AVALIAÇÃO DA FADIGA MUSCULAR APÓS IMOBILIZAÇÃO DA ARTICULAÇÃO DO COTOVELO Ana Paula Barcellos Karolczak, Fernando Diefenthaeler, Jeam Marcel Geremia, Marco Aurélio Vaz Escola de Educação Física – Laboratório de Pesquisa do Exercício – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – Porto Alegre.
Resumo: Os mecanismos de adaptação funcional dos músculos após um período de redução de uso têm sido objeto de estudo de vários estudos. Porém, não se sabe ao certo qual a contribuição relativa da lesão e da imobilização para os déficits funcionais em pacientes. O objetivo do presente estudo foi verificar a influência da imobilização do cotovelo em indivíduos saudáveis, na resistência a fadiga dos músculos flexores e extensores. A amostra foi constituída por 18 indivíduos do sexo masculino, sendo 11 pertencentes ao grupo controle e 7 ao grupo experimental. O grupo experimental foi submetido à imobilização do cotovelo não-dominante com tala gessada por 14 dias. O protocolo de fadiga consistiu de uma contração voluntária máxima isométrica mantida a 70% do máximo até a exaustão. Não foram encontradas diferenças significativas, o que sugere que indivíduos saudáveis não apresentam alterações na estrutura e função musculares relacionados com a fadiga após a imobilização. Palavras Chave: Imobilização, fadiga, cotovelo, eletromiografia. Abstract: Mechanisms of muscles functional adaptations after a period of reduced use have been studied. However, the relative contributions of immobilization and injuries to muscle deficits during fatigue are not well understood. Therefore, the aim of the present study was to verify the fatigability of the elbow joint immobilization in healthy subjects. Eighteen male subjects (22 to 42 years) were assigned to a control group (n=11) and to an experimental group (n=7). The experimental group had the non-dominant elbow joint immobilized with a cast at a joint angle of 90° during 14 days. The fatigue protocol consisted of a 70% MVC isometric contraction until exhaustion. There was no change in the fatigue behavior in the experimental group after immobilization. These results indicate that healthy subjects show no change in muscle structure and function related to increased fatigability after 14-days of immobilization. Keywords: Imobilization, fatigue, elbow, electromyography
estudados há muito tempo [4], ainda existem
INTRODUÇÃO
lacunas importantes no meio científico a serem Apesar de possuir papel fundamental na recuperação de lesões, a imobilização de um segmento corporal produz alterações morfológicas e funcionais na musculatura envolvida. A atividade neuromuscular é resultante de ativação elétrica e da carga imposta ao músculo, e estes dois fatores são determinