s intuitively to 1968, to the oil crisis, to the debt crisis, or to Vietnam. We treat it as a part of a broader loss of faith in the government, in the first as in the third, and to intepretations (often wrong) about why so many countries had not developed while other — the Asian Tigers in particular — had. The Washington Consensus of the 1980s and early 1990s seems inexplicable without mention of Tatcher and Reagan, and the broad discrediting of left and center-left wefare state policies in the first world. Its hold on the field seems linked to the new personnel and the new terrain opened up for law and development by the shift from third world development to transition policies in ex-socialist states after 1989. The current moment of chastening seems to arise from perceptions of the failures of early transition policies. It is conventionally associated with Blair and Clinton, and often with the Asian and Latin American currency crisis of the early nineties, or the new visibility for political resistance to globalization across the third world. It is often linked to criticism in intellectual circles, particularly among leading economists, of the neoliberal idea as a strategy for development or for transition. But these are loose sugestions, reminders of the context whitin which, or in relation to which, development expertise unfolded.” (Kennedy, 2006, pp. 95-6). 7

“The focus was on modernizing [sic] regulation and the legal profession. Emphasis was placed on public law and transplanting regulatory laws from advanced [sic] states. It was important to strengthen the legal capacity of state agencies and state corporations and modernize [sic] the legal profession by encouraging pragmatic, policy-oriented lawyering. Because modernization [sic] was thought to come about primarily through university training, a great deal of emphasis was placed on the reform of legal education.” (Trubek & Santos, 2006b, p. 5). 8

“Like the previous period, this was not a turn to law in general, but to a particular vision of law and its role in the economy. The particular vision of this period, however, could hardly have been more distinct from that which came before. Rather than an instrument for the state policy, law was understood as the foundation for market relations and as a limit on the state. Of course, new laws would be needed to dismantle state controls . But, consistent with the dominant economic theory that working markets were both necessary and sufficient for growth, the primary role assigned to legal institutions was one of a foundation for market relations.” (Trubek & Santos, 2006b, p. 2, grifos no original). 9

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“ ‘Princípio da lei’ (ou termos que veremos ser parcialmente coincidentes, como ‘Rechtsstaat’, ‘Etat de droit’ ou ‘Estado de direito’) é um termo controvertido. Por ora, permitam-me afirmar que seu significado mínimo (e historicamente original) é que, qualquer que seja a legislação existente, ela é aplicada de forma justa pelas instituições estatais pertinentes, incluído, mas não exclusivamente, o Judiciário. O que entendo por ‘de forma justa’ é o exercício de que a aplicação administrativa ou a decisão judicial de normas legais sejam coerentes em casos equivalentes, independentemente de diferenças de classe, condição social ou poder dos participantes nesses processos, adotando procedimentos que são preestabelecidos e conhecíveis por todos. Esse é um critério mínimo, mas não insignificante: se se atribui igualdade (e, pelo menos implicitamente, a mesma autonomia) ao ego em relação a outro alter, mais poderoso, com quem o primeiro faz um acordo de plantio em parceria, ou contrato de emprego, ou de casamento, então é lógico que ele tem o direito de esperar tratamento igual das instituições estatais que têm, ou podem assumir, jurisdição sobre esses atos. Importa notar que essa igualdade é formal em dois sentidos. Primeiro, ela é estabelecida em e por normas legais que são válidas (no mínimo) por terem sido sancionadas de acordo com procedimentos prévia e cuidadosamente ditados, com freqüência regulados em última instância pelas normas constitucionais. Segundo, os direitos e obrigações especificados são universalistas, no sentido de que são atribuídos a cada indivíduo qua pessoa legal, independentemente de sua posição social, com a única exigência de que o indivíduo tenha alcançado a maioridade (isto é, uma certa idade, legalmente prescrita) e não se tenha provado que ele sofra de algum tipo de incapacidade desqualificante (estritamente definida e legalmente prescrita). Esses direitos formais sustentam a reivindicação de tratamento igual nas situações legalmente definidas que tanto subjazem como podem seguir-se do tipo de atores [...]. ‘Igualdade [de todos] perante a lei’ é a expectativa inscrita tendencialmente nesse tipo de igualdade.” (O’Donnell, 1998, pp. 41-42, inclusões no original). 10

Este aumento do número de projetos em ‘auxílio ao desenvolvimento’, a seu turno, não se dá sem justificativa: com o ‘esgotamento’ do modelo desenvolvimentista — seja por contingências internas, seja por contingências externas —, e construído o ‘consenso’ em torno do modelo neoliberal, seria de então necessário aos países ‘do Terceiro Mundo’ que ingressassem em — ou, em termos, conformassem-se a — a ‘economia-mundo’; e, para tanto, “[...] it was necessary to create all the institutions of a market economy in former command economies and remove restrictions on markets in dirigiste economies such as those in many Latin American countries” (Trubek, 2006, p. 84). 11

“Once the economic development agencies realized that the neoliberal turn involved positive [sic] intervention to create the institutional conditions for markets, development agencies were committed to investing in legal reform. They found their concerns overlapped with those of the proponents of human rights and democracy. For both, the rule of law was a common goal. While the project of democracy and the project of markets seem very different, they both identified ‘the rule of law’ as an essential step toward their objectives. Both thought it important to have constitutional guarantees for certain rights, even if they differed on the rights to be given primacy. Both thought that an independent judiciary, preferable armed with powers of judicial review, was desirable, even though they had different ideas about what the judges were to be independent of and what was the purpose of such independence. And they agreed that efficiently functioning courts providing cost-effective access to justice were needed, although they probably had different ideas about who should get such access and for what ends they would use it.” (Trubek, 2006, p. 85). 12

Sob a denominação de Social — ou mesmo, mais recentemente, de Neodesenvolvimentista —, “This new ‘paradigm’ contains a mix of different ideas for development policy. These include the idea that markets can fail and compensatory intervention is necessary , as well as the idea that ‘development’ means more than economic growth and must be redefined to include ‘human freedom’. While Third Moment doctrine embraces these broad notions, each encompasses a great range of options with very different implications for policy.” (Trubek & Santos, 2006b, p. 7). 13

“[...] desde o princípio, eu imaginava que as reformas iam ser modestas, exceto aquelas que já faziam parte do consenso liberal — que já existia previamente à formação da aliança [Partido da Social Democracia Brasileiro (PSDB)-[Partido da Frente Liberal (PFL)] — e que eram inexoráveis, isto é, rescrever a parte mais estatista da Constituição, dando-lhe uma orientação mais liberal. Essa transição, essa passagem para uma visão mais liberal do país, era historicamente necessária para o Brasil, que nunca teve o seu momento liberal para valer. E nunca vai ter! Nós estamos condenados a essa mixórdia, em que os liberais pegam sempre carona em outras águas neste país. Essas reformas de dominância liberal, que já estão assentadas, a própria natureza do presidencialismo de coalizão e as restrições à criação de qualquer outra coalizão que não fosse aquela que formou o governo, produziram o resultado que nós temos hoje: a ausência de uma base política sustentável. Não existe maioria formada previamente; não existe consenso previamente formado; tudo tem de ser negociado caso a caso, as reformas e as mudanças e decisões legislativas. Isso cria restrições importantes à formulação de um projeto de governo mais coerente.” (Sérgio Abranches in Giannotti et al., 1996, p. 54). Neste sentido, “Ao aprisionar a política nesse nível institucional, o Fernando Henrique tirou a influência da sociedade sobre a política. E isso não foi à toa. Porque só assim ele podia 14

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aprovar as reformas do jeito que aprovou. [...] A meu modo de ver esta é uma estratégia arriscada porque sufocou o impulso de reformas que havia no conjunto da sociedade, particularmente em certos setores mais organizados, não apenas de trabalhadores, mas também de uma parcela do empresariado.” (Francisco de Oliveira in Giannotti et al., 1996, pp. 59-60). “Como esses interesses (os que visavam promover a independência do Judiciário e os que queriam suprimir sua independência) se unem? O que faz eles se unirem? Para fazer a Reforma, eu acho que o âmbito do governo, o governo do [Fernando Henrique Cardoso], tinha uma ampla maioria na casa e inseriu a Reforma do Judiciário dentro das reformas fiscais, FHC chamava de Reforma do Estado. Reformas que, na verdade, começam lá com o Fernando Collor e vão até o Lula, que é preparar o Estado brasileiro para a globalização e o neoliberalismo, ou seja, permitir o amplo acesso de mercados, mercadorias e empresas e, ao mesmo tempo reduzir, fazer um downsizing no Estado, essa foi a meta. E todas as reformas nessa época têm esse perfil, perfil permissivo de ingresso de mercados e empresários no Brasil, perfil privatizante de redução das empresas e do espaço do Estado, e perfil fiscal, no sentido de transferir dinheiro dos estados para união, do particular para o Estado. Então, você vai ter a Reforma administrativa que visa manter custos, a Reforma Previdenciária da mesma forma, a Reforma Tributária que não saiu enquanto Reforma, mas ela sai enquanto aumento forte das contribuições que vão só para União, não vão para os estados em uma desvinculação das receitas, ou seja permitindo que a União possa manejar o dinheiro sem ficar adstrita àqueles gastos sociais, e a Reforma do Judiciário coroou esse grupo de reformas do estado porque ela tinha como objetivo, e conseguiu o objetivo, de fazer uma espécie de centralização e verticalização da jurisprudência e da administração do Judiciário a partir de Brasília, de modo que pudesse ser, como diziam os documentos que eles consultavam do Banco Mundial na época, uma justiça mais previsível. Ou seja, que os investidores estrangeiros ao vir para o Brasil pudessem ter a tranqüilidade de que iam ter normas mais ou menos previsíveis, sem tantas altercações. Por isso que vai paulatinamente diminuindo o poder do juiz, inclusive no controle de constitucionalidade e esse poder vai aumentando nos Tribunais Superiores, que são de mais fácil tutela. Por que a Reforma demorou muito? Porque no meio dela se tem uma série de interesses e ela começa com o governo do FHC e no meio entra no governo Lula. A primeira entrevista do Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça é: — ‘Vou começar do zero’. Mas ele não começou do zero, ele tocou porque o Lula, no primeiro mandato, principalmente, assumiu o mesmo projeto de Reforma. O governo inclusive aguçou a Reforma da Previdência e tocou a Reforma do Judiciário, como não tinha mais oposição, os dois lados, os dois grandes partidos estavam de acordo com isso. Acho que sai a partir desse consenso, o governo que saía e o que entrava concordavam com essa Reforma. [...]” (Marcelo Semer in Paiva, 2012, p. 87). 15

“Não se pode desprezar o fato de que muitos países que inauguraram um ciclo de endividamento encontravamse sob governos com legitimidade política questionável, o que impedia contestações mais contundentes por parte das respectivas sociedades civis. Na América Latina o quadro de progressão do estoque de dívida externa líquida guarda estreita correlação com o ciclo de militarização da região. Não é possível afirmar que tal política não encontraria respaldo em regimes democráticos sob as condições específicas da oferta de crédito do período, mas pode-se supor que a conjugação de um ambiente macroeconômico com alta liquidez e as facilidades de promoção de políticas soberanas, com baixo poder de veto da sociedade, facilitaram o processo. O rápido investimento porque [sic] passaram muitas economias periféricas [sic] denota o caráter perverso do processo de substituição de importações sob a dominância de um regime financeiro internacional cada vez mais controlado por instituições privadas de crédito e por regimes domésticos autoritários. A convergência desses interesses mostrar-se-à explosiva no final da década de setenta, sendo inclusive decisiva para colocar em cheque a manutenção desses regimes.” (Coelho, 2002, p. 115). 16

Sob argumentos de que “[...] sistemas judiciais que funcionam mal atrapalham o crescimento ao estimularem um uso ineficiente de recursos e de tecnologia, distanciando os países das melhores práticas de produção. Assim, os altos riscos e custos de transação ocasionados pelo mau funcionamento da justiça afastam o sistema de preços do país dos padrões internacionais, distorcendo a alocação de recursos. Além disso, quando os contratos e os direitos de propriedade não são apropriadamente garantidos, as empresas muitas vezes optam por não desenvolver certas atividades, deixam de especializar-se e explorar economias de escala, combinam insumos ineficientemente, não distribuem a padrão da forma mais eficiente entre clientes e mercados, mantêm recursos ociosos, etc. A eficiência também pode ser afetada se o fraco desempenho do judiciário segmentar o mercado a ponto da reduzir significativamente a competição. [...] Um outro caminho pelo qual sistemas judiciais disfuncionais reduzem a eficiência da economia é através do consumo direto de recursos escassos. Litígios requerem advogados, o tempo e a atenção das partes, e um judiciário bem aparelhado. Trata-se de serviços altamente especializados, e a sociedade tem de gastar recursos consideráveis para treinar e formar juízes, advogados e outros quadros envolvidos no litígio. Há três fontes adicionais de ineficiência. Primeiro, o custo dos agentes privados em manter-se atualizados sobre a complicada e mutável legislação que tende a substituir o bom funcionamento dos sistemas judiciais. O setor público também se vê frequentemente obrigado a manter uma ampla burocracia para processar e supervisionar a aplicação dessa legislação. Segundo, sistemas judiciais disfuncionais, especialmente quando inclinados a emitir sentenças 17

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politizadas, estimulam as partes interessadas a desenvolver estratégias de lobby e rent-seeking. Terceiro, os agentes econômicos consomem recursos para desenvolver e utilizar os mecanismos privados que substituem um bom judiciário ou que servem para solucionar os problemas derivados do seu mau funcionamento, como o frequente descumprimento dos contratos. Firmas gastam recursos para atrair clientes e fornecedores. Contratos entre partes privadas e com o governo se tornam ao mesmo tempo mais difíceis de escrever — já que há a preocupação de evitar contingências não previstas e que requeiram a interpretação de uma terceira parte para serem resolvidas — e menos importantes em termos da transação. Ao lado disso, [...] a administração de ‘contratos é também mais difícil em um sistema com fraca imposição (enforcement) já que há uma pronunciada necessidade de se monitorar de perto o desempenho das partes na ausência da disciplina silenciosa imposta por fortes mecanismos de cumprimento de contratos’. Por outro lado, dado que o custo de implementar esses contratos é tão alto, as firmas podem constantemente renegociá-los ou simplesmente abandoná-los se a outra parte não os obedecer.” (Pinheiro, 2000, pp. 19-21). “É revelador, nesse sentido, o histórico da elaboração do Anteprojeto de Código de Processo Civil por uma comissão de juristas, constituída pelo Senado Federal para a substituição do código elaborado por Buzaid em 1973, bem como a análise da própria composição do grupo. [...] [D]os doze membros da comissão, seis informam em seus currículos sua associação ao [Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP)]; destes, porém, somente quatro realizaram seus estudos de direito processual nos departamentos acadêmicos associados ao núcleo histórico da Escola Processual Paulista ([Faculdade de Direito da Universidade Estadual de São Paulo (FDUSP)] e [Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)]). Apesar disso, é possível identificar nos egressos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (instituição do conhecido processualista José Carlos Barbosa Moreira, professor aposentado daquela universidade e membro honorário do IBDP) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (na figura do membro da comissão Adroaldo Furtado Fabrício) desdobramentos da Escola Processual Paulista para além daquelas duas instituições de ensino originais [...]. Por outro lado, chama a atenção a presença de um membro da comissão (Benedito Pereira Cerezzo Filho) egresso da Universidade Federal do Paraná, instituição na qual estaria baseada, segundo Paula (2002), a chamada ‘Escola Paranaense’ do direito processual, organizada em torno de figuras como Moniz Aragão e Luiz Guilherme Marinoni (ambos membros do IBDP, sendo o segundo orientador de mestrado e doutorado de Cerezzo Filho). Percebe-se também a presença de membros da comissão que, embora possuam títulos acadêmicos (o capital científico ‘puro’), não possuem posições superiores em carreira acadêmica (o capital científico-institucional, entendido como prestígio e poder institucional no campo acadêmico). Há também membros sem titulação acadêmica de mestrado ou doutorado informada, com conexões quase exclusivas com o campo profissional do direito: Jansen Fialho de Almeida, juiz de direito; e Marcus Vinícius Furtado Coelho, advogado e dirigente nacional da [Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)]. Por fim, é importante notar a juventude e a ausência de experiências anteriores em reformas legislativas da maior parte dos membros dessa comissão.” (Almeida; 2015, pp. 234-8). Em complemento, “Nas últimas duas décadas, grande parte dos projetos legislativos foram produzidos ou apoiados pelo IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual), a associação nacional mais destacada neste ramo jurídico. E, surpreendentemente, o presidente do Senado, José Sarney, optou por não consultalo formalmente para a formação da comissão de juristas (ainda que vários de seus membros sejam integrantes). Para alguns, por trás deste conflito haveria uma disputa pela hegemonia na produção intelectual no campo do direito processual brasileiro.” (Meirelles, 2012, p. 15). O autor continua, ainda, ponderando sobre as possíveis questões que permeariam essa alteração no eixo de poder dentro da esfera das profissões jurídicas brasileira. Vai questionar: “[...] Seria crucial a participação ativa do Instituto Brasileiro de Direito Processual, que nos últimos anos tornou-se referência na produção legislativa processual, na medida em que congregou um número representativo de estudiosos do tema? Por outro lado, será que o IBDP teria uma opinião consensual sobre o que seria o Código ideal, ou há tantas opiniões divergentes (incluindo o apoio aos trabalhos da comissão), que impediriam a apresentação de um projeto único? O método utilizado pela comissão de juristas e pelo Senado Federal foi suficiente para garantir o apoio da comunidade jurídica e do senso comum? E, por fim, em que medida uma lei técnica dependeria de um procedimento legislativo aberto para se legitimar?” (Meirelles, 2012, p. 16). 18

PODER CENTRAL X JUSTIÇA COMUNITÁRIA: OBSERVAÇÕES SOBRE O SISTEMA PORTUGUÊS E SUA APLICAÇÃO NO MUNDO LUSÓFONO Delton R. S. Meirelles

Introdução O panorama mundial merece ser contextualizado, para se melhor compreender os problemas do Judiciário brasileiro. Sendo a jurisdição atividade estatal, torna-se necessário abordar a construção de nosso Estado, a fim de verificar se reunimos algumas condições para a incorporação destas novas perspectivas sobre a Justiça contemporânea. Para tanto, parte-se inicialmente da observação de Raymundo Faoro (2007, p. 46): “o pensamento político brasileiro, na sua origem, é o pensamento político português”, pois “o mundo colonial deveria ser, pelas normas absolutistas vigentes, uma cópia do mundo português” (Faoro, 2007, p. 55). Esta advertência inspira a compreensão da questão judiciária brasileira a partir do método histórico-comparativo1, mais adequado para a análise mais precisa de nossa cultura jurídica, especialmente no campo do direito processual, consoante leciona Ovídio Baptista (2007, p. 179): [...] este é o ramo do direito mais comprometido com a história, uma vez que lhe cabe não apenas prescrever regras hipotéticas, como o faria o jurista do direito material, mas diretamente intervir nos conflitos sociais, impondo, aqui e agora, uma determinada regra de conduta.

Com efeito, a literatura nacional ainda recorre mais à comparação internacional do que às investigações genéticas de nosso direito, a despeito de todas as dificuldades metodológicas apontadas por referências teóricas como os trabalhos de Mauro Cappelletti (1978) e René David (2002). Além dos problemas conceituais, o crescente dinamismo2 e complexidade das relações sócio-jurídicas, aliadas ao processo de globalização cada vez mais intenso, tornam extremamente árdua a tarefa de estabelecer critérios seguros de confronto entre sistemas alienígenas. Cuida-se de técnica assaz delicada, em que há o risco considerável de análise meramente superficial e formal, sem que efetivamente seja alcançado um objetivo que não ilustrativo ou pitoresco, quando não meramente contemplativo. Fora o “complexo de viralata” tão bem descrito por Nelson Rodrigues, em que o brasileiro se coloca em posição de inferioridade em relação ao resto do mundo, inclusive o jurista que tende a culpar o povo pelo

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insucesso de institutos estrangeiros aqui aplicados. Como observa Fábio Konder Comparato (2007, p. 08), “no afã de imitarmos os países tidos como modelares, voltamos as costas ao passado, que se nos afigura em geral vulgar e sem brilho, e não hesitamos em procurar colher os frutos antes de plantar as árvores”. Neste trabalho, preferiu-se utilizar como parâmetro a influência do direito português no sistema jurídico de suas ex-colônias. A hipótese aqui apresentada é a de que o formalismo e o estatismo lusitanos contribuíram para a formação de estruturas judiciárias refratárias à participação popular, a despeito de tolerar algumas formas de justiça comunitária (porém não democráticas), o que não abreviou a corrente tensão entre centralização e poderes locais, presente ao longo da história do Império português. Questionar-se-á também como as colônias lusas se comportaram a partir de suas respectivas independências, verificando-se em que medida houve rupturas com o antigo sistema metropolitano.

I. Portugal Até o século XII, no atual território português conviviam comunidades políticas de diferentes origens étnicas (iberos, celtas, mouros, germânicos etc.). Depois de um longo processo, a assinatura do Tratado de Zamora (1143) conferiu independência ao Condado Portucalense (doravante Reino de Portugal), sob a regência de D. Afonso Henrique, primeiro da dinastia afonsina. Sua liderança política e militar foi fundamental pois, diante das guerras externas de defesa do território, conquistou o apoio de diversas comunidades locais para seu projeto de unificação, por meio da cessão de suas prerrogativas militares, fiscais e “jurisdicionais” em favor do rei, escapando dos domínios de senhores feudais e Igreja3. Sobre a função “jurisdicional”, a atuação de D. Afonso Henrique e seu sucessor D. Sancho I foi decisiva para a progressiva substituição dos julgamentos comunitários pela autoridade imposta. Neste sentido, leciona José Mattoso (2000, p. 14): Só alguns membros da cúria régia, imbuídos das ideias jurídicas inspiradas no Direito Romano, atribuíam-lhe, desde a década de 1190, autoridade de verdadeiro rei, e não apenas de primus inter pares. Para isso contribuiu, por um lado, a concepção, já antiga, da realeza como autoridade responsável pela manutenção da justiça e da paz, acima da que os senhores e os concelhos4 podiam assegurar, e o verdadeiro carisma de guerreiro que os eclesiásticos reconheciam em Afonso Henriques, e que seu filho Sancho I procurou também merecer.

Na segunda metade do século XIII houve progressiva centralização de poderes, especialmente durante os reinados de D. Afonso III (1248-1279) e D. Dinis (1279-1325)5. Não apenas nos campos político e administrativo, mas especialmente na reorganização do sistema de Justiça: criação de aparelho judicial capaz de assegurar a justiça sob o controle dos meirinhos-mores, mesmo contra os senhores (nobres ou eclesiásticos), instituição de corregedores para aperfeiçoarem o sistema judicial, organização do notariado, formação de

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um corpo de escrivães régios junto dos concelhos, controle das eleições dos magistrados municipais etc. Mas a centralização maior surge no século seguinte. Estando o rei afonsino D. Fernando (1345-1383) pendendo mais para a nobreza e aumento de seus privilégios (como a transferência involutiva de jurisdição para seus domínios), “o povo — a burguesia comercial — reclamava, nas Cortes (1372), contra a política retrógrada: queria que a ‘justiça não tivesse senhores’, que o monarca reservasse, para si, ‘a maior justiça’” (Faoro, 2000, p. 51). Este momento foi decisivo para a construção daquilo que Raymundo Faoro (2000, p. 51) conceituará como “Estado patrimonial de estamento”, cuja “forma de domínio, ao contrário da dinâmica da sociedade de classes, se projeta de cima para baixo”. Com a Revolução de 1383-1385 e a instauração da Casa de Avis, a burguesia se aproxima do poder, mas de uma forma bem diferente do que viria a acontecer na França de 1789. Observa Faoro (2000, p. 63) que “há um rumor antiaristocrático na reorganização política e administrativa do reino, antiaristocrático com o sentido de oposição à nobreza territorial, sem caracterizar um movimento democrático”. Assim, “burgueses e legistas velavam para que a monarquia, duramente construída, não se extraviasse numa confederação de magnatas territoriais, enriquecidos com as doações de terras, outorgadas para recompensar serviços e lealdades” (2000, p. 57). Desta forma, o “absolutismo” português (termo rejeitado por Faoro, para quem este modelo não se adequa ao caso lusitano) surge como fruto de acordo político provocado pela burguesia, a qual se mostra mais favorável à concentração de poderes em um rei ao qual teriam um melhor acesso, tendo em vista que a agricultura não seria suficiente para sustentar economicamente o reino. Assim, este centralismo é “a pálida imagem de uma monarquia vergada debaixo da tarefa a que se propôs, no tour de force contra os meios de sua débil economia autônoma” (2007, p. 51). Consequência deste processo é o enfraquecimento do direito consuetudinário local e o fortalecimento do direito escrito régio6. Significativa neste sentido foi a regência de D. Afonso V, em que houve um notável processo de compilação legislativa, resultando na primeira das Ordenações do reino português (1446)7. Com isto, buscou-se uniformizar e sistematizar o direito, de forma a reforçar a autoridade central e coibir eventuais interpretações abusivas pela nobreza. Antônio Manuel Hespanha (2006, p. 134), contrário ao pensamento predominante, afirma que a “ordem jurídica letrada não promovia tanto como se tem dito a concentração de poderes nas mãos do rei”. Entre outros argumentos, Hespanha (2005, pp. 247-48) defende a tese de que as Ordenações surgem mais como um instrumento de segurança jurídica do que controle estatal, nos seguintes termos: [...] até os finais do séc. XVII, elas não representam uma intenção de centralização do poder monárquico, inovando o direito por meio da lei régia, mas antes um desejo de corresponder aos pedidos dos povos de, pela redacção escrita, se tornar mais certo o direito consuetudinário tradicional. Neste sentido, este movimento de promoção da legislação real não significa ocaso do pluralismo medieval, que apenas ocorrerá, muito mais tarde, quando a lei reclamar o monopólio, ou uma eminência absoluta.

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O reinado de D. João II (1481-1495), conhecido como o Príncipe Perfeito, caracterizouse pelo confronto ainda mais aberto com a nobreza, sufocando todas as tentativas de conspiração8. Esta política agradou [...] aos procuradores dos concelhos que, conhecendo por certo já o perfil do novo monarca, e aproveitando-se da conjuntura favorável do início de um outro reinado, pediram, metódica e programadamente, reformas na justiça, na fazenda e na defesa. Queriam ver diminuídos os poderes jurisdicionais dos senhores e eliminadas as opressões que infligiam aos povos, como não menos pretendiam órgãos régios com funções rigorosamente definidas e oficiais competentes e zelosos, nunca nãocumpridores ou abusadores (Coelho, 2000, p. 20).

O tema da Justiça foi o principal das Cortes de Évora de 1490, foro político em que se observou a habilidade de D. João II. Como já havia expurgado os nobres que lhe faziam oposição, tornou-se mais fácil administrar as reivindicações daqueles que se mantiveram fiéis, sem ceder substancialmente sua autoridade. Após apresentar dados estatísticos sobre os pedidos formulados nas Cortes de Évora, a historiadora da Universidade de Coimbra, Maria Helena da Cruz Coelho, assim analisa: O maior número de pedidos destina-se a precisar a eleição e as competências ou a morigerar abusos dos oficiais régios, sejam da justiça — desembargadores, corregedores, meirinhos da correição, oficiais da corte, juizes de fora, juizes dos resíduos e órfãos —, militares — anadel dos besteiros —, fiscais — siseiros das carnes, almotacé-mor, alcaides das sacas e portageiros —, ou da escrita — escrivães e tabeliães. E, curiosamente, todos os pedidos foram contemplados com deferimentos totais ou em parte e alguns sob condições. Certas questões de índole jurídica ou judicial se lhe juntaram, procurando os povos aliviar os gravames da complexidade judicial, mostrando-se o monarca aqui mais reservado, não querendo inovar, indeferindo ou sendo evasivo. (2000, p. 27).

Coincidindo com a expansão marítima, no reinado de D. Manuel (1495-1521) houve profundo fortalecimento da Administração portuguesa, sendo relevante citar sucessivas reformas judiciárias9 e as segundas Ordenações (1521). Estas vigoraram até a União Ibérica, ocasião em que o Rei Filipe II da Espanha assume o trono luso com o desaparecimento de D. Sebastião (1580), passando a ser conhecido como D. Felipe I de Portugal (1580-1598). Sua grande obra legislativa foram as Ordenações Filipinas, sancionadas em 1895 mas que somente entraram em vigor com a Lei de 11 de janeiro de 1603, já sob o reinado de seu filho Felipe II/Filipe III. No sistema colonial regulado pelas Ordenações, previa-se uma organização judiciária com divisão em instâncias10. Povoações com população entre vinte e cinquenta habitantes e que não constituíam um município dispunham do juiz de vintena, escolhido entre os moradores do lugar pela Câmara Municipal mais próxima. Municípios maiores possuíam juízes ordinários, eleitos pela sua própria Câmara11. Até mesmo pelo escasso número de bacharéis (pela ausência de ensino superior na colônia brasileira), estes juízes não eram letrados12. Em

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oposição aos juízes honorários eleitos pela comunidade colonial, as ordenações previam juízes de fora, letrados e de nomeação régia13. De uma forma geral, reconhece-se a oposição entre o juiz ordinário, eleito pelos homensbons e legitimado comunitariamente14, e o juiz de fora, representante da autoridade metropolitana15. Isto nada mais é do que o transplante do conflito político entre poder local e poder central para a produção do Direito, potencializado na transição entre a Idade Média e a formação dos Estados Absolutistas. Percebe-se, na literatura especializada, a tendência à revisão crítica da tradicional associação entre medievalismo e atraso, tida como uma das “Mitologias Jurídicas da Modernidade” pelo historiador Paolo Grossi16, tendo em vista o caráter ideológico de tal assertiva, difundida para valorizar o perfil institucional desejado pelo Estado. Também se deteve no tema Antônio Manuel Hespanha (2005, p. 278), abordando a marginalização do “direito rústico”17 pelo “direito erudito”, denuncia: [...] o investimento na ideia de que o saber jurídico letrado (tal como é entendido nos meios eruditos da época medieval e moderna) é a única base legítima da justiça funciona como meio de expropriação dos poderes periféricos e é comparável a outras formas contemporâneas de centralização do poder.

A intenção governamental seria controlar a formação de um direito contrário que lhe fosse prejudicial, visto seu papel fiscalizador do cumprimento das normas jurídicas oficiais18. Além disso, reforçaria o domínio do poder central pois, como nota Raymundo Faoro (2001, p. 217), “a introdução dos juízes de fora já havia aviltado a autoridade do juiz ordinário, filho da eleição popular”. Contestando esta afirmação comum na literatura, Hespanha apresenta os seguintes dados: Contrariamente a uma ideia corrente, as justiças de uma esmagadora maioria dos concelhos eram, ainda nos séculos XVII e XVIII, justiças honorárias. Nos meados do séc. XVII, havia 65 juizes de fora num total de mais de 850 concelhos, o que corresponde a dizer que apenas 8% das terras com jurisdição separada tinham justiças de carreira. Nos restantes concelhos existiam os dois juizes da Ordenação, não letrados e honorários. Durante a segunda metade do século XVIII, o número de juizes de fora aumenta, mas nunca ultrapassando a quota de 20%. (2006, p. 261).

Assim, o historiador português problematiza a ideia corrente da efetividade do papel centralizador do juiz de fora. Concorda que o juiz de fora representava um elemento perturbador dos arranjos políticos locais. No entanto, além do fato da rede dos juízes de fora ter sido insuficiente para ter tamanho impacto centralizador, acresce Hespanha que, [...] mais do que longa do poder central, o juiz togado é um elemento de: enfraquecimento das estruturas locais que, se joga indirectamente a favor da coroa, reverte imediatamente a favor do fortalecimento da rede burocrática de que juízes de fora, corregedores e provedores fazem parte e que [...] filtra toda a comunicação entre o centro e a periferia. (2006, p. 363).

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Em sentido semelhante, a pesquisa de Arno e Maria José Wehling (2004, p. 69), ainda que assumidamente prejudicada pela escassez de fontes, mostra que “o juiz ordinário teve significativo papel na unidade político-administrativa e jurídica colonial, aplicando o direito português ao mesmo tempo que possuía, na maior parte das vezes, certa margem de atuação para fazer valer os interesses locais”19. Em outra passagem, assinalam que, [...] a historiografia, embora ainda com pequena sustentação empírica, vem demonstrando no caso do Brasil colonial é que nem sempre a bipolaridade centro x periferia ocorria conforme o desejado pela legislação, constatando-se a imersão de juízes de fora nas redes locais de poder (Wehling & Wehling, 2004, p. 72).

Por fim, após apresentar alguns casos concretos de insubordinação e abuso de poder de magistrados, concluem que “as relações entre juizes de fora e autoridades [estavam] longe de ser tranquilas” (Wehling & Wehling, 2004, p. 76). Em fins do séc. XVIII, mudanças surgem no cenário político-jurídico português. Durante o reinado de D. José, seu Primeiro-Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal) reestruturou por completo a administração regencial, empreendendo uma série de mudanças fundamentais, compreendendo Raymundo Faoro (2007, p. 66) que “a base das reformas pombalinas renovará o Estado, com a restauração da autoridade pública, fraca, corrupta e atrasada”. Este projeto político, segundo Antônio Manuel Hespanha (2006, p. 272), “significou, no plano do imaginário e das estratégias de poder, a abertura — que depois continuará no liberalismo político — de estratégias de ‘racionalização’ e de disciplina da sociedade e de centralização e estadualização do poder.” No campo jurídico, a Lei da Boa Razão (1769) formaliza o sistema jurídico, fixando normas sobre a aplicação dos costumes20 e reduz o papel do direito canônico (enfraquecido após a ruptura das relações do Estado com a Igreja Católica), substituído por um direito civil laico inspirado no direito natural. Além disso, merecem lembrança a reformulação do direito penal e a reforma do ensino universitário. Após a morte de D. José e do Marquês de Pombal, o golpe fatal nos juízes ordinários foi dado com o Alvará de 28 de Janeiro de 1785. Por determinação da Rainha D. Maria I, os juizes locais perderam grande parte de sua autoridade, pois suas decisões deveriam ser despachadas pelos juizes de paz, restando-lhes apenas o papel de publicar as sentenças: Eu, a Rainha, faço saber aos que este Alvará com força de Lei virem: [...] que alguns Juizes pela Ordenação, nas Villas, que promiscuamente se subordinárão à inspecção de hum só Juiz de Fora, na ausencia deste, se oppunhão aos seus mandatos, livravão toda a qualidade de réos, sem appellação, nem aggravo, fosse roubo, traição, morte, ou outro qualquer delicto; razão, por que os Cartorios clamavão contra estes desacertos; os insensatos atrevião-se, e os Ministros sentião; E querendo Eu abolir absurdos tão perniciosos, conformando-me em tudo com os pareceres da sobredita Meza: Sou Servida declarar, e ordenar aos ditos respeitos o seguinte: [...] Que nas Villas, que promiscuamente se achão subordinadas á inspecção de hum só Juiz de Fóra, em quanto este existir, em qualquer dos lugares, ou Villas da sua jurisdicção, não possão os Juizes pela Ordenação despachar, nem mandar despachar, os feitos por Assessores alguns, mas sim os remettão aos Juizes de Fóra a qualquer das Villas, em

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que existirem para os despacharem, os quaes depois de os terem despachados, os remetterão aos ditos Juizes pela Ordenação, para estes os publicarem na Audiencia que fizerem. (1875).

Por este sobrevoo na histórica política portuguesa, podem-se verificar sucessivas tensões entre a autoridade central régia e as composições locais fundadas nas práticas costumeiras. Entretanto, diversamente do que ocorreu em outros países, o Judiciário luso institucionalizouse verticalmente, tendo as instituições judiciárias centrais sufocado as alternativas comunitárias, marcando a vitória do projeto autoritário. Neste sentido, apontam Wehling & Wehling: Para além da estrutura formal da justiça, seu traço invariável foi o de existir um esforço centralizador por parte da autoridade real, caracterizado pela adoção de uma legislação superveniente, de origem estatal, embora longe de possuir exclusividade como fonte do direito, aplicada pela magistratura e por um esboço de ministério público. A este esforço centrípeto na área da justiça, semelhante a outros ocorridos nas áreas fazendária, militar e eclesiástica, corresponderam reações centrífugas, algumas alicerçadas na tradição jurídica, outras em fatores novos, que dela se utilizaram ou que se valeram de instrumentos até então inexistentes. Este esforço centralizador, entretanto, não deve ser superestimado, pois o equilíbrio alcançado pelas monarquias nos séculos XVI e XVII somente seria rompido a favor do centro político com o chamado ‘despotismo esclarecido’, no qual efetivamente existe todo um esforço administrativo e legislativo a favor da centralização. (2004, p. 37).

Cumpre agora analisar o impacto deste modelo judiciário português em suas colônias, e em que medida foram preservadas algumas de suas instituições nos processos de emancipação.

II. África21 No caso das ex-colônias africanas, as guerras de independência contribuíram para o desgaste e consequente queda do Estado autoritário português, sacramentada pela Revolução dos Cravos de 1974. Como este processo coincidiu com a Guerra Fria, a resistência africana contou com o apoio dos blocos capitalista e socialista, ambos interessados na ampliação territorial de alianças no continente. Tendo sido vitoriosos os movimentos apoiados pela URSS, os novos Estados acabaram por incorporar institutos do direito soviético22, tais como os tribunais populares. A Constituição Soviética de 197723, em seu artigo 151, incluía os tribunais populares e locais como órgãos judiciários24, compostos por juízes eleitos pelo povo25 e que deveriam respeitar costumes locais como a língua26. Contudo, ao contrário do que havia em sociedades antigas, a constituição destes juízos não era feita espontaneamente pelo corpo social, e sim burocratizadas pela autoridade governamental. Neste sentido, Foucault esclarece que justiça popular não é sinônimo de tribunal popular, criticando-o profundamente ao associá-lo ao

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aparelho de Estado27. Além disso, argumenta que muitas revoluções buscaram eliminar as instituições judiciárias para substituí-las por órgãos julgadores civis28, como se vê nestas passagens de seu debate com militantes maoístas em 1971, diante da proposta de criação de tribunais populares para julgar a polícia: esta justiça deve ser o alvo da luta ideológica do proletariado e da plebe não proletária; por isso, as formas desta justiça devem ser objeto da maior desconfiança para o novo aparelho de Estado revolucionário. Há duas formas às quais este aparelho revolucionário não deverá obedecer em nenhum caso: a burocracia e o aparelho judiciário; assim como não deve haver burocracia, não deve haver tribunal; o tribunal é a burocracia da justiça. Se você burocratiza a justiça popular, você lhe dá a forma do tribunal. [...] As massas — proletárias ou plebeias — sofreram demasiado com essa justiça, durante séculos, para que se continue a impor-lhes sua velha forma, mesmo com um novo conteúdo. Elas lutaram desde os confins da Idade Média contra essa justiça. Afinal de contas, a Revolução Francesa era uma revolta anti-judiciária. A primeira coisa que ela explodiu foi o aparelho judiciário (Foucault, 1999, pp. 60-61).

Outro fator importante para a compreensão da organização judiciária local da África Portuguesa independente foi o retorno aos sistemas jurídicos anteriores à colonização, inserindo-se no contexto comum de reabilitação dos valores tradicionais pelos demais países recém-emancipados do continente29, como informa René David: A descolonização foi frequentemente acompanhada por declarações que deixavam bem expresso o desejo de fazer justiça ao direito consuetudinário; desejava-se, a crer nos dirigentes, reabilitar o direito tradicional, reagindo contra a atitude de condescendência e de desprezo que muitas vezes imperou durante a época colonial. (2002, p. 641).

Diante desta dupla influência, não é de se estranhar que tais nações tenham organizado tribunais populares oficiais, mas que julgavam conforme os costumes locais. Atendia-se ao projeto estatizante soviético, ao mesmo tempo em que reforçava a legitimidade entre seus pares, fundamental nestes países em que não há como se admitir uma identidade nacional homogênea, tendo em vista a multiplicidade tribal e o método colonial de divisão territorial. Em trabalho intitulado “From Customary Law to Popular Justice”, Boaventura de Sousa Santos apresenta dados de pesquisa realizada em Cabo Verde30, tendo como objeto os tribunais populares constituídos após sua independência, em 1975. Como alternativa ao modelo colonial português, centralizador e formalista, instituíram-se órgãos mais informais no sistema de Justiça. Assim, Para substituir em parte, o Estado de Cabo Verde criou — em paralelo à justiça profissionalizada, de tipo ocidental, reservada para os crimes mais graves ou para os litígios mais importantes — uma rede de tribunais populares espalhados pelos bairros urbanos e pelas aldeias mais remotas do país, constituídos por juízes leigos, designados por iniciativa do PAICV, e sujeitos a ratificação popular, entre as pessoas mais respeitadas ou mais activas da comunidade. Com competência para dirimir os

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litígios de pequena monta, com fraco poder de coerção, privilegiando as soluções de mediação e de conciliação e funcionando no seio das comunidades e com a activa participação destas, estes tribunais têm vindo a contribuir de modo decisivo para a construção de uma nova administração da justiça neste jovem país (Santos, 1990, p. 29).

Todavia, a mesma pesquisa aponta um dado inquietante: aos poucos, estes tribunais locais incorporaram práticas formais do Judiciário tradicional. Não apenas por uma questão simbólica, como diriam Bourdieu e Foucault, mas talvez pela influência partidária e consequente controle do processo decisório, consequências possíveis da administração socialista, consoante expõe Boaventura: pude identificar uma série de sinais que preocupantemente apontavam para uma aproximação da justiça informal comunitária, se não às formas, pelo menos à lógica das formas de justiça profissional clássica. Entre muitos sinais, referirei alguns a título de exemplo: um aumento da distância entre as partes e os juízes; o destaque dado aos símbolos oficiais; o recurso à presença da polícia; o uso de uma linguagem técnica popular [...]; a aspiração de status e de profissionalização por parte dos juízes; a presença maciça do Partido e a consequente identificação da justiça popular com o aparelho do Estado; o recurso a formas processuais e a formulários semelhantes aos correntes na justiça profissional; a aspiração manifestada por muitos juízes populares de estreitarem as relações com os juízes profissionalizados de modo a “aprender com eles como resolver os casos”. Todos estes sinais apontam, a meu ver, para a duplicação, uma vez que, através deles a justiça popular parece renunciar ao seu estatuto dicotômico de justiça alternativa. (1990, p. 29).

Seguindo a linha de Boaventura de Sousa Santos, outro pesquisador da Universidade de Coimbra, Odair Bartolomeu Varela (2004, p. 08), professor da cabo-verdiana Universidade Jean Piaget, observa que, nas colônias portuguesas na África, os tribunais populares visavam “a promoção do espírito da libertação da auto-estima, da autocapacitação de emancipação e de resistência à ideia de que ‘vocês não conseguem viver sem nós’, veiculada pela metrópole”. Também anota que tais tribunais não se confundiam com juízos comunitários, pois aqueles eram “instâncias de administração da justiça e órgãos de poder e participação populares”, integrados ao aparelho político de Estado e dependentes do partido oficial (Varela, 2004, p. 12). Com o colapso da União Soviética (aliado do governo revolucionário) e as primeiras eleições legislativas em 1991, foi instaurada a democracia representativa, substituindo o modelo de tribunais populares aplicadores do direito consuetudinário pelo monismo estatal e respectivos órgãos judiciários oficiais. Também integrando este grupo de pesquisa do CES/Coimbra, Sara Araújo examinou o acesso à Justiça em Moçambique, revelando um dado peculiar: como o governo revolucionário socialista desconfiava dos líderes tribais, supostamente fiéis ao antigo regime, institui-se uma justiça popular formada por juízes eleitos e juízes profissionais31. De forma semelhante ao que ocorrera em Cabo Verde, a democracia liberal instituída pela Constituição de 1990 extinguiu os tribunais populares, sendo substituídos por tribunais comunitários com

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natureza extrajudicial (que até o momento da pesquisa não haviam sido formalmente regulamentados).

III. Ásia No caso das ex-colônias portuguesas na Ásia, Boaventura de Sousa Santos coordenou ampla pesquisa em Macau, tendo como um dos objetos a administração da Justiça durante o processo de cessão à China, em 1999. Após expor vários aspectos da transição entre os modelos judiciários luso e oriental32, assim analisa: “a conclusão principal da análise dos dados do movimento judicial é que a procura dos serviços judiciários é, em geral, baixa e extremamente selectiva e distorcida em relação ao que é comum nas sociedades democráticas ocidentais que estabeleceram e consolidaram o desenho institucional dos tribunais”. Isto se explicaria pelo fato de que: a sociedade chinesa é conhecida pela diversidade e força dos seus sistemas de controlo social informal, os quais incluem, por via de regra, mecanismos de resolução de conflitos. Numa fase de instabilidade e de mudança cujas coordenadas são pouco conhecidas ou controláveis, é natural que estes mecanismos informais e não oficiais de controlo social e de resolução de conflitos adquiram uma legitimidade e uma eficácia maiores pela função securizante que desempenham. Podem, pois, ser socialmente úteis e como tal aceites ou mesmo incentivados (Santos, 1991).

Daniel Schroeter Simião, pesquisando outra ex-colônia portuguesa (Timor Leste) para sua tese de doutorado em Antropologia (UnB), apresentou dados relevantes no 28º Encontro Anual da ANPOCS (2004). Chama a atenção da existência de quatro sistemas jurídicos aplicados, revelando a tensão entre a justiça comunitária local e as tentativas oficiais de formalização (colonial português, domínio indonésio e o independente com colaboração da ONU).33 Conforme leciona Marcelo Dolzany da Costa (2002, pp. 39-49), tanto Portugal quanto Indonésia toleravam o “sistema doméstico da administração da Justiça”, diante da impossibilidade de imposição uniforme de seus sistemas diante da realidade local. Simião (2004, p. 144), com maiores dados empíricos, relata a atuação do “lia na’in” (operador da justiça local) em um típico conflito de vizinhança: Um lia na’in de Dili relatou-me um exemplo desse tipo de atitude em relação a um caso de conflito entre vizinhos. Um morador levara o caso à sua presença acusando o vizinho de ter matado um porco seu. O vizinho explicou que o porco estava destruindo sua roça e que advertira anteriormente o acusador para que este prendesse seu porco. Como o porco não fora preso e continuou a destruir sua roça, o vizinho matou o porco. No julgamento feito pelo lia na’in, a reação do vizinho fora justa e, portanto, não lhe cabia culpa pela morte do porco. O porco fora morto pela negligência de seu dono, e não cabia neste caso multa ou reparação.

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IV. América Portuguesa IV.i. Bases histórico-políticas da Colonização Chegando à nossa realidade mais próxima, percebe-se que o processo de emancipação brasileira distingue-se nitidamente das demais colônias portuguesas, não apenas quanto ao contexto histórico, mas principalmente na formação política do Estado nacional. Durante o domínio português, as instituições judiciárias seguiam o padrão metropolitano, com as adaptações necessárias à extensão territorial e a distância em relação a Portugal34. José da Silva Pacheco (1999, p. 11) chega a afirmar que “foi o município português transladado, com organização e atribuições políticas, administrativas e judiciais, semelhantes às da metrópole, de que provinha”. Por ser a colônia mais importante, já que constituía a base econômica do Império, a ponto de se afirmar que “Portugal tornara-se pensionista do Brasil” (Faoro, 2007, p. 63), em princípio haveria um controle maior, inibindo-se uma maior autonomia local e, principalmente, participação popular na administração. Quanto a isto, de fato houve sucesso: como lembra Oliveira Vianna (1974, p. 135), “nós nunca tivemos, nem conhecemos o governo direto do povo-massa; as assembleias populares do antigo direito foraleiro já haviam desaparecido com as primeiras Ordenações. Quando fomos descobertos e colonizados, já dominava a aristocracia dos ‘homens bons’.”35 Por outro lado, “a especificidade da estrutura colonial de Justiça favoreceu um cenário institucional que inviabilizou, desde seus primórdios, o pleno exercício da cidadania participativa e de práticas político-legais descentralizadas, próprias de sociedade democrática e participativa” (Wolkmer, 2002, p. 71). No entanto, com relação à autonomia local, a questão se torna mais complexa. Como já foi exposto por Hespanha, se na Metrópole já era muito difícil o controle absoluto dos conflitos locais, no Brasil se tornava praticamente impossível a centralização completa, diante do distanciamento e das redes burocráticas portuguesas.36 Mas a ausência do poder metropolitano não foi suficiente para a formação de autogovernos democráticos, consoante observação de Raymundo Faoro: Nesse feixe de conselhos — sob o comando do conselho do rei –, a direção régia e ministerial vê sua autoridade dilacerar-se, com o esfriamento do tempo de ação. Os assuntos brasileiros, meticulosamente medidos e previstos, com as decisões tardas, ficam a cargo, desta sorte, de outros funcionários e agentes, nas medidas urgentes. Interfere, entre a metrópole e a colônia oficial, larga parcela de arbítrio do setor privado, que, desta sorte, usurpa funções públicas. [...] Daí não se originou, todavia, um campo de self-government local, ou do exercício de liberdades municipais. Criase um governo, ao contrário, sem lei e sem obediência, à margem do controle, inculcando ao setor público a discrição, a violência, o desrespeito ao direito. Privatismo e arbítrio se confundem numa conduta de burla à autoridade, perdida esta na ineficiência. Este descompasso cobrirá, por muitos séculos, o exercício privado de funções públicas e o exercício público de atribuições não legais. (2001, p. 210)

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O sistema de sesmarias37, justificado pela necessidade de povoamento da vasta extensão territorial e pelo modo de produção extrativista, permitiu a constituição de uma solidariedade própria, assentada sob o domínio da família senhorial. Oliveira Vianna (1974, p. 208), como outros pensadores, chega a associar esta estrutura rural colonial brasileira ao feudalismo, a ponto de afirmar que “o clã parental e a sua projeção na esfera das instituições políticas e a sua condição [ser] um dos mais ativos agentes da constituição do nosso direito público costumeiro.”38 É claro que Portugal manifestou, em vários momentos, a intenção de preservar sua autoridade sobre esta estrutura, como no estabelecimento do Governo-Geral para restringir a ampla autonomia dada aos capitães donatários nos primórdios da colonização39, e a institucionalização de ouvidores como superintendentes das terras senhoriais. Como relata Capistrano de Abreu, diante da anarquia descrita pelas cartas de Duarte Coelho (donatário da capitania de Pernambuco), o remédio preferido por d. João III consistiu em tomar posse da capitania deixada devoluta pela morte de Coutinho, com os recursos da coroa estabelecer uma organização mais vigorosa, criar um governo geral, forte bastante para garantir a ordem interna e estabelecer a concórdia entre os diversos centros de população. (2006, p. 56).

Apesar dos esforços da Coroa, os conflitos muitas vezes eram decididos territorialmente, com base em práticas aceitas e impostas pela autoridade local, sem intervenção do poder metropolitano. Nem a ameaça de penas como a perda de jurisdição e degredo, previstas nas Ordenações Manuelinas e Filipinas para os casos de autotutela, eram suficientes para inibir os fidalgos (Wehling & Wehling, 2004, pp. 45-48). Mesmo assim, havia o cuidado das elites locais em normatizar diversas de suas condutas, até para demonstrar sua lealdade e manter a confiança do rei. Pesquisa feita pelo historiador português Francisco Ribeiro da Silva (2006, pp. 108-110), catedrático da Universidade do Porto, comprova o acolhimento de reivindicações brasileiras, a ponto de terem sido encontrados 23 atos régios requeridos por instituições municipais coloniais e acolhidos pela Coroa. IV.i.i. Independência Ao contrário dos movimentos afro-asiáticos do século XX, a transição da América portuguesa para o Estado brasileiro caracterizou-se mais pela continuidade do que pela ruptura40. Claro que isto não significa desprezo pelas lutas anticoloniais41, algumas delas ignoradas ou desconsideradas pela historiografia oficial clássica, mas que reconhecidamente não tiveram o mesmo ímpeto de outras revoltas emancipatórias dos séculos XVIII e XIX. José Murillo de Carvalho atribui isto ao problema da construção da cidadania na Colônia brasileira, determinando rebeliões pontuais entre elite local e Metrópole sem maior envolvimento popular42. Raymundo Faoro ressalta a ausência de um pensamento nacional

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homogêneo43, argumento presente também em Bóris Fausto (2002, p. 62), para quem as lutas “foram movimentos de revolta regional e não revoluções nacionais”. De qualquer forma, percebe-se que a independência se deveu mais ao desgaste das relações entre a nativa elite brasileira e a administração metropolitana, do que necessariamente amparada em movimentos de resistência popular44. Todavia, o que é mais notável neste processo (constituindo traço distintivo da independência das colônias hispanoamericanas) é a preservação da unidade territorial, objeto da clássica tese “A construção da ordem: a elite política imperial”, de José Murillo de Carvalho. A contribuição do Direito para a formação do Estado brasileiro foi objeto de vários estudos sobre o tema45. Mas nenhum outro trabalhou com tanta base empírica, demonstrando como a “adoção de uma solução monárquica no Brasil, a manutenção da unidade da ex-colônia e a construção de um governo civil estável foram [...] consequência do tipo de elite política existente à época da Independência”, elite esta caracterizada pela “homogeneidade ideológica e de treinamento” (Carvalho, 2006, p. 21), obtida por meio de um hábil sistema que envolvia faculdades de direito e mobilidade de acesso aos cargos públicos, “ocupação que mais favorecia uma orientação estatista e que melhor treinava para as tarefas de construção do Estado na fase inicial de acumulação de poder”(Carvalho, 2006, p. 99). Destacava-se a escolha de magistrados, “os mais completos construtores de Estado no Império” (Carvalho, 2006, p. 99), e que “estiveram entre os primeiros funcionários do Estado moderno a se organizarem em moldes profissionais”, constituindo “corporações mais ou menos estruturadas, com maior grau de coesão interna do que os outros setores [tornando-se] atores políticos coletivos com muito maior poder de barganha” (Carvalho, 2006, p. 148). Assim, a independência brasileira se caracteriza mais pela preocupação em conservar o Estado do que revolucioná-lo, preservar a autoridade do que democratizar o poder. A sociedade civil foi coadjuvante no processo de emancipação das elites locais do domínio português, ainda que estas tenham mantido muito da ideologia metropolitana. Raymundo Faoro (2007, p. 110) ressalta que o pensamento político brasileiro construiu-se de forma bem peculiar: sob influência do pombalismo, é centralizado no Estado, e não no indivíduo: além disso, “sua preocupação estará não em proteger a liberdade, mas, temendo a democracia, vigiá-la num equilíbrio de poderes, dos quais nenhum tem realmente origem popular”. Ao lado deste liberalismo à brasileira, Faoro enxerga na nossa organização estatal o patrimonialismo46. Demonstrando a formação do Estado brasileiro desde suas origens lusitanas, Faoro (2001, p. 62) se vale de dois conceitos weberianos (Estado patrimonial e estamento), para identificar “uma forma de domínio, ao contrário da dinâmica da sociedade de classes, [que] se projeta de cima para baixo”. Assim, “o governo, o efetivo comando da sociedade, não se determina pela maioria, mas pela minoria que, a pretexto de representar o povo, o controla, deturpa e sufoca” (Faoro, 2001, p. 109). Consequentemente, “no governo estamental [...]há necessariamente, como sistema político, a autocracia de caráter autoritário e não a autocracia de forma totalitária. [...] A autocracia autoritária pode operar sem que o povo perceba seu caráter ditatorial” (Faoro, 2001, p. 829).

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Neste sentido, associa-se o Estado ao autoritarismo. Mario Stopino (1998, p. 94) aponta três contextos: estrutura de sistemas políticos, disposições psicológicas e ideologias políticas. No primeiro caso, são chamados de autoritários os regimes que privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas”, o que nos permitiria identificar, em graus variáveis historicamente, no Estado brasileiro um modelo de regime autoritário em vias de modernização47, o qual pode, segundo Stopino, [...] ser encontrado em vários países do terceiro mundo [que] surgem em sociedades caracterizadas por uma modernização ainda muito débil e obstaculada por vários estrangulamentos sociais. Eles pretendem reforçar e tornar incisivo o poder político para superar os impasses no caminho do desenvolvimento. [...] A força de penetração do regime é limitada pela consistência das forças sociais conservadoras e tradicionais e pelo atraso geral da estrutura social e da cultura política.48 (1998, p. 101).

Certamente que havia a necessidade de modificação da estrutura administrativa, a fim de se desvincular das instituições lusitanas. Com relação ao Judiciário, o novo Estado substituiu a Casa de Suplicação pelo Supremo Tribunal de Justiça, ampliou os tribunais de Relação, e modificou os critérios para a investidura dos magistrados. Todavia, a distinção entre juizes leigos e juizes letrados foi mantida pela legislação imperial. A literatura jurídica da época acentuava bem a diferença: “o Juiz póde ser letrado ou leigo; aquelle deve ser formado em algum dos cursos jurídicos; este é o que não tem essa qualidade” (Carvalho, 1850, p. 38). A carreira dos juizes letrados iniciava-se com o cargo de juiz municipal pelo imperador, o qual nomeava bacharel em direito que tivesse um ano de pratica do foro49, contado da sua formatura.50 Gozava de mandato de quatro anos51, sendo competente para a prática de diversos atos processuais.52 Após o mandato como juiz municipal, era possível ao bacharel ascender na carreira da magistratura. Como informa Pimenta Bueno, descrevendo a legislação vigente à época: Os juizes de direito são nomeados pelo Imperador d’entre os bacharéis formados em direito maiores de 22 annos, bem conceituados, e que tenham servido como distincção, ao menos por quatro annos, os cargos de juizes municipaes ou promotores públicos: lei art. 24º, cód. do proc. art. 44º e regula. art. 199º. Sua primeira nomeação não póde ser feita sinão para comarcas de 1ª entrância: resol. Nº 559 de 28 de junho de 1850 art. 1º.53 (1922, p. 43).

Os juízes leigos, por sua vez, estavam presentes no tribunal do júri, na justiça de paz e, na segunda metade do século XIX, nos tribunais do comércio54. Os jurados, leigos que foram o colégio do tribunal do júri, tiveram sua atuação reforçada pela constituição de 182455. Em seu art. 151, dispunha que “o poder judicial é independente, será composto de Juízes e Jurados, os quais terão lugar assim no cível como no crime, no caso e pelo modo que os Códigos determinarem”. Os jurados eram escolhidos entre cidadãos

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eleitores, reconhecidamente de bom senso e probos56, a partir de lista organizada por uma junta composta do juiz de paz, do pároco ou capelão e do presidente ou algum vereador da Câmara Municipal.57 Em matéria cível, não houve tal regulamentação.58 Entretanto, o tribunal do júri ocupa papel central no Código de Processo Criminal de 1832, tido por Raymundo Faoro (2001, p. 351) como uma das medidas que consagraram “a autonomia local, medidas arrancadas à reação e partejadas com dor”. Como noticia José Reinaldo de Lima Lopes (2000, p. 289), cuida-se da “grande vitória legislativa dos liberais, logo após a abdicação de D. Pedro I. [...] Põe fim, praticamente, ao sistema judicial antigo, introduz novidades completas, trazidas da Inglaterra, especificamente o Conselho de Jurados (tribunal do júri) [...].” Outra figura de destaque no Código de Processo Criminal de 1832 era o juiz de paz, eleito localmente59. Assim como os juizes municipais, usufruíam um mandato de quatro anos60. Gozavam de atribuições policiais e judiciais, sendo competente para: a) os procedimentos relativos à formação da culpa (produzir as provas relativas à comprovação da existência do crime e de sua autoria); b) prender os culpados; c) julgar crimes de menor importância; d) participar da elaboração da lista de jurados, juntamente com o pároco ou capelão e o presidente ou algum dos vereadores da Câmara Municipal. Sua origem é assim resumida por Edson Alvisi Neves: O juiz de paz pautado no poder local apresentou-se como uma alternativa à expansão da estrutura administrativa perante a decadência do juiz ordinário e as práticas formalistas da ineficiente lentidão da máquina judicial, denominada por Thomas Flory como “uma espécie de guerrilha burocrática”. A sua criação fora sugerida pelo relatório do desembargador Manuel Inácio de Melo e Souza (barão de Pontal), ouvidor em São João Del Rei de 1814 a 1820, que, após apresentar o caótico estado do direito processual e da administração da Justiça, fez diversas sugestões capazes de melhorar a administração da Justiça [...]. (2008, p. 30).

Em âmbito cível, o papel constitucional dos juizes de paz era de estimular a conciliação como etapa pré-processual61, já que “nenhum cidadão, por mais elevada que seja a sua jerarquia civil, militar, ou ecclesiastica, está isento da jurisdicção conciliatória do juízo de paz” (PINTO, 1850, p. 129). O Código de Processo Criminal regulava a matéria, afirmando que sua competência era: a) conciliar, por todos os meios pacíficos ao seu alcance, as partes, que pretendem instaurar demanda; b) processar, e julgar em forma verbal, e sumaríssima, as pequenas demandas, que não exceder a sua alçada; c) processar, e julgar as causas de almotaceria, não excedentes de sua alçada; d) processar, e julgar todas as ações derivadas e contratos de locação de serviços62. Todavia, a importância dos juízes de paz não se exauria em sua jurisdicional, pois lhes foram dados extensos poderes (alguns pertencentes a outras autoridades até então), a ponto de constituírem figura central para a compreensão da política brasileira no séc. XIX, conforme sintetiza Ivan Vellasco: A criação do juizado de paz marcava uma mudança importante na configuração do poder judiciário e criava um personagem que marcaria toda a década seguinte,

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alterando profundamente o cotidiano da justiça. Com atribuições administrativas, policiais e judiciais, o juiz de paz, eleito, acumulava amplos poderes, até então distribuídos por diferentes autoridades (juízes ordinários, almotacés, juízes de vintena) ou reservados aos juízes letrados (tais como julgamento de pequenas demandas, feitura do corpo de delito, formação de culpa, prisão etc.), que passavam então a ter de compartilhá-los com esse intruso personagem. O exercício do juiz de paz envolvia a justiça conciliatória e o julgamento de causas cujo valor e/ou a pena não ultrapassasse certo limite, a imposição do termo de bem viver, a manutenção da ordem pública e emprego da força pública, vigiar o cumprimento das posturas municipais, a condução das eleições, enfim, funções administrativas, judiciais e policiais as mais amplas. (2003, pp. 68-69).

Essa “experiência republicana” de escolha popular de magistrados, ocorrida durante a Regência, não durou por muito tempo. A reforma conservadora de 1841 suprimiu, entre outros avanços, os poderes dos juízes de paz, sob o argumento que este modelo teria sido deficiente. Andrei Koerner (1998, p. 79) colhe várias justificativas da literatura para a atribuição das funções judiciais aos magistrados profissionais: ignorância dos procedimentos legais pelos juizes leigos, falta de treinamento para a aplicação das normas legais, corrupção, parcialidade etc. Um dos expoentes do conservadorismo imperial brasileiro, o jurista Paulino José Soares de Sousa (visconde de Uruguai), também utiliza como argumento o excesso de funções dadas aos juizes, por herança do direito português, sujeitando-lhes aos riscos da politização e consequente perda de independência.63 No entanto, mais do que eventuais deficiências técnicas, a supressão dos poderes dos juizes leigos merece ser observada a partir de suas implicações políticas. E, neste ponto, significativa foi a contribuição do historiador norte-americano Thomas Flory. Em sua obra mais conhecida, demonstra como o juiz de paz desatou uma violenta controvérsia acerca do Estado brasileiro, além de polarizar o pensamento institucional deste país: Los reformadores liberales hicieron al juez de paz el portaestandarte de sus propias preocupaciones filosóficas y prácticas: formas democráticas, localismo, autonomía y descentralización. Por otro lado, los tradicionalistas y conservadores vieron en el magistrado local una versión de mal agüero de la autoridad central y una amenaza al control social en el vasto imperio. Como el primer paso para alejarse de la herencia legal colonial, la reforma adquirió una identificación simbólica con el propio liberalismo brasileño. Los liberales la defendieron apasionadamente, y sus oponentes la atacaron sin cuartel. [...] La historia de la institución refleja toda la complejidad de las tendencias intelectuales y de las tensiones políticas y sociales del Brasil del siglo XIX. (Flory, 1986, p. 319).

Os estudos de Thomas Flory desvendam a articulação da elite imperial e do governo central com os juízes profissionais (1986, p. 81), a fim de preservar o projeto de unidade política do recém-independente país (1986, p. 319). Em um primeiro momento, o juiz de paz foi saudado por se mostrar alternativo à magistratura erudita, associada ao colonizador pela sua formação jurídica coimbrã e com quadros remanescentes da indicação por autoridades régias portuguesas. Para os liberais, diante da ameaça de restauração64, seria importante fortalecer as redes de poder locais, por meio de eleições conduzidas pelas elites provincianas.

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Entretanto, a morte de D. Pedro em 1834 (com consequente extinção do movimento restaurador) e a sucessão de revoltas locais, entre outros motivos, contribuíram para a revisão do sistema judiciário. Dentro de uma visão política instrumentalista, “si se acepta la estabilidad como un fin que justifica la oligarquia y la fueza como um medio, entonces pude argumentarse que éste fue un resultado feliz para el Brasil independiente” (Flory, 1986, p. 319). Neste sentido, o discurso oficial era bem claro: os juizes profissionais restauraram a ordem perdida. Victor Nunes Leal (1975, p. 190), avaliando a experiência dos juízes de paz, destaca que “à sua ineficácia como instrumento de prevenção e repressão da criminalidade atribuíram-se todos os atentados, desordens, motins e revoluções que caracterizam o conturbado período regencial”. De fato, ocorreu a vitória do movimento conservador65, para quem “urgia reformar o Código de 1832 no plano nacional, dotando o executivo de extensos poderes para manter a ordem pública e a unidade nacional, entendidos os conceitos de ordem pública e de unidade nacional segundo os critérios mais caros à mentalidade conservadora e centralizadora” (Leal, 1975, p. 192). Em outras palavras, para o movimento vencedor, “o código de 1832 estava lançando o país na anarquia; a lei de 3 de dezembro [de 1841] é que restabelecera a ordem, mantendo a autoridade do governo” (Leal, 1975, p. 195). Raymundo Faoro, por outro lado, chama a atenção para a aplicação artificial da magistratura inglesa, modelo inspirador dos liberais brasileiros: O salto era imenso: da centralização das Ordenações Filipinas à cópia do localismo inglês [...]. A maré democrática, depois de submergir a regência, chegava ao seu alvo: o autogoverno das forças territoriais, que faziam as eleições, recebendo a parte do leão na partilha, o senhorio da impunidade na sua violência e no seu mandonismo. O centro do sistema estava no juiz de paz, armado com a truculência de seus servidores, os inspetores de quarteirão, de triste memória nos anais do crime e da opressão.[...] Dessa contrafação do self-governement americano não é, porém, a ordem que sai, como não podia sair; mas, sim a intranquilidade, a violência, a desordem e, por fim, a anarquia. (2001, p. 353).

José Murillo de Carvalho enxerga de forma diferente a Reforma de 1841, por não concordar com o suposto “esmagamento do poder local” acusado pelos liberais. Em sua perspectiva, Foi antes a instauração do governo como administrador do conflito local, sobretudo do conflito entre poderosos. O juiz de paz eleito, representante de algum poderoso, tendia a entrar em constantes atritos, não só com os funcionários públicos (juízes, párocos, oficiais de justiça), mas também com outras autoridades eletivas e também representantes de poderosos locais [...]. O governo trazia para a esfera pública a administração do conflito privado mas ao preço de manter privado o conteúdo do poder [...]. O arranjo deu estabilidade ao Império, mas significou, ao mesmo tempo, uma séria restrição à extensão da cidadania e, portanto, ao conteúdo público do poder. (2006, pp. 158-59).

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Verifica-se que a profissionalização dos magistrados encontra raízes na preocupação estatal em ceder poder a legitimados locais. Fortalece-se o aparelho governamental em detrimento das práticas comunitárias realmente democráticas, como sempre ocorrera na história da administração judiciária portuguesa. Detendo-se no tema, Ovídio Baptista da Silva argumenta: Contribuiu sobremodo para exacerbar a secular separação entre o “direito dos sábios” e aquele direito produzido pela experiência forense, a circunstância de nossa formação cultural de país colonial, agravada pela ausência de uma cultura comunitária sólida. As precárias condições locais de transporte e comunicação, nas comunidades de nosso imenso sertão, onde a maior parte da população era analfabeta, estimulava ainda mais o sentimento centralizador e imperial herdado do Direito Romano, pois seria impensável a formação de direitos locais, suficientemente sólidos para opor-se ao direito imperial, imposto pela metrópole. (2004, pp. 44-45).

É claro que esta conclusão é generalizante, pois nem sempre a atividade judicial é pautada pela racionalidade estrita. Neste ponto, merece nota a pesquisa de Ivan de Andrade Vellasco (2004), professor da Universidade Federal de São João d’El-Rei. Após analisar processos da antiga comarca do Rio das Mortes (MG), descobre uma “sedução da ordem”, na medida em que a população buscava a justiça para a efetivação de seus direitos, e não para ser oprimida e controlada pelo Estado, até porque “qualquer regra é melhor do que jogar o destino ao arbítrio e ao capricho da sorte”66. Com isso, sustenta que o recurso ao Judiciário poderia ser visto como exercício de cidadania, contestando a interpretação autoritária de seu papel, nos seguintes termos: Uma imagem instrumental do poder judiciário e suas relações com a população faz parecer que esta apenas assistia passivamente os exercícios de poder de uma burocracia que, em última instância, era somente uma fachada legal para o domínio e controle estatal em consonância com os interesses políticos e econômicos dos potentados locais. Esta visão historiográfica tem sido consistentemente questionada a partir de trabalhos que, ao deterem-se sobre os processos criminais e fontes judiciárias, revelam que homens e mulheres pobres, mestiços e escravos aí aparecem não apenas como réus, mas como vítimas e queixantes que demandam a ação e intervenção da justiça. (Vellasco, 2004, p. 21).

Os autos investigados por este cientista social mineiro revelam aumento do número de processos e consequente incremento na produtividade judicial, no período inicial de vigência do Código de Processo Criminal67, o que seria concomitantemente explicável pela cooperação entre os novos juizes de paz e a competitividade destes com os magistrados letrados (Vellasco, 2004, p. 74). Ivan Vellasco (2004, pp. 85-86), ao confrontar seus dados com a tese de Flory, concluiu que esta dependia da conjuntura local em que atuassem os juizes leigos: nos centros urbanos desenvolvidos, os arranjos institucionais garantiam estabilidade ao sistema; nas regiões rurais mais afastadas, a precariedade daqueles arranjos permitiu a utilização da estrutura judiciária local como instrumento para realização de interesses privados e vinganças pessoais.

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Mesmo admitindo a imprecisão da ideia geral de centralização, isto não desqualifica o fato de que a Reforma de 1841 acabou por frear o avanço do papel dos juízes de paz, visto que estes passaram a ser meramente conciliatórios. A resistência aos juizes leigos, escolhidos comunitariamente, encontrou adeptos entre os juristas, os quais contribuíram para a formação de uma ideologia favorável à utilização de magistrados profissionais68. Ainda que haja majoritariamente simpatia ao tribunal do júri, como uma conquista liberal, não esconde os preconceitos em relação àqueles estranhos ao círculo do bacharelismo. Mais tarde, com a Consolidação das leis processuais, organizada pelo Conselheiro Ribas em 1876, estabelece-se uma nova área de atuação69 e disciplina das funções do juiz de paz.70 Escrevendo sobre o período, Pimenta Bueno destaca que “suas attribuições, além da conciliação tem variado, e hoje é limitada em conformidade da lei de 3 de dezembro de 1841, art. 91” (1857, p. 342). De qualquer forma, o dano já havia sido criado. Consolidou-se um modelo formalista de administração judiciária, no qual o senso comum acabou por pender para a promessa de qualidade técnica dos bacharéis em direito, desprezando-se a alternativa comunitária. Os juizes de paz foram mantidos pela República71, porém assumindo funções eminentemente conciliatórias e graciosas. Pontualmente, outros juizes leigos integrariam nosso Judiciário (como nos Tribunais do Comércio e na Justiça do Trabalho), só que legitimados pelo pertencimento a uma determinada categoria profissional. Entretanto, mesmo nestes casos a corporação leiga não conseguiu evitar a perda do espaço e a conservação do poder pelas forças corporativas judiciárias, não apenas pela sua movimentação no campo político, como também pela construção de uma ideologia jurídica peculiar.72 A desconfiança para com os juizes não-iniciados foi habilmente disseminada na cultura jurídica brasileira. Acostumamo-nos a valorizar o bacharel, associando a decisão judicial ao conhecimento erudito do Direito, aliado à submissão à autoridade oficial do Estado. Mesmo nos dias de hoje, não há reivindicações fortes da sociedade civil para reassumir o poder decisório em âmbito local, nem como manifestação política de conquista democrática na administração da Justiça.

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A análise histórica do Direito ainda não se encontra consolidada entre os juristas brasileiros, os quais não se habituaram ao rigor metodológico típico dos historiadores. Não são raras as obras em que a “evolução histórica” serve mais como curiosidade do que fundamento, sem falar em observações anacrônicas ou gigantescos saltos cronológicos. Aos poucos, o campo vem sendo construído, como se observa nos congressos organizados pelo IBHD (Instituto Brasileiro de História do Direito) e nos grupos de trabalho presentes nos encontros do CONPEDI (Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito) e nos simpósios da ANPUH (Associação Nacional de História).

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Como anota José Carlos Barbosa Moreira (2007, p. 41), “[...] tem o sabor do óbvio o asserto de que os ordenamentos jurídicos se acham em constante evolução — nos dias que correm, provavelmente, com maior rapidez do que noutros tempos. Ao estudioso não é lícito deixar de tomar em consideração este dinamismo. Semelhanças e dessemelhanças podem aumentar e diminuir, quiçá desaparecer. Nem é necessária, às vezes, uma expressa reformulação de textos legais. À margem deles, mudanças culturais fazem sentir-se na maneira de compreender e valorar comportamentos humanos. A interpretação e aplicação das normas jurídicas não escapa a esse processo evolutivo. É oportuno, para não dizer indispensável, que de vez em quando se retomem as comparações, a fim de verificar se ocorreram modificações capazes de tornar obsoletas posições clássicas, ou se — e em que medida — ainda é possível reputá-las válidas”. 2

Este processo é assim descrito pelo historiador português José Mattoso (2000, pp. 13-14): “[...] em 1131 Afonso Henriques [fixou-se] em Coimbra e [assumiu] o comando ativo da guerra externa, com o apoio, embora não necessariamente com a participação ativa direta, dos chefes das linhagens nortenhas. As necessidades da guerra levaram, porém, Afonso Henriques a encabeçar também outras forças, as dos concelhos, que constituíam, por assim dizer, a fonte abastecedora dos efetivos de massa e a melhor garantia da defesa fronteiriça em caso de invasão. Essas comunidades não nobres, mas com verdadeira autonomia local, que tinham criado as suas estruturas peculiares numa espécie de terra de ninguém entre as duas fronteiras, a cristã e a muçulmana, aliando-se ora com um lado ora com outro, que tinham feito da pilhagem modo de vida, aceitaram a autoridade régia como forma de garantir uma parte da sua autonomia face à crescente invasão senhorial dos barões de Entre-Douro-e-Minho. Cedendo uma parte das suas prerrogativas ao rei nas áreas militar, da justiça e do fisco, evitavam a submissão aos poderes senhoriais dos nobres e da Igreja. Podiam negociar com o rei o reconhecimento de importantes privilégios e prometiam a colaboração dos seus exércitos na luta antiislâmica. A chefia militar do rei trouxe consigo, portanto, a associação dos concelhos e da nobreza senhorial. Essas comunidades, tendencialmente opostas umas às outras, podiam assim manter as suas posições sob a proteção do rei e evitar lutas estéreis entre si. A formação de uma unidade política possibilitou também a integração das cidades organizadas em concelhos no espaço nacional, sem os sujeitar aos senhorios particulares (excetuando, até o século XIV, as cidades do Porto e de Braga) e, desde Afonso III (12481279), a sua subordinação política econômica orientada pela coroa”. 3

Utiliza-se “concelhos” no sentido original português, i. e., como divisão administrativo-territorial; não o confundindo com seu parônimo “conselho”. 4

“A montagem de um aparelho estatal capaz de exercer uma influência efetiva e verdadeiramente unificadora sobre todo o País, tirando o antecedente efêmero de Afonso II, data efetivamente da segunda metade do século XIII. Até essa altura, havia relações entre as diversas comunidades que se sujeitavam à autoridade do mesmo rei, havia também movimentos de tropas e de populações que abarcavam todo o território nacional, mas o País era constituído por um conjunto de unidades com uma considerável dose de independência, ligadas entre si por vínculos tênues, e, como conjunto, destituído de laços verdadeiramente coerentes” (Mattoso, 2000, p. 15). 5

“O direito português [...] serviu à organização política mais do que ao comércio e à economia particular. Articulouse no Estado de estamento, como elo de união, cimento de solidariedade de interesses, expressando sua doutrina prática e sua ideologia. O incremento da ideia de regular as relações jurídicas por meio de normas gerais, e não de regras válidas caso a caso, coincide com o aumento da autoridade do rei, sobretudo em desfavor dos privilégios do clero e da nobreza” (Faoro, 2000, p. 83). 6

Lembra Jônatas Luiz Moreira de Paula (2002, p. 144) : “As Ordenações Afonsinas, vigentes na época do descobrimento do Brasil, pode ser considerada como a primeira legislação processual em vigor na Terra de Santa Cruz”. Esta observação, ainda que verdadeira no sentido formal, poderia ser objeto de questionamento, tendo em vista a ausência de comprovação empírica da aplicação de um “direito processual” nos primórdios da colonização, ainda mais nas duas primeiras décadas do século XVI. 7

Atribui-se a D. João II a emblemática frase: “Eu sou o senhor dos senhores, não o servo dos servos”, para demonstrar sua superioridade sobre os nobres. 8

Interessante é a observação de Alexandre Mário Pessoa Vaz, ao abordar uma das contribuições deste período: “[...] nossa primeira instituição oficial dos juízes conciliadores (os ‘Aviadores’ ou ‘Concertadores de demandas’ criados por Regimento de D. Manuel, de 25 de Janeiro de 1519) parece ser, ao que supomos, a mais antiga da Europa, anterior portanto em algumas décadas ao conhecido e célebre Bando Bolonhês de 1574, e em mais de 250 anos aos juizes de paz franceses criados em 1790. Daí que os nossos legisladores liberais de 1820 falassem da conciliação como uma instituição ‘tão nossa, tão portuguesa’.” (2002, pp. 275-76). 9

10

Ressaltando-se a inexistência de uma separação rígida de funções estatais, havendo muitas vezes confusão entre as atribuições dos juízes e demais autoridades, como apontam Wehling & Wehling (2004, pp. 51 -84). 11

Ordenações Manuelinas, Livro I, tít. 44; Ordenações Filipinas, Livro I, tít. 65.

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Assim descreve Antônio Manuel Hespanha: “[...] um ponto que, na literatura corrente sobre o tema, merece, a nosso ver, revisão é o dos padrões de julgamento dos juizes locais; pois, dado o seu frequente analfabetismo, não poderiam aplicar o quadro de fontes de direito escrito e letrado” (2005, p. 190). 12

13

Figura presente já nas Ordenações Afonsinas, Livro I, Título XXV.

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Ainda que, no plano formal, houvesse a preocupação de se isolar o juiz ordinário do cotidiano municipal, já que “[...] o exercício da atividade judicial era regido por uma série de normas que objetivavam coibir envolvimento maior dos magistrados com a vida local, mantendo-se eqüidistantes e leais servidores da Coroa” (Wolkmer, 2002, p. 64). 15

O simbolismo estava presente até em detalhes como o porte de varas de cores diferenciadas. Impunham as Ordenações Filipinas que os juizes letrados carregassem varas pintadas de branco, enquanto os leigos deveriam usar varas vermelhas (Livro I, tít. LXV, 1). Na colônia, observa Cândido Mendes de Almeida, “[...] não obstante a legislação em vigor, os Juízes de Fora e Ordinários usavão no Brasil da vara, quando incorporados com as Câmaras, servindo-se ordinariamente, para distinctivo de sua autoridade, de uma meia lua de vime enrolada em panno de seda branca ou vermelha, se não pintada dessas côres, pregada na aba direta das casacas. Ignoramos a razão de semelhante usança” (1870, p. 134). Já os juizes de paz, por força do Decreto de 14 de Junho de 1831, deveria portar uma faixa a tiracolo com três tarjas, sendo duas verdes e uma amarela no centro. Expressão cunhada por Paolo Grossi, presente em vários artigos compilados no livro “Mitologias Jurídicas da Modernidade” (2004). 16

“ ‘Rústicos’ não era, de facto, uma expressão neutra no discurso da Baixa Idade Média. Longe de constituir uma simples evocação do mundo rural, ela continha uma conotação nitidamente pejorativa equivalente a ‘grosseiro’ (grossus, grossolanus), ‘rude’ e ‘ignorante’, por oposição a um ideal de cultura literária que, cada vez mais, se vinha impondo” (HESPANHA, 2005, p. 274). 17

Sustentando tal tese, Cândido Mendes de Almeida, em suas anotações às Ordenações Filipinas: “O fim principal da sua criação foi a usurpação da jurisdição, para o poder régio, dos juízes territoriais; o que pouco a pouco se foi fazendo, com gravame das populações, a que a instituição sempre pareceu e foi obnóxia” (1870, p. 134). 18

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Reconhecem os autores a existência de duas limitações da jurisdição dos juizes ordinários: de direito (controle hierárquico pelos juizes de fora, ouvidores e Relações) e de fato (justiça privada do mandonismo local). “Declaro, que os estilos da Corte devem ser somente os que se acharem estabelecidos, e aprovados pelos sobreditos Assentos na Casa da Suplicação: E que o costume deve ser somente o que a mesma Lei qualifica nas palavras = Longamente usado, e tal, que por Direito se deva guardar = Cujas palavras Mando; que sejam sempre entendidas no sentido que correrem copulativamente a favor do costume; de que se tratar, os três essenciais requisitos: de ser conforme às mesmas boas razões, que deixo determinado, que constituem o espírito das Minhas Leis: De não ser a elas contrario em coisa alguma: E de ser tão antigo, que exceda o tempo de cem anos. Todos os outros pretensos costumes, nos quais não concorrerem copulativamente todos estes três requisitos, Reprovo, e Declaro por corruptelas, e abusos: Proibindo, que se aleguem, ou por eles se julgue, debaixo das mesmas penas acima determinadas, não obstantes todas, e quaisquer Disposições, ou Opiniões de Doutores, que sejam em contrario [...]” 20

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A pesquisa não encontrou dados substanciais sobre o tema em Angola, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

Como observa René David. em seu tratado de direito comparado, “admitiu-se a União Soviética que pudessem existir diferenças entre os direitos das democracias populares e o direito soviético. É natural que se afastem do modelo soviético. Os desvios devem, contudo, obedecer a certos limites, se um Estado pretende continuar na família dos países socialistas; na Rússia, observa-se com certa preocupação o desejo manifestado por alguns de construir ‘um novo modelo de sociedade socialista’. Teme-se que, sob pretexto desta fórmula, se venham a abandonar certos princípios, julgados fundamentais pelo socialismo, interpretando de maneira diferente da russa a doutrina básica do marxismo-leninismo” (2002, pp. 222/223) 22

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A Constituição Soviética de 1977 foi a quarta na história socialista da extinta URSS (precedida pelas de 1918, 1924 e 1936). “In the USSR there are the following courts: the Supreme Court of the USSR, the Supreme Courts of Union Republics, the Supreme Courts of Autonomous Republics, Territorial, Regional, and city courts, courts of Autonomous Regions, courts of Autonomous Areas, district (city) people's courts, and military tribunals in the Armed Forces” (Beard, 1996). 24

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Art. 152: “People's judges of district (city) people's courts shall be elected for a term of five years by the citizens of the district (city) on the basis of universal, equal and direct suffrage by secret ballot. People's assessors of district (city) people's courts shall be elected for a term of two and a half years at meetings of citizens at their places of work or residence by a show of hands.” 25

Art. 159: “Judicial proceedings shall be conducted in the language of the Union Republic, Autonomous Republic, Autonomous Region, or Autonomous Area, or in the language spoken by the majority of the people in the locality. Persons participating in court proceedings, who do not know the language in which they are being conducted, shall be ensured the right to become fully acquainted with the materials in the case; the services of an interpreter during the proceedings; and the right to address the court in their own language.” 26

“O tribunal não é a expressão natural da justiça popular mas, pelo contrário, tem por função histórica reduzi-la, dominá-la, sufocá-la, reinscrevendo-a no interior de instituições características do aparelho de Estado” (Foucault, 1999, p.39). 27

“Compreende-se porque na França e, creio, na Europa Ocidental, o ato de justiça popular é profundamente antijudiciário e oposto à própria forma do tribunal. Nas grandes sedições, desde o século XIV, atacam-se regularmente os agentes da justiça, tal como os agentes do fisco e, de uma maneira geral, os agentes do poder: abrem-se as prisões, expulsam-se os juizes e fecha-se o tribunal. A justiça popular reconhece na instância judiciária um aparelho de Estado representante do poder público e instrumento do poder de classe”. (Foucault, 1999, p.43). 28

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Sobre a tradição africana, merece destaque o estudo comparativo de Oscar Chase, envolvendo o sistema jurídico norte-americano e as práticas dos Azande, tribo do Centro-Norte africano, assim analisadas: “the process the Azande used for resolving their disputes were a link in a circular chain from belief to authority to action and back to belief: the central role of the oracle as a fact finder supported their system of social stratification, their ideas about appropriate gender relations and their metaphysics. This is the ‘lesson’ of the Azande” (2005, p. 29). 30

Os melhores dados sobre o tema estão nas investigações desenvolvidas pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, coordenadas por Boaventura de Sousa Santos. Após o clássico estudo sobre a composição de conflitos em favelas no Rio de Janeiro, realizados nos anos 1970, o CES passou a investir em estudos neste campo, como se observa em diversos relatórios e publicações, além de sucessivas teses acadêmicas. “Em 1975, estabelecida a independência do país, o projecto socialista moçambicano passava pelo “escangalhamento” de todos os vestígios coloniais e pela construção de uma nova sociedade. O Estado procurou pôr fim à justiça dualista e às autoridades tradicionais, vistas como aliadas do poder colonial, e criar um sistema de justiça que se pretendia indígena, mas não tribal. Assim, em 1978, foi aprovada a Lei Orgânica dos Tribunais Populares, que previa a criação de tribunais populares em diferentes escalões territoriais, onde juízes profissionais trabalhavam ao lado de juízes eleitos pela população. Na base da pirâmide, os tribunais de localidade ou de bairro funcionavam exclusivamente com juízes eleitos, desprofissionalizados, que conheciam das infracções de pequena gravidade e decidiam de acordo com o bom senso e a justiça e tendo em conta os princípios que presidiam à construção da sociedade socialista [...]. Os tribunais populares de base deveriam substituir as autoridades tradicionais ao nível das funções judiciais. Contudo, a estas cabiam, ainda, funções administrativas, que, na estrutura estabelecida pelo Estado moçambicano, passariam a ser desempenhadas pelos Grupos Dinamizadores (GDs). Ora, isto não significa que as autoridades tradicionais tenham desaparecido, de facto, do mapa da administração e da justiça moçambicano. A realidade nem sempre correspondeu à retórica do Estado e em diversos contextos (sobretudo rurais), as ATs sobreviveram, mantiveram a legitimidade e vieram a colmatar um vazio tantas vezes deixado pelo Estado” (Araújo, 2002, p. 7). 31

O relatório observa a presença de um verdadeiro pluralismo jurídico na região, pois “o direito é uma configuração plural de direitos em que se combinam o direito português, o direito da Administração portuguesa de Macau, o direito internacional luso-chinês, o direito chinês, os usos e costumes do Sul da China e, especificamente, de Macau e alguns ramos do direito (nomeadamente, o direito económico, direito contabilístico e direito comercial) de Hong Kong”. 32

Curiosa foi a atuação da ONU, por meio da operação apelidada UNTAET (“United Nations Transitional Administration in East Timor”), pois foi a primeira vez que as Nações Unidas tomavam a si a montagem dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de um país em formação, conforme autorizava a Resolução nº 1272 (1999) do Conselho de Segurança das Nações Unidas. 33

Sobre a colonização e aplicação do direito português, merece nota a observação de Antônio Carlos Wolkmer: “a compreensão, quer da cultura brasileira, quer do próprio Direito, não foi produto da evolução linear e gradual de uma experiência comunitária como ocorreu com a legislação de outros povos mais antigos. Na verdade, o processo colonizador, que representava o projeto da Metrópole, instala e impõe numa região habitada por populações indígenas toda uma tradição cultura alienígena e doto um sistema de legalidade ‘avançada’ sob o ponto de vista do 34

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controle e da efetividade formal” (2002, p. 45). Arno e Maria José Wehling ressaltam que “a versão tradicional na historiografia, inclusive na historiografia jurídica, é a do puro e simples domínio da ordem jurídica europeia” (2004, p. 19). No entanto, ainda que admitam a necessidade de maiores pesquisas sobre o tema, apresentam tipologia sobre as regras jurídicas nos seguintes territórios no Brasil-colônia: a) áreas de aplicação do direito português (presença maior do Estado); b) comunidades indígenas isoladas ou de contato intermitente com os brancos; c) áreas de justiça privada latifundiária; e d) comunidades resistentes de origem africana (2004, pp. 21-22). Em seguida, o jurista afirma: “os elementos da população das vilas, termos e comarcas, que chamamos, realmente, hoje povo estavam excluídos praticamente — e também legalmente — da incumbência de concorrer para a constituição dos poderes públicos municipais — como eleitores, e também do próprio exercício destes poderes — como representantes. Durante cerca de 300 anos, não colaboraram portanto, nem podiam colaborar, na administração local — nem como eleitores (jus sufragii), nem como titulares qualificados (jus honorum)” (Vianna, 1974, p. 137). 35

Ressalta Bóris Fausto que “o Estado português não se ajusta à ideia de uma máquina burocrática esmagadora, transposta com êxito para a Colônia. A tentativa de transpor a organização administrativa lusa para o Brasil chocouse com inúmeros obstáculos, dada a extensão da Colônia, a distância da Metrópole e a novidade dos problemas a serem enfrentados. O Estado foi estendendo seu alcance ao longo do tempo, diríamos melhor ao longo dos séculos, sendo mais presente nas regiões que eram o núcleo fundamental da economia de exportação. Até meados do século XVII, a ação das autoridades somente se exerceu com eficácia na sede do governo-geral e das capitanias à sua volta. Nas outras regiões predominaram as ordens religiosas, especialmente a dos jesuítas, considerada um Estado dentro do Estado, ou os grandes proprietários rurais e apresadores de índios” (2002, p. 37). 36

37

Sobre as polêmicas acerca na natureza jurídica das sesmarias, cf. Torres, 2008, pp. 16-32.

Outra referência fundamental na história do Brasil, Capistrano de Abreu relata que “nas terras dos donatários não poderiam entrar em tempo algum corregedor, alçada ou outras algumas justiças reais para exercer jurisdição”. Isto se justificaria pelo seguinte fato: “convicto da necessidade desta organização feudal, D; João III tratou menos de acautelar sua própria autoridade que de armar os donatários com poderes bastantes para arrostarem usurpações possíveis dos solarengos vindouros, análogas às ocorridas na história portuguesa da média idade”(2006, p. 49). Para uma melhor compreensão das polêmicas literárias, há a síntese de Antônio Manuel Hespanha (2005, pp. 183-89). 38

Bóris Fausto observa que “a instituição de um governo-geral representou um esforço de centralização administrativa, mas o governador-geral não detinha todos os poderes, nem, em seus primeiros tempos, podia exercer uma atividade muito abrangente. A ligação entre as capitanias era bastante precária, limitando o raio de ação dos governadores. A correspondência dos jesuítas dá claras indicações desse isolamento. Assim, em 1552, escrevendo da Bahia aos irmãos de Coimbra, o padre Francisco Pires queixa-se de só poder tratar de assuntos locais porque ‘às vezes passa um ano e sabemos uns dos outros, por causa dos tempos e dos poucos navios que andam pela costa e às vezes se veem mais cedo navios de Portugal que das capitanias’. Um ano depois, metido no sertão de São Vicente, Nóbrega diz praticamente a mesma coisa: ‘Mais fácil é vir de Lisboa recado a esta capitania que da Bahia’” (2002, p. 21). 39

40

Como bons exemplos da identidade entre estes dois países, basta mencionar a abdicação de D. Pedro para assumir o trono português, em sua luta liberal contra o irmão D. Miguel; e as semelhanças entre as constituições brasileira de 1824 e portuguesa de 1826. Como observa Francisco Ribeiro da Silva, “a expressão mais flagrante desse parentesco surge nas duas leis fundamentais de cada um dos países: na Constituição Brasileira de 25 de Março de 1824 e na Carta Constitucional de 1826, dada por D. Pedro IV, os artigos sobre as Câmaras Municipais são 3 e são copiados ipsis verbis de uma para outra” (2006, p. 111). 41

Além das rebeliões pré-1822, como Inconfidência Mineira (1789), Conjuração dos Alfaiates na Bahia (1798) e Revolução Pernambucana (1817); merece destaque o sentimento antilusitano crescente após a Independência. Gladys Sabina Ribeiro, historiadora da UFF, ao pesquisar a construção da cidadania nacional, afirma: “o que podemos chamar hoje de identidade do ‘ser brasileiro’ era traçada contra o ‘ser português’, o ‘outro’ em diferentes planos” (2008, p. 55). “Foram raras [...] as manifestações cívicas durante a Colônia. Excetuadas as revoltas escravas, das quais a mais importante foi a de Palmares, esmagada por particulares a soldo do governo, quase todas as outras foram conflitos entre setores dominantes ou reações de brasileiros contra o domínio colonial. No século XVIII houve quatro revoltas políticas. Três delas foram lideradas por elementos da elite e constituíam protestos contra a política metropolitana, a favor da independência de partes da colônia.[...] Chegou-se ao fim do período colonial com a grande maioria da população excluída dos direitos civis e políticos e sem a existência de um sentido de nacionalidade” (Carvalho, 2004, pp. 24-25). 42

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“O elemento nacional está no sentido certo: não se trata de um pensamento nacional, de um país como Nação, mas como núcleos não homogêneos, com um projeto — apenas como projeto — nacional” (Faoro, 2007, p. 79). 43

Destaca Raymundo Faoro que “a política de contemporização da Corte encontra os obstáculos irremovíveis da administração portuguesa [...], na verdade o Estado, exposto na centralização, no sistema tributário e no favorecimento estamental ao colonizador. Formara-se, ao lado da burocracia estamental e portuguesa, uma subcamada brasileira, discriminada no exército e na administração civil” (2007, p. 95). 44

Entre outros, Sérgio Adorno, “Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira”; Aurélio Wander Bastos, “O ensino jurídico no Brasil”; Edmundo Campos Coelho, “As profissões imperiais: medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro”; Joaquim de Arruda Falcão Neto, “Os cursos jurídicos e a formação do Estado Nacional”; Gizlene Neder, “Discurso Jurídico e Ordem Burguesa no Brasil”; Alberto Venâncio Filho, “Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil.” 45

“O patrimonialismo, organização política básica, fecha-se sobre si próprio com o estamento, de caráter marcadamente burocrático. Burocracia não no sentido moderno, como aparelhamento racional, mas da apropriação do cargo — o cargo carregado de poder próprio, articulado com o príncipe, sem a anulação da esfera própria de competência. O Estado ainda não é uma pirâmide autoritária, mas um feixe de cargos, reunidos por coordenação, com respeito à aristocracia dos subordinados” (Faoro, 2001, p.102). 46

Sobre as polêmicas teóricas presentes no pensamento social brasileiro, no tocante à antinomia “Estado forte/Estado fraco”, merece leitura a obra de Edmundo Campos Coelho, especialmente as páginas 59 à 64. Cf. Coelho, 1999. 47

48

O autoritarismo no processo brasileiro é bem marcado na Exposição de Motivos do Código de 1939, da lavra de Francisco Campos, cujo discurso mostra bem a concepção de Estado da época: “O regime instituído em 10 de novembro de 1937 consistiu na restauração da autoridade e do caráter popular do Estado. O Estado caminha para o povo e, no sentido de garantir-lhe o gozo dos bens materiais e espirituais, assegurado na Constituição, teve que reforçar a sua autoridade, a fim de intervir de maneira eficaz em todos os domínios que viessem a revestir-se de caráter público. Ora, se a justiça, em regime liberal, poderia continuar a ser o campo neutro em que os interesses privados procurariam, sob a dissimulação das aparências publicas, obter pelo duelo judiciário as maiores vantagens compatíveis com a observância formal de regras de caráter puramente técnico, no novo regime haveria de ser um dos primeiros domínios, revestidos de caráter público, a ser integrado na autoridade de Estado. Do que fica dito resulta, necessariamente, o sistema que foi adotado no projeto. A questão de sistema não é uma questão a ser resolvida pelos técnicos; é uma questão de política legislativa, dependendo, antes de tudo, do lugar que o Estado, na ordem dos valores, destina à justiça, e do interesse maior ou menor que o Estado tenha em que ela seja administrada como o devem ser os bens públicos de grau superior. Ora, ninguém poderá contestar que no mundo de hoje o interesse do Estado pela justiça não pode ser um interesse de caráter puramente formal: a Justiça é o Estado, o Estado é a Justiça. À medida que crescem o âmbito e a densidade da justiça, a sua administração há de ser uma administração cada vez mais rigorosa. mais eficaz, mais pronta e, portanto, requerendo cada vez mais o uso da autoridade pública” (2001, p. 166). “Este anno de pratica é contado do dia, em que o bacharel formado se inscreve na classe dos advogados dos auditórios de uma cidade, ou villa; e é de sua obrigação provar cumpridamente a sua frequencia, e o seu exercício do foro durante esse anno de pratica” (Pinto, 1850, p. 17). 49

50

Conforme disciplinavam a lei de 03/12/1841 (art. 13) e o regulamento de 31/01/1842 (arts. 34 e 35), como descreve Bueno (1922, p. 44). Regulamento de 31/01/1842, art. 34: “O juiz municipal é quatriennal: findos os quatro annos, tendo servido bem, é promovido a juiz de direito, havendo vaga; ou é reconduzido, ou nomeado para outro lugar melhor, por outro tanto tempo” (Pinto, 1850, p. 17). Este prazo é contado “do dia em que o juiz toma posse do seu lugar, ainda mesmo que seja provisoriamente nomeado pelo presidente da província, sendo a nomeação posteriormente confirmada por decreto, e carta imperial (circul. 27 jan 1846, declarando o art. 9 do regulamento 31 janeiro 1842 e o aviso 10 jul. 1844)” (Pinto, 1850, p. 17). 51

“A estes juizes compete: 1º processar, e julgar definitivamente todas as causas cíveis, que perante elles fôrem instauradas, tanto ordinárias como summarias, á excepção das que tem fôro privilegiado; 2º exercer a jurisdicção dos juizes de orphãos nos termos, em que os não houver; 3º julgar as suspeições no caso da Ord. Liv. 3, tit. 21, § 8, onde não houver juizes do cível; 4º providenciar que no seu juízo se não deixe de promover as solemnidades legaes, para obrigar os interessados ao pagamento da taxa das heranças e legados; 5º exercer jurisdicção indistincta e cumulativa nas grandes povoações, em que estiverem em numero de dous ou mais; 6º conceder cartas de legitimação a filhos illegitimos, e confirmar as adoções; 7º a insinuação das doações; 8º a subrogação dos bens, que são inalienáveis; 9º supprir o consentimento do marido para a mulher revogar em juízo a alienação por elle feita; 52

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10º admitir caução de opere demoliendo; 11º permitir aos escrivães e tabelliães que tenha cada um seu escrevente juramentado, para escrever nos casos, em que as leis o consentem; 12º processar e julgar contenciosa e administrativamente as causas da competência da provedoria das capellas e resíduos; 13º pela mesma fórma processar e jugar, ainda mesmo que no lugar haja juiz do cível, as causas de almotaceria, que excederem a alçada dos juizes de paz; 14º executar nos seus respectivos termos todos os mandados e as sentenças cíveis, quer sejão por elles mesmo proferidas, quer por outros juizes ou tribunaes, á excepção só e unicamente das que estiverem dentro da alçada dos juizes de paz; 15º exercer, na fórma das leis em vigor, toda a sua jurisdicção civil, que exercião os juizes do cível; 16º da mesma sorte exercer a jurisdicção dos juizes de orphãos nos termos, em que os não houver, ou por não terem sido creados, ou em que as suas funcções não fôrem exercidas pelos juizes do cível”. (Pinto, 1850, pp. 18-20). Frise-se que, assim como há atualmente, os juizes imperiais possuíam assessor, tido como “uma pessoa graduada, adjuncta a um juiz principal, e particularmente para o aconselhar nas sentenças que dá, e julgar juntamente com elle” (Pereira & Souza apud Carvalho, 1850, p. 52). Em outras palavras, “o assessor deve ser formado em direito, e homem que goze de boa fama” (Pereira & Souza apud Carvalho, 1850, p. 52). 53

54

Merece destaque o intenso trabalho de pesquisa desenvolvido por Edson Alvisi Neves, em sua obra Magistrados e negociantes na corte do Império do Brasil: o tribunal do comércio (1850-1875). 55

Até então, o júri era limitado aos crimes de imprensa, conforme previa uma das últimas leis do reino unido (Lei de 18 de junho de 1822). Código de Processo Criminal de 1832, art. 23: “são aptos para serem jurados todos os cidadãos que podem ser eleitores, sendo de reconhecido bom senso e probidade.” 56

Código de Processo Criminal de 1832, art. 24: “as listas dos cidadãos, que estiverem nas circumstancias de serem jurados, serão feitas em cada Districto por uma Junta composta do Juiz de Paz, Parocho, ou Capellão, e o Presidente, ou algum dos Vereadores da Camara Municipal respectiva, ou, na falta destes ultimos, um homem bom, nomeado pelos dous membros da Junta, que estiverem presentes.” 57

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Destaque-se que o Brasil apenas teve um código nacional de processo civil em 1939. Até então, a legislação processual encontrava-se espalhada em vários dispositivos, como a Consolidação Ribas, o Código Comercial, os códigos estaduais republicanos, etc. 59

Sobre o processo eleitoral para a escolha dos juizes de paz, ver a síntese legislativa de Rosa Maria Vieira (2002, pp. 171-91). Vale destacar, que no referido período histórico, José Murilo de Carvalho, acentua que o Brasil apresentava uma legislação eleitoral extremamente liberal: “A Constituição regulou os direitos políticos, definiu quem teria direito de votar e ser votado. Para os padrões da época, a legislação brasileira era muito liberal. Podiam votar todos os homens de 25 anos ou mais que tivessem renda mínima de 100 mil-réis. Todos os cidadãos qualificadados eram obrigados a votar. As mulheres não votavam, e os escravos, naturalmente, não eram considerados cidadãos. Os libertos podiam votar na eleição primária. A limitação de idade comportava exceções. O limite caía para 21 anos no caso dos chefes de família, dos oficiais militares, bacharéis, cléricos, empregados públicos, em geral de todos os que tivessem independência econômica. A limitação de renda era de pouca importância. A maioria da população trabalhadora ganhava mais de 100 mil-réis por ano. Em 1876, o menor salário do serviço público era de 600 mil-réis. O critério de renda não excluía a população pobre do direito do voto. Dados de um município do interior da província de Minas Gerais, de 1876, mostram que os proprietários rurais representavam apenas 24% dos votantes. O restante era composto de trabalhadores rurais, artesãos, empregados públicos e alguns poucos profissionais liberais. As exigências de renda na Inglaterra, na época, eram muito mais altas, mesmo depois da reforma de 1832. A lei brasileira permitia ainda que os analfabetos votassem. Talvez nenhum país europeu da época tivesse legislação tão liberal. [...] Esta legislação permaneceu quase sem alteração até 1881” (2004, pp. 29-30). 60

Código de Processo Criminal, arts. 9, 10, portaria de 8 jul 1834, aviso nº 1 de 19/02/1838, aviso nº 5/05/1840 e aviso nº 15/12/1840 (Pinto, 1850, p. 26). Constituição de 1824, art. 161: “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum”; art. 162: “Para este fim haverá juizes de Paz, os quaes serão electivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Camaras. Suas attribuições, e Districtos serão regulados por Lei”.O advogado José Maria Frederico de Souza Pinto, em seu manual de processo civil, representa bem o pensamento da época sobre a conciliação, como se observa nesta passagem: “Na legislação pátria, de ha muito estava canonisado o principio de que as demandas encommodão ao estado, perturbão os tribunaes, destroem a paz em que devem viver os cidadãos uns com os outros, originão dissenções, e estabelecem odios entre elles; e que cumprindo evitarem-se estes enconvenientes, devião os juizes tentar reduzir as partes á concordia.Por fim, reconheceo-se que a conciliação é dever de necessidade, e não de honestidade; reconheceo-se que o juízo 61

O Law and Development Movement nas reformas processuais civis brasileiras pós-1988 | 87

contencioso deve ser precedido pelo conciliatório; determinou-se muito expressamente que nenhum processo fosse instaurado no fôro contencioso, sem primeiro no juízo de paz ser tentada a conciliação entre as partes. Enquanto não foi definitivamente creado o juízo de paz, varias providencias se derão para que os povos entretanto gozassem o beneficio daquelle preceito constitucional.Hoje é da exclusiva competência dos juizes de paz conciliar, por todos os meios pacíficos ao seu alcance, as partes, que pretendem demandar; não lhes sendo permitido por principio algum constrangê-las a estarem pela conciliação, que propozerem” (1850, pp. 127-28). No mesmo sentido, Pimenta Bueno defende que “O pensamento do art. 161 da constituição é de prevenir demandas inconsideradas, e com ellas inimizades e prejuízos que causão males aos indivíduos, assim como á paz das famílias, e á riqueza publica. A instituição de magistrados electivos, de juizes populares, ou de paz, que a constituição estabelece em seu art. 162, é sem dúvida a mais apropriada ao fim a que ella se propõe” (1857, p. 342). 62

Provimento, artigos. 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7; decreto de 20/09/1829, art. 4; decreto 26/08/1830; lei de 03/12/ 1841, art. 114; lei de 11/10/1837; regulamento de 15/03/1842, art. 1, §§ 1, 2, 3, 4 (1857, p. 27). “Portugal legou-nos com sua legislação, na época da Independência, a confusão do Poder Administrativo com o Judicial, confusão própria de um govêrno absoluto, e portanto de uma organização que não conhecia a divisão dos Poderes. Por aquela legislação exerciam os Juizes muitas e importantes atribuições administrativas. O direito civil e privado, o criminal, o comercial, o administrativo, e as jurisdições respectivas jaziam indiscriminadamente envolvidas no avultado montão das Ordenações e leis extravagantes. Estavam as coisas de modo que a administração não podia preencher a sua missão sem o auxílio do Poder Judicial, então seu instrumento e subordinado. Todos os interesses gerais e locais estavam confundidos, e entregues às mesmas mãos. A instituição das municipalidades, única que tinha alguns laivos de liberdade havia definhado, e perdido a cor à sombra do absolutismo. Cumpria, primeiro que tudo, separar a jurisdição administrativa da judicial; a polícia administrativa e preventiva da judicial. Sujeitar o que era administrativo ao Poder Administrativo sòmente; e dar-lhe sobre os seus agentes administrativos aquela ação sem a qual não pode preencher o seu fim. Reduzir a justiça judicial ao que deve ser, segundo nosso sistema, e assegurar-lhe então aquela independência que deve ter. Nada disso porém se fêz. Tratou-se sòmente de tornar a autoridade judicial, então poderosamente influente sôbre a administração, completamente independente do Poder administrativo pela eleição popular” (SOUSA, 1960, pp. 370-71). 63

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Vale lembrar que, embora minoritário, havia um movimento que pregava a reunificação dos reinos de Portugal e Brasil, sob a coroa de D. Pedro, que abdicara em 1831. Reunidos no Partido Restaurador ou Caramuru, mantinham o alerta da possibilidade de revisão da Independência. 65

Paulino José Soares de Sousa, o Visconde de Uruguai, em seu Ensaio sobre o Direito Administrativo, vale-se do argumento cultural para criticar seus opositores liberais e naturalizar a concentração autoritária estatal: “herdamos a centralização da Monarquia Portuguesa. Quando veio a Independência e com ela a Constituição que nos rege, saiamos da administração dos Capitães Generais, dos Ouvidores de Comarca, dos Provedores, dos Juízes de Fora e Ordinários, dos Almotacés, das Câmaras da Ordenação do Livro 1º etc. Não tínhamos, como a formaram os ingleses por séculos, como a tiveram herdada os Estados Unidos, uma educação que nos habilitasse pràticamente para nos governarmos nós mesmos; não podíamos ter adquirido os hábitos, e o senso prático para isso necessários. Os homens mais adiantados em idéias liberais tinham ido bebê-las nas fontes as mais exageradas, e tendiam a tomar por modêlo as instituições dos Estados Unidos, como a mais genuína e pura expressão do liberalismo. Por outro lado, os homens chamados para o poder manifestavam tendências de conservar o que existia, e sòmente tinham estudado e conheciam, em lugar de se porém à frente de justas e razoáveis reformas práticas, acomodadas às circunstâncias do país, que operassem a transição ” (pp. 345-46). “A justiça certamente ao mesmo tempo em que representou um espaço de efetivação de certos aspectos da cidadania e apresentou-se como a face visível e tangível do Estado para os não dominantes, desempenhou papel importante na ampliação e consolidação da base social de sustentação do Estado imperial, mais larga do que se supõe, quando se toma o conjunto da população como alheio ao que se passava na esfera pública; ela foi uma das engrenagens na montagem do campo de legitimação do poder imperial e, ao Império e aos seus homens de Estado, em suas ambições monopolizadoras, não passou desapercebida a sua função nem seu potencial de sedução para o campo da ordem” (Vellasco, 2004, pp. 225-26). 66

“Somados os lançamentos dos últimos quatro anos, 1829 a 1832 portanto, aqueles que coincidem com a atividade dos juízes de paz na comarca, teremos um total de 90 registros, 31.5% de toda a amostra. Um montante superior ao total de registros de toda a década anterior, que cobre o período de maior crise na administração da justiça, alvo das críticas reformistas; somados os anos de 1819 a 1828 obtêm-se 83 registros, 29.3% em relação ao conjunto. Ainda considerados os anos que vão de 1813, início das atividades do juiz de fora, a 1818, os lançamentos somam 113, representando 39.5% do total. Parece inegável o aumento da atividade judiciária no último período da amostra, com a média de registros por ano passando de 8.3, na década que precede a mudança, para 22.5 nos últimos quatro anos. É visível, por outro lado, que o início das atividades do juiz de fora marca um forte implemento na produção 67

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judiciária, com apenas um juiz, Manuel da Costa Vilas Boas e Gama, respondendo pela maior quantidade de lançamentos por ano em toda a amostra. Isso, além de reforçar o que ficou dito anteriormente a respeito do papel que cumpre o juiz de fora na implementação da eficiência do sistema, certamente indica um represamento da ação judiciária, que viria se acumulando nos anos anteriores em função da ação, ou inação, dos juízes ordinários” (Vellasco, 2003, p. 72). 68

Sobre as polêmicas conceituais acerca da ideologia, e sua aplicação no direito processual, referência necessária na literatura brasileira é Ovídio Baptista (em especial, o capítulo I de seu livro Processo e Ideologia). Art. 1º: “O districto dos Juizes de Paz é a fracção do município, marcada pela respectiva Câmara Municipal, devendo conter, pelo menos setenta e cinco casas habitadas.” 69

Art. 2º: “As attribuições civis dos Juizes de Paz são: § 1º. Conciliar por todos os meios pacíficos, que estiverem ao seu alcance, as partes que pretenderem demandar, procedendo na fórma do art. 185 e seguintes; § 2º. Processar e julgar as causas cíveis, cujo valor não exceder a 100$000, com appellação para os Juizes de Direito, na fórma dos arts. 986 e seg. Exceptuam-se, porém as causas que versarem sobre bens de raiz, as fiscaes e as que tiverem foro privilegiado § 3º Conhecer das acções derivadas de contractos de locação de serviços, na fórma do art. 985 § 2º e seguintes.” 70

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Com a federalização judiciária introduzida pela Constituição de 1891, competia aos Estados regular as atribuições dos juizes de paz, os quais retornaram ao texto constitucional em 1934 (art. 104, § 4º). O Ato Institucional nº 11, de 14 de Agosto de 1969 extinguiu a Justiça de Paz eletiva, sendo os juizes nomeados pelo Executivo (art. 4º e § único). Neste sentido, merece mais uma vez destaque o trabalho de Edson Alvisi Neves, especialmente o item “Justiça profissional versus Justiça leiga — a organização judiciária na visão de Nabuco de Araújo”, em que se reconstrói a estratégia utilizada pelo “estadista do Império” — interpretar a lei e concentrar o poder de julgar nos magistrados bacharéis (2008, pp. 314-28). 72

AUTORITARISMO E DEMOCRACIA EM FRANCISCO CAMPOS: UM ESTUDO DA CONSTRUÇÃO IDEOLÓGICA E DOUTRINÁRIA NA OBRA “O ESTADO NACIONAL” Fernanda Duarte Ronaldo Lucas da Silva Matheus Guarino Sant’Anna Lima de Almeida

Introdução O interesse, nas pesquisas jurídicas, pelo estudo de Francisco Campos e sua obra se revela pelo protagonismo que o mesmo desempenhou, especialmente na construção do plano normativo brasileiro, a partir do final da década de 30, com o Estado Novo e suas implicações para a cultura jurídica brasileira. O Estado Novo tem sido nomeado pela historiográfica como um período ditatorial implantado no Brasil entre os anos de 1937 e 1945. Centrado na figura do presidente Getúlio Vargas, este modelo de Estado foi sustentado por um forte aparato ideológico e doutrinário que vinha legitimar a instauração da ditadura, através do questionamento do modelo liberaldemocrático. Leve-se em conta que o ponto de inflexão desses modelos políticos foi a Revolução de 30, questionadora do modelo oligárquico que instalou um protótipo de democracia liberal que seria substituído com a instalação do Estado Novo e a consolidação do regime autoritário. Sob o aspecto jurídico, além da própria Carta Constitucional de 1937, este regime contou com uma expressiva produção legislativa, como os Códigos Penal, de Processo Penal e de Processo Civil, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), e outros, que possuem até hoje forte influência no Direito Brasileiro. Um dos principais articuladores destas reformas legislativas foi Francisco Campos. Descrito por Marcos Antônio Cabral dos Santos (Santos, 2007, p. 33) como, dentre os 

Este trabalho é resultado parcial das pesquisas realizadas no âmbito do Projeto de Pesquisa “O Processo Civil Brasileiro: discursos, práticas e memórias”, desenvolvido no âmbito do âmbito do Núcleo de Estudos sobre Cidadania, Direito, Processo e Discurso, da Universidade Estácio de Sá (UNESA) e do Laboratório Fluminense de Estudos Processuais da Universidade Federal Fluminense (LAFEP-UFF), e faz parte de pesquisas dos autores sobre a elaboração do Código Processo Civil de 1939, do qual Francisco Campos, autor aqui estudado, é um dos principais idealizadores. Os resultados da pesquisa foram apresentados no evento "A Sociologia do Direito em Movimento: Perspectivas da América Latina" (Sociology of Law on the movie: Perspectives from Latin America), que ocorreu entre os dias 05 a 08 de maio de 2015, na Unilasalle, em Canoas/RS, organizado pelo Mestrado em Direito e Sociedade do Unilasalle, pelo Research Committee on Sociology of Law da International Sociological Association (ISA/RCSL) e pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Sociologia e Direito (ABRASD).

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ideólogos do Estado Novo, o mais influente junto à máquina estatal. Francisco Campos foi ministro da Justiça e ministro da Educação e da Saúde do governo Vargas, além de deputado estadual e federal durante a República Velha. Em sua obra, que inclui livros de Direito, discursos, palestras e outros tipos de produção, além de sua atividade parlamentar, o autor deixou marcas claras de suas teses antiliberais e autoritárias, que viriam a dar suporte ideológico para o Governo Varguista. Francisco Campos, durante sua atuação como Ministro da Justiça do governo Vargas, produziu na forma de discursos e entrevistas uma vasta quantidade de textos. Muitos deles estão reunidos na obra O Estado Nacional: Sua estrutura, seu conteúdo ideológico (Campos, 2001), sendo esta coletânea o corpus principal de análise deste trabalho. Apesar de a coletânea trazer entrevistas, discursos, e a exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1939, produzidos entre 1935 e 1940, é possível extrair certa unidade das ideais e fundamentações presentes na obra como um todo. Desta maneira, este artigo tem o objetivo de analisar, através da obra O Estado Nacional, a articulação feita por Francisco Campos para dar suporte ideológico para a construção da ditadura do Estado Novo, através da crítica às instituições liberais e exaltação do modelo ditatorial e corporativista adotado pelo governo varguista.

I. Metodologia e objeto de análise. Para o presente trabalho, partimos de categorias de análise semiolinguística do discurso presentes na obra de Patrick Charaudeau, nas obras Discurso Político (2011) e Linguagem e Discurso: modos de organização (2008). O discurso político, tal qual entendido por Charaudeau, constitui um processo de influência social, e se relaciona diretamente com a ação política. A ação política, por sua vez, é fabricada por um sujeito que possui uma situação de decisão, de governo. Neste sentido, Charaudeau trabalha com as categorias de Instância Política e Instância Cidadã. A instância política “é o lugar da governança”. É o local “em que os atores têm um “poder fazer” — isto é, de decisão e de ação — e um “poder fazer pensar” — isto é, de manipulação.” (Charaudeau, 2011, p. 56). Já a instância cidadã é “aquela que se encontra em um lugar em que a opinião se constrói fora do governo” (Charaudeau, 2011, p.58). O discurso político é, portanto, dirigido por uma instância política, que possui o poder e busca legitimidade, para uma instância cidadã, que concede ou não legitimidade para os atos do governo. O discurso político pode surgir em vários lugares de fabricação, diferenciando-se quanto a seus objetivos e circunstâncias de produção, e, portanto, quanto aos meios de análise. Como “sistema de pensamento”, pode-se dizer que o discurso político “é o resultado de uma atividade discursiva que procura fundar um ideal político em função de certos princípios que devem servir de referência para a construção das opiniões e dos posicionamentos”

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(Charaudeau, 2011, p. 40). Nestas situações, ele pode ser extraído de uma pluralidade de textos, que tentam nortear filiações ideológicas ao discurso. Já como “ato de comunicação”, o discurso político “concerne mais diretamente aos atores que participam da cena de comunicação política, cujo desafio consiste em influenciar as opiniões a fim de obter adesões, rejeições ou consensos” (Charaudeau, 2011, p. 40). Neste lugar de fabricação, o discurso político vem legitimar uma ação política, ou seja, legitimar uma ação tomada no âmbito de uma esfera de poder. Os sistemas de pensamento, na definição de Charaudeau, “resultam de determinado ordenamento de saberes em sistemas de conhecimento e crença, com o objetivo de tentar fornecer uma explicação global sobre o mundo e o ser humano” (Charaudeau, 2011, p. 199). Neste sentido, um sistema de pensamento tenta fundar uma visão global de mundo sobre determinado campo, através de determinados saberes. Apesar dos textos de Francisco Campos aqui trabalhados muitas vezes existirem como “ato de comunicação” político, é como sistema de pensamento que buscamos compreender o impacto da obra de Francisco Campos. Charaudeau trabalha com três tipos de saberes sobre os quais se fundam os sistemas de pensamento: a teoria, a doutrina, e a ideologia. As teorias são “saberes de conhecimento”, ou “saberes científicos”. De acordo com Charaudeau: Eles caracterizam-se por uma forma de discurso que é centrado em um núcleo de certeza constituído por um conjunto de proposições que têm valor de postulado, de princípios ou de axiomas, dos quais dependem os conceitos, os modos de raciocínio e o instrumental metodológico. (2011, p. 200).

A característica da teoria é que ela é um saber que, “na medida que é discutido, ele pode ser objeto de refutações”. A teoria é, portanto, passível de crítica, e passíveis de reformulação. As doutrinas, por sua vez, são “uma forma de discurso exclusivamente fechado”. São descrita por Charaudeau como “um saber de opinião que é maquiado como saber de conhecimento e que termina por tomar o lugar deste”, se autojustificando ao “fazerem referência a uma palavra fundadora”. Devem ser aderidas “em bloco”, sendo supostamente fundada na razão. Elas tem, portanto, uma pretensão de racionalidade. São, porém, “insensíveis às contradições que a experiência poderia suscitar; recusam a crítica, e diante dela reagem apenas de maneira dogmática, por anátema, excomunhões ou outras formas de exclusão.” (Charaudeau, 2011, p. 200). Por fim, a ideologia é “um conjunto de representações sociais efetivamente reunidas em um sistema de ideias genéricas. Elas seriam a base de tomadas de posição, mais ou menos antagônicas, fundadas sobre valores irredutíveis e esquemas de conhecimento tidos por universais e evidentes” (Chabrol apud Charaudeau, 2011, p. 200). As ideologias são descritas por Charaudeau como “uma explicação total ou globalizante”, composta por “crenças cuja aceitação ou rejeição deve ser feita em bloco”. (Charaudeau, 2011, p. 200).

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A partir desta conceituação, pretendemos, ao final do trabalho, discutir até onde o trabalho de Francisco Campos possui uma natureza teórica, e como ele se reflete como ideologia e doutrina durante o Estado Novo.

I. Análise da obra O Estado Nacional Partimos agora para a análise da obra “O Estado Nacional”, buscando investigar a construção feita por Francisco Campos para relacionar autoridade e democracia no Estado Novo. I.i.Tempos modernos e época de transição A argumentação de Francisco Campos parte de um entendimento de que ele vive numa época de mudanças. Não só de mudanças, mas de incertezas. O primeiro discurso contido no livro, intitulado A política e nosso tempo (Campos, 2001), parte da caracterização dessa incerteza de nosso tempo para construir o papel da educação e da política frente a essas mudanças: Esse mundo está mudando à nossa vista, e mudando sem nenhuma atenção para com as nossas ideias e os nossos desejos. Nele a nossa geração não encontra resposta satisfatória às questões que aprendeu a formular, nem quadram com as soluções que lhe foram ensinadas por uma laboriosa educação os problemas que desafiam a sua competência. Que esta é a situação em que nos encontramos há mais de vinte anos é o que mostra, com relevo extraordinário, o movimento que se vem operando na educação. A esta é que incumbe, com efeito, adaptar o homem às novas situações. (Campos, 2001, p. 12).

Esta ideia de que existe um descompasso, na sua época, entre os problemas que surgem e as soluções que a sociedade está acostumada a propor, é algo recorrente nos discursos de Francisco Campos. Para ele, a sociedade evolui de maneira cada vez mais rápida, passando a haver um anacronismo em relação aos “valores do passado”, que ainda são utilizados para interpretar o presente, quando não deveriam. Para tal argumentação, ele cria a categoria patrimônio espiritual, que é “um conjunto de valores organizados segundo um sistema mais ou menos coerente de referências em que cada um tem a sua posição definida em relação à dos demais” (Campos, 2001, p.15). Desta maneira, o patrimônio espiritual1 de um povo, em determinada época, seria o conjunto de referências que este povo utiliza para compreender a própria sociedade e lidar com os seus problemas. Porém, o autor entende que, na sua época, o Brasil vive com o patrimônio espiritual do passado, ainda que a sociedade brasileira tenha mudado. É isto que Campos chama de “aspecto trágico das épocas de transição”: Uma época em que a sociedade vive com os valores do passado, onde o “passado continua a interpretar o

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presente” (Campos, 2001, p. 13), e por isso, uma época em que existe um descompasso muito grande entre as estruturas de governo propostas e as necessidades do povo. É recorrente nos discursos de Campos, a comparação entre as técnicas de governo e as ciências físicas e biológicas, numa argumentação tipicamente positivista. Enquanto na medicina, nas indústrias e nas demais áreas do conhecimento humano, o progresso se mostraria em compasso com o progresso da civilização, as técnicas jurídicas e as teorias de governo se fundamentavam ainda no passado, sendo incapazes de resolver os problemas presentes.2 Seria, portanto, necessária uma atualização destas teorias, para que elas estivessem de acordo com os fatos da atualidade. I.ii. Política de Massas e crise do liberalismo: O “irracional” como paradigma de governo Através da criação desta imagem de anacronismo entre o presente e os valores do passado, Campos passa a caracterizar a incompatibilidade entre a democracia liberal e o regime de massas. Para Campos, existe um mito de que a democracia é inseparável da política liberal. O autor expõe que a democracia liberal tem como fundamento a ideia de que as decisões em âmbito público seriam tomadas a partir de um debate racional, à semelhança de um tribunal, onde ideias antagônicas dialogam ou se anulam, de modo a chegarem a uma decisão racional: O sistema democrático-liberal fundava-se, com efeito, no pressuposto de que as decisões políticas são obtidas mediante processos racionais de deliberação e de que a dialética política não é um estado dinâmico de forças, mas de tensão puramente ideológica, capaz de resolver-se num encontro de ideias, como se se tratasse de uma pugna forense. (Campos, 2001, p. 24)

Esta dialética de ideias seria a base do sistema liberal, que, para tanto, criaria mecanismos de incentivar e tornar livre o debate intelectual, como a liberdade de reunião, a liberdade de imprensa, a publicidade e outros. Campos observa, porém, que este tipo de regime funcionou bem durante muito tempo, uma vez que abrangia “reduzidas zonas humanas” e se limitava a resolver conflitos de interesse “mais ou menos suscetíveis de um controle racional e acessível.” (Campos, 2001, p. 26). Mas estes tempos teriam acabado. Para Campos, com o crescimento das populações, cada vez mais se tornava impraticável sustentar a racionalidade do jogo democrático proposto pelo liberalismo. Estaríamos vivendo então um regime de massas, ao qual os valores liberais seriam incompatíveis. O regime de massas, na leitura de Campos, revela o conteúdo irracional do mundo político. As massas revelariam não só a impossibilidade da esfera pública como zona de discussão, como também criariam maiores tensões políticas a partir de problemas decorrentes da pluralidade cada vez maiores de opiniões:

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O clima das massas é o das grandes tensões políticas, e as grandes tensões políticas não se deixam resolver em termos intelectuais, nem em polêmica de idéias. O seu processo dialético não obedece às regras do jogo parlamentar e desconhece as premissas racionalistas do liberalismo. Com o advento político das massas, a irracionalidade do processo político, que o liberalismo tentara dissimular com os seus postulados otimistas, torna-se de uma evidência tão lapidar, que até os professores, jornalistas e literatos, depositários do patrimônio intelectual da democracia, entram a temer pelo destino teórico do seu tesouro ou da suma teológica cuja substância espiritual parece ameaçada de perder a sua preciosa significação. (2001, p. 27).

O progresso da sociedade, advindo da revolução industrial, junto com o crescimento das populações, teriam dado aos governos atribuições cada vez mais complexas e técnicas, e por isso, cada vez mais distantes da possibilidade de serem submetidas a um foro de discussão público, e também por isso cada vez mais irracionais. As questões do governo seriam então “remotas à compreensão geral ou estranhas ao interesse geral”, e por isso não seriam “suscetíveis de despertar emoções sem as quais não se estabelece nenhuma corrente de opinião pública”. É preciso aqui fazer uma conceituação mais profunda. Campos inclui em seus discursos, como será retomado mais à frente, a ideia de pathos e ethos. As noções de ethos e pathos, junto com a idéia de logos, permeiam as discussões sobre governança, e são exploradas também por Charaudeau em seu Discurso Político (2011). Logos (λόγος), palavra grega de onde vem a palavra lógica, pode significar tanto “palavra”, “discurso”, “argumento” como “razão”. E ligada então ao racional, ao intelecto. Já ethos (ἦθος), da mesma raiz da palavra ética, significa “costume”, “hábito”, “uso” A noção de ethos é usada em análise do discurso e retórica como sendo relacionada a uma imagem criada pelo orador, pelo enunciador, à qual o auditório deve aderir. Estaria, portanto, associada ao carisma. Já pathos (πάθος) significa “algo que se sente”, “que se sofre”. A noção de pathos estaria então ligada aos sentimentos, à sensibilidade, num campo não abarcado pelo racional. Charaudeau avança nestas categorias trabalhando com uma distinção entre convicção e persuasão (Charaudeau, 2011, pp. 81-82), que seriam duas maneiras de conseguir a aderência do auditório ao discurso. Num discurso feito por convicção, tem-se como objetivo convencer o auditório pela razão, pelo logos. Utiliza-se a argumentação para conseguir um convencimento racional a uma tese proposta pelo enunciador. Já no discurso feito pela persuasão tem-se o objetivo de convencer através de sentimentos e identificações pessoais. Para isso recorreria ao pathos, tentando atingir as emoções dos sujeitos do auditório, e ao ethos, que é uma imagem de si mesmo criada pelo enunciador do discurso, relacionado-se assim ao carisma e a identificação pessoal. Não se pretende, pela persuasão, atingir o racional do auditório, e sim seu irracional, seus sentimentos, sua afeição. Para Campos, a democracia liberal seria fundada numa opinião pública baseada em um debate de ideias, um debate racional, portanto emergente de um logos. A sociedade de massas, porém, seria conduzida por paixões, por irracionalidade, algo inerente à ideia de

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pathos. Por isso sua relação com o governo seria marcada por um sentir, e não por uma racionalização lógica. A ideia de ethos, também importante, será associada à figura do ditador, do líder da Nação, como veremos mais à frente. Propomos então que, quando Campos insere as palavras pathos e ethos no seu discurso, é construída uma noção de que a esfera pública e a relação entre governo e sociedade devem ser entendidas como um espaço de persuasão, e não de convicção, por ser um espaço de irracionalidade. Estaria constituída então, para ele, a crise das democracias liberais, que não entenderiam o papel da irracionalidade no jogo político. Esta política que tem como meio o primado do irracional, a persuasão pelas emoções, teria suas características acentuadas pelos meios de comunicações que, à época, começam a se expandir, em especial a televisão, o cinema e o rádio: É possível hoje, com efeito, e é o que acontece, transformar a tranqüila opinião pública do século passado em um estado de delírio ou de alucinação coletiva, mediante os instrumentos de propagação, de intensificação e de contágio de emoções, tornados possíveis, precisamente graças ao progresso que nos deu a imprensa de grande tiragem, a radiodifusão, o cinema, os recentes processos de comunicação que conferem ao homem um dom aproximado ao da ubiqüidade, e, dentro em pouco, a televisão, tornando possível a nossa presença simultânea em diferentes pontos de espaço. Não é necessário o contato físico para que haja multidão. Durante toda a fase de campanha ou de propaganda política, toda a Nação é mobilizada em estado multitudinário. Nessa atmosfera de conturbação emotiva, seria ridículo admitir que os pronunciamentos da opinião possam ter outro caráter que não seja o ditado por preferências ou tendências de ordem absolutamente irracional. (Campos, 2001, p. 31).

Vale lembrar aqui o grande uso da propaganda3 através do cinema, da televisão e do rádio utilizados pelo governo Vargas, em especial durante o Estado Novo, como instrumento de comoção política, através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).4 Este processo de política marcada pela irracionalidade esvaziaria também a importância do congresso como órgão legislativo, uma vez que a fundamentação da existência do Parlamento como lugar de deliberação era o debate dialético e racional. Uma das passagens mais famosas da obra de Campos é a frase: “Para as decisões políticas uma sala de parlamento tem hoje a mesma importância que uma sala de museu.” (Campos, 2001, p. 34). Para Campos, existe uma mudança de paradigma quanto à relação entre o Estado e a sociedade. No passado, o papel do Estado era “antes de tudo, negativo: intervir o menos possível.” Assim, o Parlamento cumpria sua função de servir como instrumento de manifestação da opinião pública na tomada das decisões. A função do parlamento era eminentemente política, e a legislação “limitava-se a regular questões gerais e simples.” (Campos, 2001, p. 54) Porém, o progresso dos meios de comunicação teriam retirado a necessidade de existência do Parlamento como meio de representação do povo: “Com o vertiginoso progresso das técnicas de expressão e de comunicação do pensamento, o Parlamento perdeu a sua importância como fórum da opinião pública, que hoje se manifesta por outros meios mais

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rápidos, mais volumosos e mais eficazes.” (Campos, 2001, p. 54). A opinião pública teria passado a se expressar de outras maneiras, atingindo diretamente o governo, ou, mais precisamente, o seu líder, sem necessitar do intermédio do Parlamento. Este contato direto entre povo e líder vai ser uma das fundamentações da ditadura como técnica de Estado, como veremos à frente. Somado a isto, teriam mudado também as funções do governo. Se antes elas eram negativas, e buscavam não interferir na vida das pessoas, agora elas eram positivas, de modo que a legislação se tornasse “uma imensa técnica de controle da vida nacional, em todas as suas manifestações.” (Campos, 2001, 54). Com isso, a legislação também teria passado a ser mais técnica, pois lidava com uma pluralidade cada vez maior de situações. O parlamento, como órgão político, não conseguia mais lidar com a atividade legislativa, uma vez que “capacidade política não importa capacidade técnica, e a legislação é hoje uma técnica que exige o concurso de vários conhecimentos e de várias técnicas.” (Campos, 2001, p. 55) Estes problemas fundamentariam, para Campos, a mudança do centro da atividade legislativa dos parlamentos para o Governo, que teria condições de lidar com estas questões técnicas, sem a necessidade de um foro de discussão parlamentar, inapto a tratar de tais questões. Isto se daria através de uma “delegação de poderes” ao Executivo. Campos observa nisto um fenômeno que se estende no mundo todo, citando como exemplos, a Inglaterra e os Estados Unidos, onde já a maior parte das leis teria origem no Executivo. O Governo, na figura do Presidente, seria o lugar mais apto para a elaboração de leis, pois é lá que as ações são realmente tomadas: “O centro de gravidade do corpo político não cai onde reina a discussão, mas onde impera a vontade. Os corpos deliberativos deixaram de deliberar.” (Campos, 2001, 33). Esta ideia se refletiria na Constituição de 1937, onde a iniciativa de criação de leis sempre caberia ao Presidente, não sendo possível a nenhum membro do Parlamento, sozinho, propor a criação de uma lei. Outro ponto de crítica ao funcionamento dos parlamentos seriam as eleições e os partidos políticos. Para Campos, os partidos políticos seriam representações regionais, vinculados aos interesses dos chefes locais, não se preocupando com os reais interesses da Nação. Eles teriam se esvaziado de “conteúdo” e de “espírito”, transformando-se em “simples massas de manobra e instrumentos mecânicos de manipulação eleitoral”, de modo que o sistema partidário não só se tornava “antiquado e inútil”, como também um instrumento de “divisão do País”. A democracia de partidos seria então um instrumento de lutas entre interesses regionais, ou, nas palavras de Campos, uma “guerra civil organizada e codificada”, e os candidatos utilizariam os partidos políticos como “simples massas de manobra e instrumentos mecânicos de manipulação eleitoral.” (Campos, 2001, p.44). Os partidos eram instrumentos regionais vazios de valores, que dividiam a Nação, e por isso deveriam ser eliminados, como de fato aconteceu, através do Decreto-Lei Nº 37, de 1937, que dissolveu os partidos políticos. Na exposição de motivos do Decreto, assinado, dentre outros, por Francisco Campos, é exposto que:

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Considerando que a multiplicidade de arregimentações partidárias, com objetivos meramente eleitorais, ao invés de atuar como fator de esclarecimento e disciplina da opinião, serviu para criar uma atmosfera de excitação e desassocêgo permanentes, nocivos à tranquilidade pública e sem correspondência nos reais sentimentos do povo brasileiro; Considerando que o novo regime, fundado em nome da Nação para atender às suas aspirações e necessidades, deve, estar em contato direto com o povo, sôbre posto às lutas partidárias de qualquer ordem, independendo da consulta de agrupamentos, partidos ou organizações, ostensiva ou disfarçadamente destinados à conquista do poder público; (Brasil, 1937b)

Como se pode ver, a existência dos partidos é tida como um instrumento “meramente eleitoral”, perigoso “à tranqüilidade pública e sem correspondência nos reais sentimentos do povo brasileiro” (Brasil, 1937b). Também deve ser destacada, como será visto a frente, a ideia de que o governo deve estar em contato direto com o povo, sem intermediários, o que será usado na obra de Campos para reforçar o caráter democrático do Estado Novo. I.iii. Relativização do conceito de Democracia Uma vez desconstruída a fundamentação dos regimes liberais, Campos tenta dar uma nova interpretação ao conceito de Democracia, para poder separar a democracia do liberalismo, e dar à ditadura uma legitimação democrática. Ele parte, primeiramente, de uma relativização do conceito de democracia. Este conceito, para Campos, não teria um “conteúdo definido”. Assim, ele diz que “os valores implícitos na expressão “democracia” variam com os tipos de civilização e de cultura” (Campos, 2001, p. 56), estando em desacordo com os tempos modernos. O conceito de democracia, de que nós seríamos herdeiros, teria surgido nos século XVIII e XIX, com as revoluções liberais, e carregariam valor de uma “revolta contra a ordem estabelecida” (Campos, 2001, p. 57). Estes valores democráticos, que passaram a ser expressos nas constituições através das declarações de direitos e garantias individuais, teriam como principal objetivo limitar os poderes do Estado, para proteger os indivíduos. Era um conceito “negativo” de democracia, que teria feito sentido naquela época de afirmação da figura do indivíduo frente ao Estado: “Essa concepção da democracia correspondia a um momento histórico definido, em que o indivíduo só podia ser afirmado pela negação do Estado.” (Campos, 2001, p.57). Para Francisco Campos, esta época passara. A revolução industrial e os progressos técnicos e científicos teriam trazido profundas mudanças nas relações materiais entre as pessoas, e o novo desafio seria “tornar os benefícios dessas transformações e conquistas acessíveis ao maior número possível”, buscando assim a melhoria “material e moral do homem” (Campos, 2001, p. 57). Para tanto, o conceito negativo de democracia não bastava. A relação entre sociedade e Estado não deveria mais ser pautada em uma negação do Estado, mas em colocá-lo como garantidor das novas necessidades da população. “Tratava-se, portanto, de inverter o conceito de democracia, próprio do século XIX.” (Campos, 2001, p.

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57), criando um conceito positivo de democracia, onde o Estado atuaria ativamente pelos interesses da Nação e da Sociedade: O problema constitucional não é mais o de como prender e obstar o poder, mas o de criar-lhe novos deveres, e aos indivíduos novos direitos. O poder deixa de ser o inimigo, para ser o servidor, e o cidadão deixa de ser o homem livre, ou o homem em revolta contra o poder, para ser o titular de novos direitos, positivos e concretos, que lhe garantam uma justa participação nos bens da civilização e da cultura. (Campos, 2001, pp. 57-58)

Nesta concepção de democracia, a figura do indivíduo fica reduzida frente à figura da Nação e do Estado. O Estado é o grande garantidor dos interesses comuns, e o indivíduo tem sua margem de atuação reduzida, dando fundamentação aos atos de uma ditadura, em nome de um suposto interesse comum garantido pelo Estado: Em primeiro lugar, o poder do Estado há de ser imensamente maior do que o poder atrofiado pelo conceito negativo da democracia do século XIX. Para assegurar aos homens o gozo dos novos direitos, o Estado precisa de exercer de modo efetivo o controle de todas as atividades sociais [...] O princípio de liberdade deu em resultado o fortalecimento cada vez maior dos fortes e o enfraquecimento cada vez maior dos fracos. O princípio de liberdade não garantiu a ninguém o direito ao trabalho, à educação, à segurança. Só o Estado forte pode exercer a arbitragem justa, assegurando a todos o gozo da herança comum da civilização e da cultura.5 (Campos, 2001, p. 58).

O conceito de democracia de Campos é centrado na figura de um Estado forte, garantidor de direitos, que atua em nome da nação, mesmo que para isso tenha que passar por cima de interesses individuais. O Estado seria democrático não porque protege os indivíduos, como propõe a concepção liberal, mas porque protege a coletividade como um todo, dando proteção aos mais fracos, pois no regime liberal, que prega a liberdade, os mais fracos teriam apenas uma “liberdade nominal, e efetivamente sem nenhum direito.” Seguindo esta linha de raciocínio, Campos tenta deslegitimar a existência do direito de voto. Já que o conceito positivo de democracia exige o aumento das atribuições do Estado, “os problemas do governo tendem a tornar-se cada vez mais difíceis e complexos” (Campos, 2001, p. 60). Como já vimos, Campos entende que o aumento da complexidade das questões tratadas pelo Estado as tornam mais técnicas, não despertando as emoções das massas (que são regidas pelo irracional das emoções, do pathos, como já exposto), que deveriam ser alijadas da maior parte dos processos de decisão. Não precisaríamos então do Parlamento, nem dos partidos políticos, para que o povo demonstrasse sua opinião. Quanto ao sufrágio, dever-se-ia “reduzi-lo à sua competência própria, que é a de pronunciar-se apenas sobre o menor número de questões, e particularmente apenas sobre as questões mais gerais e mais simples” (Campos, 2001, p. 62).

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Assim, no entender de Campos, nas situações em que a população deveria ser consultada, o instrumento a ser utilizado seria o plebiscito, que não teria os males da votação no estilo liberal, sendo por isso mais apropriado às irracionalidades do regime de massas: A única forma natural de expressão da vontade das massas é o plebiscito, isto é, votoaclamação, apelo, antes do que escolha. Não o voto democrático, expressão relativista e cética de preferência, de simpatia, do pode ser que sim pode ser que não, mas a forma unívoca, que não admite alternativas, e que traduz a atitude da vontade mobilizada para a guerra. (Campos, 2001, p. 25).

O plebiscito como instrumento de legitimação democrática é utilizado recorrentemente por Francisco Campos, e o instrumento aparece diversas vezes na Constituição de 1937. A própria constituição, em seu artigo 187, prevê a realização de um plebiscito para sua própria aprovação, fato que nunca aconteceu.6 Para Francisco Campos, os plebiscitos e os meios de comunicação de massa são os instrumentos que colocam o Presidente em contato direto com o povo, e é isto que constitui o caráter democrático do governo por ele proposto: É bastante verificar a função por ela reconhecida ao sufrágio universal, a limitação do poder dos juízes de declarar a inconstitucionalidade das leis, e os capítulos relativos à ordem econômica e à educação e cultura. Por sua vez, conferindo o poder supremo ao presidente da República, coloca-o em contato direto com o povo, não sendo possível ao presidente descarregar sobre outros órgãos do poder as graves responsabilidades que a Constituição lhe dá, em conseqüência dos poderes e prerrogativas que lhe são atribuídos. (Campos, 2001, p. 60)

Para Campos, esta transição da importância do parlamento, que é concebida pela política liberal, para o Presidente, é algo que pode ser visto em todos os países, à medida que vai ficando claro a inadequação dos parlamentos para a tomada de decisão. Para o autor, “a política vive [...] de acontecimentos e de decisões. Se o centro a que a decisão é juridicamente imputada nada decide, forma-se imediatamente ao seu lado um centro de decisões de facto.” (Campos, 2001, p. 34). O maior exemplo deste fenômeno seria a Alemanha nazista, que estaria presenciando a perda de importância do parlamento para a figura do Führer: Na Alemanha, enquanto um parlamento em que já houve o maior número de partidos procurava inutilmente chegar a uma decisão política mediante os métodos discursivos da liberal-democracia, Hitler organizava nas ruas, ou fora dos quadros do governo, pelos processos realistas e técnicos por meio dos quais se subtrai da nebulosa mental das massas uma fria, dura e lúcida substância política, o controle do poder e da Nação. (Campos, 2001, p. 35).

A Itália fascista e a Alemanha nazista são referencias constantes para Francisco Campos, por serem um modelo de como estaria ocorrendo a crise das democracias liberais e ascensão de governos autoritários.

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Estaria fundamentada então, a concepção de Estado proposta por Francisco Campos, que tende a uma concentração de funções nas mãos do Presidente, em consequência da crise das democracias liberais através da irracionalidade dos regimes de massa. Cabe-nos então analisar o papel do Presidente, sua associação com a figura de ditador, e sua legitimação através da noção de mito. I.iv. Autoridade e Mito O regime de massas, como proposto por Francisco Campos, é fundado na irracionalidade. Assim, como visto anteriormente, a relação entre o povo e o governo não seria mais fundada numa racionalidade, num logos, como proposto pelo pensamento liberal, no qual a própria ideia de contrato social remete ao plano da razão. Há uma fundação do regime imbricada em um pathos e em um ethos. O pathos se articula com um sentimento, que ligaria diretamente o povo e o seu chefe. O ethos remete ao plano da personalidade carismática que possibilita a condução das massas. Para Campos, é a figura da autoridade que melhor vai conseguir se relacionar com este pathos, de modo a liderar as massas no cenário político. A ditadura, como forma de governo, seria o regime mais apropriado à irracionalidade do regime de massas: As massas encontram-se sob a fascinação da personalidade carismática. Esta é o centro da integração política. Quanto mais volumosas e ativas as massas, tanto mais a integração política só se torna possível mediante o ditado de uma vontade pessoal. O regime político das massas é o da ditadura. (Campos, 2001, p. 25)

O ditador, encarnado neste discurso de Francisco Campos na figura de César, seria a personalidade que teria o carisma, o ethos na terminologia de Charaudeau, com o qual as massas de identificariam: Essa relação entre o cesarismo e a vida, no quadro das massas, é, hoje, um fenômeno comum. Não há, a estas horas, país que não esteja à procura de um homem, isto é, de um homem carismático marcado pelo destino para dar às aspirações da massa uma expressão simbólica, imprimindo a unidade de uma vontade dura e poderosa ao caos de angústia e de medo de que se compõe o páthos ou a demonia das representações coletivas. (Campos, 2001, p. 23-24)

A relação de carismática entre o chefe e o povo é ressaltada diversas vezes durante os discursos de Francisco Campos, assim como a exaltação da figura de Vargas ao longo dos discursos. O Presidente, o Ditador, é sempre exposto como o representante máximo da Nação, e as qualidades morais do presidente são diversas vezes exaltadas. O estado popular é o estado que se torna visível e sensível no seu chefe, o estado dotado de vontade e de virtudes humanas, o estado em que corre não a linfa da indiferença e da neutralidade, mas o sangue do poder e da justiça. Há uma relação misteriosa entre as coletividades humanas e a personalidade que, em cada época, o destino lhes reserva como chefe. As instituições são, em parte, o homem que as

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modelou e que as anima do seu espírito e da sua vontade. Pode-se dizer, portanto, que o Estado Novo é o Sr. Getúlio Vargas, e que sem ele, sem o seu temperamento e as suas virtudes, o Estado Novo teria outro sentido e outra expressão (Campos, 2001, p. 193).

Assim, a relação entre o chefe da nação é baseada em um ethos, em uma identificação do povo com a figura carismática do Ditador. Este ethos, junto com o pathos, são características do regime de massas, que levariam a construção de um mito em relação ao chefe da Nação. É esta noção de mito que sustentaria o regime autoritário: O irracional é o instrumento da integração política total, e o mito que é a sua expressão mais adequada, a técnica intelectualista de utilização do inconsciente coletivo para o controle político da nação.(Campos, 2001, p. 19).

Mas o que significa este mito? Baseado em Sorel7, Campos propõe a utilização do mito como paradigma do governo autoritário. Campos explica que Sorel, em sua obra, utiliza a luta de classes proposto por Marx como um mito. Apesar de não concordar com a obra de Marx, Sorel entendia que a crença na existência da luta de classes era a única maneira de conduzir a revolução. Portanto, seria conveniente acreditar na luta de classes, como mito, sendo ela verdadeira ou não. O mito é algo que se pretende verdadeiro, é aceito como tal, mesmo que não o seja. Campos explica que o mito não precisa necessariamente ser verdade, mas tem que ser aceito como verdadeiro para aqueles que o seguem. O mito tem, portanto, um valor prático, importando não necessariamente a verdade por trás dele, mas o valor de verdade que é atribuído a ele pelos seus seguidores. Ele diz que “o valor de verdade” não consiste “a rigor na verdade, mas naquilo que, não sendo a verdade, funciona, entretanto, como verdade.” (Campos, 2001, p. 17). Sorel utilizava a figura da luta de classes como mito. Campos propõe, no entanto, que os Estados nacionalista nazi-fascistas teriam acabado com o mito da luta de classes, através do mito da nação: Em seu discurso de outubro de 1922, em Nápoles, antes da marcha sobre Roma, dizia Mussolini, traindo a leitura recente de Sorel: “Criamos o nosso mito. O mito é uma crença, uma paixão. Não é necessário que seja uma realidade. É realidade efetiva, porque estímulo, esperança, fé e ânimo. Nosso mito é a nação; nossa fé, a grandeza da nação”. Aliás, não há, no nacionalismo italiano e alemão, nenhum conteúdo espiritual novo. O mito da Nação já se encontrava construído com todo o seu ethos e, sobretudo, o seu pathos, nos discursos de Fichte à nação alemã. (Campos, 2001, p. 18)

Campos propõe, então, que a política seria convertida em uma teologia política8, que utiliza o mito e a crença na sua verdade como paradigma de governo, e utiliza a Nação como mito fundador do governo autoritário, à semelhança dos governos nazi-fascistas.

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A teologia política, através do mito, utilizaria o lado irracional ou às formas elementares da solidariedade humana, e o mito da Nação seria um meio de integração das massas humanas, através da identificação dos sujeitos com o pertencimento de algo maior: O Estado Nacional. Neste sentido, ele observa: Não há formas relativas de integração política, e o homem pertence, alma e corpo, à Nação, ao Estado, ao partido. As categorias da personalidade e da liberdade são apenas ilusões do espírito humano. Só é livre o que perde a sua personalidade, submergindo-a no seio materno onde se forjam as formas coletivas do pensamento e da ação, ou, como diz Gentile, aquele que sinta o interesse geral como o seu próprio e cuja vontade seja a vontade do todo. O indivíduo não é uma personalidade espiritual, mas uma realidade grupal, partidária ou nacional. É o restabelecimento da relação em que estava o homem primitivo com o seu clã9. (Campos, 2001, p. 20)

Desta maneira, é através da identificação do mito da Nação que entendemos o Estado Nacional. Francisco Campos traz como essência do Estado Nacional a relação entre povo, chefe e Nação: O povo brasileiro, liderados pelo seu chefe, Getúlio Vargas, através do mito da Nação. Desta maneira, estaria legitimada a ditadura do Estado Novo. Existe, efetivamente, um governo, um poder, uma autoridade nacional. O Chefe é o Chefe da Nação. Mas não é o Chefe da Nação apenas no sentido jurídico e simbólico. É o Chefe popular da Nação. A sua autoridade não é apenas a autoridade legal ou regulamentar do antigo Chefe de Estado. A sua autoridade se exerce pela sua influência, pelo seu prestígio e a sua responsabilidade de chefe. Somente um Estado de Chefe pode ser um Estado Nacional: unificar o Estado é unificar a Nação. Foi o que se deu no Brasil. [...] Um só Governo, um único Chefe, um só Exército. A Nação readquiriu a consciência de si mesma; do caos das divisões e dos partidos passou para a ordem da unidade, que foi sempre a da sua vocação. (Campos, 2001, p. 21).

3.5. O Estado Nacional: ideologia, doutrina e teoria Este artigo, como já registrado, tem como foco de estudo a obra O Estado Nacional. Esta obra reúne diversos discursos e textos de Francisco Campos, dos quais, apesar de escritos separadamente, é possível extrair uma unidade. Desta unidade, podemos retirar uma fundamentada legitimação do estado autoritário do Estado Novo. Marcos Antonio Amaral dos Santos observa que é possível localizar claramente, nos discursos de Vargas, a utilização do vocabulário de Francisco Campos: Uma rápida aproximação com os discursos de Vargas no período imediatamente posterior ao golpe de estado, nos permite vislumbrar a extensão da influência de Francisco Campos e de seu vocabulário político na busca de imagens legitimadoras das novas feições que o regime assumia. (Santos, M.; 2007, p. 43)

Este fato, por si só, já seria o bastante para demonstrar a influência de Campos sobre a ditadura varguista. Além disso, a sua participação, como Ministro da Justiça, na elaboração

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de diversas leis, dentre elas a Constituição de 1937, faz com que ele pudesse imprimir facilmente suas ideias sobre o Estado Novo. Para pensar a influência de Campos, propomos discutir a natureza de sua obra. Seria ela uma elaboração teórica, ou ela se estenderia como uma aparato de legitimação ideológica e doutrinária? Vemos problemas em classificar a obra de Francisco Campos como uma teoria. Marcos Antonio Cabral dos Santos faz críticas, por exemplo, à tentativa de Rogerio Dultra dos Santos de colocar Francisco Campos como “um intérprete central para o Brasil atual”: Note-se que em artigo recente, Rogério Dultra Santos afirma enxergar "certa dificuldade" em classificar o pensamento de Francisco Campos como "autoritário". Para ele, "a preocupação com as massas e a tensão temporal entre passado e futuro são idéias originais em relação às quais a classificação realizada pela tradição dos intérpretes brasileiros do autoritarismo torna-se problemática". O que causa estranheza no (bem construído) texto de Dutra Santos não é o seu caráter revisionista ou o fato de considerar Francisco Campos "um dos mais importantes pensadores brasileiros do século XX", mas sua ênfase conclusiva em lhe atribuir um lugar como "um intérprete central para o Brasil atual". (Santos; M; 2007, p. 33)

Rogério Dultra dos Santos, de fato, no artigo citado, diz que “Campos realizará uma apreciação sociológica detalhada do advento da sociedade de massas” (Santos, R; 2007; p. 285). Concordamos com a complexidade da elaboração que Francisco Campos faz para fundamentar o Estado Constitucional anti-liberal, mas é difícil ver nisto uma teoria sociológica detalhada, apesar do refinamento filosófico do pensamento, e da precisão com que cria categorias para expor seu pensamento. Partindo das conceituações de teoria, ideologia e doutrina feitas no início deste artigo, com base na obra de Charaudeau, preferimos compreender a obra de Francisco Campos a partir de uma perspectiva ideológica,10 mesmo que ela tenha pretensão de se apresentar como teoria. Para tanto, a obra carece de metodologia e fundamentação, e por isso não pode ser refutada, testada, questionada — o que é pressuposto para que a entendamos ela como uma teoria. Assim interpretamos a obra de Francisco Campos como uma ideologia, que fundamenta uma ideologia anti-liberal, utilizada como legitimação do poder do Estado Novo. Pode-se ainda conceber que, junto com os outros autores da época, é fundada uma doutrina antiliberal, que possui às vezes fundamentos teóricos, outras vezes ideológico, mas que são usados como dogma para a sustentação da ditadura varguista.

Considerações finais Este artigo teve como objetivo explorar a articulação entre os conceitos de autoridade e democracia na obra O Estado Nacional de Francisco Campos, e situá-la dentro da construção ideológica que sustenta o Estado Novo. Sabemos, no entanto, que muito mais pode ser

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explorado desta obra, que é talvez uma das mais relevantes dentro do contexto de formação ideológica do Estado Novo. Pretendemos aqui fazer uma pequena contribuição ao estudo deste autor, que, embora de evidente importância, tem sua obra muito pouco lida, e que apesar de ser citado em diversas obras sobre o Estado Novo e sobre Vargas, é objeto de poucos estudos específicos, como os próprios autores aqui citados confirmam. Há muito ainda a ser explorado a respeito de Francisco Campos e de seu pensamento acerca do Direito em geral, permitindo-nos problematizar sua contribuição para o Direito brasileiro, nossas instituições políticas e cultura jurídica.

A utilização do termo “espiritual” para definir a cultura, as perspectivas de pensamento e de interpretação de um povo, são recorrentes nos discursos de Francisco Campos. 1

2

Ressalte-se que na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil (também presente no livro O Estado Nacional), Francisco Campos utiliza a ideia de atraso científico como argumento de legitimação da reforma processual que estava em curso. Cf. Almeida & Almeida, 2014, p. 1342. 3

Interessante observar que ao uso da propaganda é traço comum aos regimes autoritários, sejam de viés fascista/nazista ou comunista (Diehl, 1996; Furet, 1995). 4

O DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, foi criado em 1939, substituindo o anterior Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), sendo o principal meio de controle do Estado sobre as comunicações, e foi utilizado largamente por Getúlio Vargas para difundir as ideias do Estado Novo (Lira Neto, 2013, p. 380). 5

A ideia do Estado como mediador e tutor da sociedade, com o objetivo de eliminar as desigualdades, vai aparecer ao longo de toda a obra de Francisco Campos, e diversas ações do governo Vargas vão se espelhar nesta ideia. Podese ver, por exemplo, na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1939, a ideia de que é necessária uma expansão dos poderes do juiz para uma efetiva prestação jurisdicional (Almeida & Almeida, 2014). Da mesma maneira, o corporativismo presente na CLT do Estado Novo é colocado por Vargas como a solução do “problema do equilíbrio entre o capital e o trabalho.” (Vargas apud Campos, 2001, p. 51). Campos, ao dispor como que o liberalismo e o marxismo se relacionam, coloca o corporativismo do estado fascista como uma saída para a luta de classes: “No Estado liberal, o econômico governava a Nação atrás dos bastidores, isto é, sem responsabilidade, porque o seu poder não tinha expressão legal, e por intermédio exatamente dos interesses mais suspeitos, porque de ordem exclusivamente financeira. Na organização corporativa, o poder econômico tem expressão legal: não precisa negociar e corromper, insinuar-se nos interstícios ou usar de meios oblíquos e clandestinos. Tendo o poder, tem a responsabilidade, e o seu poder e a sua responsabilidade encontram limite e sanção no Estado independente, autoritário e justo.” (Campos, 2001, p. 66). Assim, o Estado corporativo e autoritário, no qual se inspira o Estado Novo, é uma maneira de resolver as contradições da sociedade.

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6

Campos, em entrevista concedida ao Correio a manhã em 3 de março de 1945, já tendo deixado o cargo de Ministro da Justiça, comenta que na prática a Constituição de 1937 nunca esteve vigente, graças a não realização deste plebiscito: Ora, não se tendo realizado o plebiscito dentro do prazo estipulado pela própria Constituição, a vigência desta, que antes da realização do plebiscito seria de caráter provisório, só se tornando definitiva mediante a aprovação plebiscitária, tornou-se inexistente. A Constituição de 1937 não tem mais, portanto vigência constitucional. É, como já dissemos, um documento de caráter puramente histórico e não jurídico.” (Campos, 1945, p. 49). Georges Sorel, escritor marxista, autor de “Reflexões sobre a violência”, com diversas edições publicadas em português pela Editora Vozes. 7

8

Neste sentido, é notória a aproximação da obra de Francisco Campos com Carl Schimitt. Não é o objetivo deste artigo explicitar tal aproximação, levando ainda em conta que Campos não cita Schimitt em nenhuma de suas falas. Para uma aproximação teórica dos dois autores, cf. Santos, 2007. 9

Neste ponto, é interessante notar a aproximação do pensamento campista com a obra de outro intelectual que possuiu grande influência sobre o Estado Novo, Oliveira Vianna. No livro Populações Meridionais do Brasil, conclui que o brasileiro é insolidário, e, não constituindo outro tipo de solidariedade, possui apenas um espírito “de clã” centrado nas grandes propriedades rurais, que acentuaria os regionalismos e a divisão do poder no Brasil. Vianna entende, porém, que a unificação nacional em nome de uma autoridade seria um caminho para superar e este espírito de clã da sociedade brasileira. Defensor e funcionário do Estado Novo, Oliveira Viana defende a Carta de 1937 como uma maneira de superar o espírito de clã, como bem observa Aluízio Alves Filho, em estudo sobre o autor: “[Oliveira Vianna] defende o modelo adotado pelo golpe de 1937 com concentração do poder nas mãos do Executivo como maneira realista de lutar contra o espírito de clã e combater as oligarquias rurais dele decorrentes.” (Alves Filho, 2011, p. 141). Na obra de Francisco Campos, a relação grupal de clã é utilizada em analogia com a relação com a Nação. Apesar de ambos os autores criticarem os regionalismos, e verem no Estado novo uma maneira de superá-lo, a figura do clã é utilizada por um para representar os regionalismos, e por outro para representar a Nação. “Em tal perspectiva, a ideologia não é um sistema de valores que tem por função mascarar o real. Trata-se, antes, se podemos conservar esse termo, de um processo de ideologização que constrói um conjunto de crenças mais ou menos teorizadas sobre a atividade social e que tem por efeito discriminar as identidades sociais. Esses processos constituem bem o jogo das relações de poder; entretanto, não é preciso confundi-los. O poder é um estado de fato que resulta de uma conquista e é exercido em uma relação de dominação variável, mas que a todo o momento pode encontrar um possível contrapoder. A ideologia e um sistema de pensamento mais ou menos fechado sobre ele próprio e que é construído em torno de valores de um grupo social que se impõe.”(Charaudeau, 2011, p. 201). 10

É TEMPO DE MEDIAR! MAS HÁ TEMPO PARA MEDIAR? Klever Paulo Leal Filpo

Introdução Neste breve ensaio tenho a intenção de problematizar a iminente introdução da mediação de conflitos como uma etapa procedimental do rito comum, no âmbito do novo Código de Processo Civil Brasileiro. Especialmente no que diz respeito ao tempo necessário para o adequado desenvolvimento da tarefa de mediar, em confronto com a busca incessante pela celeridade processual. Antes de propor qualquer resposta e longe de assumir uma postura dogmática que pretendesse apontar a melhor interpretação para os dispositivos legais que regulam a mediação na Lei 13.105/2015 (Novo CPC), alguns dos quais mencionarei mais adiante, meu propósito é colocar em discussão a aparente incompatibilidade entre o “tempo da mediação” e o “tempo do processo”. Essa incompatibilidade não costuma ser mencionada nos livros que tratam da atividade mediativa. Muitos assumem uma postura militante sobre esse método de administração de conflitos. Em outros casos, o enfoque procedimental, ou seja, a preocupação com as técnicas de negociação a serem empregadas e o modo como devem ser conduzidas as sessões propriamente ditas, pelos mediadores, são a tônica. Trabalham, em geral, no plano do deverser, sem levar em consideração dados empíricos. Acredito que isso acaba dificultando a problematização e a construção de qualquer visão crítica acerca do tema. Nesse passo, a inovação em pauta vem sendo recebida de forma obediente, sem que sejam considerados e colocados sob discussão eventuais limites ou mesmo os problemas que podem advir desse enxerto. Afinal, trata-se de um método naturalmente extrajudicial e informal, onde predomina a espontaneidade e a autonomia das partes, inserido no contexto dos processos judiciais, formais e controlados no tempo, sob o predomínio da lei e da figura do juiz. A ideia de que existiria entre os dois métodos (mediação e processo estatal) uma natural afinidade, à primeira vista, não é mais do que um discurso. Os efeitos práticos dessa combinação ainda não foram adequadamente medidos e avaliados. Para contribuir com o preenchimento dessa lacuna, este texto combina uma revisão bibliográfica, incluindo o próprio texto da Lei, e dados obtidos por meio de pesquisa empírica de natureza qualitativa (etnografia) que venho desenvolvendo, desde o ano de 2010, sobre o emprego da mediação de conflitos em sede judicial. Pesquisa esta que inclui observações e entrevistas com juízes, mediadores, mediandos e advogados, isto é, aqueles atores que 106

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atualmente lidam com a mediação judicial em seu cotidiano. Nesse caso, o campo de observação foi o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJERJ), considerando as atividades de mediação ali realizadas desde então, sob a égide da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

I. A Importação da Mediação pelos Tribunais Brasileiros A mediação não é algo que surge, no Brasil, como uma criação legislativa. Há anos são implementadas muitas iniciativas extrajudiciais e informais bem sucedidas, por Universidades (Miranda Netto & Soares, 2015)1 e institutos especializados2, que pretendem oferecer à população uma via, alternativa ao Judiciário, para a administração de conflitos. Essa via, segundo os especialistas (Aguiar, 2009; Amaral, 2009), seria mais rápida, barata e eficaz do que a via tradicional, judiciária-estatal, em que os conflitos cíveis se transformam em processos para serem julgados, ou decididos, pelos magistrados. É justamente por ser um movimento extrajudicial que a mediação costuma ser arrolada entre os mecanismos “alternativos” de administração de conflitos. Nesse caso, seria informal, conduzida em ambientes externos ao Poder Judiciário, e sequer dependeria de uma regulamentação específica, porque sua condução partiria do pressuposto de que pessoas adultas e capazes podem livremente dispor sobre o que é melhor para si, e sobre a forma de resolverem as suas disputas, sem que seja necessária a intervenção do Estado-Juiz. A desnecessidade de uma regulamentação decorreria, inclusive, das características da atuação do mediador: um auxiliar, um facilitador da comunicação entre as partes, que, a rigor, não opina nem sugere alternativas, não carecendo, portanto, a princípio, de conhecimento jurídico específico para atuar (Warat, 2004). Contudo, neste artigo, interessa tratar do que se pode chamar de mediação institucionalizada, isto é, a mediação que vem sendo incorporada pelo Judiciário no cardápio dos serviços que pretende oferecer à população, ou a mediação que se tornou objeto de regulamentação por parte do Poder Legislativo e mais um instrumento a ser, de certa forma, “operado” pelos profissionais com competência jurídica (Azevedo, 2012). De forma resumida, posso dizer que a regulamentação dos procedimentos de mediação no Brasil, na modalidade judicial, encontra dois marcos normativos: a Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015. A resolução 125/2010 do CNJ foi o primeiro ato de regulamentação, de âmbito nacional, sobre os meios autocompositivos de solução de conflitos. Pretendeu estimular o emprego da mediação através do deslocamento dos processos judiciais para centros de mediação administrados pelos próprios Tribunais, a fim de permitir que os conflitos judicializados (que já haviam se transformado em ações judiciais) pudessem ser tratados a partir de uma perspectiva consensual. O artigo 1º dessa resolução instituiu a “[...] Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à

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solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade.” (Conselho Nacional de Justiça, 2010), que em seu Parágrafo Único definia que, [...] Aos órgãos judiciários incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão. (Conselho Nacional de Justiça, 2010)

A marca mais característica dessa regulamentação foi a judicialização da mediação. Ela haveria de ser implementada “pelos” e “nos” Tribunais. O artigo 8º da Resolução se refere aos “Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania” (CeJuSC’s), informando que eles estariam destinados a “atender aos juízos, juizados ou varas”, sendo preferencialmente responsáveis pelas sessões de mediação, conciliação e orientação ao cidadão relativamente aos meios alternativos de solução de conflitos. A resolução também pretendeu assegurar para os órgãos judiciários, com exclusividade, a gestão desse meio de administração de conflitos. Nessa perspectiva, o Poder Judiciário, além de detentor exclusivo da jurisdição, também trouxe para si a responsabilidade pela organização e formatação dos procedimentos autocompositivos de solução de conflitos. Por exemplo, a formação dos mediadores seria provida, essencialmente, pelas próprias Cortes. Daí decorreu que esses procedimentos, por natureza, “alternativos” ao Poder Judiciário, foram por ele “apropriados” (Amorim & Baptista, 2013). Isso é relevante na medida em que se está tratando de uma “política pública” de estímulo às soluções consensuais. Há autores sustentando, como fazem Marques e Meirelles (2014, p. 108), que essa apropriação, longe de ser benéfica, teria na verdade prejudicado o resgate da cidadania e o procedimento democrático que mediação extrajudicial estaria apta a propiciar. Os Tribunais acabaram tomando a frente desse movimento, inibindo outros esforços da sociedade organizada. Mesmo considerando que a resolução 125/2010 contemplava as modalidades préprocessual e incidental para a mediação — isto é, antes do ajuizamento da ação, ou como incidente de um processo em andamento (Mello & Baptista, 2011) —, ainda assim pretendia implementá-las dentro dos espaços dos Tribunais, sempre supervisionadas por juízes. A judicialização do procedimento, nessa perspectiva, parecia evidente e inevitável. Essa aspiração judicializante foi encampada na Lei nº 13.105, instituindo o novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor no ano de 2016. Restou procedimentalizado o rito da “audiência” de mediação como ato processual obrigatório, previsto no artigo 334 desse Código. Conforme se depreende dos novos dispositivos legais, o legislador preferiu dar ênfase ao procedimento de mediação incidental, deixando clara a preferência por essa modalidade. Tal postura parece reafirmar a supremacia do Poder Judiciário na implementação desse método. Alguns dispositivos do novo CPC indicam essa preferência para a mediação dentro do Poder Judiciário, que ocorre no curso de uma ação já proposta. É o caso do artigo 3º, que está

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incluído no Capítulo I — Das Normas Fundamentais do Processo Civil, cujo parágrafo 3º concita os profissionais de competência jurídica que atuam em um processo a estimularem o uso da mediação — o que somente faz sentido quando já há uma ação ajuizada. Na mesma linha, o artigo 149 dispõe que os mediadores e conciliadores judiciais serão auxiliares da Justiça; o artigo 165, caput e §1º determinam a criação dos Centros de solução consensual de conflitos, cujo funcionamento será definido pelo respectivo tribunal; e o artigo 167, caput e § 1º tratam do cadastro de mediadores e conciliadores, também de responsabilidade das respectivas Cortes de Justiça. A possibilidade da mediação e da conciliação serem realizadas em espaços extrajudiciais é ventilada de forma muito tímida e a essa alternativa parece ter sido dada reduzidíssima importância no CPC. Isso se depreende até mesmo da situação “topográfica” do artigo 175 que, tratando desse aspecto, foi deixado para o final da Seção. Mais ainda: a lei estimula, explicitamente, a mediação judicial, ao mesmo tempo em que, no tocante à mediação extrajudicial, se limita a não vedar sua utilização. O que se pode concluir é que, tanto a opção institucional do CNJ na edição da Resolução 125, quanto a opção legislativa estampada no “Novo” CPC caminharam no sentido de privilegiar a adoção da mediação como um método judiciário de administração dos conflitos de interesse, a ser levado a efeito no ambiente do fórum. O procedimento da mediação, dentro desse contexto normativo, tornou-se intrinsecamente ligado ao funcionamento do Poder Judiciário, porque pouca ou nenhuma importância foi conferida à possibilidade de estimular o seu uso em outros espaços adequados. Por isso, na medida em que estamos tratando agora de um procedimento judicial, o tempo que será dedicado a essa atividade está subordinado ao tempo próprio do Poder Judiciário, do Juiz, do processo, geralmente uniformizado como é típico das normas procedimentais, já que pretendem estabelecer, previamente, regras claras e universais para disciplinar a atuação das partes em juízo. Refiro-me aqui, por exemplo, aos prazos, contados em dias para contestar e para recorrer; ao tempo, geralmente estabelecido em minutos, para a manifestação das partes nas audiências; ao instituto da preclusão, que implica na perda da oportunidade de praticar determinado ato processual por ter-se esgotado o tempo (prazo) concedido pela lei para aquele fim, dentre outros. Todas essas são categorias jurídicas relacionadas ao tempo, esse tempo próprio do processo, que é previamente dado pela lei, ou fixado pelo juiz, a princípio sem possibilidade de amoldar-se às necessidades e peculiaridades de cada caso. Evidenciando-se, assim, um flagrante antagonismo em vista da mediação, onde tudo, inclusive o tempo ou o momento de cada coisa, seria definido pelas partes, sem nenhuma imposição apriorística.

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II. É Tempo de Mediar! A despeito do aspecto aparentemente formalizante dessa mediação que tem lugar dentro do fórum, à qual me referi no item anterior, a criação de uma oportunidade de diálogo entre as partes — auxiliadas por um profissional capacitado e disposto a melhorar a sua comunicação, levando, eventualmente, a um entendimento — tem sido enxergada de forma altamente positiva. Trata-se de reservar um tempo, dentro do processo, para que essa busca pelo entendimento se concretize: um momento especial, um momento dedicado para a comunicação, um tempo para mediar. Esse é, por sinal, um dos aspectos do Novo CPC mais festejados pela doutrina especializada. Freitas, Machado & Magalhães, por exemplo, comentam a introdução da mediação no processo afirmando tratar-se de uma verdadeira mudança de paradigma. [...] o Estado moderno vem quebrando paradigmas com as novas visões de mundo advindas de uma série de evoluções nos modelos construídos, evoluções essas nos âmbitos sociais, econômicos, políticos e jurídicos. Essa quebra de paradigmas leva a um novo entendimento da função jurisdicional, qual seja, a possibilidade da utilização da política do consenso, notadamente ainda se encontra despreparado, principalmente no campo prático, para a utilização de instrumentos que se encontram fora do aparato jurisdicional estatal. Nesta esteira, o NCPC enfatizou a adoção de meios propícios para solução de conflitos na nova sistemática processual pátria. (2015).

O mesmo em Gaio Junior (2015, p. XIII), que arrola o reforço aos meios consensuais (mediação e conciliação) como uma das grandes novidades do Novo Código. Talvez com aptidão para concretizar o que esse autor denomina de uma “reinvenção do próprio olhar” sobre a atividade da jurisdição estatal (Gaio Junior, 2015, p. XV), passando de um processo de traços combativos a outro mais impregnado de consensualidade. Embora o CPC ainda esteja em período de vacância, desde que o seu texto foi publicado já foram lançados muitos manuais que se ocupam de destrinchar os seus mais de mil artigos, buscando dirimir dúvidas e esclarecer os chamados “operadores do direito” sobre a forma mais adequada de interpretá-los e aplicá-los aos casos concretos — o que pode, aliás, variar bastante de autor para autor, suscitando outras pesquisas futuras. Uma das inovações mais comentadas é, justamente, a introdução da mediação no procedimento comum, que não encontrava previsão legal anterior, muito menos sob a forma de uma audiência. Nesse aspecto em particular, o Novo CPC deixou estabelecido que a parte autora, ao ajuizar a ação, ainda no corpo da petição inicial, deverá dizer se deseja ou não submeter-se ao procedimento de mediação (art. 319, VII). Esse é um requisito da petição inicial. Caso a parte não o atenda, deverá completá-la por determinação do juiz (art. 321) sob pena de indeferimento da inicial. Essa manifestação é, portanto, obrigatória. Mais adiante, a Lei estabelece que o juiz, ao despachar a petição inicial, entendendo que todos os requisitos essenciais foram atendidos — e desde que não entenda por julgar, desde

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logo, improcedente o pedido, na forma do art. 332 — deverá designar uma audiência de mediação ou de conciliação (art. 334). A primeira opção fica reservada, a princípio, para aqueles casos em que houver vínculo anterior entre as partes (§3º do artigo 165). Essa audiência de mediação somente não acontecerá se ambas as partes, tanto o autor como o réu, informarem que não estão dispostos a buscar uma solução consensual, ou se a matéria em discussão não comportar composição (o que somente aconteceria, em tese, nas ações que tratam de direitos indisponíveis). Ainda de acordo com a Lei, o mediador é o profissional que vai atuar nesses casos, auxiliando as partes a “compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos” (art. 165). Tamanha é a aposta no êxito das soluções consensuais que o legislador procurou assegurar, no âmbito do processo civil brasileiro — até mesmo com um certo ar autoritário — uma oportunidade de levar as partes ao diálogo. Inclusive, como se viu acima, optando por normas que compelem a esse encontro, mesmo quando uma delas não o deseje. É o que pode acontecer, por exemplo, quando o réu informa que não tem interesse na mediação (§5º do art. 334), e mesmo assim ela acontecerá se o autor tiver feito a opção pela designação dessa audiência. Sem mencionar que o não comparecimento injustificado das partes à sessão de mediação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça, podendo ser sancionado com multa a ser fixada pelo juiz, nos termos do §8º do artigo 334. Também nesse sentido, o legislador optou por estabelecer um tempo, nas agendas dos mediadores judiciais, para a realização dessas audiências. Isso foi feito no § 12 do artigo 334, onde se lê que “a pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte.”

III. O Problema dos Vinte Minutos... Quando pela primeira vez fiz a leitura do artigo 334 do CPC, especialmente do § 12 acima comentado, compreendi que o escopo desse artigo seria de garantir, como já afirmado, um tempo mínimo para a mediação. Esse tempo, estampado na lei, é de pelo menos 20 minutos para cada sessão (ou audiência) de mediação. Não está expresso na lei o limite de sessões para cada caso, nem localizei doutrina a respeito desse ponto, até o momento. Seria mesmo necessário positivar (isto é, incluir no texto da lei) uma tal regra? A organização da pauta de audiências não seria uma atribuição privativa de cada juiz e de seus auxiliares? O que poderia justificar tamanho zelo? Posso imaginar que a preocupação do legislador foi de evitar que acontecesse com a mediação o mesmo que ocorre atualmente com as audiências de conciliação nos Juizados Especiais Cíveis da Lei 9.099/95. Estas audiências, de realização obrigatória no rito previsto por essa lei, teriam o objetivo de oportunizar às

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partes um encontro para uma tentativa de acordo que pudesse dar margem à extinção do processo. Era uma aposta para empreender maior celeridade ao desfecho de causas de pequena complexidade. Contudo, não tardou para que perdessem a sua importância. Hoje não passam de burocracia, uma etapa meramente formal, apenas para “marcar ponto”, com pouquíssima efetividade, como descreveram, por exemplo, Amorim (2003; 2006) e MoreiraLeite (2003). Ou talvez o legislador estivesse receoso de que pudesse se verificar situação semelhante àquela que se vê nas Varas do Trabalho, ao menos no Rio de Janeiro, em que as audiências trabalhistas da primeira instância são designadas de cinco em cinco minutos. O que parece causar perplexidade para muitos, já que esses cinco minutos são, como regra geral, em muito ultrapassados, especialmente quando nessas audiências há necessidade de tomar depoimentos orais (Ferreira & Filpo, 2011). Aparentemente esse tipo de situação pode contribuir, dentre outros efeitos, para a insatisfação do jurisdicionado e um descrédito quanto ao bom funcionamento do Poder Judiciário. Advogados ouvidos em trabalho de campo afirmaram que, nessas varas aqui consideradas, a pauta de audiências está sempre atrasada. Pareceu-me, portanto, à primeira vista, interessante o limite temporal estabelecido pela lei, por meio do qual o legislador pretendeu evitar que, em breve, a mediação processual viesse a se tornar letra morta, pela ausência de tempo mínimo para a sua efetivação. Contudo, minhas observações recentes têm conduzido à percepção de que, a despeito de todo esse esforço, a mediação judicial corre sérios riscos de vir a converter-se em uma grande frustração. Ao menos quanto ao tempo que os operadores do direito estão propensos a dedicar a ela: certamente um tempo menor do que ela necessita efetivamente para dar conta das suas promessas. Um dos fatores que pode conduzir a esse incômodo desfecho é a percepção, contestada pela empiria (como buscarei demonstrar adiante), de que a mediação seria uma forma de dar solução veloz a processos já ajuizados, isto é, encerrá-los com mais celeridade do que aconteceria caso trilhassem o caminho convencional. Essa percepção de que a mediação é rápida, conjugada com o texto da lei, sobretudo esse § 12 do artigo 334, pode levar, na prática, ao entendimento de que se trata não mais do que uma audiência que dura, no máximo, vinte minutos. Certamente uma redução bastante aguda quando confrontada com a promessa sobre as benesses que a adoção desse método poderia, em tese, proporcionar. Embora essa possa ser considerada uma interpretação teratológica, ou mesmo pessimista, ela é possível. Ainda mais quando se leva em consideração que a audiência de mediação terá espaço em uma grande variedade de ações, dentre elas todas as questões de família e vizinhança. Haverá mediadores e centros de mediação suficientes para dar conta de toda essa demanda? Quanta atenção e quanto tempo esses profissionais poderão dedicar à administração de cada um desses casos? Por outro lado, mediação é uma técnica que demanda tempo. Em geral muito, muito mais mesmo, do que vinte minutos.

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IV. Mediar Demanda Tempo Desde 2010 venho trabalhando com pesquisa empírica qualitativa, buscando inspiração no fazer antropológico (Malinowski, 1978; Cardoso de Oliveira, 1998; Kant de Lima 2009). Essa atividade tem incluído o trabalho de campo, observações e entrevistas, sobre o emprego da mediação judicial no estado do Rio de Janeiro, sob a égide da Resolução 125 do CNJ. Sobretudo na área de família. Essa experiência de campo, inclusive a observação de dezenas de casos, acompanhados de ponta a ponta, tem revelado que trilhar o caminho da mediação de conflitos é algo que demanda tempo e disposição significativas. A título de exemplo, em um caso específico em que um casal separado travava uma disputa relacionada à visitação dos filhos pelo pai, foram investidas cerca de 12 horas de trabalho presenciais (com mediadores e mediandos em contato direto na sala de mediação), divididas em cinco longas sessões. Isso sem mencionar o tempo gasto pelos auxiliares para agendarem as sessões e outras medidas administrativas, bem como os deslocamentos de todos para aqueles encontros. Quando se colocam sob comparação a mediação e o processo convencional, tomando como parâmetro o aspecto temporal, salta aos olhos que o tempo de envolvimento direto da parte com o processo é muito maior na mediação. Na via tradicional os protagonistas que lidam diretamente com o processo são, em regra, os advogados e o juiz. As partes não se manifestam diretamente. O fazem por meio de seus advogados e de forma escrita. Já na mediação as coisas se passam de forma diferente. Exige-se a presença e o envolvimento dos mediandos a cada passo, desde o agendamento dos encontros até a definição do que convém ou não ser debatido; desde a primeira lágrima derramada até a eventual formalização do termo de acordo (chamado, em alguns locais, de termo de entendimento em mediação). Para deixar mais claro: muitos mediadores entrevistados no decorrer da pesquisa de campo disseram acreditar que a mediação vai melhorar a convivência entre as pessoas. É uma técnica que funciona, nesse sentido. Mas a maioria não associa o uso da mediação a um desfecho mais rápido para os processos. Na sua ótica, a mediação favorece o diálogo e pode evitar conflitos novos ou ajudar na conclusão consensual de litígios já instaurados. Mas, como demanda muito tempo e atenção por parte dos mediadores, sem assegurar necessariamente a obtenção de um acordo em processo especifico, geralmente não é associada (pelos mediadores) ao quesito celeridade, e sim à qualidade, considerando a forma como o conflito é trabalhado. Essa percepção me pareceu bastante diferente daquela manifestada pelos profissionais que estavam envolvidos em funções administrativas no Tribunal de Justiça do Estado do Rio. Estes últimos parecem nutrir a expectativa de que a mediação vai contribuir decisivamente para diminuir o grande número de processos que abarrotam as suas prateleiras. Mas será legítimo cobrar “quantidade” de um método de administração de conflitos que tem como

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tônica a “qualidade” na forma como opera sobre o conflito e seus desdobramentos para a vida dos mediandos, a forma como estes se comportam diante do problema, dente outros? Outro ponto: certamente um processo judicial convencional, considerado todo o percurso desde o ajuizamento da ação, até a prolação de uma sentença, pode demandar anos. Já um caso submetido à mediação dificilmente será “trabalhado” no Centro de Mediação por mais de dois ou três meses. Perguntados a esse respeito alguns mediadores informaram que geralmente não permanecem com um mesmo caso por mais de três sessões. Uma mediadora fez o relato de um caso que durou sete sessões, mas esta foi considerada por ela uma situação atípica. Desse ponto de vista, a mediação não se estende tanto no tempo como o processo convencional. Mas a intensidade da participação dos interessados é muito maior na mediação. O processo convencional pode ser bem mais longo. Por outro lado, a mediação é bem mais intensa para os que dela tomam parte. Para quem está participando das sessões, isso causa a impressão de que a mediação é mais demorada do que o processo convencional, embora na literatura já mencionada acima seja reconhecida como uma forma mais célere de administração do conflito. Na visão dos atores do campo, pode ser mais rápida e vantajosa quando o entendimento é obtido. Mas, se não for esse o caso, acaba sendo percebida como uma etapa adicional dispensável, uma perda de tempo. E, no cotidiano forense obervado no trabalho de campo, ninguém tem tempo a perder.

V. Existe Tempo para a Mediação? Finalmente, além dos aspectos já mencionadas acima, outro embate que se vislumbra entre a mediação e o processo convencional, no tocante ao tempo, diz respeito à busca pela celeridade do processo, que é atualmente estimulada pelo CNJ. Tudo para dar concretude a preceito constitucional dos mais recentes, que estabelece a razoável duração dos processos como um direito fundamental. Nessa esteira, a exigência permanente de alcançar certas metas numéricas dentro de determinados prazos pré-fixados pelo CNJ e pela Presidência do Tribunal, observando modernas técnicas de gestão empresarial e a própria visão de que o Judiciário é uma empresa, fazem com que todos estejam constantemente preocupados em bater essas metas. Os juízes têm que proferir sentenças e extinguir processos. Mais do que sua tarefa cotidiana esses números são importantes para a sua promoção. Os advogados reclamam que muitos processos têm sido extintos por questões processuais de menor importância: menos um processo na pilha, mais um ponto na estatística. Isso contribui para bater a meta. Os funcionários, por sua vez, preenchem vários relatórios e estes são utilizados pela administração do Tribunal para aferir a produtividade do cartório. Não é possível esperar. Assim, a introdução da mediação de forma incidental nos processos judiciais em trâmite é problemática, porque ela demanda tempo. Tem os seus procedimentos (fazeres) próprios, dos

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quais dificilmente um mediador, por mais habilidoso que seja, poderia dar conta em poucos minutos. E enquanto isso, o que é feito do processo? Fica suspenso? Essa era a realidade, no Tribunal estudado, quando o tema era regulado pela Resolução 125 do CNJ (vide Resolução 19/2009 do TJERJ). O processo permanecia suspenso enquanto o caso era trabalhado no Centro de Mediação. Mas agora, quando a mediação transformou-se em audiência, não há porque falar em suspensão. De modo que a rapidez exigida — isso me parece evidente — será ainda maior. Alguns juízes ouvidos no campo e também alguns advogados pensam que a mediação, quando já existe uma ação em andamento, é pura perda de tempo, pois faz com que se interrompa a marcha processual que deve seguir adiante para que os resultados almejados possam ser atingidos, já que a mediação propriamente dita — ao menos na sua versão in natura, isto é, extrajudicial — não tem obrigação de resultado. Nada assegura que o processo voltará do Centro de Mediação com um acordo formalizado. Alguns afirmaram que um espaço de diálogo somente poderia ser de bom proveito caso acontecesse antes do ajuizamento da ação. Por outro lado, o esforço exigido das partes e dos mediadores durante o tratamento do caso pela mediação demanda destes atores grande disposição, até mesmo física, e também disponibilidade para participar das sessões, isto é, uma agenda relativamente livre que lhes permita conciliar os horários de todos para que os encontros possam ter continuidade. Mas, para que isso aconteça, é necessário levar em conta também que as pessoas gastam tempo e dinheiro para participarem dessa atividade, além do que o expediente forense coincide com o horário comercial e, portanto, de trabalho da maioria das pessoas. A pesquisa de campo demonstrou que esse é um motivo recorrente para que as partes desistam da mediação antes de ser atingido um estágio de comunicação razoável, sendo que muitos não chegam a retornar para uma segunda sessão. Isso pode explicar as razões pelas quais se afirma no campo que os jurisdicionados preferem a solução dada pelo juiz, já que deixar o processo convencional seguir o seu curso normal demanda mais dos chamados operadores do direito e menos das partes propriamente ditas do que acontece na mediação.

Conclusões A mediação, inserida de forma incidental, como etapa obrigatória no processo judicial cível, é algo muito novo na experiência Brasileira. Nem mesmo encontrei na pesquisa, até o momento, modelos estrangeiros semelhantes. Em Buenos Aires, Argentina, por exemplo, existe uma mediação obrigatória e prévia às demandas cíveis, como regra geral. Mas se trata de medida extrajudicial. Desse modo, não é possível fazer previsões quanto ao possível êxito dessa iniciativa, nem mesmo especular quanto aos impactos que ela trará para o processo,

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para o espaço forense, para os atores do campo, à medida em que for colocada em prática a partir do ano 2016, quando o novo Código de Processo Civil estiver em vigor. A pesquisa continua. Contudo, os dados apresentados neste ensaio recomendam que se tenha atenção à questão do tempo da mediação, e que todos os esforços sejam feitos para conciliá-lo com o tempo do processo. Não parece ser possível estabelecer prazos rígidos, nem limitar o número de sessões, quando as discussões dentro de uma sessão de mediação progridem em uma espiral, sem um eixo determinado, a depender do ânimo das partes, da complexidade do caso, da habilidade dos mediadores, da disposição dos participantes, dentre outros fatores. Como costumam dizer os mediadores mais experientes: uma mediação nunca é igual à outra. É justificado o receio de que, se esses aspectos não forem bem compreendidos, todos os esforços pela ampliação do consenso, por meio da mediação, sejam levados por ladeira abaixo. A cada um de nós cabe fazer a pergunta: quanto tempo estamos dispostos a dedicar ao diálogo com os nossos eventuais contendores? Temos tempo para mediar? Parece impossível modificar o processo, tornando-o menos belicoso e mais consensual, sem que antes essa mudança se opere em nós mesmos.

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Um exemplo é o Núcleo de Direitos Humanos e Mediação da Universidade Católica de Petrópolis, que teve como embrião, há cerca de 15 anos, dois grupos de mediação cível e familiar que funcionavam no Núcleo de Prática Jurídica daquela instituição, com a participação de alunos e professores e prestando atendimento em mediação de conflitos a pessoas de poucos recursos na cidade de Petrópolis e adjacências. Conferir, por exemplo, os trabalhos e pesquisas do instituto ‘Mediare Diálogos e Processos Decisórios’, disponível em sua Página Eletrônica. 2

UMA ANÁLISE SEMIOLINGUÍSTICA DOS DISCURSOS DE ABERTURA DO ANO JUDICIÁRIO (2004-2015): ESTRATÉGIAS E PRÁTICAS DISCURSIVAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Rafael Mario Iorio Filho Matheus Guarino Sant’Anna Lima de Almeida Gabriel Guarino Sant’Anna Lima de Almeida

Introdução Cobertos de rituais e simbolismos, os discursos oficiais que permeiam o início do ano costumam ser amplamente transmitidos, divulgados e comentados — como, por exemplo, o Discurso Presidencial proferido todo primeiro de janeiro no Palácio do Planalto. Tais discursos, embora muitas vezes levados como simples solenidades, podem ser entendidos como momentos de reafirmação de ideias do jogo democrático e, por isso, demonstram uma preparação e um raciocínio político que não podem ser subestimados. Se tal assertiva é presente nas falas do Poder Executivo — que em nosso regime presidencialista, obtém a maior parte da atenção midiática — o mesmo vale para os discursos dos outros dois poderes: o Legislativo e o Judiciário. Desta maneira, o presente artigo tem como objeto a análise dos discursos realizados anualmente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal na Sessão de Abertura do Ano Judiciário. A solenidade, inaugurada em 2004 pelo então Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Maurício Corrêa, tornou-se uma tradição, sendo realizada anualmente, para o início das atividades do Judiciário. Tais discursos, dirigidos às principais figuras políticas do país, apontam os objetivos do Judiciário para o ano, fazendo críticas e avaliações do ano anterior. Costumam estar presentes figuras centrais do país, como os Presidentes da República, da Câmara e do Senado, os Presidentes dos demais Tribunais, governadores de Estado e outros. Deste modo, como objetivos específicos, ao analisar tais discursos, pretendemos entender a quem se dirigem; como criam ideias e representações quanto ao papel 

Esta pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Núcleo de Estudos em Direito, Processo, Cidadania e Discurso, da Universidade Estácio de Sá (UNESA) e do Laboratório Fluminense de Estudos Processuais (LAFEP — FD/UFF), e os resultados da pesquisa foram apresentados no evento "A Sociologia do Direito em Movimento: Perspectivas da América Latina" (Sociology of Law on the movie: Perspectives from Latin America), que ocorreu entre os dias 05 a 08 de maio de 2015, no Unilasalle, em Canoas/RS, organizado pelo Mestrado em Direito e Sociedade do Unilasalle, pelo Research Committee on Sociology of Law da International Sociological Association (ISA/RCSL) e pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Sociologia e Direito (ABRASD).

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da Justiça no País; como que a fala se articula com os ideais do jogo político e institucional; como se projetam ideologias sobre o Poder Judiciário a partir do Supremo Tribunal Federal.

I. Metodologia Quanto à metodologia, nos apropriamos de ferramentas e categorias metodológicas da Análise Semiolinguística do Discurso, baseando-nos na obra de Patrick Charaudeau, através de sua teoria da linguagem e do discurso e de sua análise do discurso político (Charaudeau, 2008, 2011), para podermos explicitar como que o uso da linguagem e de elementos de construção de sentido são utilizados como estratégias discursivas pelos Presidentes do STF para imprimir uma determinada visão sobre o papel desta Corte frente ao Judiciário e aos outros Poderes, imprimindo uma visão própria sobre os problemas e caminhos do Judiciário nacional. Quando falamos de discurso político, tratamos de uma categoria específica de análise. Por discurso, pensamos em uma atividade linguageira que coloca em contato ao menos dois sujeitos, o sujeito enunciador, e o sujeito interpretante. Tanto um como o outro estarão desta maneira inseridos em uma determinada circunstância de discurso, que irá variar de acordo com a condição de um ou de outro sujeito, das expectativas e interpretações que um faz em relação ao outro. O discurso procura estabelecer, de maneira consciente ou inconsciente, uma relação entre linguagem, práticas naturais/culturais e política. A circunstância do discurso depende, então, “dos saberes supostos que circulam entre os protagonistas da linguagem.” (Charaudeau, 2008, p. 44). Assim, como veremos nos Discursos de Abertura do Ano Judiciário, estes espaços mútuos circulam numa linha entre o estritamente jurídico e a justificação deste jurídico em relação ao cenário político — que, especialmente quando pensamos no Supremo Tribunal Federal, tem como tênue a linha Jurídico x Político, visto que este tribunal é, por determinação da Constituição, Corte Constitucional e órgão de cúpula do Poder Judiciário Brasileiro. Charaudeau observa que além da noção básica de discurso que coloca em contato um emissor (aquele que fala) e um receptor (que ouve/recebe a mensagem), é possível pensar numa pluralidade de sujeitos a partir dos papeis e expectativas que estes possuem no ato de comunicação: Todo ato de linguagem resulta de um jogo entre o implícito e o explicito e, por isso: (i) vai nascer de circunstâncias de discurso específicas; (ii) vai se realizar no ponto de encontro dos processos de produção e de interpretação; (iii) será encenado por duas entidades, desdobradas em sujeito de fala e sujeito agente. (Charaudeau, 2008, p. 52).

Desta maneira, na encenação discursiva proposta, cada agente discursivo se desdobra em dois sujeitos. Um é um sujeito agente (também chamado ser social), que é o sujeito tal qual

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é na realidade, e o outro é um sujeito de fala, um sujeito criado para encenar um papel no ato de linguagem. Partindo de um ato comunicativo que vai de um EU para um TU, é possível desdobrar cada um dos sujeitos em dois papeis: um de sujeito agente, outro sujeito de fala. O EU, emissor da mensagem, existe primeiramente como ser produtor da fala, como ser real que emite uma mensagem. Charaudeau chama-o de sujeito comunicante (EUc). O sujeito comunicante, porém, pode se revelar parcialmente e estrategicamente no discurso, construindo um determinado papel na hora de se comunicar. A este chamamos de sujeito enunciador (EUe), que é “uma imagem de enunciador construída pelo sujeito produtor da fala (EUc) e representa seu traço de intencionalidade1 nesse ato de produção.” (Charaudeau, 2008, p. 48). No nosso caso, podemos dizer que o Ministro Presidente do STF atua como o EUc (sujeito comunicante) que, ao assumir determinada identidade dentro do discurso — falando em nome da coletividade de juízes, do Poder Judiciário ou do STF — assume determinada imagem de EUe (sujeito enunciador). Da mesma maneira, assim como o enunciador, o TU a quem se dirige a fala também se desdobra em um sujeito agente e em um sujeito de fala. Quando o EU, o emissário, emite a mensagem, ele não tem acesso diretamente ao TU, e nem pode prever suas reações. Desta maneira, ele cria um destinatário ideal para seu discurso, tentando conceber as reações que o discurso terá sobre ele. A este TU ideal, que idealmente receberá a mensagem, Charaudeau chama de sujeito destinatário (TUd). Assim, o “TUd é o interlocutor fabricado pelo EU como destinatário ideal, adequado ao seu ato de comunicação.”(Charaudeau, 2008, p. 46). O sujeito agente, que irá receber a mensagem e está destinado a interpretá-la, é chamado de sujeito interpretante (TUi).2 Esta categorização, que demonstra a complexidade simbólica num ato discursivo, nos ajudará a entender os papeis assumidos pelos Presidentes do STF (como sujeitos enunciadores) e a entender as estratégias discursivas por eles realizadas para atingir um público ideal (sujeito destinatário, ou TUd). Deste modo, pretendemos realizar aqui uma análise do discurso através da identificação dos sujeitos e dos papéis assumidos por eles nos discursos do STF, tentando entender suas estratégias discursivas em uma formação ideológica sobre o papel da Suprema Corte frente à sociedade brasileira. Assim, nosso entendimento de análise do discurso parte do pressuposto de que a “análise do discurso consiste no fato de que os discursos tornam-se possíveis tanto na emergência de uma racionalidade política quanto na regulação dos fatos políticos” (Iorio Filho, 2014, p. 40). É pressuposto aqui também a natureza política dos discursos analisados. O discurso político pode ser entendido como um projeto de influência, e se relaciona diretamente com a ação política. A ação política, por sua vez, é fabricada por um sujeito que possui um poder de decidir. Neste sentido, Charaudeau trabalha com a diferenciação das categorias de Instância Política e Instância Cidadã. A instância política “é o lugar da governança”. É o local “em que os atores têm um “poder fazer” — isto é, de decisão e de ação — e um “poder fazer

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pensar” — isto é, de manipulação.” (Charaudeau, 2011, p. 56). Já a instância cidadã é “aquela que se encontra em um lugar em que a opinião se constrói fora do governo” (Charaudeau, 2011, p.58). O discurso político é, portanto, dirigido por uma instância política, que possui o poder e busca legitimidade, para uma instância cidadã, que concede ou não legitimidade para os atos do governo. Os discursos produzidos pelos Presidentes do Judiciários possuem natureza política, pois buscam legitimar ações tomadas por este órgão, que possui, dentro de seus limites, um poder de ação frente a sociedade, e por isso está no lugar da governança. O Supremo, assim, constitui uma instância política. Porém, diante do Executivo e do Legislativo, que possuem também, dentro de suas competências, poderes sobre o judiciário, estes discursos estão inseridos em um princípio de regulação, uma vez que cada um dos poderes possui “seu próprio projeto de influência” sobre o outro. São todos poderes no lugar na governança, que estão na instância política, tendo, porém, diferentes atribuições e por isso mesmo buscando o tempo todo legitimar suas ações frente aos outros.

II. Identificando os Corpora: os Discursos de Abertura do Ano Judiciário Dentro destes pressupostos da análise, que relevância encontramos nos Discursos de Abertura do Ano Judiciário? Podemos comparar tais discursos às tão transmitidas e comentadas falas dos Presidentes da República, que vem a reafirmar um pacto político com os o público que o escuta? O Supremo Tribunal Federal, conforme vemos na Constituição Federal (Art. 101 em diante), acumula as funções de órgão de cúpula do Poder Judiciário (sendo Tribunal de última instância, em conflitos individuais que implicam em discussões de relevância constitucional); e também de Tribunal Constitucional (atuando no controle abstrato de normas e sua relação com a Constituição). Seus Ministros, embora não eleitos diretamente, são nomeados pelo Presidente da República, após a aprovação da escolha pelo Senado Federal. O Tribunal é composto de 11 Ministros, escolhidos, dentre “cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”, conforme o Art. 101 da Constituição (Brasil, 1988). Deste modo, vemos que tal órgão jurídico tem em sua composição agentes que, embora não eleitos, dependem de uma trajetória política e institucional que os leve a tal cenário de nomeação por um agente político: o Presidente da República. Deste modo, é preciso destacar brevemente as trajetórias e origens dos Presidentes do STF no período 2004-2015, que comporá nossa análise. O Presidente do STF, que é o chefe do Poder Judiciário Brasileiro, é escolhido pela plenária do Tribunal e possui Mandato de dois anos. Este é o local institucional de nosso enunciador no Discurso de Abertura do Ano Judiciário: magistrado, Ministro e chefe de um dos Poderes da República.

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No ano de 2004, quando inaugurada a Abertura do Ano Judiciário, o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Maurício Corrêa, proferiu o primeiro “Discurso de Abertura do Ano Judiciário”. Maurício Correa fora Ministro do STF entre 1994 e 2004, e também Ministro da Justiça do Governo Itamar Franco. (Corrêa, 2015). O Ministro Nelson Jobim, que ocupara o cargo de Ministro das Relações Exteriores no Governo de Fernando Henrique Cardoso, ocupou cargo de Presidente do STF de entre 2004 e 2006. Nelson Jobim, assim, profere os Discursos do Ano Judiciário de 2005 e 2006 (Jobim, 2015). Entre os anos de 2006 e 2008, a Presidência do STF esteve com a Ministra Ellen Gracie, primeira mulher a ocupar o cargo de chefe do Poder Judiciário. Ellen Gracie teve sua carreira no campo jurídico, tendo atuado como Procuradora da República e Desembargadora, até sua nomeação como Ministra, ocorrida em 2000 (Gracie, 2015). Entre 2008 e 2010, foi o Ministro Gilmar Mendes Presidente do STF. Gilmar Mendes atuou em diversas funções jurídicas no Poder Executivo, tendo sido Advogado-Geral da União no governo de Fernando Henrique Cardoso, sendo por ele nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal em 2002 (Mendes, 2015). Antonio Cezar Peluso atuou como Presidente do STF entre 2010 e 2012, tendo atuado como Ministro de 2003 à 2012, quando se aposentou. Cezar Peluso realizou toda sua trajetória na Magistratura, sendo assim um profissional que sempre atuou no Poder Judiciário (Peluso, 2015). Joaquim Barbosa, assim como outros Ministros, exerceu diversos cargos ao longo de sua carreira jurídica, tendo atuado como membro do Ministério Público Federal, Oficial de Chancelaria e outros cargos no Poder Executivo. Foi nomeado em 2003 para o STF, tendo exercido a Presidência do STF de 2012 a 2014, quando se aposentou (Barbosa, 2015). Ricardo Lewandovski, Presidente do Supremo Tribunal até o presente ano de 2015, foi eleito para tanto em 2014. Atuou como Advogado, tendo ingressado como Desembargador pelo quinto constitucional em 1990. Foi nomeado como Ministro do STF em 2006 (Ricardo, 2015). Importante notar, neste breve relato, que os Ministros diferem entre si quanto às trajetórias profissionais, mas tendo em algum momento proximidade com outros Poderes. Interessante notar, ainda, que tais trajetórias se distinguem também dos locais em que os Presidentes se colocam enquanto enunciadores quando da cerimônia da Abertura do Ano Judiciário. A Ministra Ellen Gracie, no discurso de abertura do ano judiciário de 2008, diz que “as falas de instalação do Ano Judiciário são como elos de uma cadeia. Elas trazem informações e realizações do ano recém-findo e projetam planos futuros, não apenas para esta Casa, mas para o Poder Judiciário como um todo.” (Gracie, 2008, p. 8). Desta maneira, os discursos se apresentam tanto como uma avaliação do que já foi feito no ano anterior e nos últimos anos, quanto como uma proposição de ações e expectativas para o próximo ano.

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Os Discursos acontecem nos dias 1º ou 2 do mês de fevereiro de cada ano. Na maior parte dos anos, o Presidente do Supremo abre a solenidade já com o seu discurso, e depois passa a palavra para as outras autoridades que irão discursar.3 Em quase todos os anos, com exceção dos anos de 2011 e 2013, o discurso do Presidente do STF foi acompanhado da fala do Presidente da República ou de outro representante do executivo.4 Em 7 anos houve discursos do Presidente da Câmara5, assim como em 7 anos houve discursos do Presidente do Senado.6 Em 2009, 2010 e 2015 houve discursos do Procurador-Geral da República, e em 2015 houve também discurso do Presidente da OAB.

III. Análise dos Discursos Para que possamos compreender como os Discursos de Abertura do Ano do Judiciário se relacionam com ideias e representações quanto ao papel da Justiça no País e como se enquadram no cenário do jogo político-institucional, precisamos analisar brevemente seu conteúdo. Delimitamos nossos corpora aos Discursos proferidos pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, que abre a cerimônia da Abertura do Ano Judiciário. A necessidade de delimitação dos textos analisados se deu na medida em que buscamos — nesta etapa — identificar a fala que parte do Poder Judiciário. Deste modo, são 12 discursos, iniciados em 2004, até o presente ano de 2015, disponíveis no sítio do Supremo Tribunal Federal na internet (Brasil, 2015). Partimos, a seguir, para uma breve exposição dos discursos, em busca de recorrências, elementos comuns e significados trazidos. III.i.i. Discurso de 2004 — Ministro Maurício Corrêa.

Ao iniciar sua fala, intitulada O Poder Judiciário, Maurício Corrêa faz alusão à separação de poderes, colocando o Poder Judiciário como parte importante da soberania e substância desta separação. Em seguida, trata das críticas ao andamento e velocidade dos processos, atribuindo tais problemas não aos juízes, mas ao sistema de leis que regem o processo, o “vetusto sistema processual” brasileiro (Corrêa, 2004, p. 13). Este sistema seria utilizado pelos litigantes para prorrogar processos através dos recursos. Corrêa critica o fato de a culpa da morosidade geralmente recair sobre os juízes. O outro ponto central do discurso é Emenda Constitucional 297. Desta emenda, Corrêa destaca dois pontos centrais: A criação de um órgão de regulação externa do judiciário (que viria a ser o Conselho Nacional de Justiça, o CNJ), ao qual critica a necessidade de criação e as dificuldades que pode criar; e a criação do mecanismo das Súmulas Vinculantes, ao qual reserva elogios. Neste ponto, são feitas falas aos Presidentes do Congresso, da Câmara e do Executivo onde Maurício Corrêa expressa sua

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expectativa de apoio dos outros Poderes para as reformas legislativas que se mostram necessárias. III.i.ii. Discurso de 2005 — Ministro Nelson Jobim.

O discurso de Nelson Jobim (Jobim, 2005) começa com uma referência às extraordinárias modificações em processo no Sistema Judiciário Nacional, fazendo alusão à cooperação entre os Poderes. Logo, faz referência à Reforma do Judiciário8, que já fora votada no Senado, e estaria voltando à Câmara. Jobim observa o crescente protagonismo do Judiciário frente às questões de interesse da Nação, de modo que o Supremo Tribunal Federal tem sido uma instância recursal de luta política, principalmente através das Ações Diretas. Passa então a caracterizar a necessidade de mudanças na estrutura do Judiciário e nas leis processuais, usando como exemplo a inadequação destas leis às demandas de massas, uma vez que as leis foram feitas para causas individuais. A partir daí, se dirige ao Presidente da Câmara dos Deputados, atentando a necessidade das reformas legislativas, e expondo que a Câmara dos Deputados não tem dado a devida atenção ao Judiciário. Nelson Jobim passa então para uma crítica do papel do judiciário e das reformas que estão acontecendo. Para ele, as discussões processuais que ocorreram a partir de 19749 se limitaram aos problemas acadêmicos, e não às necessidades da nação. Então ele questiona aos demais membros do judiciário presentes se o desejo é a existência de um judiciário que atenda aos interesses próprios juízes, ou que este órgão exista para servir à nação, dizendo que a retomada da legitimidade para o judiciário se dá pela solução destas questões. III.i.iii. Discurso de 2006 — Ministro Nelson Jobim.

Na abertura do discurso, Nelson Jobim deixa clara sua temática: a inserção e função do STF no Estado Brasileiro (Jobim, 2006). Ele faz uma construção sintética e simples, expondo quais os três problemas que geralmente são levados ao Supremo: a) Os temas de fazenda pública, que incluiriam questões relativas às despesas públicas, obrigações fiscais, carga tributária e demandas pelo aumento das obrigações do estado; b) temas relativos às políticas públicas, que possuem forte caráter político, tendo como principais autores partidos políticos, sindicatos e corporações; c) Questões relativas às liberdades, que incluem habeas corpus e Mandados de Segurança impetrados para objetar condutas das autoridades públicas. O discurso prossegue com o questionamento quanto à orientação que o Supremo deve adotar em sua atuação. É necessário evitar que se busque julgar em nome do “clamor público”, que é usado hoje de maneira similar à como, no passado, a expressão “segurança nacional” era usada. Assim, o Supremo deve atuar mesmo sofrendo o risco de se tornar impopular, buscar proteger antes a “governabilidade democrática” do que os “governos”. Não deve, portanto, proteger os interesses de um ou outro partido ou grupo da sociedade. Ressalta o diálogo entre os poderes, com quem o Judiciário está em constante acesso para que ocorram

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as reformas processuais que estão em curso. Termina com um apelo para que o Estado Democrático de Direito saia do papel e atinja à sociedade. III.i.iv. Discurso de 2007 — Ministra Hellen Gracie

Hellen Gracie inicia o discurso (Gracie, 2007) com um elogio à harmonia entre os Poderes, que teriam cooperado para a criação das leis 11.417, 11.418 e 11.41910. Elogia então os institutos criados por estas leis: a súmula vinculante, que vincula também os atos da administração pública, que por diversas vezes ignoraria as interpretações feitas pelo Supremo; O instrumento da Repercussão Geral, que evita que certos casos cheguem ao Supremo; E o processo eletrônico, que vem para resolver problemas de celeridade pessoal, acabando com “o tempo neutro do processo”, onde só se realizam atos burocráticos. Neste momento, dá seu entendimento de que os Poderes Executivo e Legislativo já fizeram a parte deles, e cabe ao Judiciário tornar efetiva estas leis. Há uma menção da preparação para as atividades de comemoração dos 200 anos de independência do Judiciário Brasileiro, que incluiriam diálogos com os países dos quais nossos sistema de Controle de Constitucionalidade é inspirado. III.i.v. Discurso de 2008 — Ministra Hellen Gracie.

Hellen Gracie inicia o discurso de 2008 (Gracie, 2008) fazendo um elogio à produtividade do Supremo, que julga e produz cada vez mais acórdãos. Observa a eficácia dos mecanismos que vem impedindo o excesso de recursos ao STF, como o mecanismo de Repercussão Geral, a concentração de causas idênticas e a não distribuição de recursos intempestivos ou incompletos. Da mesma maneira, aponta o início da produção de Súmulas Vinculantes, e observa que a parcimônia na sua utilização demonstra que o instrumento não será vulgarizado. Aponta o uso das tecnologias, como o processo eletrônico, através do e-STF, e também nos outros tribunais do país, além da modernização do site do STF e o primeiro recurso a tramitar inteiramente no formato eletrônico no Supremo. Observa que, como proposto no ano anterior, estariam realizando atividades comemorativas dos 200 anos de independência judiciária do Brasil, e observa que o fato de o Judiciário ter se tornado independente antes do resto do país demonstra a importância do Judiciário junto dos outros poderes. Observa ainda o fato de o Supremo ter sediado pela quinta vez o Fórum de Presidentes de Cortes Supremas do Mercosul, e, além disso ter recebido 7 Ministros de Cortes Supremas, como havia sido previsto no ano anterior. Desta maneira, o discurso resgata os pontos centrais do discurso do ano anterior, demonstrando que as proposições foram cumpridas.

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III.i.vi. Discurso de 2009 — Ministro Gilmar Mendes.

O discurso de Gilmar Mendes parte de um elogio às “medidas de racionalização processual e de filtros recursais” (Mendes, 2009, p. 23), que pode ser observada por uma redução de 41% dos processos distribuídos pela corte. Faz menção então aos importantes casos julgados no ano anterior, que teriam dado grande visibilidade internacional ao Supremo, como o julgamento da utilização de células tronco embrionárias em pesquisas científicas e o julgamento acerca da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Gilmar Mendes destaca ainda outros importantes casos julgados11 em 2008, que teriam resultado em Súmulas Vinculantes. Partindo destes exemplos, destaca a aproximação do Supremo em relação à sociedade, através de Audiências Públicas e do instituto do amicus curiae, que transformaram a Corte “num amplo foro de argumentação reflexão do qual participaram segmentos os mais diversos da sociedade brasileira, da igreja à comunidade científica” (Mendes, 2009, p. 24). Aparece novamente o tema da celeridade processual, e da eliminação “gargalos que cerceavam o fluxo processual” (Mendes, 2009, p. 24), com melhorias que atingiriam todo o judiciário. Faz também referência ao processo eletrônico, em especial às varas virtuais penais, que evitariam erros no cálculo de penas. Pela primeira vez nestes discursos, é citada a necessidade de acabar com a ideia de que “o reconhecimento e a concretização de direitos só se dá por meio judicial.” (Mendes, 2009, p. 25), fazendo-se referências à conciliação. Gilmar Mendes crítica a “práxis judicializante” (Mendes, 2009, p. 25) da população brasileira. Outro ponto importante no discurso é a internacionalização do Supremo, através de diversos eventos dos quais seus ministros participaram, e dos órgãos dos quais passou a fazer parte.12 III.i.vii. Discurso de 2010 — Ministro Gilmar Mendes.

O discurso começa com a demonstração de alegria de Gilmar Mendes pelas expectativas positivas que tem para o ano de 2010, justificadas pelo fato de que, pelo segundo ano consecutivo, houve uma redução de 40% nos processos distribuídos no STF, o que teria dado espaço para o julgamento de questões de grande repercussão “no cotidiano das pessoas e na estrutura institucional do País” (Mendes, 2010, p. 9).13 Para Gilmar Mendes, há uma melhoria na visão que o “brasileiro médio” tem do Supremo, que se firma para estes “como a própria representação da legalidade, da ordem institucional” (Mendes, 2010, p. 9). O resto do discurso é um elogio à modernização do Supremo Tribunal Federal, através da auto-crítica realizada com a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Gilmar Mendes dá destaque a modernização tecnológica feita no âmbito do Supremo, como a utilização do processo eletrônico, e a utilização dos recursos tecnológicos para dar “transparência total” (Mendes, 2010, p. 13) a este órgão. Outro ponto é o empenho do judiciário como um todo

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para cumprir a Meta 2 do CNJ, “celebrada para julgar todos os processos protocolados até 31-12-2005.” (Mendes, 2010, p. 11). A necessidade seria de desburocratização e modernização, em nome da celeridade: “A melhoria do Judiciário se faz com a modernização do seu processo produtivo. Menos carimbos. Mais resultados.” (Mendes, 2010, p. 12). Há também um elogio à colaboração entre os poderes, que seria expressa pelo “cumprimento inconteste do II Pacto Republicano, que viabilizou a aprovação de instrumentos legais14 de notória importância, graças ao apoio pessoal do eminente Presidente da República e dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.” (Mendes, 2010, p. 2012). III.i.viii. Discurso de 2011 — Ministro Cezar Peluso.

Cézar Peluso diz, ao início do discurso, que “não foram poucas as autoridades de diferentes áreas do conhecimento e de atuação que se referiram ao terceiro milênio como o século do Judiciário” (Peluso, 2011, p.11), posição com a qual concorda. Para ele, os tempos de globalização e liberalismo econômico exigem do “Estado Administrador” e do “Estado Legislativo” atuassem “em velocidade mais próxima daquela que pauta a agenda das demandas da sociedade” (Peluso, 2011, p. 11). Peluso faz menção a uma “revolução silenciosa do Judiciário brasileiro” (Peluso, 2011, p.11), que teria no CNJ seu catalizador, fazendo um destaque para o empenho dos juízes e tribunais no cumprimento das metas. Novamente, é feito elogio à redução do número de processos distribuídos no âmbito do Supremo, graças ao instituto da Repercussão Geral. Outro ponto destacado é a instituição do processo eletrônico, com elogio à participação da OAB, da Procuradoria-Geral da República, da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias e Defensorias Públicas, que teriam se empenhado para capacitar os profissionais na utilização destas ferramentas. Cezar Peluso faz especial destaque à II Conferência Mundial sobre Justiça Constitucional, que acontecera no Brasil, contando com “a presença de mais de 350 pessoas na condição de presidentes e representantes de Cortes Constitucionais de todo o mundo” (Peluso, 2011, p. 11). Neste evento, os estrangeiros teriam se impressionado com a “transparência com que os julgamentos são conduzidos” (Peluso, 2011, p. 14) em tempo real pela TV Justiça, com o a existência do CNJ e, principalmente, com a realização dos “Pactos Republicanos, como peculiar mecanismo de aprimoramento de nossa ordem jurídica.” Peluso faz então um resumo das legislações provenientes dos Pactos Republicanos15, e propõe aos demais poderes a realização de um III Pacto Republicano. III.i.ix. Discurso de 2012 — Ministro Cezar Peluso.

Cezar Peluso faz de seu discurso uma crítica a ideia de que o Judiciário se encontra em crise. Para contestar esta tese, faz uma enumeração dos progressos que o Judiciário realizou no passado recente, citando a EC 45, e todo o aparato legislativo e administrativo que há

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acompanhou, e citando os dois Pactos Republicanos. Além disso, traça extenso elogio à atuação do CNJ e aos projetos que este órgão tem conduzido. Faz diversas referências ao seu discurso do ano anterior, e aos outros discursos feitos na sua carreira. Para Peluso, o Brasil presencia um crescimento de importância do Judiciário, que “assumiu grandiosa dimensão político-institucional, entrando a ocupar espaço substantivo nos debates nacionais e a inquestionável condição de fiador da consolidação do processo democrático.” (Peluso, 2012, p. 17). Para o Ministro, os problemas relacionados à corrupção e à impunidade não devem também ser creditados ao Judiciário, e sim aos outros órgãos da sociedade: “Nenhum, nenhum dos males que ainda atormentam a sociedade brasileira pode ser imputado ao Poder Judiciário” (Peluso, 2012, p. 21). III.i.x. Discurso de 2013 — Ministro Joaquim Barbosa. Os discursos de Joaquim Barbosa são os mais curtos dentre os analisados, tendo apenas 3 páginas, o que se repetirá no ano de 2014. O discurso é iniciado com um convite para a “reflexão sobre os passos a serem dados no sentido de prestarmos um melhor serviço aos cidadãos, assegurando plena efetivação da Justiça.” (Barbosa, 2013, p. 1). É ressaltada a importância da neutralidade do judiciário, através da independência e da harmonia entre os poderes. Após um breve relato da quantidade de processos a serem julgados pelo Supremo, é exposto que o Supremo depende boa parte do trabalho de aprimoramento do sistema judiciário brasileiro. (Barbosa, 2013, p. 2) É destacado o esforço para “conferir celeridade” aos trabalhos do Supremo, e por fim, Joaquim Barbosa termina com um apelo à valorização dos funcionários do Judiciário. III.i.xi. Discurso de 2014 — Ministro Joaquim Barbosa. Joaquim Barbosa realiza uma breve fala, que é iniciada com a menção de que este discurso marca 10 anos da cerimônia de Abertura do Ano Judiciário, que fora iniciada 10 anos antes pelo Ministro Maurício Corrêa. A cerimônia, para Barbosa, evidencia “o relacionamento independente e harmônico entre os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo.” (Barbosa, 2014, p.11). Ressalta as transformações “na estrutura e funcionalidade” das atividades do Judiciário “com a consolidação dos procedimentos dos institutos da repercussão geral e da súmula vinculante”, fazendo menção ao longo do discurso do julgamento de 45 casos de repercussão geral julgados ao longo de 2013. Pontua também que é “fundamental a independência do Poder Judiciário e o reconhecimento da autoridade da Justiça” (Barbosa, 2014, p. 11), com destaque para a relevância da atuação dos juízes de primeira instância. III.i.xii. Discurso de 2015 — Ministro Ricardo Lewandowski.

Lewandowski abre seu discurso enumerando motivos pelos quais vem se “intensificando a busca pela prestação jurisdicional, como expressão de um serviço público essencial”

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(Lewandowski, 2015, p. 1). Para ele, se os litígios que atingem o judiciário “não forem rápida e adequadamente resolvidos pelas autoridades estatais competentes, eles poderão degenerar em frustrações e violências, trazendo como consectário um grave comprometimento da paz pública.” (Lewandowski, 2015, p. 2). Os dados do “Relatório Justiça em Números 2014, Ano-Base 2013, recém-divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça” revelariam uma crescente litigiosidade no país, o que, se por um lado se revela dramático, por outro “revelase bastante emblemática, pois só reivindica direitos quem reconhece que deles é efetivamente detentor e tem a convicção de que o sistema judicial pode dar-lhe a satisfação almejada” (Lewandowski, 2015, p. 5). A partir desta fundamentação, Lewandowski expõe as medidas que serão tomadas pelo Supremo ao longo do ano, visando à celeridade, a intensificação das “relações com os demais Poderes e outras Instituições essenciais à administração da Justiça”, a realização de estudos empíricos sobre o STF, dentre outras coisas. Por fim, conclama seus pares, magistrados, advogados, membros do Ministério Público e servidores a “emprestarem sua indispensável contribuição para que possamos dar conta dessa magna tarefa, em prol da pacificação dos inúmeros conflitos que ainda entravam o pleno desenvolvimento econômico e social do País.” (Lewandowski, 2015, p. 10). III.ii. Um auditório de Cidadãos ou de Poderes? A quem se dirige os discursos de Abertura do Ano Judiciário? Será que ele é destinado às autoridades presentes? Será que se destina apenas aos membros do Poder Judiciário? Ou será que o fato de os discursos serem amplamente midiatizados, através da TV Justiça e de diversas outras mídias, fazem com que toda a nação brasileira seja sua destinatária? Para conduzir tal reflexão, é importante utilizar os recursos teóricos apresentados quando da metodologia. Os discursos de Abertura do Ano Judiciário de fato atingem a uma pluralidade de pessoas, tanto às autoridades presentes, quanto aos membros do judiciário, quanto aos espectadores que não estão presentes. Estes são os sujeitos interpretantes (TUi), as pessoas reais que interpretarão o discurso, e a quem, independente da vontade do enunciador, o discurso chegará. Os Presidentes do STF, no entanto, ao produzirem seus discursos, os destinam a determinados sujeitos ideais, esperando que o discurso produza neles certo efeito e influência. Estes sujeitos, como visto na metodologia, são os sujeitos destinatários (TUd) dos discursos. Através dos discursos dos Ministros Presidentes é possível identificar estes sujeitos destinatários idealizados. Apesar de algumas vezes os Ministros se dirigirem “a todos os jurisdicionados brasileiros e muito especialmente ao cidadão do povo” (Corrêa, 2004, p. 12) é difícil colocá-los como principais interlocutores dos discursos. Eles são pouco citados, e poucas vezes demandados como interlocutores. Quando aparecem como TUd, a imagem que é criada é a de cidadãos que estão insatisfeitos com a morosidade, mas que observam as melhorias do Judiciário, e que, por procurarem demasiadamente o judiciário, “deixam transparecer que o Judiciário ainda é percebido como a instância extrema de que dispõe o cidadão para ver assegurados,

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entre outros, direitos fundamentais mínimos, como saúde e educação” (Peluso, 2012, p. 17). Assim, se o cidadão é em algum momento idealizado como TUd do discurso, é como instância cidadã, como sujeito passivo que é alvo dos atos do Judiciário e deve legitimá-los. Outro interlocutor que às vezes aparece são os próprios juízes e demais membros do Judiciário. Algumas vezes o Presidente do Judiciário se dirige aos juízes e servidores, ou ao Judiciário como um todo como. Em diversos momentos, o tom é de defesa dos juízes, a quem não se deve recair a culpa quanto aos problemas do judiciário. São também recorrentes os elogios aos magistrados: “É admirável o empenho de servidores e magistrados na concretização [...]” (Mendes, 2010, p. 11). Mas é, porém, aos outros Poderes da República que os discursos mais se dirigem. Em praticamente todos os discursos são realizadas falas diretamente aos Presidentes da República, da Câmara ou do Senado. Estas falas têm às vezes o teor de cobrança, em especial ao Legislativo16, por uma falta de atenção no passado. Mas o tom principal do discurso é de elogio e convocação à cooperação. A harmonia entre poderes é um dos temas mais recorrentes, e há constante apelo ou agradecimento quanto às questões relativas à aprovação de medidas legislativas, como a EC 45, leis processuais, e os Pactos Republicanos. Desta maneira, apesar de ter uma pluralidade de sujeitos interpretantes, que se estendem a toda nação brasileira, identificamos como principais sujeitos destinatários dos discursos de Abertura do Ano Judiciário as autoridades dos Poderes Legislativo e Executivo, de modo que a solenidade pode ser caracterizada como um evento de diálogo entre o Poder Judiciário e os demais Poderes. III.iii. O Enunciador: Ministro, Juiz ou Poder? De que lugar fala o enunciador destes discursos? Cada enunciador do discurso de Abertura do Ano Judiciário pode assumir diversos papéis, dentre os que ele representa de fato. Cada um deles é, em primeiro lugar, juiz. Mas, além disso, é também Ministro do Supremo Tribunal Federal, e Presidente deste órgão, sendo também Presidente do Poder Judiciário. Estas são algumas facetas do que o enunciador é de fato, como sujeito comunicante (EUc). Porém, como enunciador, ele pode assumir um desses papeis, como sujeito enunciador (Eue), criando uma figura para si mesmo que pretende que seja compartilhada com seu auditório. Maurício Correa, no Discurso de 2004, constrói um EUe que se apresenta como o Poder Judiciário: Todos que detemos uma parcela de poder não podemos nos furtar do encargo da dita consciência de cidadãos [...] No que concerne especificamente ao Judiciário, um dado é indiscutível. Somos o Único Poder da República que, pela sua própria estrutura de funcionamento, possui um órgão do Ministério Público constantemente ao seu lado [...] (Corrêa, 2004, pp. 14, 16).

Em outros momentos de fala, no entanto, Maurício Corrêa se utiliza da primeira pessoa do plural, criando um “nós, magistrados”, que se funde ao Poder Judiciário: “quanto à súmula

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vinculante, embora também não seja a sua adoção instituto conceitual entre nós [...]” (Corrêa, 2014, p. 18). Diferente estratégia é adotada pelo Ministro Cezar Peluso, que se identifica como Ministro em todo seu discurso, adotando o uso da primeira pessoa e distinguindo-se do Poder e do corpo de juízes, chegando a se auto-citar diversas vezes, como por exemplo: “Em meu voto, que afirmou a Constitucionalidade do CNJ anotei: [...] (Peluso, 2012, p. 15). Gilmar Mendes constrói em seus discursos (Mendes, 2009 e 2010) um EUe que fala em nome da Corte, se diferindo assim dos outros casos: seus discursos adotam o uso da terceira pessoa, sempre falando como Supremo Tribunal: “O Supremo tem defendido[...] (Mendes, 2009, p. 28); “A Corte tem real dimensão [...]” (Mendes, 2009, p. 15). Deste modo, no que se refere aos locais e construções do sujeito enunciador (EUe), não há unidade dentre os 12 discursos, transitando o EUe entre nós magistrados, eu ministro, Poder Judiciário e Supremo Tribunal Federal. Tal diversidade de sujeitos é percebida, inclusive, durante as falas no interior de um mesmo discurso, como podemos exemplificar acima, quando da fala de Maurício Correa. Podemos, no entanto, identificar que, dependo das circunstâncias do discurso, e das estratégias discursivas de cada Ministro, é realizada a criação de um EUe específico. Em geral, as falas direcionadas aos outros Poderes são feitas em nome do Judiciário. Quando se fala aos magistrados, ou aos outros ministros do STF, o EUe se revela como chefe do Supremo Tribunal Federal. Às vezes, quando a fala é voltada aos juízes, o enunciador se insere dentre seus pares, falando em nome de toda a classe. Deste modo, o enunciador, no caso dos discursos do Judiciário sabem criar diferentes sujeitos enunciadores (EUe) para cada situação, e para cada sujeito destinatário (TUd). III.iv. O Discurso: Projetos ou Prestação? O papel do Discurso de Abertura varia conforme o sujeito que o fala. Se em alguns casos, como vimos acima, ele é Judiciário, noutros é o corpo de magistrados. Nestas nuances, ora o discurso se presta a uma apresentação de projetos em curso do Poder Judiciário, ora como uma prestação de contas do que vem sendo realizado. Estas distinções se relacionam, ainda, com o sujeito destinatário do discurso (TUd). Maurício Correa, por exemplo, inicia sua fala dizendo “Dirijo-me, assim, a todos os jurisdicionados brasileiros e muito especialmente ao cidadão do povo” (Corrêa, 2004 p. 12). Neste momento, assume uma posição como nós magistrados falando em nome da classe, para prestar esclarecimentos: A análise crítica que a sociedade brasileira tem feito, e com justa razão, acerca do mau funcionamento do Poder Judiciário em nosso País é fato que nós, magistrados brasileiros, reconhecemos como corrente (Corrêa, 2004, p. 12).

Esta elaboração discursiva feita com a identificação do sujeito enunciador (EUe) como representante do Judiciário e do STF se dá de modo a articular os problemas identificados no

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âmbito da prestação jurisdicional com respostas dadas por este órgão para solucionar estes problemas. Quando, no discurso, o Presidente do STF identifica os problemas do judiciário, identificamos que ele o faz através de uma descrição dos problemas. Os problemas são colocados como já dados, e a culpa não recai sobre o judiciário ou sobre os juízes, mas antes sobre a sociedade brasileira ou sobre os outros Poderes. Neste sentido, quanto ao modo de organização descritivo do discurso, Charaudeau observa: O Descritivo faz-nos descobrir um mundo que se presume existir como um estar-aí que se apresenta como tal, de maneira imutável. Esse mundo, que necessita apenas ser reconhecido, basta ser mostrado. [...] O sujeito que descreve desempenha os papéis de observador (que vê os detalhes), de sábio (que sabe identificar, nomear e classificar os elementos e suas propriedades), de alguém que descreve (que sabe mostrar e evocar) (Charaudeau, 2008, p. 157).

Porém, quando o Presidente do STF demonstra as soluções que estão sendo realizadas para solucionar estes problemas, as conquistas do Judiciário, é feita uma narração, que demonstra um processo contínuo de mudanças e melhorias ao longo do tempo. O Narrativo, ao contrário, leva-nos a descobrir um mundo que é construído no desenrolar de uma sucessão de ações que se influenciam umas às outras e se transformam num encadeamento progressivo. [...] O sujeito que narra desempenha essencialmente o papel de uma testemunha que está em contato direito com o vivido (mesmo que seja de uma maneira fictícia), isto é, com a experiência na qual se assiste a como os seres se transformam sob o efeito dos seus atos. (Charaudeau, 2008, p. 157)

Deste modo, embora os discursos ocupem o duplo papel de projetar mudanças (anunciar/prometer) e prestar satisfação (relatar/descrever), o faz com duas abordagens discursivas distintas: soluções e melhorias são narradas, dando uma idéia de progresso e domínio da situação, enquanto problemas e demandas são descritos, passando uma ideia de afastamento e isenção de culpa por uma situação já dada. III.v. A recorrência nos “problemas” e “soluções”. Ao acentuar a urgente necessidade de modernização de nossas leis para viabilizar a celeridade da entrega da prestação jurisdicional, preocupa-me, e a todos nós que vivenciamos o Judiciário, o que as pesquisas sobre ele nos têm informado. (Corrêa, 2004, p. 15)

Para nós, esta fala trazida no discurso de 2004 é paradigma de todas as falas que são recorrentes ao longo dos discursos, no que se refere às “soluções” para os “problemas” do sistema justiça. Primeiro, cria-se uma noção de “necessidade de modernização”17 — que implica num sistema de Justiça arcaico. Depois, pensa-se em medidas normativas. O

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interessante, aqui, é pensar na citação às “pesquisas”, que, embora citadas, não são referenciadas, de modo que não se sabe nem a quais pesquisas ou problemas se referem. Deste modo, podemos identificar recorrências nas temáticas que são abordadas nos discursos, quanto aos problemas no Judiciário — e soluções que as atendam: 2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

CELERIDADE PROCESSUAL COMPLICAÇÃO DAS LEIS PROCESSUAIS/EXCESSO DE RECURSOS LITIGIOSIDADE E JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVAS

EMENDA 45, PACTOS REPUBLICANOS E REFORMA DAS LEIS PROCESSUAIS JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E ATIVISMO JUDICIAL PROCESSO ELETRÔNICO E MODERNIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO INTEGRAÇÃO E COOPERAÇÃO ENTRE OS PODERES

MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS.

Pode-se observar que o principal problema abordado é o problema da “celeridade” em relação ao processo, que seria causa de descontentamento em relação ao judiciário. Há um consenso nos discursos de que esta celeridade não é culpa dos magistrados, mas existiria por outros motivos. Neste sentido, dois problemas identificados são: a complicação das leis processuais, com excesso de recursos e embargos; e uma grande litigiosidade e judicialização na sociedade brasileira. Assim, a culpa pela morosidade recai sobre a sociedade e sobre o sistema processual brasileiro, e não sobre o judiciário. A maior parte das soluções gira em torno de medidas legislativas, em torno da cooperação com os outros poderes, tendo destaque os dois Pactos Republicanos e a Emenda 45, com especial elogio à modernização trazida pelo processo eletrônico, pelas Súmulas Vinculantes e pelo instituto da Repercussão Geral. Soluções voltadas para os meios alternativos de solução de conflitos só são citados duas vezes, e muito pontualmente, não tendo grande destaque nos discursos. Não há, no entanto, uma unidade nas medidas a serem tomadas, isto é, se num momento a utilização do “processo eletrônico” será “modernizadora”, no outro, de nada servirá se a população continuar “a litigiosidade excessiva” de modo que o jogo entre as figuras criadas sempre justificam a permanente noção de “desafios do Judiciário”, cujas soluções sempre envolvem alterações normativas e técnicas jurídicas, não ligadas às práticas cotidianas dos operadores e litigantes — estes sempre como responsáveis pela “litigiosidade”, que o Judiciário combate com “eficiência” e “modernização”.

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Com a vinda do Conselho Nacional de Justiça e os estudos quantitativos, a argumentação volta-se às referencias sempre numéricas, visando à redução do acervo: Procedemos ao julgamento concentrado de causas idênticas em Plenário, com isso obviando a proliferação dos recursos internos. (Gracie, 2008, p. 9).

E não estou a me referir somente à expressiva redução no número de processos resultante de medidas de racionalização processual e de filtros recursais que finalmente permitiram solucionar o antigo desafio dos recursos idênticos e mecanicamente protocolados. (Mendes, 2009, p. 23).

O Relatório Justiça em Números 2014, Ano-Base 2013, recém-divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça, traz dados verdadeiramente dramáticos quanto ao tema, por revelarem uma verdadeira “explosão de litigiosidade no País”, para usarmos uma expressão cara a Boaventura Souza Santos. (Lewandowski, 2015, p. 4).

Assim, a título de considerações finais, poderíamos inferir que a ênfase eleita pela maioria dos enunciadores Ministros Presidentes como principal mensagem ou preocupação é de caráter quantitativo, ou seja, estão todos preocupados com o em reduzir a quantidade de processos, em especial no âmbito do Supremo, e as metas de produtividade são as principais conquistas.

Considerações finais O discurso do ano de 2005, feito por Nelson Jobim, é o que mais destoa do tom dos outros discursos. Ao final de seu discurso, o ministro traz uma provocação: O compromisso é um Poder Judiciário para nós ou o compromisso é um Poder Judiciário para a Nação? A Nação olha com atenção as nossas condutas. O Povo não é tolo, sabe quem deseja para si o poder ou deseja o poder para servir a todos. [...] A questão é saber se queremos fazer ou se desejamos exclusivamente nos servir do sistema judiciário para o nosso deleite e para o nosso orgulho e para a nossa biografia ou damos a nossa biografia a serviço da Nação e a serviço do Poder Judiciário. (Jobim, 2005, p. 16).

Estas considerações levantam a questão de para quem se dirige as medidas do Judiciário: as soluções para os problemas pretendem atender uma demanda externa — de justiça, serviço e garantias — ou uma demanda interna — de gestão de acervo, eficiência e diminuição de litígios?

Charaudeau explica o que quer dizer com Intencionalidade. Não se trata “apenas do conjunto das intenções comunicativas plenamente concebidas e voluntariamente concebidas. Trata-se de um conjunto de intenções que 1

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podem ser mais ou menos conscientes, mas que são todas marcadas pelo selo de uma coerência psicossociolinguageira. Não queremos reduzir o ato de linguagem a um fenômeno que se originaria de uma única intenção consciente. Queremos, ao contrário, tomá-lo em sua totalidade, isto é, o ato de linguagem é permeável aos impactos do inconsciente e do contexto sócio-histórico. Intencionalidade é diferente de intenção e equivale ao termo projeto de fala” (Charaudeau, 2008, p. 48). Assim, a intencionalidade pode ser tomada como algo consciente ou inconsciente, mas eminentemente pessoal, no âmbito discursivo. O mesmo se dá com o termo estratégia discursiva utilizada por ele, e por nós aqui. Não significa necessariamente uma estratégia consciente, como um plano, mas uma maneira mais ou menos consciente de utilizar os recursos discursivos. 2

Entre os sujeitos do discurso então, existe uma possível zona de incompreensão, uma vez que o EU nunca tem compressão total do TU, de modo que o ato de linguagem se dá através de uma figura (Eue — Sujeito Enunciador) criada pelo Euc (Sujeito Comunicante), destinado à um auditório ideal (Tud — Sujeito Destinatário) que pode ou não corresponder ao TUi (Sujeito Interpretante). 3

A exceção é o discurso de 2009, quando o Ministro Gilmar Mendes faz uma pequena fala de abertura, e passa a palavra às outras autoridades, fazendo seu discurso apenas no final da solenidade. 4

Em 2015 o Presidente foi substituído pelo Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, em 2014 pelo Vicepresidente Michel Temer, em 2012 pelo Presidente em exercício Michel Temer, e em 2009 pelo Ministro da Justiça Tarso Genro. Michel Temer foi a única pessoa a discursar ocupando cargos diferentes: uma como Presidente da Câmara dos Deputados, uma como Presidente em exercício, outra como Vice-presidente. 5

O Presidente da Câmara proferiu discurso nos anos de 2004, 2005, 2006, 2009, 2010, 2012 e 2015.

6

O Presidente do Senado proferiu discurso nos anos de 2005, 2006, 2008, 2009, 2010, 2012 e 2015.

7

Em seu discurso, Maurício Corrêa se refere à Emenda 29, numeração correspondente a tramitação a época, no Senado Federal, quando era Emenda 29/2000. A referida Proposto de Emenda Constitucional (PEC) ficou treze anos em tramitação, tendo sido iniciada em 1992, com a numeração de PEC 96/1992 da Câmara dos Deputados. (Brasil, 2015). A Reforma alterou substancialmente a dinâmica do Poder Judiciário, e criando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é órgão responsável, dentre outras atribuições, pelo controle e fiscalização do Poder Judiciário, e pela elaboração e incentivo de políticas judiciárias que visem aprimorar a prestação jurisdicional e a atuação do Judiciário Brasileiro. (Brasil, 2013). 8

Reforma do Judiciário, trazida pela Emenda 45/2004.

9

O Código de Processo de Civil de 1973 assume uma posição específica no cenário nacional, sendo aclamado como o Código mais técnico e preciso “cientificamente” (Pinho, 2012, p. 255). 10

Lei 11.147/2006, que trata das Súmulas Vinculantes; Lei 11.148/2006, que institui a repercussão geral como requisito pra admissibilidade de demandas ao Supremo; Lei 11.419/2006, que institui as normas do Processo Eletrônico. Gilmar Mendes cita os julgamentos “[...] relativos à fidelidade partidária, à proibição do nepotismo no âmbito de toda a administração pública nacional, à edição de medidas provisórias sobre créditos extraordinários, à constitucionalidade da especialização das varas, ao piso salarial de professores, à limitação do uso de algemas.” (2009, p. 24). 11

“Avançamos também no campo do diálogo internacional, na medida em que o Brasil mais e mais se firma como protagonista na esfera da cooperação judiciária internacional. Nesse mister, vale citar o pleito para compor a Comissão de Veneza como membro efetivo, a criação da Conferência das Cortes Constitucionais da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e da Conferência Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), além da ativa participação na Conferência Ibero-Americana de Justiça Constitucional e na realização do VI Fórum de Presidentes de Cortes Supremas do Mercosul. Todo esse empenho em ampliar a troca de experiências com outras nações sobre os valores constitucionais diz com o fortalecimento das instituições democráticas, nomeadamente no que tange à proteção dos direitos humanos.” (Mendes, 2010, p. 28). 12

Sendo citados os seguintes julgamentos: “a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol; a não recepção da Lei de Imprensa; o livre exercício da profissão de jornalista; a exclusividade da prestação de serviço público pelos Correios; o direito de recorrer em liberdade; a constitucionalidade da lei de recuperação judicial e da proibição de importar pneus usados; além da extinção do crédito-prêmio de IPI; e a irretroatividade da PEC dos Vereadores, entre tantos outros.” (Mendes, 2010, p. 9). 13

São citadas a “Emenda Constitucional 61/2009, que modificou a composição do Conselho Nacional de Justiça, a Lei 11.900/2009, que permitiu o interrogatório por meio de videoconferência, a Lei 12.106/2009, que criou o 14

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Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, a Lei Complementar 132/2009, que organizou a Defensoria Pública da União; a Lei 12.016/2009, que deu nova regulamentação ao mandado de segurança, entre outros tantos avanços legislativos” (Mendes, 2010, p. 12). 15

Os Pactos Republicanos, integrantes das ações da Reforma do Judiciário, são descritos institucionalmente como “um pacote de ações que visa dar mais celeridade, acesso e efetividade à Justiça. O II Pacto é formado por projetos de lei antigos e novos que tratam, por exemplo, da regulamentação do uso de algemas e de interceptação telefônica e da alteração da lei da ação civil pública.” (Brasil, 2015b). Neste sentido: “Não havia, no debate constitucional de 1987/1988, outra participação que não daqueles parlamentares, Senhor Presidente da Câmara, que exatamente estavam afeitos à questão judiciária, porque a massa da Câmara dos deputados não tinha interesse no sistema judiciário, já que ainda não integrava a agenda nacional” (Jobim, 2005, p. 12). 16

17

Em outra ocasião (Almeida & Almeida, 2014), quando da análise discursiva dos argumentos de legitimação das reformas processuais, demonstramos que a utilização de categorias de “atraso” e “morosidade” em oposição à “modernização” são utilizadas para se justificar mudanças normativas sem que, no entanto, se aponte sobre dados ou pesquisas em quê tais medidas “modernizadoras” seriam efetivas quanto aos problemas — visto que nem mesmo estes são identificados, mas sim dados como fatos desde o início, não aferindo-se mesmo se são de fato problemas e como se apresentam.

COMO A COISA JULGADA ERA TRATADA NO BRASIL ANTES DE ENRICO TULLIO LIEBMAN? Simone Souza

Introdução Muito comum nos depararmos com assertivas no sentido de que o processo civil brasileiro ganhou ares de método científico a partir da vinda de Liebman (Cintra, Grinover & Dinamarco, 2012), deixando a impressão de que muito pouco havia antes disso. Partindo de tal premissa, o presente ensaio visa analisar a contribuição de Liebman ao processo civil brasileiro no tocante à coisa julgada e a realidade existente em tempos pretéritos. Em 1827, por ordem do Imperador D. Pedro I, através da Lei do Império de 11 de Agosto1, foram criados os dois primeiros cursos de “Ciências Jurídicas e Sociais”, a Faculdade de Direito de Olinda e a Faculdade de Direito de São Paulo. Esta última seria berço do que veio a ser denominado por Grinover de “o movimento de renovação de Liebman” (1986, p. 101). Isto porque, traria ele um novo jeito de pensar o processo, difundindo então o que convencionou chamar de “verdadeiro método científico”, através de suas ideias até então perpassadas a graduandos que, num futuro próximo tornar-se-iam grandes nomes doutrinários entre os processualistas brasileiros, tais como Jose Frederico Marques e Alfredo Buzzaid. E mais, com tamanha proximidade da edição do primeiro Código de Processo Civil nacional2, a partir de então nasceriam entendimentos que se propagariam e acabariam por ensejar, anos depois, a base de um novo código de processo civil. Ao chegar ao Brasil em 1939, Enrico Tullio Liebman inicialmente conduziu um curso na Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, mudando-se logo após para São Paulo, onde foi contratado para ministrar o curso de extensão universitária na Faculdade de Direito, lá permanecendo até 1946 (Grinover, 1986, p. 99). Seis anos de seu magistério foram suficientes para se identificar inúmeros propagadores de seus pensamentos, numa forma de culto que se faz a um verdadeiro ídolo. Mestre é como lhe chamam e discípulos como se denominam3, e estes não menos mestres de tantos outros que ao longo do tempo os propagaram. Muitos foram os ensinamentos endereçados a Liebman, dentre os quais, o que nos limitaremos a trabalhar, qual seja: a coisa julgada.

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Questiona-se quais seriam as aspirações processualistas brasileiras existentes antes de sua chegada, pois parece nada existir, ou, como aduz Dinamarco, deparava-se com o direito comum da Itália medieval (2005, p. 259). Tendo como marco do pensamento liebmaniano (Dinamarco, 2005, p. 264) o ano de 1940, é preciso verificar o que então envolvia suas prelações e ainda o que se discutia acerca da coisa julgado em épocas pretéritas.

I. Os ensinamentos de Liebman sobre a coisa julgada Para falar da visão de Liebman a respeito da coisa julgada e dos métodos por ele incorporados ao nosso ordenamento, buscando primar pela originalidade, nada melhor do que trazer a lume o teor de suas próprias aulas proferidas na Faculdade de Direito de São Paulo, no ano de 1944, que foram transcritas e publicadas na Revista da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1945), através de artigo intitulado “Decisão e Coisa Julgada”.4 Asseverava o professor que a coisa julgada só tinha lugar nas decisões que resolviam o mérito do processo, ou seja, nas chamadas decisões definitivas como o mesmo classificava as sentenças descritas nos artigos 287 e 288 do código de processo civil de 19395, afirmando que seu efeito estaria destinado a repercutir em qualquer novo processo, onde o mesmo assunto pudesse ser objeto de discussão (1945, p. 211). Assegurava então que iria trabalhar com seus alunos a Teoria da coisa julgada de forma distinta daquela que seria encontrada na maioria dos livros existentes. Para a compreensão do tema, dizia, era preciso iniciar o estudo sobre a “eficácia natural da sentença”, uma vez que havia dois sentidos a serem observados em relação à palavra “eficácia”, um no sentido de aptidão de um ato ser detentor de efeitos por estar certo ou não diante da lei e outro, no tocante ao conjunto de efeitos produzidos por este mesmo ato (1945, p. 243). A partir desta explanação, passa Liebman então a examinar o conceito, o fundamento e a extensão da eficácia da sentença, que seria o conceito básico da teoria da sentença e da coisa julgada. Preleciona que a atividade do Estado estaria submetida ao direito, devendo assim suas atividades conformar-se com as leis vigentes no país e, por conseguinte, só seriam válidos e eficazes os atos do Estado conformes com o direito, emitidos na observância do direito vigente. Logo, uma sentença que contrariasse ou violasse o direito que regia a atividade jurisdicional seria uma sentença ineficaz. Assim, para provar que uma sentença foi emitida de acordo com a lei, sendo, portanto, válida e substancialmente justa, estabeleceu-se um princípio fundamental que regia toda a atividade jurídica do Estado, qual seja, o princípio da presunção geral de que os atos emitidos pelos órgãos estatais, tanto os legislativos como os administrativos e os jurisdicionais, estariam de acordo com o direito vigente (194, p. 244).

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Ressaltava então não se tratar, porém, de uma presunção absoluta, mas existente como tal e, portanto, quem afirmasse ser válido e eficaz um ato do Estado não deteria a obrigação, nem o ônus de demonstrar a sua conformidade com o direito, mas simplesmente deveria demonstrar a existência do ato, cabendo àquele que o contestasse provar sua ilegalidade ou injustiça para poder evitar os seus efeitos. Esta seria a regra geral (1945, p. 244). Desta feita, denominava Liebman de “Eficácia natural da Sentença” o fato de ser a mesma amparada pelo princípio fundamental da presunção da legalidade dos atos estatais, o que a levava ter eficácia em todos os sentidos até o momento em que se demonstrasse a sua invalidade ou injustiça, e a quem assim pretendesse caberia fazê-lo pelas formas e meios devidos. O conceito da eficácia natural da sentença seria o conjunto dos efeitos que esta produzia como decisão final da controvérsia; afirmando que cada sentença tende a produzir os efeitos correspondentes ao seu conteúdo, podendo, portanto, tais efeitos traduzirem-se em condenatórios, declaratórios, ou constitutivos (1945, p. 245). Demonstrada a eficácia natural produzida pela sentença, era preciso então saber quais limites que o autor classificava em objetivos e subjetivos, quando seriam alcançados e em que momento seriam produzidos tais efeitos de dita sentença. Concernente aos limites mostrava-se evidente que a sentença não poderia ter senão eficácia para o caso concreto, para o objeto próprio do processo. Entendia assim que só o objeto do processo havia sido matéria de decisão, e esta só poderia ter efeito relativamente à matéria que fora objeto do processo. Quaisquer outros assuntos, outras controvérsias que não tivessem sido objeto do processo não poderiam receber de nenhum modo a eficácia da sentença (1945, p. 246). Quanto à extensão subjetiva da eficácia da sentença, dizia ter uma extensão geral; todos estariam subordinados à sua eficácia, uma vez que sendo o juiz o órgão que o Estado instituiu para o exame e decisão das controvérsias que lhe são submetidas, em sua atividade, deve ele observar todas as leis que têm a finalidade de assegurar um bom desenvolvimento dessa atividade e alcançar um resultado conforme o direito positivo. Logo, todos devem reconhecer esse resultado como manifestação da vontade do Estado na controvérsia que foi objeto do seu exame. “Sempre, porém, enquanto eficácia natural da sentença” (1945, p. 247). No tocante ao momento de produção de seus efeitos, asseverava Liebman em concorridíssima audiência (Buzzaid, 1977, p. 132) que uma sentença não teria essa eficácia natural imediatamente ao ser proferida, uma vez que visando assegurar uma justiça melhor, o Estado, não satisfeito com o simples exame feito uma só vez, por um juiz, da controvérsia a ser decidida, previa a possibilidade de um novo exame da controvérsia, de um controle à atividade do juiz, e isso por meio dos recursos (1945, p. 247). Por conseguinte, a sentença proferida pelo juiz que examinara pela primeira vez uma controvérsia, ainda não seria a decisão que o Estado reconheceria como a sua definitiva palavra no assunto. Poderia haver um novo exame, um controle, e isso não apenas uma vez, contudo, mais de uma; motivo pelo qual havia de um sistema recursal.

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Para se chegar enfim ao tema da coisa julgada, Liebman ainda adentrou na necessidade de compreensão dos efeitos que se dotavam tais recursos, nos quais a atribuição de efeito suspensivo teria o condão de alterar o momento da eficácia natural da sentença. Assim, dizia ele que só quando cessassem os recursos com efeito suspensivo, é que a sentença começaria a produzir os seus efeitos normais (1945, p. 248). Tínhamos assim, a sentença produzindo os seus efeitos do mesmo modo que produziam os seus efeitos os atos praticados pelo Estado, ou seja, sempre condicionada à eficácia e à conformidade da decisão com o direito vigente. Acontece, porém, que neste passo Liebman iniciava sua preleção acerca da coisa julgada,e a lei reconheceria na sentença uma eficácia maior e especial, que a distinguiria de todos os outros atos do Estado. Com vistas à necessidade de evitar que as controvérsias pudessem sempre ser renovadas sem que houvesse um momento de pôr termo de uma vez aos litígios, a lei estabelecia para a sentença uma qualidade especial, onde reforçava a sua eficácia, ao que chamou de autoridade da coisa julgada (1945, p. 249). De tal modo, quando todos os recursos estivessem preclusos, quando não houvesse meio algum para ser aplicado no sentido de obter uma reforma da sentença, este ato final do processo se tornaria imutável, inatacável. Teríamos então a coisa julgada formal, que significaria a imutabilidade da sentença como efeito da preclusão de todos os recursos previstos pela lei, tendo, pois, como consequência desta, também a imutabilidade dos efeitos que a sentença produz, logo, coisa julgada substancial, o que atualmente chamamos de coisa julgada material. Para Liebman, enquanto a eficácia natural da sentença seria a eficácia de todos os outros atos, condicionada à verificação da justiça e da legalidade da decisão, ao se chegar a esse último estágio, a formação da coisa julgada, o ato se tornaria imutável, já não mais condicionado à justiça e à legalidade do processo e da decisão, e a controvérsia se acharia julgada definitivamente. Ainda que, muito embora a finalidade máxima do processo fosse atingir a verdade, proclamar e realizar a justiça, o autor afirmava que o Estado teria a necessidade de pôr um limite a essa procura da verdade e da justiça; havendo, porém, um momento em que não se poderia mais discutir, em que seria preciso satisfazer-se com o que foi feito e reconhecer a decisão do juiz como última palavra na controvérsia decidida. O que implica dizer que nem eventuais defeitos no decorrer do processo, nem erros do juiz na decisão do caso poderiam mais influir para permitir que a sentença fosse anulada, eliminada ou reformada (1945, p. 249). Quando se chega a este momento em que recursos não mais podem ser propostos, o ato se torna imutável e em consequência disso seus efeitos também se tornam imutáveis. Alcança-se o ponto final do processo: forma-se a coisa julgada, e não mais se pode discutir sobre o assunto. Essa é a regra.

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Advertia, entretanto, haver casos em que a lei considerava a existência de defeitos de tamanha gravidade que não poderiam subsistir, dando lugar a ação rescisória como último remédio extremo previsto a permitir, taxativamente nos casos relacionados6, o impedimento de que se tornasse a decisão da controvérsia definitiva (1945, p. 250). Dizendo divergir das doutrinas da época que apontavam a distinção entre a coisa julgada formal e a coisa julgada substancial como dois fenômenos profundamente diferentes, Liebman entendia que, embora distintos, e realmente o eram, tal classificação não passava de dois momentos sucessivos, em que uma vez proferida a sentença e decorridos os prazos para os recursos, a mesma revestia-se no primeiro momento da imutabilidade e em consequência, tornariam imutáveis os seus efeitos. Não havia, segundo ele, a menor possibilidade de contrapor estes dois aspectos de um mesmo fenômeno, que seria o de tornar definitivo o ato em que o juiz proferiu a sua decisão (1945, p. 251). Discordava ainda o autor, acerca de ser a coisa julgada vista como finalidade do processo. Em suas aulas, dizia ser inaceitável tal afirmação, pontuando que a verdadeira finalidade da atividade judiciária seria conseguir a Justiça, a aplicação e a realização do direito em todos os casos em que ele não fora espontaneamente observado. A coisa julgada, portanto, não seria a finalidade do processo, mas sim um limite à procura indefinida da verdadeira finalidade do processo, que é a Justiça (1945, p. 251). Não se pode considerar a coisa julgada o escopo do processo, mas tão somente o ponto final dele, procurando evitar a perpetuação dos litígios. Uma vez elucidado pelo próprio Liebman como e porque se chegar à coisa julgada, era preciso agora trazer à colação um de seus pensamentos mais difundidos entre processualistas que se intitulavam “discípulos” e que acabara por ser adotado no novo código de processo civil que surgiria anos depois sob a chancela de Alfredo Buzaid (1977, pp. 150-51). Certo que à época, doutrinariamente7, a maioria das teorias sobre a coisa julgada as definia como um efeito da sentença, ao lado de tantos outros efeitos por ela produzidos, o que acarretaria por consequência o fato de que a estabilidade, característica da coisa julgada, não abrangeria também os outros efeitos da sentença (1945, p. 252). Rechaçando tal posição, via Liebman coisa julgada como a qualidade que se reconheceria à sentença e aos seus efeitos depois de esgotados os recursos. Não seria, pois, um dos efeitos, posto que, como qualidade, abrangeria todos eles, dando-lhes o mesmo caráter de estabilidade e de imutabilidade. Justificava que a intenção da lei residia no fato de que dita imutabilidade não estaria a se referir unicamente ao efeito declaratório, mas deveria abranger todos os efeitos da sentença. Motivo pelo qual, ao invés de definir a coisa julgada como efeito da sentença, poderia dizer tratar-se de uma qualidade desta e, também de seus efeitos (1945, p. 253). Visto que a coisa julgada seria a qualidade conferida à sentença cuja eficácia se tornara imutável, passou Liebman a tratar dos limites objetivos e subjetivos de alcance desta. No tocante aos limites objetivos, era preciso definir se todos os elementos que dispunha a sentença — relatório, fundamentação e dispositivo — seriam alcançados ou não pela coisa julgada (1945, p. 254).

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Em seu discurso, afirmava que o juiz não deve só decidir a causa, mas também dar a razão de sua decisão, os motivos que o levaram a julgar como julgou, indicando portanto, quais os fatos que julgou provado, quais os dispositivos legais foram considerados aplicáveis a esses fatos e qual a conclusão que tirou dessas várias premissas. Logo, a coisa julgada como qualidade da sentença e de seus efeitos, alcançaria a decisão final e não as considerações de fato e de direito que o levaram a proferir sua decisão. A decisão é um ato de inteligência e de vontade do juiz. Isto só se refere à decisão estritamente considerada. Todas as considerações que o juiz deve fazer a respeito dos fatos são atividades meramente lógicas e intelectuais do juiz. Ele conhece das várias questões, mas decide unicamente a questão principal proposta pelo autor na petição inicial, significando dizer que o conhecimento dos motivos da sentença tem maior importância como elemento de interpretação da parte dispositiva do julgamento, mas eles próprios não são abrangidos pela coisa julgada. Assim, no tocante aos limites objetivos da coisa julgada, concluía Liebman que estes se referem estritamente àquela relação jurídica que foi objeto principal do processo, e não remonta às outras relações jurídicas eventualmente objeto de discussão, não compreendendo os motivos de fato e de direito da decisão (194, p. 256). Resta então, visualizar a tratativa dada pelo autor a respeito dos limites subjetivos da coisa julgada, ou seja, além das partes litigantes, o que não deixava qualquer margem de dúvidas, quais as outras pessoas que seriam atingidas e alcançadas pela autoridade da coisa julgada, assunto que trazia grande complexidade em virtude das mais intrincadas relações sociais existentes. Asseverava que a dificuldade apontava-se para o fato de que enquanto as partes tiveram oportunidade de defender as suas razões e os seus interesses, os terceiros não tiveram essa mesma oportunidade. Portanto, seria da maior gravidade resolver o problema de se saber até onde esses terceiros, que não tiveram parte nenhuma no processo, que não puderam defender os seus direitos, poderiam ou não ser atingidos ou alcançados pela eficácia da sentença que foi pronunciada num processo entre outros. A regra neste assunto era a seguinte: só as partes seriam alcançadas pela autoridade da coisa julgada. Os terceiros, por serem estranhos ao processo que teve lugar e à sentença que foi pronunciada, não seriam atingidos pela autoridade da coisa julgada (1945, p. 257). Entretanto, assegurava Liebman que a realidade no mais das vezes nos apresentava relações tão íntimas entre os direitos, entre as relações jurídicas das várias pessoas, que em certos casos seria impossível negarem alguma forma de repercussão da decisão proferida em face das relações jurídicas de pessoas que foram estranhas ao processo. A regra dos limites subjetivos seria a base, mas não a solução (1945, p. 258). De acordo com o autor, ainda que na tentativa de equalizar o problema, a doutrina processualista tenha chegado a trabalhar com a teoria dos efeitos reflexos da coisa julgada partindo de Ihering8, dita teoria deveria ser repelida como errada e sumamente perigosa (1945, p. 259).

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Visualizando o problema que se delineava, e partindo das premissas de que: 1) a sentença tem eficácia natural geral, extensiva a todos os sujeitos tornando-se imutável como autoridade da coisa julgada para as partes, não para os terceiros; logo, os terceiros enfrentariam simplesmente a eficácia natural da sentença; 2): entre os terceiros vislumbram-se aqueles detentores de interesse jurídico em contradição com a sentença, passíveis de demonstrarem o desacerto da decisão, não sofrendo o alcance dos efeitos da coisa julgada; Liebman classificou em três as espécies de terceiros. Lecionava ele que haveriam os terceiros indiferentes, que seriam alcançados pela eficácia natural da sentença, mas sem nenhum interesse particular; os terceiros interessados praticamente, que seriam alcançados pela coisa julgada, mas que apesar de deterem interesse no assunto, este seria puramente prático e econômico, verdadeiro interesse fático9; e os terceiros interessados juridicamente dividindo-os em duas categorias, os que detinham interesse idêntico ao das partes e os de categoria inferior ao interesse das partes, que neste caso poderiam eles demandar frente ao prejuízo sofrido ou na iminência de sofrer, uma vez que a eles não alcançaria a coisa julgada (1945, pp. 264-68). Assim, afirmava que para se entender a solução por ele proposta, era preciso ter em mente a distinção entre eficácia natural da sentença e autoridade da coisa julgada, que ocorre quando a possibilidade de insurreição contra a sentença não mais existe (1945, p. 262). Usando como marco a assertiva de Liebman de que coisa julgada trata-se de autoridade da sentença e de seus efeitos, recaindo sobre todos enquanto eficácia natural da sentença e apenas às partes como autoridade, nos limites dispositivos da decisão, ao que se demonstra como método de identificação, alcance e limites da coisa julgada, pensamento tão propagado que acabou por redundar na influência e adoção no código de processo civil que se seguiria em 1973, resta agora analisar se existiam e, sendo positivo, quais eram as discussões que se levantavam acerca da questão no Brasil.

II. A proteção constitucional à coisa julgada Em sede constitucional, já em 1824 se preconizava a coisa julgada no sentido de preservação da ordem e da segurança jurídica, dispondo o artigo 113 sobre a irretroatividade da lei, verbete mantido no artigo 11, 3º da Constituição de 1891. Apenas em 1934 é incorporado ao texto constitucional o termo “coisa julgada”, dispondo no artigo 113, item 3. Em 1937, diante da “ameaça vermelha 10” o governo brasileiro pede estado de guerra e o Congresso cede, e diante do quadro ditatorial que se apresenta em 02 de dezembro Vargas decreta o fechamento do Congresso Nacional e anuncia a Nova Constituição outorgando o Estado Novo que deixa de prever expressamente a irretroatividade legal e de proteger a coisa julgada, apesar de sua manutenção em sede infraconstitucional (Koshiba & Pereira, 1996, pp. 285-86).

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Em 1946 é Promulgada a nova Constituição onde se restabeleceu a proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, expressamente indicados no art. 141, § 3.º, mantendo-se o texto legal nas Constituições de 1967 e 1969 nos art. 150 § 3º e 153 § 3º, respectivamente. Ratificando tal condição ainda a Constituição Cidadã de 1988, sob o título “Dos direitos e garantias fundamentais”, em seu artigo 5.º, inciso XXXVI, onde consagrou mais uma vez que: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Por sua vez, em sede infraconstitucional, o instituto da coisa julgada surge assim denominado pela primeira vez no Decreto 737 de 25 de novembro de 1850, na seção VI, sob o título “Das Presunções”, nos artigos 185 e 18611 tratando a “cousa julgada”12 como presunção absoluta de verdade, cuja prova se dispensava, e, ainda como hipótese de defesa por exceção no artigo 74 § 4º.13 Como o Brasil por muitos anos conviveu com as heranças legislativas portuguesas, o que não pretende e não se trata de tema a ser desenvolvido no presente ensaio, procuramos partir então, do marco temporal da edição do Regulamento 737 de 25 de novembro de 1850, primeira regulamentação processual nacional, até a chegada e propagação do pensamento liebmaniano, para procurar traçar um paralelo legal e doutrinário acerca do tema, no sentido de investigar quais eram os pensamentos e discussões então existentes neste interregno, uma vez que é comum, entre aqueles que autointitulados “discípulos” de Liebman, a retórica de inexistência ou desconhecimento14 daqueles pensamentos pela processualística brasileira. Partindo de tal premissa, o instituto da coisa jugada encontra-se em nosso ordenamento desde sempre, muito embora tenha sido assim denominado em 1850 com o advento do regulamento 737. Mas, como era tratada a coisa julgada? Como era ela tratada pelos doutos juristas da época? Quem eram os grandes doutores da época a serem em si considerados? Para alcançar tais respostas, na linha do tempo, fomos buscar exatamente no ponto em que iniciamos este texto, na criação dos cursos de ciências jurídicas e sociais, onde, em caminhos geograficamente opostos à origem de inúmeros doutrinadores que tanto agregaram e ainda agregam a processualística brasileira, nos deparamos com a Faculdade de Direito de Olinda instalada em 1828.

III. A coisa julgada por Francisco de Paula Baptista Formado pela faculdade de Olinda em 1833 e obtendo o título de doutor no ano seguinte, Francisco De Paula Baptista iniciava seu magistério na mesma faculdade em 1835, lá permanecendo por 46 anos (Hirata, 2012a). Pouco difundido entre os processualistas brasileiros, foi autor da primeira obra no gênero do Processo Civil, intitulada “Compendio de Theoria e Pratica do Processo Civil Comparado com o Comercial” de 1855, sendo reputado o melhor trabalho de interpretação do Regulamento 737 de 1850 (Cavalcanti, 2009). A segunda edição foi publicada em 1857 com

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o título “Theoria e Pratica do Processo Civil”, com a qual trabalharemos diante da dificuldade de acesso à primeira edição15. Paula Baptista, assim chamado por Buzaid em artigo de memorável reconhecimento (1950), fora um dos percursores da doutrina processualista civil brasileira. Em sua obra, tratava dos vários temas processuais descritos pelo Regulamento 737, dentre os quais a coisa julgada que passamos agora a explorar. Inicialmente, ao doutrinar a respeito das Leis do Processo, disposto na “secção III” de sua obra, buscou explicar os fins a serem alcançados por ditas leis. Lecionava que os fins principais seriam garantir a sabedoria do exame e a retidão das decisões, de forma que os julgados fossem a tradução de verdadeiros monumentos de verdade e justiça; assegurar ainda os efeitos destas decisões através da execução das mesmas, donde provinha a autoridade “irrefragável” da coisa julgada, tanto na ordem política como na social (Baptista, 1857, p. 42). O próprio Liebman ao discorrer sobre seu entendimento acerca da autoridade da coisa julgada cita o pernambucano a quem reverencia: O grande mestre do processo brasileiro, Paula Baptista, já deu em seu tempo uma definição dos limites objetivos da coisa julgada, que ainda hoje é aceitável. Escreveu ele: "A autoridade da coisa julgada é restrita à parte dispositiva do julgamento e aos pontos aí decididos, e fielmente compreendidos em relação aos seus motivos objetivos" (1945, p. 255).

Já à época, afirmava Paula Baptista configurar a coisa julgada a partir da sentença que não mais coubesse recurso, distinguindo-a em formal e substancial ao entender sua autoridade aos julgamentos definitivos ou mistos proferidos em jurisdição contenciosa ou de juízo pleno, assim discorrendo: Às palavras cousa julgada indicão uma decisão, que não pende mais dos recursos ordinários, ou porque a Lei os não concede (segundo a Lei das alçadas), ou porque a Parte não usou delles nos termos fataes e peremptorios da Lei, ou porque taes recursos já forão esgotados. O effeito d'uma tal decisão, é ser tida por verdade; assim, todas as nullidades e injustiças relativas, que por ventura se commettessem contra o direito das Partes, já não são susceptíveis de revogação (Baptista, 1857, p. 122).

Ramalho, formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, São Paulo, onde também lecionou ainda graduando, chegando a diretor (Hirata, 2012b), seguia o mesmo entendimento de Paula Baptista, no sentido de que para ele coisa julgada seria conceituada sobre dois sentidos, lato e estrito. Em sentido lato, seria a decisão do juiz que pusesse fim a demanda e ao juízo, condenando ou absolvendo e, em sentido estrito quando a sentença se tornasse irrevogável pelo consentimento expresso ou tácito das partes, onde presumia-se ocorrer diante da inércia quando não houvesse interposição de recursos nos prazos então estabelecidos ou ainda, quando todos eles houvessem se esgotados.

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Afirmava Ramalho que a “sentença que passa em cousa julgada é havida por verdade, e faz certo o direito controvertido entre as partes, mas não entre terceiros, que não forão ouvidos no Processo; e deve ser promptamente executada” (1861, p. 49). Partindo de tal premissa, o professor pernambucano defendia que a coisa julgada atribuía à decisão uma autoridade contra a qual nada se poderia fazer, posto que com ela se teria por produzido o efeito de “verdade” uma vez que ensejaria uma sanatória de vícios e injustiças, salvaguardando àqueles que a própria lei considerava graves16, o que atenderia os fins desejados pelas leis processuais. Efeito este, como dito alhures, também defendido por Liebman que denominou de “eficácia natural da sentença” anos mais tarde. O autor assumindo entendimento distinto ao defendido por outros da época, afirmou que “autoridade da cousa julgada é restricta a parte dispositiva do julgamento e aos pontos ahi decididos”, dizia ele: Está visto, que não professo a opinião d'aquelles, que querem, que na applicação da cousa julgada se não attendão os motivos, ou fundamentos do julgamento. A comparação da questão, que se agita, com aquella, que já foi decidida, é uma operação lógica e delicada, na qual se não póde abstrahir dos motivos objectivos do julgamento, que são a expressão fiel do pensamento do Juiz. Assim, v.g, o julgamento, que tiver rejeitado uma acção de reivindicação pelo motivo do Autor não haver provado o seu direito de propriedade, jamais póde ter autoridade de cousa julgada quanto ao ponto de ser ou não o Réo o verdadeiro proprietário; pelo que, se o Antigo Autor tornar-se depois possuidor da mesma cousa, e do antigo Réo quizer á seu turno propor a reivindicação, este não póde valer-se do primeiro julgamento; mas está rigorosamente obrigado a provar o seu direito de propriedade. (1857, p. 124).

Tal afirmativa seria defendida por Liebman anos depois e lembrada por Buzaid, referenciando Paula Baptista ao discorrer acerca do alcance da coisa julgada: Grave problema é o de se saber se a autoridade da coisa julgada é restrita à parte dispositiva do julgamento, ou se se extende aos fundamentos que constituem premissa necessária da conclusão. O Código de Processo Civil, no art. 287, par. Único, seguiu esta última orientação: ‘Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa necessária da conclusão’. Paula Batista, porém, seguiu a primeira orientação, o que lhe valeu o aplauso de Liebman: ‘A questão dos limites objetivos da coisa julgada é uma das mais controvertidas no direito brasileiro. Resolveu-a, na verdade, há muito tempo e de modo insuperável Paula Batista (Compêndio de teoria e Prática do processo Civil, par. 185), quando afirmou que ‘a autoridade da coisa jugada é restrita à parte dispositiva do julgamento e aos pontos aí decididos e fielmente compreendidos em relação aos seus motivos objetivos’. Significa isso que os motivos da sentença não são objeto da coisa julgada, mas devem ser considerados para entender o verdadeiro e cabal alcance da decisão (1950, p. 31).

A limitação da autoridade da coisa julgada à parte dispositiva da sentença não fora assunto dos mais tranquilos entre os doutrinadores da época, uma vez que entendiam, por tratar-se de verdade absoluta, incidir no todo que lhe compunha (Pinto, 1850, p. 185; Souza, 1879, p. 297).

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Interessante explanação é trazida por Gusmão, referenciando Ulpiano ao afirmar que “Res judicata, no Direito Romano, não significava o mesmo que judicium, sentença, mas sim a coisa de que se trata (ren de qua aqitur), depois de julgada devida ou não devida; o que não podia ter logar senão uma só vez” (1922, p. 32). De acordo com o autor, nunca os Romanos cogitaram de basear a coisa julgada no arrazoamento ou na exposição de motivos da sentença; eles fizeram consistir toda a autoridade na expressão da vontade do direito nos casos concretos (1922, p. 33). Gusmão, adepto do entendimento de Paula Baptista, aponta que no tocante a eficácia dos motivos, a discordância entre os antigos escritores foi tamanha, ao ponto de se vislumbrar quatro teorias em torno do tema: a dos que recusam em absoluto a autoridade da coisa julgada aos motivos, ainda mesmo quando o motivo é causa imediata da sentença; a dos que concedem a autoridade da coisa julgada aos motivos só quando o dispositivo é equivoco; a dos que reconhecem a coisa julgada somente nos motivos insertos no dispositivo e a dos que conferem autoridade de coisa julgada a qualquer dos motivos, como alma da sentença (1922, pp. 69-72). Dita discussão, perpassava no campo dos pontos que serviriam como identificador da coisa julgada, atrelado ao objeto, à causa, as partes e qualidade destas17. Em relação ao objeto, segundo Paula Baptista, não seria necessário que a identidade fosse absoluta ou integral, bastando tratar-se de parte integrante ou acessória da nova demanda, mas, que houvesse sido deliberada em julgamento anterior, ressalvando os casos que, apesar de ligados, fossem distintos. “A identidade de coisa de que aqui se trata, como bem observa João Monteiro, não designa precisamente aquillo que o significado da locução só por si daria; não é a identidade material da coisa demandada, mas sim a identidade jurídica” (Gusmão, 1922, p. 40). No tocante a causa, entendia tratar-se dos fatos ou atos que resultassem direta e imediatamente no direito ou obrigação que constituiria o objeto, não se devendo confundir tal causa com os diferentes elementos que poderiam concorrer para constituí-la (Baptista, 1857, pp. 125-27). Afirmava Gusmão que haveria identidade de causa, sempre que o fundamento legal do direito questionado na segunda ação ou demanda fosse o mesmo que serviu de base à primeira (Gusmão, 1922, p. 47). No que concerne às partes, asseverava o professor pernambucano que a identidade primava-se em verificar as mesmas partes a figurar com as mesmas qualidades, podendo alcançar pessoas, que seriam consideradas, como tendo sido representadas por uma das Partes litigantes, quando o julgamento lhes fosse favorável, não se permitindo o contrario, onde seriam elas consideradas, como estranhas, quando o julgamento as prejudicasse (Baptista, 1857, p. 128; Souza, 1861, p. 296). Para Gusmão a autoridade da coisa julgada se estenderia não apenas aos presentes em juízo, mas, aos que legitimamente se fizeram representar (1922, p. 58).

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Conclusão Como se vislumbra que a processualística civil brasileira durante a década de cinquenta do século XIX foi acompanhada de várias discussões, dentre elas o tema da coisa julgada. O regulamento 737 de 1850 foi um marco a ser devidamente considerado e que trouxe a lume temas debatidos até os dias atuais. Não restam dúvidas acerca da influência de Liebman no direito processual brasileiro, mas até que ponto seria possível asseverar que “antes da sua vinda, os brasileiros refletiam sobre o direito processual sem chegar a um método verdadeiramente científico? (Costa, 2011, p. 430).” Esse não pareceu o entendimento de Augusto Teixeira de Freitas ao descrever o prologo da obra de Joaquim José Caetano Pereira e Souza (1879, pp. VIII-XI). Longe de esgotar o tema, pelo que se depreende, não vivíamos num limbo como faz parecer alguns escritos, na realidade o que resta perceptível é uma riqueza de debates entre juristas brasileiros que vieram a ser reforçados, utilizados e ainda enaltecidos por grandes juristas do século XX. O entendimento acerca da autoridade da coisa julgada como qualidade da sentença e não como um mero efeito, bem como o limite de alcance desta autoridade, debates propagados por Liebman, já há muito encontrava arrimo em Manoel Aureliano, Joaquim Ramalho e notadamente em Paula Baptista, grandes nomes que ficaram no esquecimento, sem se falar aqui no embate acerca da coisa julgada criminal incidir no civil (Americano, 1933; Baptista, 1857, p. 130). Insta salientar que muito mais se poderia trazer a respeito de Paula Baptista pelo longo tempo que lecionou na Faculdade de Olinda, posteriormente transferida para Recife. Entretanto, apesar de possuírem um grande acervo há pouco recuperado18, o acesso às informações locais é de extrema dificuldade, ao contrário do que se percebe em relação à Universidade de São Paulo, cujos conteúdos se encontram facilmente em acervo digital. Resgatar tais obras revela a riqueza dos valores construídos acerca da processualística brasileira divorciada das ordenações de Portugal. E as explanações não pairam apenas na coisa julgada; ao analisá-las, percebe-se que perpassam da organização judiciária à ação, da finalidade do processo à execução e celeridade, trazendo à reflexão que muito do passado longínquo vem sendo resgatado nos dias atuais. Todavia isso é tarefa a ser desenvolvida em outro momento.

1

Não eram as leis da época identificada por números trazendo tão somente a data de sua edição. Disponível em: . Acesso em 16 jun. 2016. 2

Ainda no início da segunda guerra mundial Liebman muda-se para a América do Sul em 1938, vindo para o Brasil em 1939, ano em que fora editado o primeiro Código de Processo Civil nacional.

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“É preciso, pois, perceber o sentido de mestre a se atribuir no contexto. Para Gadotti, mestre não é, necessariamente, um superior hierárquico. Muitas vezes o inferior pode tornar-se mestre de seu superior, enquanto é exemplo de êxito em sua afirmação. Um Gandhi, um Sócrates, atestam esta verdade fundamental: existe, na verdade, uma hierarquia em nada semelhante à hierarquia baseada no sangue ou na riqueza, no poder, na tradição ou na competência. [...] A condição de discípulo inclui a certeza de que o mestre é apenas um intercessor. Ele é mediador e não finalidade. A finalidade é a verdade. Por isso o verdadeiro discípulo procurará a verdade como o seu mestre a procurou, mas com os próprios meios. Nisso consiste a verdadeira fidelidade ao mestre. Cada um é verdadeiro e revela sua própria verdade ao outro, apenas na relação, ou seja, ambos são uma verdade em reciprocidade. Os limites aqui se tornam inevitavelmente imprecisos, tanto os mestres, como o discípulo, nunca deixarão de ser discípulo”. (Cordova, pp. 4, 7) Comum também à época tal tratativa como se vê em descrição bibliográfica com indicação da obra feita pelo autor “aos seus discípulos”. (Nazareth, 1866). 3

4

Buscando trabalhar com o texto original extraído em notas taquigráficas das aulas proferidas pelo próprio Liebman, trazendo a essência do discurso ouvido pelos alunos, optamos pela não utilização da obra “Autoridade e Eficácia da Sentença”. 5

Art. 287. A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas. [...] Parágrafo único. Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa necessária da conclusão. [...] Art. 288. Não terão efeito de cousa julgada os despachos meramente interlocutórios e as sentenças proferidas em processos de jurisdição voluntária e graciosa, preventivos e preparatórios, e de desquite por mútuo consentimento. 6

Cf. art. 798, CPC/1939.

7

Essas doutrinas passam depois a definir em que consiste este suposto efeito da sentença, que é a coisa julgada, e então usam várias fórmulas, que na sua maioria se resumem nestas palavras: presunção de verdade, ficção de verdade ou verdade legal. Todas estas definições são variações de uma afirmação feita por u m jurisconsulto romano que escreveu: "Res judicata pro veritate habetur" (A coisa julgada deve ser tida por verdade). Mas ao dizer assim, o jurisconsulto romano não queria senão indicar o efeito prático da coisa julgada: o que foi julgado a lei quer que constitua o ponto final da controvérsia. Não há mais que discutir si é justa ou não a decisão. Assim foi julgado, é suficiente. Ao transformar essa afirmação e m "presunção de verdade" ou "ficção de verdade" ou "verdade legal" se diz algo parcialmente exato. E m sentido puramente científico não é exato, porque o que a lei quer não é que se finja, presumindo ser verdade o que na verdade é falso. Não se pode admitir que exista uma verdade legal diferente da verdade verdadeira. Todas essas fórmulas são perigosas e falsas. O que a lei estabelece é que os efeitos produzidos pela sentença permaneçam no tempo, não possam ser mais modificados. E assim o faz, porque quer assegurar o fim da controvérsia, e também, porque tem boas razões para supor que o que foi julgado corresponde a situação real existente entre as partes. Portanto, encontramos aqui a justificação prática e politica da autoridade da coisa julgada, sem que se possa concluir que destas palavras resulte a verdadeira definição jurídica da coisa julgada. (Liebman, 1977, pp. 253-54). Afirmava Liebman (1945) que “[...] Ihering foi quem primeiro observou que os atos jurídicos, além de produzir os efeitos queridos e previstos pelo autor do ato, na realidade, produzem também outros efeitos não previstos e não queridos, mas inevitáveis, pela conexão que existe no mundo jurídico entre as várias relações. Uma pessoa age de certo modo, realiza um ato jurídico com a finalidade de produzir um certo efeito. Este efeito se produz, mas além deste efeito fora das suas previsões, fora de sua direta e consciente vontade produzem-se, por repercussão, outros efeitos, que atingem eventualmente outras pessoas além das que ele queria atingir com a sua atividade. Ihering se referiu, ao fazer essa observação, ao mundo jurídico em geral, e para explicar melhor seu pensamento fez uma comparação com um fato de experiência cotidiana no mundo físico, que bem nos dá a perceber o que queria dizer. Observou ele que si jogarmos uma pedra num lago, no ponto em que a pedra cái n'água, forma-se uma série de pagas que se vão distanciando, tornando-se sempre mais amplas e menos profundas. Do mesmo modo, cada atividade humana que produz um fato jurídico, e por consequência uma série de efeitos jurídicos queridos, concientemente queridos e previstos, cria em redor desse fato uma série de repercussões no mundo jurídico, que ele chamou de reflexos dos efeitos jurídicos. Foi assim que outros escritores de direito processual, querendo aplicar esta observação de Ihering a esse problema dos limites subjetivos da coisa julgada, disseram que a coisa julgada, além dos seus efeitos diretos, que atingem as partes, produz também uma série de efeitos reflexos que atingem eventualmente os terceiros. Não porque esteja na intenção do juiz, na vontade do juiz, na eficácia própria da sentença produzir estes efeitos reflexos. Ao contrário, tais efeitos são à mera conseqüência prática, inevitável da conexidade existente entre as muitas relações jurídicas existentes. Vejamos um exemplo para esclarecer: sabemos que uma fiança, por exemplo, depende em sua existência da existência da obrigação principal. Si a obrigação principal não existe, ou porque não surgiu, ou porque é nula, também a fiança não existe. Portanto toda controvérsia entre credor e devedor sobre a existência e validade da obrigação principal tem logicamente certa repercussão sobre a obrigação do fiador. Si o juiz declarar inexistente ou nula a Obrigação principal, não poderá, "ipso jure", subsistir a obrigação 8

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do fiador, ao passo que si a obrigação principal for declarada existente e válida a obrigação do fiador se torna possível; não necessariamente existente, porque ela poderia ser nula por motivos próprios, mas torna-se possível. Eis como o fiador pode encontrar-se com uma repercussão em sua relação, em sua obrigação, por força da decisão que o juiz proferir na controvérsia entre credor e devedor sobre a existência da relação jurídica principal. A teoria dos efeitos reflexos da coisa julgada sustenta precisamente que, neste caso como em todos os outros semelhantes, a sentença produz em prejuízo dos terceiros todas as repercussões e conseqüências lógicas,- efeitos reflexos encerrados na sentença passada em julgado. Por exemplo a sentença proferida sobre a existência da obrigação principal vale logicamente também para o terceiro; ele poderia eventualmente sustentar que a fiança tem algum defeito próprio, mas não poderia sustentar que a obrigação principal não existe. [...] Alguns autores prudentemente fizeram um a casuística, isto é, examinaram caso por caso se estes efeitos reflexos se podem admitir ou não, deixando-se levar por razões de equidade, mas sem poder atingir u m a regra válida para todos os casos. Outros autores, mais lógicos, criaram uma teoria de uma lógica implacável. Sustentaram que estes efeitos reflexos se produzem sempre e m todos os casos de acordo com a lógica das conexões entre as relações jurídicas, e que, portanto, a coisa julgada, embora limitada nos seus efeitos diretos unicamente às partes, produz, inevitavelmente, através dos efeitos reflexos a sua eficácia, a sua autoridade e m face dos terceiros cujas relações jurídicas se encontram em alguma; conexão com a relação decidida. Essa última corrente, embora com palavras diferentes e fórmulas diferentes, chega nem mais nem menos, a negar em pleno, em todo o seu alcance o princípio geral dos limites subjetivos da coisa julgada, porque é evidente, pela natureza mesma das coisas, que uma sentença só pode produzir efeitos para os terceiros, enquanto estes efeitos decorrem da lógica aplicação da sentença sobre as relações conexas. O que admite esta doutrina é portanto o que a regra dos limites subjetivos da coisa julgada quis evitar — os efeitos reflexos da coisa julgada. É evidente que quando se diz que a coisa julgada só atinge as partes, não se quer dizer com isso que não atinge qualquer um dos muitos homens que existem no mundo e que nenhuma ligação têm com elas, porque isto não precisa ser afirmado, decorre da própria natureza das coisas. Quando dizemos que os terceiros não são atingidos pela coisa julgada, é porque queremos evitar que atinja aqueles terceiros que têm certa relação com a lide, e que poderiam, logicamente, ser alcançados pela coisa julgada, E por isso princípio de equidade e justiça não submeter-se à imutabilidade dos efeitos da sentença aqueles que não foram postos em condições de defender os seus direitos”. 9

Tal regra comportava uma exceção, exceção que à época não havia previsão legal no Brasil de oposição de terceiros em virtude de decisão fraudulenta. (Liebman, 1944, p. 267). Crescendo vertiginosamente a ANL — Aliança Nacional Libertadora — despertou o receio das camadas dirigentes, o que redundou na intervenção policial com a invasão de suas sedes e prisão de seus líderes, o que a fez atuar clandestinamente, eclodindo assim rebeliões em vários Estados a partir de 23/11/1935. Para combater os levantes comunistas, Getúlio Vargas decretou o estado de sítio em novembro do mesmo ano que se prolongou por um ano. Utilizando-se do argumento da “ameaça comunista”, preparou seu próprio caminho para a manutenção do poder, dando origem à farsa do plano cohen, supostamente comunista, que visava ao assassinato de personalidades importantes com o objetivo de tomar o poder. Cf. Koshiba & Pereira, 1996. 10

“Artigo 185: São presumpções legaes absolutas os factos, ou actos que a Lei expressamente estabelece como verdade, ainda que haja prova em contrario, como — a cousa julgada — [...]. Artigo 186: Presumpção legal condicional he o facto, ou o acto que a Lei expressamente estabelece como verdade, em quanto não ha prova em contrario (Arts. 200, 305, 316, 432, 433, 434, 476 o outros Codigo). Estas presumpções dispensão do onus de prova áquelle que as tem em seu favor”. 11

12

Forma de escrita à época para se referir à coisa julgada com hoje a conhecemos.

13

“Art. 74. Nas causas commerciaes só têm logar as seguintes excepções: [...] § 4º De cousa julgada.”

14

E à sua atividade acadêmica, ele somou uma outra, que produziu resultados permanentes. Reunindo os jovens discípulos nas tardes de sábado na modesta residência da Alameda Rocha Azevedo, discutia os seus estudos, aprofundava as discussões e se prodigalizava em iningualáveis lições utilizando o método científico até aquele momento desconhecido do processualismo brasileiro (Grinover, 1986, p. 99). No mesmo sentido. A vida de Enrico Tullio Liebman, conquanto tivesse sido curta a sua permanência entre nós, incorpora-se definitivamente na história do direito processual civil brasileiro como um marco fundamental, como um apostolado da ciência, como um templo do saber. Antes dele houve grandes processualistas, mas não houve escola; depois dele houve escola, no seio da qual floresceram grandes processualistas. Ele foi um divisor que, pondo remate a certo estilo de atividade processual, inaugurou entre nós o método científico, que os seus discípulos abraçaram apaixonadamente. (Buzaid, 1977, p. 131). 15

Ainda que se tenha feito o levantamento de tais obras, só a segunda edição foi possível o acesso através da biblioteca virtual de obras raras do Supremo Tribunal Federal. Em contato com morador de Recife, na tentativa de se chegar à primeira obra do autor, junto à Universidade Federal de Pernambuco, onde se tem o acervo de ditas

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obras raras, a dificuldade ainda se tornou maior uma vez que não se pode escanear, nem mesmo xerocopiar tais obras, havendo necessidade de pesquisa pessoal no local, que, ainda assim, depende de autorização prévia para consulta, com horário de funcionamento reduzido (até as 13h) sendo possível o contato com a bibliotecária Srª Marinez através dos telefones (81-2126-7883) entre às 8:30 e 12:30h para marcação, demonstrando enorme óbice às informações inerentes ao autor. “As nullidades o injustiças absolutas tornão o julgado revogavel ou por meio d'embargos á execução, ou d 'acção rescisória, se a execução já está concluída. Nestas condições está o julgado, que foi proferido: 1.° contra a expressa disposição da Lei: 2.° por Juiz incompetente, suspeito, peitado ou subornado: 3.° contra Parte não citada, ou habitada no caso de morte do primitivo Litigante, etc: -4.° sobre prova reconhecida posteriormente como falsa: 5.° contra a cousa já julgada: 6.° que contém disposições impossíveis [...].” (Baptista, 1857, p. 123). 16

“Cogliolo, depois de referir-se á doutrina de Savigny, diz que a regra tradicional dos três eodem (res, causa petendi, personae) é um preceito empírico, nem sempre verdadeiro, destituído do caracter de um principio scientifico ; que esta regra surgiu na Edade Media, por effeito de uma falsa interpretação dos textos do Dir. Romano ; e, lamentando a sua inserção no art. 1351 do Cod. Civ. Itai., pensa que ella devêra ter sido substituída por est'outra: — A exceptio rei judicatae dá-se quando a relação jurídica pedida é idêntica á relação jurídica já julgada, e nascem ambas do mesmo facto.” (Gusmão, 1922, p. 39). 17

“Inaugurado em 1912, o prédio da Faculdade de Direito do Recife (FDR) remonta a toda uma época. O ambiente não poderia ser mais propício para a exposição ‘Preservação da Coleção de Obras Raras e Valiosas da Faculdade de Direito do Recife: atividades de conservação e restauro’, que, como o nome indica, apresenta obras antigas e raras que compõem o acervo da biblioteca da FDR. [...] A exibição é resultado da luta, que, segundo a bibliotecária responsável pela seção de obras raras, Maria Carvalho, dura dez anos, com foco na restauração e na conservação de uma parte importante do acervo da FDR que estava se deteriorando. A iniciativa só foi possível graças a projetos desenvolvidos pela biblioteca e financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelo Ministério da Justiça. ‘O projeto financiado pelo BNDES reparou 1.609 volumes e investiu R$ 570.636,00. Já no projeto patrocinado pelo Ministério da Justiça, foram recuperadas 2.513 peças, com gasto de R$ 119.989,00’, comenta Karine.” (Bispo, 2011). 18

A TEORIA ECLÉTICA DA AÇÃO SOB A ÓTICA DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Carlos Manoel do Nascimento

Introdução A teoria eclética da Ação foi introduzida no Direito brasileiro pelo professor Enrico Tullio Liebman durante os seis anos que viveu no Brasil, de 1939 a 1946, onde ministrou aulas de processo civil na Faculdade de Direito de São Paulo e criou alicerces para a edificação da Escola Processual de São Paulo. A evolução da Teoria da Ação partiu em linhas gerais da Teoria Imanentista de Saviny, segundo a qual a ação decorreria do direito material de forma que somente existiria ação se existisse o direito material imanente. A segunda das Teorias foi a Concretista, para a qual o direito de ação era autônomo em relação ao direito material, mas somente existiria se ocorresse a procedência dos pedidos. A terceira foi a Teoria Abstrata, considerando que o direito de ação independia do direito material e ainda existiria mesmo nas hipóteses de improcedência dos pedidos. A Teoria Eclética segundo Liebman, possui caracteres das Teorias Abstrata e Concretista considerando o direito de ação desvinculado do direito material e do resultado obtido ao final do processo. Para Liebman a essência da ação se encontra na relação que ocorre no ordenamento jurídico entre a iniciativa dos particulares e o exercício em concreto da jurisdição, onde o juiz deve determinar de acordo com as normas que regulam sua atividade o conteúdo positivo ou negativo do provimento final. (Liebman, 1950, p. 53). A teoria de Liebman considera a ação um direito autônomo que pode ser exercitado nos casos em que o seu titular não possui um verdadeiro direito subjetivo substancial para fazer valer, mas identifica ainda a ação com a relação jurídica substancial existente entre as partes perfilada em uma particular direção, pois dirigida a atuar no processo (Liebman, 1950, p. 55). A ação seria um direito ao meio e não ao fim, pois a lei confere o direito ao cumprimento dos atos destinados a atuar a tutela jurídica, mas não garante o êxito de seu exercício porquanto o conteúdo concreto do provimento depende de condições objetivas do direito material e processual, bem como, da apreciação que o juiz fará delas. Da mesma forma, a lei não reconhece ao particular o poder de impor à parte contrária o efeito jurídico almejado, mas sim ao Estado que atribui ao particular o direito de provocar aquela atividade impedindo no sistema processual, face a igualdade dos cidadãos, a utilização do exercício particular das próprias razões.

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Diz-se, então, que o direito de ação, conquanto autônomo e abstrato em relação ao direito subjetivo material ‘afirmado’, só pode ser exercido em correlação com determinada pretensão de direito material, à qual se apresenta ‘ligado e conexo’. (Fabrício, 2003, p. 379).

I. As condições da ação e a teoria eclética da ação no Código de Processo Civil Brasileiro O Código de Processo Civil brasileiro adotou a concepção da Teoria Eclética sobre o direito de ação, sendo o direito de ação o direito ao julgamento do mérito da causa desde que presentes as chamadas condições da ação. Neste sentido Fredie Didier Jr. afirma: “Condição da ação” é uma categoria criada pela Teoria Geral do Processo, com o propósito de identificar uma determinada espécie de questão submetida à cognição judicial. Uma condição da ação seria uma questão relacionada a um dos elementos da ação (partes, pedido e causa de pedir), que estaria em uma zona intermediária entre as questões de mérito e as questões de admissibilidade. As condições da ação não seriam questões de mérito nem seriam propriamente questões de admissibilidade; seriam, simplesmente, questões relacionadas à ação. (2005, p. 219).

Assevere-se que mesmo consagrada a Teoria Eclética não deixou de ser alvo de severas críticas quanto às condições da ação, visto que se há apenas dois tipos de juízo que podem ser feitos pelo órgão jurisdicional (juízo de admissibilidade e juízo de mérito), só há duas espécies de questão que o mesmo órgão jurisdicional pode examinar. Afirma o professor Barbosa Moreira: Não há sentido lógico na criação de uma terceira espécie de questão: ou a questão é de mérito ou é de admissibilidade. A doutrina alemã, por exemplo, divide as questões em admissibilidade e mérito, simplesmente. (1989, pp. 83-84).

Alguns doutrinadores brasileiros defendem a transformação do trinômio das condições da ação no binômio admissibilidade e mérito, esclarecendo que em verdade as condições da ação não desapareceriam, mas o conceito “condição da ação” é que seria eliminado, pois aquilo que por meio dele se buscava identificar permaneceria e forma clarividente existente. O órgão jurisdicional ainda teria de examinar a legitimidade, o interesse e a possibilidade jurídica do pedido, porém essas questões seriam examinadas ou como questões de mérito (possibilidade jurídica do pedido e legitimação ad causam ordinária) ou como pressupostos processuais (interesse de agir e legitimação extraordinária). As críticas doutrinárias, porém, não tiveram êxito na tarefa de proscrever esse conceito jurídico processual do repertório teórico do pensamento jurídico brasileiro, principalmente em razão do inciso VI do art. 267 que autoriza que o processo seja extinto, sem resolução de mérito, quando “não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”.

A teoria eclética da ação sob a ótica do Novo Código de Processo Civil | 153

No art. 3º do CPC — “Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade” — que se encontra no capítulo “Da ação”, o legislador não menciona o termo “condição da ação”, embora se refira ao interesse e à legitimidade, ou seja, uma vez “positivada” a categoria, caberia à doutrina, de fato, estabelecer o seu sentido normativo e esclarecer qual é a sua disciplina jurídica. A condição mais controversa das três condições da ação é a possibilidade jurídica do pedido, a começar por sua formulação, pois Liebman o criador da Teoria Eclética da Ação e o primeiro a enunciar a necessidade da presença das três condições para a existência do direito de ação, renunciou à possibilidade jurídica como condição da ação declarando que os exemplos anteriormente a ela vinculados passariam a integrar o interesse de agir. Assim, consoante entendimento doutrinário e jurisprudencial a possibilidade jurídica do pedido em matéria de direitos contidos na esfera do direito privado, é suficiente a inexistência de vedação expressa quanto à pretensão trazida a juízo pelo autor. Assim, ainda que inexista previsão expressa na lei (norma material) quanto ao tipo de providência requerida, se proibição não houver, estar-se-á diante de pedido juridicamente possível. Em razão da dificuldade em se separar esta condição da ação do mérito da demanda, a melhor saída seria, então, recorrer ao critério negativo, ou seja, havendo expressa vedação no ordenamento jurídico daquilo que se pleiteia na inicial, tem-se a configuração da impossibilidade jurídica. Há certa tendência em se conjugar o art. 267, VI, do CPC, com o art. 295, parágrafo único, II e III, do mesmo diploma legal, admitindo-se que a possibilidade jurídica referida no primeiro dispositivo é aquela pertinente ao pedido. Todavia, como ressaltado por Alexandre Câmara (2008, p. 50) a possibilidade jurídica como condição da ação diz respeito a todos os elementos identificadores da demanda: partes, pedido e causa de pedir. Outros autores, porém, ampliam o conceito desta “condição da ação”, afirmando que a mesma alcança, também, a causa de pedir. Em outros termos, significa dizer que não só o pedido mas também o seu fundamento devem ser judiciamente possíveis, sob pena de se ter presente o fenômeno da “carência da ação”. Faltando uma destas condições, se tem aquilo que, com exata expressão tradicional, se qualifica carência da ação, e o juiz deve refutar de prover sobre o mérito da demanda. Neste caso não se tem verdadeiro exercício da jurisdição, mas, somente uso das suas formas para fazer aquela avaliação preliminar (confiada aos magistrados) que serve a excluir de início aquelas causas nas quais estão defeituosas as condições que são requeridas para o exercício do poder jurisdicional" (Liebman, 1950, p. 66).

Liebman idealizou a possibilidade jurídica do pedido por força da proibição de divórcio àquela época na Itália.

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II. A recepção da Teoria da Asserção no Direito Brasileiro A Teoria da Asserção foi criada com o objetivo de solucionar as lacunas deixadas pela Teoria Eclética, e orienta que o magistrado deverá verificar a presença das condições da ação segundo as afirmações constantes da petição inicial, em abstrato. A relação jurídica, no caso, é analisada in status assertionis, daí este entendimento ser denominado de “Teoria da Asserção”. O Professor Alexandre Câmara, defensor deste posicionamento, ensina, in verbis: Parece-me que a razão está com a teoria da asserção. As “condições da ação” são requisitos exigidos para que o processo vá em direção ao seu fim normal, qual seja, a produção de um provimento de mérito. Sua presença, assim, deverá ser verificada em abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do demandante em sua inicial são verdadeiras, sob pena de se ter uma indisfarçável adesão às teorias concretas da ação. Exigir a demonstração das “condições da ação” significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tenha o direito material. Ante às disposições do ordenamento processual brasileiro, há que se reconhecer que a Teoria da Asserção supre adequadamente as lacunas deixadas pela Teoria Eclética da Ação, no que concerne ao momento da apreciação das condições da ação e aos efeitos da decisão que reconhece a ausência de quaisquer delas: se o magistrado verificar a ausência de alguma das condições da ação ainda na fase postulatória, ou seja, afirmado pelo autor em sua petição inicial, poderá extinguir o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, VI, do CPC; se o magistrado, por outro lado, só vier a constatar a falta de condição da ação após iniciada a fase instrutória, ou seja, se houve a necessidade de adentrar no mérito da demanda para constatar a existência dessas condições da ação, o processo deve ser extinto com resolução do mérito. (2008, p. 55).

Aplicando-se a Teoria da Asserção para melhor conceituar os legitimados processuais, pode-se dizer, então, que estes são os titulares da relação jurídica de direito material subjacente deduzida pelo autor em sua petição inicial — independentemente do reconhecimento quanto à veracidade ou não da descrição do conflito. Neste caso, tem-se a legitimidade ordinária. No que diz respeito às condições da ação, afirma-se que a teoria de Liebman seria uma teoria da exposição ou apreciação, de forma que a presença das condições deveria ser comprovada pelo autor. Nesses termos, em inúmeras situações, o processo terminaria sem uma análise do mérito, ou seja, sem apreciação de seu objeto, daquilo para o que se propôs o procedimento, e a atividade processual, nesses moldes, teria sido inútil, e a sentença judicial (terminativa) não inviabilizaria a propositura de nova demanda, envolvendo o mesmo objeto litigioso. Em face dessa constatação e buscando um maior aproveitamento da atividade processual se delineou a teoria da asserção ou da prospecção (prospettazione), na qual a verificação da presença das condições da ação se dá à luz das afirmações feitas pelo autor na petição inicial, independentemente de sua posterior comprovação durante o processo. Dessa forma a ausência de condição da ação para Liebman (condição não comprovada pelo autor) conduz a extinção do processo sem resolução do mérito (com o proferimento de

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uma sentença terminativa), mesmo que esta se dê após o julgamento do mérito (sentença definitiva), em grau de recurso, uma vez que as condições podem ser analisadas e demonstradas em qualquer momento e grau de jurisdição, conduzindo assim, à anulação da sentença definitiva, ao revés, para a teoria da asserção as condições da ação serão analisadas com base tão-somente nas alegações feitas pela parte na peça de ingresso (petição inicial do autor), deste modo as matérias referentes à legitimidade, interesse e possibilidade jurídica serão analisadas junto com o mérito, o que conduz, caso não estejam presentes, à improcedência do pedido, sentença de mérito (definitiva), em qualquer momento ou grau de jurisdição, ou seja, no tribunal ocorrerá, assim, a reforma (não anulação) da sentença de mérito. A discussão em torno da aplicação dessa teoria no Brasil é tormentosa. Mas existem precedentes no STJ, com sua adoção, e afirmando que "as condições da ação são vistas in status assertionis ("teoria da asserção"), ou seja, conforme a narrativa feita pelo demandante, na petição inicial" deste modo "se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão." Em recente precedente, o Superior Tribunal de Justiça afirmou que "se mostra saudável a lembrança de que a doutrina moderna, bem como, em decisões recentes, também o Superior Tribunal de Justiça, têm entendido que o momento de verificação das condições da ação se dá no primeiro contato que o julgador tem com a petição inicial, ou seja, no instante da prolação do juízo de admissibilidade inicial do procedimento. Trata-se da aplicação da teoria da asserção, segundo a qual a análise das condições da ação seria feita à luz das afirmações do demandante contida em sua petição inicial. Assim, basta que seja positivo o juízo inicial de admissibilidade, para que tudo o mais seja decisão de mérito". A interpretação literal do art. 267, § 3º do CPC leva a entender que o preenchimento das condições da ação pode ser averiguado a qualquer tempo e grau de jurisdição. No entanto, a aplicação literal e irrefletida da literalidade do enunciado normativo, neste particular, gera, muitas vezes, consequências danosas, tal qual a extinção do processo sem julgamento do mérito após longos anos de embate processual."

III. As condições da ação e o Novo Código de Processo Civil O Novo Código de Processo Civil trata da condição da ação no Inciso VI do artigo 485, equivalendo-se ao Inciso IV do artigo 267 do código atual. Verifica-se que o Novo código excluiu das chamadas condições da ação a possibilidade jurídica do pedido, fazendo menção nos artigos 485 Inciso IV, 17 e 337 inciso XI, apenas a ausência de legitimidade ou de interesse processual. Consagra-se dessa forma o entendimento, praticamente unânime até então, de que a impossibilidade jurídica do pedido é causa de decisão de mérito e não de inadmissibilidade.

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O Novo Código também não se vale da expressão “condição da ação”, mas apenas prescreve que, reconhecida a ilegitimidade ou a falta de interesse, o órgão jurisdicional deve proferir decisão de inadmissibilidade, e o processo passará a ser extinto em razão do não preenchimento de um pressuposto processual. Dessa forma a legitimidade e o interesse passarão a constar da exposição sistemática dos pressupostos processuais de validade: o interesse, como pressuposto de validade objetivo intrínseco; a legitimidade, como pressuposto de validade subjetivo relativo às partes. Verifica-se, assim, que toda a demanda (partes, causa de pedir e pedido), e não só o pedido, deve ser juridicamente possível. Exige-se, em outros termos, a possibilidade jurídica de todos os elementos constitutivos da demanda. Veja-se que há grande dificuldade em apreender o conteúdo da possibilidade jurídica, para lhe conferir natureza de mero requisito de admissibilidade. É inegável que para constatar a presença dela em uma demanda, ter-se-á que apreciar o mérito da questão levada a juízo. Como bem esclarece o Professor Fredie Didier Jr.: A improcedência macroscópica é apenas a forma mais avultante de improcedência e, por isso, deveria ser tratada ainda com mais rigor — como já acontece com os casos de decadência legal e prescrição em favor de incapaz. O caso é de improcedência prima facie. A situação de alguém pedir algo que o direito repila, ou não permita expressamente, em nada difere daquela em que outrem pede algo que o direito agasalha [...]. Aplica-se o direito material — a relação jurídica está sendo composta. Adentra-se o mérito; injustificável que não se produza coisa julgada material. (2005, p. 226).

Assim, não se vislumbra razão, nos dias atuais, para se adotar a ausência desta condição da ação como fundamento para extinguir o processo sem resolução do mérito, porquanto o seu exame exige a análise dos elementos substanciais da demanda e implica em verdadeira decisão de improcedência do pedido do autor. O Novo Código de Processo Civil procurou criar mecanismos para garantir a simplicidade, a celeridade e a efetividade do processo civil de acordo com os ditames constitucionais. No que concerne especificamente às condições da ação, o Novo Código de Processo Civil promoveu algumas alterações. Em primeiro lugar, suprimiu a possibilidade jurídica como condição da ação, atendendo às críticas da doutrina e reconhecendo que, neste caso, a sentença de carência da ação confunde-se com a de improcedência e, por isso, resolve definitivamente a controvérsia. Quanto ao interesse de agir e à legitimidade, estas condições da ação estão expressamente enunciadas, destacando-se neste sentido que o tratamento conferido à legitimidade ad causam e ao interesse de agir na nova sistemática não se diferencia fundamentalmente daquele constante do Código de Processo vigente. Assim, a ausência de quaisquer das referidas condições da ação continuará a ensejar o indeferimento da petição inicial ou a extinção do processo sem resolução de mérito.

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Considerações finais Conclui-se, portanto, que a Teoria Eclética da Ação, ao inserir as condições da ação na sistemática processual brasileira, introduziu, em verdade, novos requisitos de admissibilidade com característica singular — sua análise depende do exame dos elementos substanciais da demanda e, por isso, em grande parte dos casos, confundem-se com o próprio mérito. Os questionamentos feitos por parte da doutrina no que concerne à relevância das condições da ação possuem total pertinência nos dias atuais, influenciando nas mudandas trazidas pelo Novo Código de Processo Civil. Como visto, não se vislumbra utilidade prática na manutenção das condições da ação como categoria jurídica, visto que, da forma como está caracterizada no Direito brasileiro, não se coaduna com os princípios da celeridade e da segurança jurídica: a verificação de sua ausência dá ensejo ao julgamento sem resolução do mérito — a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição –, o que possibilita o ajuizamento de nova demanda e impõe maiores delongas processuais, sem solucionar definitivamente o conflito de interesses posto. O recurso à Teoria da Asserção, como forma de mitigar as incoerências e lacunas deixadas pela Teoria Eclética da Ação no sistema processual brasileiro, não é perfeito. Segundo ela, a ausência de condição da ação poderá dar ensejo à extinção do processo com ou sem resolução do mérito, dependendo, simplesmente, do momento em que for constatada pelo órgão jurisdicional. Todavia, em razão do expresso tratamento conferido pelo Código de Processo Civil — Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 — às condições da ação, a Teoria da Asserção constitui instrumento indispensável para adequar esta categoria jurídica aos princípios e garantias processuais assegurados na Constituição Federal. Portanto, enquanto houver previsão expressa no Código de Processo Civil a respeito das condições da ação devesse aplicar a Teoria da Asserção quando do exame das demandas submetidas ao Poder Judiciário.

LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA NA OBRA DE LIEBMAN E NO CPC/15 Paulo Erlich Varella

Introdução Muito cultuada, a obra de Enrico Tullio Liebman, sem dúvida alguma, exerceu (e ainda exerce) grande influência no pensamento e desenvolvimento dos estudos do direito processual civil brasileiro a partir do início da década de 1940, quando aqui aportou e estabeleceu-se por breves anos difundindo seus ensinamentos. Ao ter escolhido a cidade de São Paulo para fixar residência, lecionando na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, acabou naquela região tendo sido responsável por auxiliar a ascensão de processualistas que, pela admiração que nutriam pelo professor italiano, lhe conferiram a alcunha de “Mestre”, passando a ser conhecidos como seus “discípulos”, (Grinover, 1987). Nomes como os de Luis Eulálio Bueno Vidigal, Benvindo Aires, José Frederico Marques e Alfredo Buzaid compunham a “primeira geração” de alunos de Enrico Tullio Liebman que alcançou posições de destaque no cenário do direito processual do país. Buzaid, quando ocupou o cargo de Ministro da Justiça, foi responsável pela elaboração do anteprojeto do Código de Processo Civil de 1973, que encampava diversas das ideias e teses do jurista italiano e que, por seu próprio idealizador, foi considerada “um monumento imperecível de glória a Liebman” (BUZAID, 1986, p. 152). Dentre as teses de relevo de Liebman, se destacam as suas concepções sobre a coisa julgada e a eficácia da sentença, explicitadas em “Efficacia ed autirittà della senteza”, traduzida ao vernáculo por dois de seus citados alunos (Alfredo Buzaid e Benvindo Aires), e a respeito da “teoria da ação”, sendo o responsável por consagrar a chamada “teoria eclética”, que se colocava entre as opostas teorias concreta e abstrata da ação (embora se possa considerar muito mais próxima da teoria abstrata). A importância de suas lições para o estudo do processo civil brasileiro é facilmente notada pelo simples folhear das obras e artigos que se ocupam da dogmática processual, principalmente a respeito dos pontos acima mencionados, sem prejuízo de diversos outros também objeto de suas teses (o autor também publicou livros sobre execução civil). Mesmo para aqueles autores que buscam um ponto de oposição às teses liebmanianas, e que tampouco foram seus “discípulos” ou compunham a chamada “Escola Paulista de Direito

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Limites objetivos da coisa julgada na obra de Liebman e no CPC/15 | 159

Processual”1, a menção e reverência à obra do jurista italiano revelam sua importância e, em certos pontos, originalidade2. Entretanto, as recentes reformas processuais, que culminaram com a edição do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15), podem representar verdadeira superação de algumas de suas teses, presentes vivamente, como dito, no revogado código. As profundas modificações implementadas pelo novel diploma processual nos regimes da coisa julgada e das chamadas “condições da ação” são exemplos dos mais marcantes destas possíveis superações. A questão a ser enfrentada é a de se saber, a despeito da eventual supressão de institutos ou de radical modificação em seu modo de ser e produzir, se a obra de Liebman preservará sua atualidade e importância, ainda que para manter-se como um ponto de contraposição ao regime no direito positivo vigente. Há que se vislumbrar, ainda, a possibilidade de, em certo tempo, determinados pontos de seus estudos passarem a ostentar apenas valor histórico, cedendo diante do cenário a ser desenhado por professores e doutrinadores do processo civil a partir da experiência prática e acadêmica a ser obtida ao longo dos primeiros anos de vigência do novo código. O presente trabalho buscará, em breves linhas, apresentar aspectos da tese de Liebman acerca da coisa julgada (com foco mais específico em seus limites objetivos) e, posteriormente, apresentar e analisar o tratamento dado ao tema pelo Novo Código de Processo Civil. Não se descurará de questionar, ainda que sem qualquer pretensão de fornecer respostas definitivas e esgotar o tema, as motivações, efeitos práticos e possíveis inconvenientes que o regime trará ao operador do direito e, por via reflexa, ao jurisdicionado.

I. Aspectos da coisa julgada em Liebman A coisa julgada representa verdadeiro corolário da segurança jurídica, que mais do que um princípio constitucional, revela-se propriamente um pressuposto do estado democrático de direito. As decisões judiciais, até mesmo para fins de garantia da imperatividade do poder estatal e do prestígio à atividade jurisdicional desenvolvida ao longo de processo judicial (que tenha respeitado todas as garantias constitucionais), hão de atingir imutabilidade em dado momento, alcançando também a finalidade da pacificação, não permitindo que se perpetue e renove litígio3. Dada a sua importância para o sistema jurídico, ao longo da história o instituto da res iudicata despertou as mais diversas teses a respeito de sua conceituação, natureza, revogabilidade, modo de produção e limites, sejam eles objetivos, subjetivos ou temporais. E na obra de Liebman encontrou, se não a mais relevante, a que mais impacto causou no tratamento dado ao tema nos últimos tempos, ao menos na dogmática processual brasileira4. Assim é que, opondo-se à teoria até então dominante, que observava na coisa julgada um efeito da sentença, o jurista italiano procurou divorciar completamente a noção da

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imutabilidade e autoridade da decisão de seus demais efeitos, posto se tratarem de elementos que não possuem homogeneidade suficiente para se justificar a aposição, lado a lado, diante da mesma classificação (como “efeito”): Considerar a coisa julgada como efeito da sentença e ao mesmo tempo admitir que a sentença, ora produz simples declaração, ora efeito constitutivo, assim de direito substantivo, como de direito processual, significa colocar frente a frente elementos inconciliáveis, grandezas incongruentes e entre si incomensuráveis. (Liebman, 1985, p. 5).

Desta forma, adotou Liebman a concepção de que a coisa julgada seria um atributo, “uma qualidade, um modo de ser e de manifestar-se dos seus efeitos, quaisquer que sejam”. A coisa julgada não poderia ser um efeito, algo que decorra da sentença, mas uma qualidade que adere à decisão e a seus efeitos, preenchidos determinados requisitos, tornando-os imutáveis. Partindo-se de tal premissa (separação da autoridade da coisa julgada dos efeitos da sentença), Liebman pôde prosseguir defendendo sua posição acerca da extensão subjetiva dos efeitos da sentença, distinta da extensão atribuída à sua autoridade. Enquanto esta se limitaria apenas às partes, vinculando-as, aqueles, como decorrentes de ato de imperatividade do Estado, no atuar de seu ofício de determinar o comando concreto da lei, atingiriam também a terceiros, que a eles igualmente teriam de se submeter, ressalvadas as possibilidade de, diante da demonstração de interesse jurídico (ou na forma em que dispor o direito positivo), poderiam se insurgir contra o resultado da demanda5 (Liebman, 1985, pp. 122-23). Faz parte ainda das lições do jurista italiano a insurgência contra a tese tedesca de que somente o elemento declaratório da sentença ficaria coberto pela imutabilidade após alcançado o trânsito em julgado. É que, neste ponto, se deixariam descobertos, e sem razão que o justificasse, os efeitos constitutivo e condenatório do julgado, que também deveriam sê-lo, sob pena de ensejar a completa inutilidade da imutabilidade sob foco. Não foram poucas as críticas recebidas à afirmação, destacando-se as de Barbosa Moreira (1984, p. 279), que embora concordasse que a coisa julgada não era um efeito e que não imunizava somente a declaração contida na sentença, via a imutabilidade no conteúdo da decisão, a norma jurídica concreta por ela ditada, e não nos seus efeitos, muitos dos quais nascidos justamente para se extinguir após o advento da coisa julgada (p. ex. o devedor que paga o crédito após ser condenado a fazê-lo por decisão transitada em julgado ou o casal que decide reatar a relação jurídica matrimonial após a sentença que decreta o divórcio: o efeito condenatório se modificaria).6 A adesão, no entanto, também fora considerável. I.i. Os limites objetivos da coisa julgada Quando lançada a obra “Efficacia ed autirittà della senteza” (1935), não povoava o imaginário do autor, a ponto de merecer maiores digressões, a questão dos limites objetivos da coisa julgada. Não havia Liebman se deparado, àquela altura, com a disciplina — um tanto confusa — que o tema recebera no Código de Processo Civil de 1939, que fez merecer a

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inclusão de aditamento no capítulo correspondente quando do lançamento de edição posterior — já traduzida para o português e com notas sobre o direito brasileiro (Liebman, 1984, pp. 55-58) —, bem como estudo específico sobre o tema incluído na coletânea “Estudos sobre o processo civil brasileiro” (Liebman, 1947, pp. 163-68). Para o jurista italiano, desde sempre a coisa julgada se formaria apenas no que toca às questões que constituíam o objeto do processo, seu mérito, a serem alocadas na parte dispositiva da sentença, traduzindo a vontade das partes refletida no pedido. Esta a tendência observada na Europa à época. Restariam fora do alcance da imutabilidade, portanto, as questões que tiveram de ser examinadas como premissas lógicas da questão principal, os fundamentos, as questões prejudiciais que não constituem o objeto do processo e que, embora possam ser submetidas à cognição e apreciação pelo magistrado que, não são objeto de decisão, o que só ocorre, como afirmado, com a questão principal7 (Liebman, 1947, p. 166). Ocorre que o CPC-39 apresentou novidades no trato do tema, fazendo surgir controvérsias doutrinárias acerca de seu verdadeiro conteúdo. Dispunha o art. 287 daquele código que “A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas”, ao passo que, no parágrafo único, explicava-se que “Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa necessária da conclusão”. Simples interpretação literal dos dispositivos em questão, notadamente do parágrafo único, aponta para a clara intenção do legislador em estender a autoridade da coisa julgada às questões prejudiciais. E de fato houve quem o sustentasse, tornando a questão como uma das mais controversas no direito brasileiro no momento8. No entanto, era possível encontrar, não só em Liebman, ampla resistência à possibilidade desta extensão da coisa julgada às questões prejudiciais9. E isto se dá, principalmente, pela observância do próprio texto do anteprojeto do Código, elaborado por Pedro Batista Martins com clara inspiração no projeto de reforma do Código de Processo Civil Italiano (art. 290). O texto original, indevidamente alterado quando da revisão do anteprojeto, que acabou por lhe deturpar o verdadeiro significado10, previa, efetivamente, a hoje conhecida “eficácia preclusiva da coisa julgada” (Moreira, 1977, p. 90), ou seja, dispunha, noutros termos, que se consideravam deduzidas e repelidas todas as eventuais questões que poderiam ter sido opostas quando do trâmite do feito, nos limites do que fora objeto do julgamento (tal como veio a disciplinar o art. 474 do CPC-73)11. Assim Liebman, ao elogiar a redação do anteprojeto e desvendar-lhe o sentido: Assim, as questões que constituem premissa necessária da conclusão, isto é, da decisão sobre o pedido das partes, entendem-se definitivamente decididas “nos limites da lide”; quer dizer que a mesma lide não poderá ser suscitada com fundamento nessas questões, quer o juiz as tenha realmente decidido, quer não. A contrario sensu, as mesmas questões não se entenderão decididas se a lide for outra. Assim é que deve ser interpretado o art. 287, de acordo com o que exprimia sua redação originária. (1947, p. 167).

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A pacificação a respeito do tema, em definitivo, somente se deu com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973 e a consequente revogação do dispositivo em questão. A questão dos limites objetivos da coisa julgada passou a ser disciplinada, de forma clara e objetiva, no sentido de restringi-la à parte dispositiva, onde a lide, o mérito, é julgado (art. 468). Ratificando o âmbito de imutabilidade da sentença, o código ainda traz disposições de certo modo redundantes no art. 469, dispondo de forma clara, ao contrário do diploma anterior, que não faz coisa julgada a apreciação de questão prejudicial, decidida incidentemente no processo (assim como os demais motivos e fundamentos que se revelam premissa da sentença).12 No mais, a “eficácia preclusiva da coisa julgada”, apontada como o real conteúdo do art. 287 do CPC/39, vinha regulada no art. 474. Uma novidade, no entanto, era introduzida com a edição do CPC/73: a ação declaratória incidental, mencionada nos arts. 5º, 325 e 470. Assim, se pela literalidade do CPC/39 as questões prejudiciais se considerariam decididas após a prolação da sentença, em tese aptas a serem atingidas pela autoridade da coisa julgada, pelo (então) novo regime seria necessário o requerimento expresso para que aquela questão prejudicial fosse decidida principaliter tantum, submetendo-se à imunização pela res iudicata. Um novo pedido que integra e amplia o objeto do processo. De toda sorte, é de se verificar que, até o advento do CPC/73, a coisa julgada, para alguns, abarcou também as questões prejudiciais, as questões que configuram “premissa necessária da conclusão”, não se podendo negar, de forma peremptória, que se trataria de situação inédita no Brasil, ao menos no espaço de um século.

II. A coisa julgada no Novo CPC (2015) Eis que o Novo Código de Processo Civil (lei nº 13.105/2015) surge para, novamente, tratar da matéria de modo diverso, rompendo com paradigmas e pondo fim ao sistema vigente no que diz respeito aos limites objetivos da coisa julgada, afastando-se dos moldes delineados por Liebman e inseridos no diploma de 1973 através de seu aluno Alfredo Buzaid13. Assim é que, com o escopo de permitir que o processo obtenha o maior rendimento possível, a ideia de inclusão das questões prejudiciais ao alcance da coisa julgada surgiu desde a elaboração do anteprojeto do novo código, a cargo de uma comissão de juristas instituída pelo Senado Federal em 2009, presidida pelo Ministro Luiz Fux. A justificativa para a referida inclusão se encontra, ainda que de forma simplória, na exposição de motivos do referido anteprojeto (onde ocupava o art. 484). Em assim sendo, findo o processo legislativo e sancionado o código, restou assentado, nos arts. 503 e 504, o regramento acerca dos limites objetivos da coisa julgada. Embora em alguns momentos aparente nada ter mudado, na medida em que as redações do caput do art. 50314 e do art. 504 basicamente reproduzem, com aprimoramento redacional e eliminação de

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redundâncias, os arts. 468 e 469 do CPC/73, a verdadeira alteração da sistemática é notada nos §§. 1º e 2º do art. 503. Dispõem os dispositivos em questão: § 1º. O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se: I - dessa resolução depender o julgamento do mérito; II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal. § 2º. A hipótese do § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

De pronto, pode-se notar a alteração promovida: extinguindo-se o instituto da ação declaratória incidental15, uma vez preenchidos os requisitos legais (cumulativos), a questão prejudicial será coberta pela autoridade da coisa julgada, independentemente de pedido expresso de qualquer das partes16. O objetivo, como citado, é maximizar o rendimento do processo, evitando contradições lógicas entre duas possíveis decisões judiciais e resolvendo, de uma só vez, todos os aspectos do conflito levado ao poder judiciário (ou ao menos de forma mais abrangente possível). Neste ponto, merece destaque que o Código impõe, no §1º do art. 503, diversas condições para que a resolução de questões prejudiciais seja, de fato, acobertada pela imutabilidade. Condições estas bastante rigorosas e que buscam, por sua vez, garantir que a questão a ser imunizada será objeto de amplo debate e produção de todos os meios de prova disponíveis para as partes, como se, de fato, compusesse a questão prejudicial também o objeto do processo. Neste passo é que, por exemplo, em casos de revelia (inciso II) a disposição não se aplica, pois sequer se poderia falar em questão prejudicial se o ponto não se transformou, de fato, em “questão” (partindo-se do clássico conceito carnellutiano de “questão” como sendo um “ponto controvertido”), de modo que em hipótese alguma se observará a ocorrência de contraditório prévio e efetivo no caso17. Do mesmo modo, a produção probatória não deverá sofrer qualquer limitação que impeça a cognição exauriente (pressuposto da coisa julgada) sobre a questão, seja por razões procedimentais, caso o procedimento em que instaurado o litígio não comporte ampla produção probatória ou possua limites cognitivos (p. ex. mandado de segurança e procedimento dos juizados especiais cíveis), seja por conta de restrição imposta pelo próprio juiz, ao indeferir ou não determinar a produção de certa prova que diga respeito à questão prejudicial18. A competência para conhecimento de ambas as questões, igualmente, revela-se requisito inafastável da aplicação do referido sistema.

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II.i. Primeiras críticas ao novo sistema O novo (velho) regime, que se assemelha ao do CPC/39 acima explicitado, embora elaborado de forma muito mais cuidadosa, compreensível, garantista e sofisticada do que seu antecessor, ainda nem foi (re)colocado em prática, mas já é passível de críticas e desconfiança em alguns aspectos. Neste ponto, embora não se tenha dúvida do nobre intento do legislador, demonstrado não somente na ambição de evitar a rediscussão de questões em diferentes processos, mas também na imposição de rígidos requisitos para a imunização das questões prejudiciais, consentâneos com a nova perspectiva sob a qual se enxerga o princípio do contraditório e da ampla defesa, a escolha pela sistemática em questão é capaz de causar perplexidades, inconvenientes, e gerar dúvidas, podendo se afastar da realidade do foro e, ao fim, de levar a cabo o objetivo acima descrito. Inicialmente, não há que se deixar de questionar (e mesmo desconfiar) da opção, em um código que se pretende dotado do que há de mais moderno em técnicas processuais visando a satisfação de direitos de modo célere, simples, econômico e efetivo, por resgatar um sistema já implementado (e bastante criticado), no Código de Processo Civil de 193919. Não se ignora, por óbvio, que o atual sistema é elaborado de modo muito mais detalhado e cauteloso do que o anterior, que para muitos nem mesmo representava, de fato, o que dispunha sua literalidade. Tampouco se pretende taxar de “retrocesso” o retorno (ainda que não integral) a vetusto sistema abandonado, na Europa, desde a entrada em vigor da ZPO, em 1879, rompendo-se com a conhecida e prevalecente tese de Savigny sobre os limites objetivos da coisa julgada, em que se compreende no âmbito da imutabilidade também as questões prejudiciais.20 Nada de anormal se teria em retomar velhos conceitos se, ao cabo de aprofundada investigação, se notar que se revelam mais condizentes com a realidade e necessidade que o processo e, principalmente, o jurisdicionado, demandam. Nem tudo o que é novo representará, necessariamente, uma evolução, mormente por conta da natural alteração da perspectiva e das premissas sobre as quais se fundam e se fundaram determinadas orientações. E no caso do Novo CPC, impende observar que não apenas o regime dos limites objetivos da coisa julgada remete ao Código de 1939, mas também, em certa parte, a sistemática da recorribilidade através de agravo de instrumento, dentre outros. Daí que surge, além do despertar de inevitável curiosidade com a “ressurreição” de antigos conceitos e sistemas, com os quais somente os operadores do direito mais experientes haviam se deparado até hoje, a própria indagação sobre quais pontos, em quais circunstâncias, e baseado em quais critérios, se operou a investigação acima mencionada, necessária a justificar a necessidade de mudança e a potencial adequação dos novos sistemas. Inobstante, o dispositivo em apreço, como não poderia deixar de ser, vem sendo interpretado por estudiosos do processo, obtendo-se resultados que, se por um lado podem apontar para uma uniformidade na doutrina, por outro militam frontalmente contra a efetividade e a segurança jurídica, tornando cada vez mais o processo como um campo de

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debates próprio e isolado, onde se privilegia mais as suas próprias normas e formas do que aquelas às quais o mesmo é vocacionado a proteger, garantir e efetivar, tudo em detrimento do jurisdicionado. Assim, por exemplo, o enunciado nº 438 do FPPC21, que entende ser “desnecessário que a resolução expressa da questão prejudicial incidental esteja no dispositivo da decisão para ter aptidão de fazer coisa julgada”. A dispensa em questão, ao que parece, é capaz de gerar surpresas e graves inconvenientes às partes, com a possível imutabilidade de questões prejudiciais sem uma formalidade que as conferisse, minimamente, segurança de que tal questão passará a compor o objeto do processo. Nesta ordem de ideias, se o juiz pretende decidir, de forma definitiva, a questão prejudicial, não se revela abusivo, contraproducente ou desnecessário que sua solução conste da parte dispositiva. Pelo contrário. Privilegia-se o contraditório, entendido como direito de influência e não-surpresa, e a própria cooperação que deve haver entre magistrado e partes (art. 6º). Sem embargo, da própria exigência da fundamentação analítica (art. 489, § 1º) se pode extrair que a eventual resolução de questão prejudicial com aptidão para a formação de coisa julgada deverá ser explicitada de forma clara e inequívoca na decisão final, fazendo cientificar as partes e seus advogados de que a questão fará coisa julgada, seja em qual parte da decisão a mesma se inserir22. Com efeito, mais adequado ainda seria, desde a percepção da controvérsia acerca da questão prejudicial, que o magistrado advertisse as partes da intenção de fazê-lo. Evita-se, assim, a proliferação de embargos de declaração com o objetivo de instigar o juízo a se manifestar sobre qual grau de imutabilidade alcançará a questão apreciada, e qual questão será abarcada, de fato, pela autoridade da coisa julgada. Não se pode olvidar, ademais, da natural dificuldade em, muitas vezes, identificar no caso concreto o que seria a questão prejudicial apta a imunizar-se, dúvida que pode gerar inconsistências e divergências na jurisprudência. Tampouco se deve ignorar que a garantia de uma ampla cognição, com produção de todas as provas admissíveis, para se resolver questão prejudicial incidente, pode ocasionar indesejadas delongas no trâmite do processo, atrasando a solução da questão principal, aquela que, efetivamente, constitui o desejo do jurisdicionado, que buscou o poder judiciário e a delimitou na ânsia de que seja solucionada de modo mais breve, eficaz e legal possível. Neste passo, relembre-se a própria afirmação de Liebman no sentido de que as partes “são soberanas na decisão de submeter ou não ao julgamento da autoridade judiciaria o conflito de interesses que surgiu entre elas, e assim também podem submeter-lhe só uma parte desse conflito”, arrematando que, neste caso, “constitui objeto do processo só aquela parte do conflito de interesses, a respeito do qual pediram as partes uma decisão” (Liebman, 1999, p. 744).

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Conclusão A obra de Liebman continua, e muito provavelmente continuará, preservando sua utilidade e importância no cenário processual brasileiro, e algumas são as razões que o justificam. Ainda que constatada a ausência de originalidade em diversos campos de suas teses, notadamente com relação à coisa julgada, bem como a pouca aceitação e até o desconhecimento da mesma em solo estrangeiro (Cabral, 2013), as raízes que o jurista italiano fincou no Brasil quando de sua passagem pelo país na década de 1940, levando à disseminação e ampla aceitação de suas teses pelos juristas que aqui residem, notadamente aqueles que fazem parte da “Escola Paulista de Direito Processual”, serão responsáveis por manter grande parte de sua obra viva durante, ao menos, mais algumas gerações de processualistas e operadores do direito. No entanto, embora dignos de nota, não são apenas a dimensão e autoridade que a figura do autor tomou quando exerceu a docência no país que permitirão a manutenção de sua obra no rol dos clássicos jurídicos. Não se descura, logicamente, do conteúdo e autoridade de suas teses propriamente ditas, cuja qualidade e didática são inegáveis e ensejam, até hoje, a recepção por ampla doutrina nacional, pertencente ou não a gerações subsequentes a de seus primeiros “discípulos”. E para além da questão da coisa julgada aqui tratada, Liebman também é visto como um dos idealizadores da categoria denominada “condições da ação” (Liebman, 1999), arraigada de tal forma na cultura jurídica brasileira que, mesmo com a supressão literal do texto do Código de Processo Civil de 2015, dificilmente será abandonada pela tradição, dogmática, professores, estudiosos e operadores do direito de um modo geral, ao menos, também, por algumas gerações23. Quanto ao tratamento dado à coisa julgada pelo Novo CPC, percebe-se que seu conceito permanece distante (embora menos) daquele idealizado por Buzaid no anteprojeto do Código de 1973, elaborado à luz das lições de Liebman. No específico ponto dos limites objetivos da coisa julgada, ainda que o regime instituído pelo Novo CPC tenha claramente se afastado e superado, mesmo que não totalmente, a opinião do autor italiano, para quem somente a parte dispositiva da decisão poderá ser alcançada por tal autoridade, não parece que venha sua opinião a perder importância neste sentido. Isto ocorre não apenas porque se mantém útil a servir de contraponto ao sistema vigente, mas também porque, a bem da verdade, continua justificando-o quase em sua integralidade, haja vista tratar-se a imutabilidade das questões prejudiciais decididas em caráter incidental de hipótese excepcional, sendo observada tão somente quando preenchidos rigorosos requisitos. No que toca à nova sistemática em si, embora não se possa condenar a escolha decorrente de política legislativa, notadamente porque baseada na razoável e nobre justificativa de evitar a perpetuação e devolução de litígios de forma fracionada ao poder judiciário, não se nega o potencial lesivo que a mesma possui, podendo causar inconvenientes e gerar insegurança às

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partes, além de prolongar indevidamente o trâmite das demandas e, por conseguinte, colocar (mais) barreiras no caminho efetividade dos direitos do cidadão. Todavia, ainda que possa a referida alteração ter sido concebida a despeito de pesquisas, coletas de dados e experiências prévias que a justificassem, trata-se do sistema posto, a nova realidade sobre a qual todos aqueles que se ocupam do estudo e prática do direito terão de se adaptar, esforçando-se para que possa esta sistemática recém-inserida, e bem assim todo o novo código, atingir seu escopo, proporcionando, na medida do possível, o tão caro e constitucional direito ao acesso à justiça..

1

Denominação recebida por Niceto Alcalà-Zamora y Castillo, consoante informado por Dierle Nunes e Nicola Picardi, com a respectiva referência (2011, p. 97). 2

Natural do Rio de Grande do Sul, José Maria Tesheiner, em artigo que busca tecer críticas à concepção de Liebman acerca da eficácia e autoridade da sentença, afirma que, com relação aos limites subjetivos da sentença, cabe “dividir -se a história em dois períodos, antes e depois de Liebman, sem estarmos com isso a sugerir que o depois seja melhor do que o antes” (Tesheiner, 2000, p. 66). A originalidade de algumas de suas teses, sem descurar de sua importância, é questionada em outros momentos. (Cabral, 2013). Não se pode deixar de observar, ao se tratar de conceitos como “pacificação” e “impossibilidade de perpetuação do litígio”, as críticas que se tecem à potencialidade de o conflito ser devolvido à sociedade, ainda que resolvida a “lide”, e com solução de definitividade (pelo advento da coisa julgada), resultado de um sistema que busca não administrar os conflitos, mas tão somente resolvê-los, utilizando-se de meios e expedientes que afastam julgadores da sensibilidade que cada conflito consigo carrega. (Duarte, 2010). 3

Exemplos de reverência à obra são encontrados não apenas em autores integrantes da “Escola Paulista”, mas também em diversos outros que justamente visam rebater certos pontos da tese liebmaniana (Moreira, 1977; Silva, 1995; Tesheiner, 2000). Para Barbosa Moreira, com o esforço empreendido na distinção entre a eficácia da sentença e a autoridade da coisa julgada Liebman “prestou serviço inestimável à ciência processual”. (1977, p. 89). Merecem destaque, no ponto, as ponderações e conclusões a que chega Antônio do Passo Cabral, no sentido de deslocar de Liebman o pioneirismo quanto à diferenciação entre efeitos da sentença e autoridade da coisa julgada, citando diversos autores, principalmente germânicos, que já apresentavam teses com conteúdos similares até mesmo um século antes de sua obra. De maneira ousada e muito bem fundamentada, o Autor ainda demonstra que a 4

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popularidade da tese de Liebman se deu apenas na Ibero-américa, sendo ignorada em diversos outros pontos do mundo (Cabral, 2013). 5

Através, por exemplo, do recurso de terceiro, da oposição, ou mesmo da ação rescisória.

6

Ovídio Baptista, conquanto tenha concordado com Liebman no que diz respeito a ser a coisa julgada uma qualidade que adere aos efeitos da sentença, limita a imutabilidade somente ao efeito declaratório, firme também na possibilidade do desaparecimento dos efeitos constitutivo e condenatório após o trânsito em julgado. (Silva, 1995, p. 105). Ao tratar do assunto em seu “Manual”, logo após reiterar a imutabilidade dos efeitos da sentença como uma das essências da coisa julgada, Liebman adverte, em nota de rodapé, que “As palavras não devem ser mal entendidas. Mesmo depois da pronúncia da sentença a vida continua, a coisa julgada não impede a eventual superveniência, que criam uma nova hipótese de fato e impelem para o passado o que a sentença havia disposto”. (Liebman, 2003, p. 170). “Pode, com efeito, acontecer que o conflito de interesses entre duas pessoas não seja deduzido em juízo em sua totalidade. As partes são soberanas na decisão de submeter ou não ao julgamento da autoridade judiciaria o conflito de interesses que surgiu entre elas, e assim também podem submeter-lhe só uma parte desse conflito. É claro que neste caso constitui objeto do processo só aquela parte do conflito de interesses, a respeito do qual pediram as partes uma decisão” [...]“Este conflito de interesses, qualificado pelos pedidos correspondentes, representa a lide, ou seja o mérito da causa. A lide é aquele conflito, depois de moldado pelas partes, e vazado nos pedidos formulados ao juiz.” (Liebman, 1999, pp. 744, 747). 7

8

Fontes bibliográficas da época são encontradas em Liebman. Cf. Liebman, 1947.

9

Barbosa Moreira é um exemplo. Cf. Moreira, 1977, p. 90.

10

A alteração indevida do significado de dispositivos quando da revisão final do texto, retirando-lhe o sentido originário, não se revela novidade ou episódio isolado. Na própria tramitação do CPC de 2015, observou-se, entre o texto aprovado no Senado Federal e o definitivamente enviado à sanção presidencial após revisão, diversas mudanças que, em alguns casos, traduziram verdadeiras mudanças no conteúdo das normas ali dispostas e originariamente aprovadas. (Bueno, 2015). Ainda que não possuindo redação tão clara quanto a do CPC-73, constava do art. 355 anteprojeto: “[...] A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites da lide e das questões decididas. [...] Parágrafo único. Considerar-se-ão decididas, ainda que não expressamente resolvidas, todas as questões cuja resolução constitua premissa necessária da disposição contida na sentença”. 11

12

Assim, por exemplo, se o autor busca em juízo o cumprimento compulsório de uma determinada cláusula de um contrato, e o réu se opõe arguindo, como matéria de defesa, a nulidade deste contrato, em não havendo requerimento, por qualquer das partes, de inserção da questão no objeto do processo (através da “ação declaratória incidental”), a solução da questão a ser dada pelo magistrado não será atingida pela coisa julgada (somente o direito de fazer valer o cumprimento compulsório da cláusula ou não o fará), de modo em que a questão da nulidade poderá ser aventada novamente em demanda posterior, seja como questão prejudicial, seja como principal, sem que o magistrado tenha de submeter à conclusão anteriormente obtida, incidenter tantum, sobre a validade ou não do mesmo contrato. 13

Vale ressaltar que, já o Código de 1973, em seu art. 467, não havia reproduzido o conceito liebmaniano de coisa julgada, o qual Buzaid tentou inserir, como deixou claro na exposição de motivos e, ademais, no art. 507 do anteprojeto, que definia o instituto como “a qualidade, que torna imutável e insdiscutível o efeito da sentença, não mais sujeita a recursos ordinário e extraordinário”. O Novo Código, ao conceituá-la, igualmente manteve-se distante, não aludindo à imutabilidade de efeitos, mas sim da “decisão de mérito”, embora tenha abandonado sua definição como uma “eficácia” (art. 502). “Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida. [...] Art. 504. Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.” 14

15

A aplicação desta sistemática relativa à coisa julgada das questões prejudiciais é limitada aos processos iniciados após a vigência do Código (art. 1.054 NCPC), subsistindo o sistema da ação declaratória incidental para os feitos anteriores. Sem embargo, o enunciado nº 111 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) dispõe que “[...] persiste o interesse no ajuizamento de ação declaratória quanto à questão prejudicial incidental.” “Independentemente de provocação, a análise de questão prejudicial incidental, desde que preencha os pressupostos dos parágrafos do art. 503, está sujeita à coisa julgada” (enunciado nº 165 do Fórum Permanente de Processualistas Civis). 16

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17

Não bastaria, como no regime da coisa julgada para as questões principais, apenas a potencialidade de ocorrência do contraditório, com a possibilidade de participação, mas sim o efetivo exercício do contraditório, evitando surpreender a parte com a imunização de ponto que não compunha o objeto do processo. (Machado, 2015). Neste ponto, salienta Câmara que “no caso de o juízo ter indeferido a produção de alguma prova (relacionada com a questão prejudicial, evidentemente), não se poderá considerar que houve contraditório efetivo sobre a matéria, uma vez que se poderá demonstrar, em processo posterior, que esta prova poderia levar a resultado distinto. E o mero fato de ser possível examinar-se esta alegação já implica dizer que não há coisa julgada, uma vez que esta impede qualquer nova apreciação daquilo que já tenha sido julgado.” (2015, p. 309). Marcelo Pacheco Machado, por outro lado, aponta que mesmo em casos de procedimentos que possuem restrições probatórias a coisa julgada poderia incidir sobre as questões prejudiciais, caso observado que, para o julgamento da questão prejudicial, não haveria necessidade de dilação probatória, o que tornaria a cognição exauriente, de todo modo. (2015). 18

19

Vide as críticas mencionadas por Liebman e Barbora Moreira quanto ao ponto, acima mencionadas.

Como noticia Cabral “O direito brasileiro, mesmo após o abandono da tese na Europa (a ZPO entra em vigor em 1789), permaneceu com o sistema delineado naqueles moldes (CPC-39), fazendo-o agora ressurgir (ainda que não integralmente), pouco mais de 40 anos após sua revogação com a edição do CPC-73.” (2014, p. 86). 20

“Fórum Permanente de Processualistas Civis”. Ainda que a edição de tais enunciados não escape a críticas das mais variadas naturezas, não se nega que apontam, ao menos em tese, para o atual estágio da compreensão de determinadas questões afetas ao processo civil e ao Novo Código em considerável parte da doutrina, razão pela qual são aqui mencionados. 21

22

Câmara repudia a ideia de não constar da parte dispositiva a resolução de questão prejudicial, discordando do enunciado aludido por outro fundamento, qual seja, o de que em nenhuma hipótese a fundamentação fará coisa julgada (art. 504), sendo a permissão do art. 503 apta a ensejar a resolução da questão na parte dispositiva, tratandose de verdadeiro “pedido implícito” (2015, p. 310). 23

Ainda que não se trate do cerne do presente trabalho, confira-se o embate havido entre Alexandre Câmara e Fredie Didier Jr. acerca da manutenção da categoria no direito processual brasileiro (Câmara, 2011; Didier Jr., 2011).

A INFLUÊNCIA DE LIEBMAN NO PROCESSO DE EXECUÇÃO BRASILEIRO Thiago Gomes Morani

Introdução Enrico Tullio Liebman é, sem dúvidas, um expoente do processo civil, sendo de fundamental importância para a formação da cultura jurídica processual brasileira. O presente artigo, nesse sentido, busca analisar a influência da obra do autor no processo de execução brasileiro, passando por toda a história do instituto no país, desde as Ordenações Filipinas até os dias atuais, provocando discussão que há muito tempo vem sido relegada a um segundo plano no campo da “Ciência do Direito” que é justamente aquele debate em relação à própria cientificidade do Direito. Alguns autores afirmam categoricamente que Liebman trouxe o racionalismo e o cientificismo ao direito processual brasileiro; mas será mesmo? O intuito do presente texto não é de forma alguma atingir a integridade do autor ou de sua obra, que já constam como patrimônio jurídico brasileiro e mundial, mas somente questionar se a escolha por suas posições acerca dos mais variados temas, e aqui especificamente a visão bipartida do processo que se dividia em fase cognitiva e fase executiva, foi verdadeiramente devido à cientificidade e inovação de sua obra. Para tanto, há de se socorrer de outros campos do saber como a sociologia, filosofia e metodologia científica para que se determine o que é ciência e o se o Direito pode ser enquadrado nesta categoria. Num segundo momento, será imperativo o uso da obra do próprio Liebman, assim como o daquela produzida pelos seus alunos, em especial os que formaram a denominada “Escola Paulista de Processo”, as justificações para a adoção das concepções de Liebman como as melhores à realidade brasileira.

I. Definição de processo A jurisdição surge como a capacidade estatal de dirimir conflitos através da prolação de uma decisão imperativa que é oponível às pessoas e ao próprio Estado, sempre com o objetivo de atingir a pacificação social (Cintra, Grinover & Dinamarco, 2010, p. 30). Mas como o Estado age imperativamente em busca da paz social? Qual o mecanismo pelo qual as pessoas que possuem angústias e estão em conflito podem provocar o Estado — a jurisdição — a

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responder e solucionar o conflito existente? Esse mecanismo, esse meio pelo qual o Estado exerce a jurisdição, é o processo. “O processo é um instrumento a serviço do direito material” (Cintra, Grinover & Dinamarco, 2010,p. 46). Para Dalla (2012, p. 31), o processo é “[...] o instrumento de que se utiliza o Estado para, no exercício da função jurisdicional, resolver os conflitos de interesses apresentados pelas partes.” Há outra forma, ainda, de se encarar o processo, como “[...] um método de exercício da jurisdição” (Didier Jr., 2015, p. 37). Ou seja, em outras palavras, o processo é o meio pelo qual se provoca a jurisdição no intento de ver resolvidos, pelo EstadoJuiz, os conflitos existentes entre as diversas pessoas — naturais ou jurídicas — que compõem determinada sociedade. Pela definição apresentada, diante das diversas possibilidades do mundo e dos bens da vida existente, já dá para notar que as pessoas se socorrem da jurisdição para resolverem os mais diversos temas, desde briga entre vizinhos até as relações de nacionalidade com determinado Estado. Esse processo, ou seja, esse mecanismo utilizado para a pacificação social pode ser divido em civil, administrativo, do trabalho, penal e etc., o que importa no presente artigo é o processo civil. Para Liebman (1980, p. 3), a finalidade do processo civil é “[...] o restabelecimento da ordem jurídica mediante a satisfação integral do direito violado, conseguido com todos os meios ao alcance dos órgãos judiciários, eis o escopo da sanção; e este é justamente um dos fins máximos do processo civil” . Dentro da categoria processo civil há três tipos de processo: o de conhecimento, o cautelar e de execução. Para os fins deste artigo, apenas interessa o estudo do processo de cognição — também chamado de conhecimento — e do processo de execução. O processo de conhecimento pode ser definido como “[...] é o meio pelo qual se comprova, através da formulação de uma norma jurídica concreta, determinado fato ou situação jurídica, a fim de se obter uma determinada prestação, vantagem ou interesse que deverá ser realizado pela parte contrária.” (Dalla, 2012, p. 276). Nas palavras de Dinamarco (2001b, p. 29), é “[...] uma série de atos interligados e coordenados ao objetivo de produzir tutela jurisdicional mediante o julgamento da pretensão exposta ao juiz”. O que se infere das afirmações trazidas pelos doutrinadores é que o processo de conhecimento é aquele em que efetivamente se reconhece o direito ao seu legítimo detentor. Em suma, é no processo de conhecimento que se reconhece que alguém tem — ou não — direito a determinado bem da vida. Essa classificação é suficiente para o desenrolar deste trabalho, que tem seu foco na execução. Essa decisão obtida no processo de cognição, essa sentença, ganha força de título executivo — exigível — chamado de título executivo judicial, por ter sido formado por uma decisão judicial. Desse processo cognitivo pode resultar três tipos de decisão: A tutela jurisdicional de conhecimento é apta a resolver três diferentes espécies de crise jurídica: (a) a tutela meramente declaratória resolve uma crise de certeza; ao declarar a existência, inexistência ou o modo de ser de uma relação jurídica, e excepcionalmente de um fato (autenticidade ou falsidade de documento, art. 4.°, li, do CPC), a sentença resolverá a incerteza que existia a respeito daquela relação jurídica ou excepcionalmente do fato descrito no art. 4.°, li, do CPC; (b) a tutela

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constitutiva resolve uma crise da situação jurídica; ao criar, extinguir ou modificar uma relação jurídica, a sentença cria uma nova situação jurídica, resolvendo-se a crise enfrentada pela situação jurídica anterior; (c) a tutela condenatória resolve uma crise de inadimplemento; ao reconhecer esse inadimplemento e imputar ao demandado o cumprimento de uma prestação, estará resolvida a crise. (Assunção, 2015, p. 48).

Como este trabalho tem o viés de apresentar como se desenvolveu o processo de execução até os presentes dias e se as escolhas políticas feitas durante esse processo, principalmente aquelas baseadas na obra de Liebman, tiveram por base o cientificismo de sua obra, só serão consideradas daqui para frente, quando se falar em decisão na fase de conhecimento, a tutela condenatória; que, como explicado, reconhece um inadimplemento exige do condenado uma prestação a fim de pacificar a parte que teve seu direito agredindo, restituindo-lhe a situação jurídica anterior ao descumprimento da obrigação.

II. Processo de execução Partindo do pressuposto acima, em que é afirmado que o processo de conhecimento reconhece a titularidade ou o direito a determinado bem da vida a alguém, qual seria a finalidade, então, do processo de execução? É simples, a execução serve como forma de fazer valer o direito reconhecido pelo processo de conhecimento no caso de não cumprimento daquela decisão anterior. É a força estatal emprestada ao processo para garantir o resultado útil deste, e, por conseguinte, sua efetivação para que cumpra sua finalidade de garantir a paz social. Nas palavras de Dalla, eis a finalidade da execução: Levando-se em conta que nem todas as obrigações são cumpridas espontaneamente pelo devedor, o ordenamento jurídico, ao disciplinar a execução, estabelece uma série de medidas imperativas de sub-rogação, ao lado de outras de caráter coercitivo. Estas, utilizadas em conjunto ou separadamente, visam a dar efetividade, isto é, a realizar concretamente os direitos que para o credor decorrem de um título executivo judicial ou extrajudicial. Nesse sentido, diante do inadimplemento, ou seja, da falta de cumprimento espontâneo de uma obrigação, o CPC possibilita, mesmo contra a vontade do obrigado, a produção do resultado para o qual ele não quis contribuir espontaneamente, qual seja, a satisfação do credor. (2012, p. 381).

A execução é um instrumento para forçar a parte que não cumpre espontaneamente o disposto na sentença proferida no processo ou fase de cognição. “O sistema processual pátrio entende a execução como um conjunto de meios materiais previstos em lei, à disposição do juízo, visando à satisfação do direito” (Assunção, 2015,p. 939). Para Alexandre Câmara (2008: 141), a execução “[...] é a satisfação forçada de um direito de crédito”. Há, no entanto, quem tenha um posicionamento diferente sobre a execução, conferindo-lhe um escopo mais amplo, como é o caso de Fredie Didier Jr.: Executar é satisfazer uma prestação devida. A execução pode ser espontânea, quando o devedor cumpre voluntariamente a prestação, ou forçada, quando o cumprimento

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da prestação é obtido por meio da prática de atos executivos pelo Estado. Tradicionalmente, o termo cumprimento, em Direito Civil, é utilizado para referir-se a um comportamento voluntário: quando a obrigação é adimplida espontaneamente, diz-se que houve cumprimento da obrigação. O cumprimento seria, então, a execução espontânea. (2013, pp. 28-29).

Esse posicionamento, no entanto, não é majoritário, pois como demonstrado a maior parte da doutrina processual civil brasileira descarta o cumprimento voluntário da obrigação como sendo execução. Aliás, tendo em vista que esta é uma obra que visa discutir a influência de Liebman na execução brasileira, vale a anotação da posição do autor no que tange à execução, em uma sobreposição com a sanção civil, em que sustenta o seguinte: Bem diferente é a sanção civil: visa ela anular os efeitos do ato ilícito, isto é, conseguir por outros meios o mesmo resultado, ou pelo menos outro, quanto mais possível equivalente ao que teria decorrido da espontânea observância do imperativo originário. Sua finalidade é reparatória, satisfativa: propõe-se restabelecer e satisfazer, à custa do responsável, o direito subjetivo que o ato ilícito violou. Isso nem sempre é materialmente possível; mas a sua tendência tem sempre esta direção e todo o esforço é feito para atingir tal resultado. O restabelecimento da ordem jurídica mediante a satisfação integral do direito violado, conseguindo com todos os meios ao alcance dos órgãos judiciários, eis o escopo da sanção; e este é o justamente um dos fins máximos do processo civil. (Liebman, 1980, p. 3).

Depois desta sobreposição da sanção como objetivo do processo, conclui que a execução é “[...] a atividade de desenvolvida pelos órgãos judiciários para dar atuação à sanção” (Liebman, 1980,p. 4). Prossegue ainda o autor, no sentido daquilo que foi afirmado anteriormente, distinguindo a execução do cumprimento voluntário da obrigação, afirmando Liebman: O cumprimento espontâneo da obrigação não é execução em sentido técnico, e representa de certo modo seu oposto: não é atividade do órgão processual e sim do próprio obrigado, que por livre determinação de sua vontade realiza os atos, ou fatos, a que o credor tem direito. Pode ser que o obrigado se sinta compelido ao cumprimento por motivo da existência do vínculo obrigatório que contraiu, e para evitar a execução que o ameaça; a sua vontade juridicamente vinculada não deixa por isso de ser praticamente livre de escolher entre o adimplemento e as consequências decorrentes da atitude contrária; e os atos pelos quais ele realiza o conteúdo da obrigação nada perdem de sua significação jurídica. (1980,p. 5).

Tido assim, simplificadamente, a execução como forma de obrigar quem foi condenado e não adimpliu sua obrigação a satisfazer o comando da decisão judicial proferida durante a cognição, chega-se a um dos pontos mais importantes desse artigo que é o procedimento adotado pela legislação brasileira, no decorrer das épocas, para efetivar essa execução. O passo-a-passo necessário para que se realize o percurso executivo a fim seja efetivada a decisão condenatória da fase — ou processo — de cognição.

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III. Execução no Brasil e a chegada de Liebman Neste ponto do artigo, não se abordará a história da execução desde a Roma antiga, principalmente pelo fato de não haver registros históricos suficientemente confiáveis a ponto de confirmarem qualquer afirmação acerca daquele período. Outro ponto que faz com que não se possa afirmar categoricamente que o processo se desenvolvia de certa maneira é que a aproximação com qualquer categoria hoje existente não leva em consideração as idiossincrasias de cada época, por exemplo, o contexto de quem poderia se fazer representar em juízo e o próprio conceito de cidadão daquela época, diferente substancialmente do que é hoje. Assim, esta etapa do trabalho se concentra em dois pontos centrais: mostrar os diferentes procedimentos executivos adotados no Brasil no decorrer do tempo; e analisar a influência de Liebman na adoção pelo Brasil de um modelo de procedimento que exigia a autonomia do processo de execução em relação ao processo de conhecimento, sendo necessária a propositura de duas ações diferentes para a satisfação de determinada obrigação: uma para reconhecer o efetivo direito ao bem da vida objeto do litígio; e uma ação, após o reconhecimento deste direito, que tinha o condão de forçar o cumprimento do mandamento previsto na condenação, caso esta não fosse espontaneamente adimplida pelo devedorcondenado. A apresentação se dará apenas no que diz respeito ao procedimento. Se provocada, por processo autônomo, se pelo próprio juízo ou ainda se nos autos do mesmo processo, mas a requerimento da parte. Antes da independência, no Brasil foram aplicadas as Ordenações Filipinas, que tinham por regra a “execução per officium judicis” — execução por ofício —, que se caracterizava, basicamente, pelo requerimento da parte ao juiz, sem audiência do devedor, nos autos da mesma ação em que a sentença condenatória foi prolatada, para que este, lançando mão dos poderes inerentes à função jurisdicional, assegurasse a execução da sentença. Esse tipo executivo era previsto no Livro III, Título 25 das Ordenações. (Liebman, 1980, pp. 12-13) O primeiro diploma tipicamente brasileiro a prever normas processuais foi o Regulamento 737 de 1850, que possuía três espécies executivas: a execução de sentença; a assinação de dez dias e a ação executiva. O diploma tratava de questões como a competência do juiz, sendo o mesmo que conduzira o processo de conhecimento, partes e a necessidade de citação do devedor, sob pena de nulidade absoluta. (Dinamarco, 1998, p. 72). Além disso, tinha função eminentemente expropriatória; ou seja, importava em alienação ou transferências de bens do devedor sem seu consentimento. Com o Código de Processo Civil de 1939, extingue-se a assinação de dez dias e sobrevivem a via ordinária, para execução de títulos executivos judicias, e a especial, chamada de ação executiva, para os títulos executivos extrajudiciais. O Código de 1973 era para ter sido uma atualização das incongruências existentes em seu antecessor, mas o trabalho

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para este fim seria tão grande, que preferiu-se pela confecção de um novo diploma, ao menos essas foram as palavras que ficaram gravadas na exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973: Ao iniciarmos os estudos depararam-se-nos duas sugestões: rever o Código vigente ou elaborar Código novo. A primeira tinha a vantagem de não interromper a continuidade legislativa. O plano de trabalho, bem que compreendendo a quasetotalidade dos preceitos legais, cingir-se-ia a manter tudo quanto estava conforme com os enunciados da ciência, emendando o que fosse necessário, preenchendo lacunas e suprimindo o supérfluo, que retarda o andamento dos feitos. Mas a pouco e pouco nos convencemos de que era mais difícil corrigir o Código velho que escrever um novo. A emenda ao Código atual requeria um concerto de opiniões, precisamente nos pontos em que a fidelidade aos princípios não tolerava transigências. E quando a dissensão é insuperável, a tendência é de resolvê-la mediante concessões, que não raro sacrificam a verdade científica a meras razões de oportunidade. O grande mal das reformas parciais é o de transformar o Código em mosaico, com coloridos diversos que traduzem as mais variadas direções. [...] Depois de demorada reflexão, verificamos que o problema era muito mais amplo, grave e profundo, atingindo a substância das instituições, a disposição ordenada das matérias e a íntima correlação entre a função do processo civil e a estrutura orgânica do Poder Judiciário. Justamente por isso a nossa tarefa não se limitou à mera revisão. Impunhase refazer o Código em suas linhas fundamentais, dando-lhe novo plano de acordo com as conquistas modernas e as experiências dos povos cultos. Nossa preocupação foi a de realizar um trabalho unitário, assim no plano dos princípios, como no de suas aplicações práticas. [...] Introduzimos modificações substanciais, a fim de simplificar a estrutura do Código, facilitar-lhe o manejo, racionalizar-lhe o sistema e torná-lo um instrumento dúctil para a administração da justiça. (Buzaid, 1972, pp. 9-10).

Ainda neste sentido, uma das motivações usadas como essenciais para a confecção do novo Código, à época, foi a de que havia necessidade de unidade das execuções, mantendose, ainda, o sistema binário — necessidade de um processo para a fase de cognição e outro para a fase de execução: Dentre as inovações constantes do Livro II, duas merecem especial relevo. A primeira respeitante à unidade do processo de execução; a segunda, à criação do instituto da insolvência civil. [...] Adotaram, nos nossos dias, o sistema unificado os Códigos de Processo Civil da Itália (art. 474), da Alemanha (§§ 704 e 794), de Portugal (art. 46) e a Lei de Execução da Áustria (§ 1º). O projeto segue esta orientação porque, na verdade, a ação executiva nada mais é do que uma espécie da execução geral; e assim parece aconselhável reunir os títulos executivos judiciais e extrajudiciais. Sob o aspecto prático são evidentes as vantagens que resultam dessa unificação, pois o projeto suprime a ação executiva e o executivo fiscal como ações autônomas. (Buzaid, 1972, pp. 23-24).

Já naquela época a manutenção dessa dualidade e do excesso de formalismo foram duramente criticados por importantes figuras da academia processual brasileira. Um dos maiores exemplos dessa insatisfação foi a manifestação de Barbosa Moreira: O trabalho empreendido por espíritos agudíssimos levou a requintes de refinamento a técnica do direito processual e executou sobre fundações sólidas projetos arquitetônicos de impressionante majestade. Nem sempre conjurou, todavia, o risco

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inerente a todo labor do gênero, o de deixar-se aprisionar na teia das abstrações e perder o contato com a realidade cotidiana. (1983, p. 200).

Por anos, contudo, em que pese as críticas, o processo civil brasileiro conviveu com a necessidade da promoção de duas ações autônomas para que aquele que restou prejudicado devido ao inadimplemento de uma obrigação tivesse restituído o bem da vida pleiteado ou fosse indenizado pela impossibilidade de entrega da coisa. Esse formalismo excessivo para a execução só foi superado por completo em 2005 com a edição da Lei 11.232/2005, que unificou as atividades cognitivas e executivas, criando o processo sincrético, divido em fases, e inaugurando o que se chamou de fase do cumprimento de sentença. A ação de execução autônoma continuou a vigorar apenas para os casos de títulos cuja lei conferiu eficácia executiva, a exemplos dos títulos executivos extrajudiciais. Esse processo de superação da fase binária não se deu de maneira estanque, metafísica, mas foi fruto de debates e mudanças paulatinas até o seu aperfeiçoamento. Em primeiro lugar, em 1994 foi promulgada a Lei 8.952 que instituiu a tutela antecipada, uma forma de execução provisória, ainda na fase executiva, que se confirmada ao final do processo de conhecimento já cumprira o seu objetivo, uma vez que não haveria mais bem da vida a ser entregue ao credor. Num segundo momento, foi o advento da Lei 10.444/02, que dispensou a fase executiva no caso de obrigação dar coisa, servindo a sentença como imperativo ao devedor para que cumpra o decidido pelo juízo. Assim, diante destas mudanças, foi reinaugurado no Brasil um sistema misto, que previa as três formas de execução acima citadas: a da ação autônoma — no caso dos títulos executivos extrajudiciais –, a execução por ordem da própria sentença, sem requerimento das partes — caso das obrigações de fazer e não fazer — e a execução a requerimento da parte quando não há cumprimento espontâneo da sentença — início da fase de cumprimento de sentença. De toda forma, se a existência de duas ações autônomas era prejudicial e causava mais morosidade ao processo, qual foi o motivo de sua adoção no Brasil? O diagnóstico já havia sido, contudo, apontado, em parte, por Humberto Thedoro Júnior: Trata-se de um engenhoso e complexo sistema jurídicoprocedimental que, sob roupagem moderna, nada mais faz do que reeditar um sistema binário similar ao do velho processo romano assentado sobre a dupla necessidade de sentença condenatória e actio iudicati: sem sentença (ou sem título executivo), não há possibilidade de realizar a atividade executiva do Estado. Primeiro, há de obter-se a sentença (ou o título executivo), para, depois, adquirir-se o direito de propor a ação de execução. [...] No Brasil, a dicotomia é agravada pela excessiva judicialização do procedimento de execução da sentença [...] Ao contrário do que se passa no direito europeu, não se permite que os atos iniciais de atuação do comando emergente da sentença sejam acionados administrativamente. Isto, evidentemente, sobrecarrega os juízos e torna lento e pesado o procedimento executivo. (1987, pp. 149-50).

Esse processo de extremado formalismo se deu em nome da modernidade e cientificismo, diretamente influenciado pela chegada de Liebman ao Brasil. O autor chegou nesta terra no

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final da década de 1930, certamente devido à guerra que assolava seu país natal, a Itália. (Buzaid, 1986,p. 132). Professor na Universidade de Parma, Liebman também chega ao Brasil credenciado não só pela sua competência acadêmica, mas por ter sido discípulo, na Universidade de Roma, de Chiovenda (Dinamarco, 2005, p. 261). Estes fatos per si, além de sua capacidade técnica, fizeram com que Liebman arregimentasse vários seguidores, dentre eles grandes nomes do processo civil brasileiro, tais como: Antonio Roggero, Benvindo Aires, Alfredo Buzaid, Plinio Cavalcanti de Albuquerque, Bruno Affonso de André, Luís Eulálio de Bueno Vidigal e José Frederico Marques (Buzaid, 1986; Vidigal, 1986). Mas esses não foram os únicos alunos de Liebman. Outras pessoas tiveram oportunidade de conviver com o professor italiano, e atingiram nacionalmente tanta notoriedade quanto os primeiros acima citados. Essa segunda geração de processualistas — assim chamada denominada por Ada Pellegrini Grinover (1986, p. 100) — é formada também por processualistas de grande envergadura e influência, como: José Carlos Barbosa Moreira; Sérgio Bermudes; Cândido Rangel Dinamarco; Antônio Carlos de Araújo Cintra; Arruda Alvim; Celso Neves e a própria Ada Pellegrini Grinover. Dessas afirmações o que se pode inferir é simples: Liebman, direta ou indiretamente determinou o pensamento jurídico processual brasileiro até muito recentemente. Isto porque, além de afetar diretamente tais nomes do processo civil pátrio, influenciou, por via reflexa, aqueles que aprenderam com a primeira e segunda geração. Um fato de extrema importância, é que todo esse corpo de juristas ficou conhecido como a “Escola Paulista de Processo”. Não se tratará neste texto se a nomenclatura de escola para esses discípulos é certa ou errada. No entanto, o fato incontroverso é que tendo contribuído para a formação do pensamento jurídico de São Paulo, da maior economia do país, num tempo em que era extremamente difícil a circulação de informação e conhecimento, Liebman e suas ideias foram determinantes para os rumos do processo civil brasileiro. Exemplo disto é que Buzaid foi quem assinou a exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973, sendo presidente da comissão eleita com tal objetivo. Mas o que havia de tão fundamental na teoria de Liebman para que ele influenciasse todas essas pessoas e por tento tempo, mesmo não mais aqui, fazer com que doutrinariamente e legislativamente sua ideia permanecer intocada no direito processual civil pátrio? Será que era efetivamente a metodologia científica? Isso é o que pensa, ao menos uma parte de seus alunos (Cintra, Grinover & Dinamarco, 2006, pp. 137-39), quando são categóricos ao afirmarem que só a partir da chegada de Liebman é que há uma verdadeira ciência processual no Brasil, inaugurada por sua metodologia científica. De fato, o que se mostra é uma crença por parte dos processualistas brasileiros numa inauguração da ciência processual no país por Liebman, isto se depreende, em especial, pelo posicionamento de Ada Pellegrini Grinover: O momento da chegada de Liebman era o mais oportuno possível para o desenvolvimento da ciência processual. [...] Reunindo os jovens discípulos nas tardes de sábado na modesta residência da Alameda Rocha Azevedo, discutia os seus estudos, aprofundava-as discussões e se prodigalizava em inigualáveis lições

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utilizando o método científico até aquele momento desconhecido do processualista brasileiro. (1987, p. 99).

Inobstante a não existência de um marco metodológico e/ou científico explícito em sua obra, é evidente que havia uma lógica intrínseca naquilo que Liebman defendia: a autonomia das ações cognitivas e executivas. Mais que isso, Liebman tinha convicção de que a execução per officium judicis era mais célere e possibilitava uma maior efetividade da satisfação do direito do credor da obrigação já reconhecida pelo Judiciário: A actio iudicati indicada pelas romanas, significando proposição de novo processo contraditório e portanto formalidade demorada e protelatória, foi relegada para casos excepcionais, ao passo que nos casos normais era suficiente simples requerimento para que o juiz, sem audiência do devedor e lançando mãos das faculdades e deveres inerentes ao seu ofício, praticasse os atos necessários a assegurar a execução da sentença por ele proferida. Denominou-se esse procedimento de “execução per officium judicis, considerando-o simples prosseguimento e complemento do ato de prolação da sentença.” (Liebman, 1980, pp. 11-12).

Diante desse quadro, há de se entender os motivos para defesa da autonomia das ações a fim de se chegar ao porquê do autor italiano preferir esta forma de execução àquela realizada nos próprios autos, como fase distinta do mesmo processo. Para Liebman (1980: 45) o debate tinha o seguinte enfoque: primeiro, a ação de cognição já era uma forma em si perfeita e completa da tutela jurídica, que se manifesta na criação da coisa julgada; em segundo lugar, há ações que não comportam execução de maneira alguma, como as declaratórias e as constitutivas. Essas ações não podem ser executadas; realizando a sua razão de ser plena ao final do processo de conhecimento; as ações de natureza condenatória também formam coisa julgada e, por vezes, não necessitam ser executadas, pois frequentemente o credor não precisa lançar mão da ação executiva, o que por si justificaria que apenas se o credor quisesse deveria exercer seu direito de ação em novo processo autônomo e separado; por fim, a existência de títulos extrajudiciais, que não dependem de anterior processo de execução, já demonstraria por si só a autonomia do processo de execução. Ainda poder-se-ia extrair mais uma das razões do autor para defender que tais ações são autônomas, que é o tipo de exercício realizado pelo julgador do processo no bojo de cada uma delas. Para Liebman (1980, pp. 43-44), durante a cognição, a atividade do juiz é lógica e “[...] se assemelha, sob certos pontos de vista, ao de um historiador quando reconstróis e avalia os fatos do passado”. O trabalho é de construção de uma regra jurídica, que dotada de certas condições se torna imutável — coisa julgada –; já na execução, o trabalho do magistrado seria exatamente o oposto daquele da atividade cognitiva, uma vez que é majoritariamente de ordem prática e material, “[...] visando produzir na situação de fato as modificações aludidas acima”. Dessa autonomia, infere-se da posição do autor que não deve haver — ou haver apenas em mínimas escalas — qualquer traço executivo no processo de cognição e vice-versa.

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Como bem salienta Donoso, há ainda um outro aspecto importante que são as posições de credor e devedor no processo de execução: [...] O papel das partes se altera significativamente a depender do “processo” em que atuam. Se na atividade de cognição elas estão em pé de igualdade e há rigorosa observância do contraditório, na execução, ao contrário, o equilíbrio entre ambas desaparece, assim como desaparece o contraditório. Ao invés de ambas cooperarem na investigação do juiz, na execução uma parte exige e a outra suporta. Falar-se em contraditório e controvérsia na execução só é possível com a instauração de um novo processo de conhecimento (embargos do devedor). (2010, p. 3).

Esse tecnicismo arraigado é gerador de processos, e em suma, vive até hoje, pois uma vez proposta a ação executiva de título extrajudicial, a defesa se dá por meio de embargos, na forma do artigo 745 do CPC, por exemplo. Donoso (2010: 4), todavia, conseguiu sintetizar bem os porquês do próprio Liebman ter defendido a ideia de autonomia dos processos de cognição e execução. Essa autonomia e a necessidade de proposição de duas ações se dá basicamente por duas questões: a vitória no mundo do projeto liberal; e pela autonomia da “Ciência do Direito” e, principalmente, do processo. A liberdade e a propriedade são valores caros ao liberalismo e, por conseguinte, para restringir principalmente a liberdade de dispor de seu patrimônio as formalidades têm de ser muitas, a fim de garantir o maior grau de confiabilidade possível às decisões, como forma de coibir que haja uso do Judiciário com fins expropriatórios. Retirar o patrimônio de alguém pela via judicial tinha que ser extremamente difícil e trabalhoso, pois só apenas depois de todo um processo em que fossem respeitadas diversas etapas e fosse possibilitado ao devedor diversas garantias é que, de fato, a propriedade poderia ser tocada pelo Estado. O homem é produto histórico de seu meio, com quem se relaciona intensamente e a ciência, bem como a técnica, são influenciadas objetivamente pelas ideias dominantes em determinando tempo, tentando justificar as tomadas de decisões, de maneira ideológica, em que pese, metodologicamente, não o devesse; assim Medina bem situa o que aconteceu com o autor italiano: O princípio da autonomia do processo de execução surgiu e se desenvolveu principalmente por razões históricas, o que não impediu, entretanto, que se buscassem, na doutrina, fundamentos científicos para sua adoção, bem como que se defendesse a superioridade de tal esquema sobre outro em que se cumulassem cognição e execução — tais atividades, como se afirmou na doutrina, seriam funcionalmente incompatíveis. (2004, p. 295).

Sobre o segundo tópico, a dita ciência do processo, Donoso tem um preciso diagnóstico do porquê havia uma necessidade científica na defesa autonomia do processo: Pode-se ainda dizer que toda teoria executiva trazida pelo Código de Processo Civil de 1973 é herança da fase autonomista do processo, quando esta ciência, notadamente por influência de Oskar von Bülow, obteve a sua “declaração de

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independência” do direito material. Toda construção científica do processo neste momento histórico se caracteriza pela supervalorização da técnica, às vezes em detrimento dos próprios objetivos visados. Natural, portanto, que a execução fosse concebida como processo autônomo. (2010, p. 4).

Assim, na tentativa de responder às questões postas no começo deste tópico, vê-se que o próprio Liebman tinha ciência de que um processo em que cognição e execução fossem unidos, e simplesmente considerados como fases distintas de um todo, era mais célere para que o fim da atividade jurisdicional fosse alcançado. Entretanto, havia limitações materiais e doutrinárias que o compeliam a defender, sistematicamente, o oposto. Da mesma maneira, devido à influência dessa fase autonomista do processo e de uma aceitação acrítica de seu cientificismo, seus discípulos mais próximos deixaram de criticar e apontar, num primeiro momento, as falhas e os problemas que essa visão trazia ao processo civil brasileiro. Mais de quarenta anos após a promulgação do Código de Processo Civil de 1973 ainda não foi possível romper completamente com essa concepção, principalmente por quase a unanimidade dos processualistas acreditarem que essas conclusões eram científicas, o que se investigará a seguir.

IV. Conceito de Ciência e Direito como ciência Em primeiro lugar, agora que já se demonstrou as etapas que a execução percorreu no Brasil até se encontrar no status de hoje, a pergunta a ser respondida é se em todo ou em parte esse processo foi científico. Isto porque, quando da declaração de que o processo trazido por Liebman era mais racional, uma das justificativas era que este processo se encontrava mais antenado com a concepção que vigorava à época no mundo, justamente, aquela que as melhores técnicas eram as provenientes da extração científica. Ou seja, a maior justificativa para a aceitação e disseminação das ideias de Liebman, era justamente o fato de que sua produção rompia com uma forma mundana de fazer o direito e, em especial o direito processual, inaugurando no Brasil uma forma científica de se enxergar o direito processual civil, razão pela qual era mais evoluída; e, portanto, a melhor, devendo ser incorporada pelo ordenamento jurídico pátrio. Todavia, tais afirmações trazem para si alguns ônus que não são facilmente afastados. Ora, se o processo civil passava a ser enxergado enquanto um processo científico, parte-se da premissa que o processo anterior era mero saber e não ciência. Em segundo lugar, é necessário se delimitar o padrão científico moderno, em que pese algumas correntes que defendam a superação de tais paradigmas —, para que se determine se realmente a produção desse novo conhecimento em matéria de direito processual foi, de fato, científica; pois há necessidade de se identificar uma série de características imanentes ao conhecimento científico para se afirmar se um determinado saber é ou não científico.

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Diante disto, há de se determinar, a priori, o que é ciência, identificar as principais características desse conhecimento para apenas depois se dizer que o que foi produzido por Liebman era ou não científico. Nunca é demais lembrar que ainda que o procedimento trazido por Liebman para o direito processual brasileiro não seja científico, isto não diminui a importância do autor, nem de sua obra. A intenção de se determinar se o processo inaugurado por Liebman foi científico ou não, é apenas a de confirmar de que a escolha do autor e de sua teoria teve um cunho científico, uma visão de progresso e de solução dos problemas encontrados pela sociedade, ou se este argumento do cientificismo da doutrina de Liebman se tornou apenas um argumento retórico para a justificação de uma escolha política. Até porque, em relação à importância de tais conhecimentos, Lakatos & Marconi já desmistificaram a hierarquia de importância entre eles: O conhecimento vulgar ou popular, às vezes denominado senso comum, não se distingue do conhecimento científico nem pela veracidade nem pela natureza do objeto conhecido: o que os diferencia é a forma, o modo ou o método e os instrumentos do "conhecer". Saber que determinada planta necessita de uma quantidade "X" de água e que, se não a receber de forma "natural", deve ser irrigada pode ser um conhecimento verdadeiro e comprovável, mas, nem por isso, científico. Para que isso ocorra, é necessário ir mais além: conhecer a natureza dos vegetais, sua composição, seu ciclo de desenvolvimento e as particularidades que distinguem uma espécie de outra. Dessa forma, patenteiam-se dois aspectos: a) A ciência não é o único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade. b) Um mesmo objeto ou fenômeno - uma planta, um mineral, uma comunidade ou as relações entre chefes e subordinados - pode ser matéria de observação tanto para o cientista quanto para o homem comum; o que leva um ao conhecimento científico e outro ao vulgar ou popular é a forma de observação. (2003, p. 76)

Neste sentido, percebe-se que tanto a ciência como o senso comum — tirante o conhecimento mítico, que entende determinados eventos como a vontade dos deuses (raios, trovões, chuvas e etc.) — são importantes e tendem, num primeiro momento, a serem racionais e universalizáveis. O que os diferencia é o método, que faz com que a objetividade científica seja menos limitada do que à do senso comum, ou conhecimento vulgar. O senso comum, para Babini “[...] é o saber que preenche nossa vida diária e que se possui sem o haver procurado ou estudado, sem a aplicação de um método e sem se haver refletido sobre algo” (1957, p. 21). Ou seja, é aquele saber meramente empírico que nos é passado através das gerações pelos familiares ou pelo círculo social em estamos inseridos, bem como o aprendizado formado por nossas experimentações. Mas essas não são as principais características do conhecimento popular, vulgar ou senso comum. Ao elencar essas características, assim disporam Lakatos & Marconi: O conhecimento popular é valorativo por excelência, pois se fundamenta numa seleção operada com base em estados de ânimo e emoções: como o conhecimento implica uma dualidade de realidades, isto é, de um lado o sujeito cognoscente e, de outro, o objeto conhecido, e este é possuído, de certa forma, pelo cognoscente, os valores do sujeito impregnam o objeto conhecido. É também reflexivo, mas, estando limitado pela familiaridade com o objeto, não pode ser reduzido a uma formulação geral. A característica de assistemático baseia-se na "organização" particular das

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experiências próprias do sujeito cognoscente, e não em uma sistematização das ideias, na procura de uma formulação geral que explique os fenômenos observados, aspecto que dificulta a transmissão, de pessoa a pessoa, desse modo de conhecer. É verificável, visto que está limitado ao âmbito da vida diária e diz respeito àquilo que se pode perceber no dia-a-dia. Finalmente é falível e inexato, pois se conforma com a aparência e com o que se ouviu dizer a respeito do objeto. Em outras palavras, não permite a formulação de hipóteses sobre a existência de fenômenos situados além das percepções objetivas. (2007, p. 78).

A ciência, por sua vez, nas palavras de Lakatos & Marconi, além der ser “[...] uma sistematização de conhecimentos”, é “[...] um conjunto de proposições logicamente correlacionadas sobre o comportamento de certos fenômenos que se deseja estudar” (2007, p. 80). Mas essa classificação per si não ajuda muito na identificação do que seria ciência ou de um saber propriamente científico. Assim, Demo (2000, p. 22), propõe que para início de conversa é mais fácil determinar aquilo que não é ciência do que aquilo que realmente faz parte dela. Não há barreira bem traçadas ou limites explícitos, mas em suma o autor traça algumas características do que não seria científico, sendo a seguinte lista: a) não é senso comum — este é um conhecimento naturalizado, não confirmável e quase sempre baseado numa crença quase metafísica. Não há problematização dos porquês daquelas afirmações. Elas se explicam por si e não aceitam falseamento, porque este se caracteriza pela aceitação não problematizada, muitas vezes crédula, do que afirmamos ou temos por válido; b) não é sabedoria ou bom-senso — ambos possuem em comum o uso da intuição e da convivência. A primeira, em muitos casos, ligados àqueles conhecimentos passados historicamente dos mais velhos (sábios) aos mais novos, sendo, em alguns casos, normas de condutas morais; c) não é ideologia — pois a ideologia é a defesa de uma determinada visão política e de mundo e não uma forma de tratar a realidade. Aqui uma ponderação é necessária, pois em que pese a ideologia não ser ciência, a relação entre elas é umbilical, tendo em vista que o cientista produtor do conhecimento científico de determinada época é um ser humano histórica e politicamente situado e, portanto, ainda que use de diversas metodologias para apreender a realidade, não está imune às influências da ideologia de seu tempo. Enquanto a ciência tenta de alguma forma se aperceber da realidade, a ideologia trabalha na lógica de justificação discursiva. (Demo, 2000, p. 24); d) não é paradigma específico — “[...] como se determinada corrente pudesse comparecer como única herdeira do conhecimento científico, muito embora lhe seja inerente essa tendência.” (Demo, 2000, p. 25). O conhecimento científico, desta maneira, não é uma coisa estática, acabada e pronta, mas é, antes de tudo, fruto de uma constante e incessante disputa de paradigmas que se colidem e complementam na construção desse conhecimento. Mais do que coisa estática é fruto dessa relação, não podendo ser datado ou rotulado de acordo com um único período, mas perfazendo todo o processo histórico evolutivo da sociedade.

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Essas definições das coisas que não são ciência são insuficientes para suprir a inquietação da definição daquilo que seja ciência e, por conseguinte, conhecimento científico, mas já dão um norte para sua compreensão. Chibeni dá um norte bem claro daquilo que pode ser considerado o conhecimento científico e o objetivo da ciência: As teorias científicas explicativas buscam estabelecer os mecanismos causais dos fenômenos. Tais mecanismos via de regra encontram-se além do nível fenomenológico, ou seja, não podem ser determinados por observação direta. Eles são, tipicamente, postulados como hipóteses. A noção de hipótese É crucialmente importante na ciência. Ao contrário do que pensa o homem comum, a ciência não visa a eliminar as hipóteses, nem poderá fazê-lo, se quiser preservar o ideal aristotélico da compreensão do mundo. Não há um meio de, pela investigação, transformar uma hipótese científica — ao menos do tipo relevante para a presente discussão — em algo “provado”, e portanto que não seria mais uma hipótese. Diante disso, o que o cientista tem de fazer é desenvolver uma série de critérios que ajudem a determinar o estatuto epistemológico das hipóteses, ou seja, que possibilitem a avaliação das diversas hipóteses, enquanto pretendentes à verdade. (2006, p. 6).

A ciência pretende testar, através de métodos bem definidos, a diversidade das hipóteses existentes que não podem ser explicadas unicamente através da observação, como forma de escaloná-las e classificá-las enquanto pretendentes à explicação da realidade. Esta concepção é usada, majoritariamente, para aquele saber científico que não é fenomenológico, ou seja, que não é sensível através da empiria. Para quem assim considerar, este seria o caso do Direito. Essas hipóteses devem ser constantemente submetidas a um teste de falseamento, com o intuito de apurar e depurar a teoria, ou mesmo superá-las. Essa é a de Karl Popper, segundo as impressões de Chibeni, para quem: “[...] desenvolveu sua teoria da ciência em torno dessa ideia: a ciência progride na direção de um melhor conhecimento do mundo por um processo de conjeturas e refutações”. (2006, p. 8). O Direito, porém, tem uma peculiar característica, que é justamente estar submetido a juízos de valores e não juízos de fato, o que faz com que as suas conclusões não sejam verificáveis (Larez, 2005. p. 2). O Direito, deste modo, trabalha com conceitos de justo e injusto e de normas válidas ou inválidas e não de verdadeiro ou falso. As suas concepções são normalmente políticas e ligadas à uma determinada realidade, do que propriamente universalizáveis, o que torna de difícil alocação numa concepção clássica de ciência. Diante das questões aqui postas, se abre um mundo de possibilidades e de discussões, que não são o objeto do presente trabalho, acerca da própria cientificidade do Direito. Esta parte do trabalho pretendeu mostrar um pouco da concepção dos saberes — mundanos e científico –, com a finalidade de apresentar que todo aquele saber que se pretenda científico tem que identificar seu objeto e sua metodologia, sob pena de estarem à margem da ciência, em sua clássica concepção.

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Conclusão Por todo o corpo do presente trabalho se pretendeu mostrar as relações direta das concepções de Liebman com o procedimento adotado no Brasil, em seu Código de Processo Civil, no que tange à execução. Percorreu-se um grande caminho para demonstrar que a dita “Escola Paulista de Processo”, fundada pelos discípulos de Liebman, em que pese afirmarem em diversas passagens que o autor italiano fundou o cientificismo do processo no Brasil não comprovaram, de maneira fundamentada, que isso é, de fato, verdadeiro. Não houve também um desenvolvimento quanto à metodologia usada por Liebman, levando-se a crer que toda sua influência teve mais um caráter afetivo, diante de seu notório preparo acadêmico, do que propriamente por um cientificismo. Ademais, mostrou-se que o processo em seu modelo sincrético é muito melhor às partes, à sua efetividade e celeridade do que o modelo defendido pelo autor italiano, em nome da defesa de um dogmatismo que mais se preocupava com a pureza e autonomia do processo, do que propriamente com os seus resultados práticos. Direito se pretende — ainda que como ciência — como aquele ramo do conhecimento que visa lidar com o conflito entre as pessoas, com o intuito de manter ou se chegar à paz social, não há mais espaço numa concepção moderna do Direito para debates que não tenham como função torná-lo mais apto ao cumprimento desta finalidade. Deve-se privilegiar mais sua finalidade do que o purismo da técnica, sob pena, como no caso estudado, de em nome de um preciosismo e de um rigor tecnicista, se deixar de lado aqueles que precisam se socorrer do direito para resguardar seus direitos..

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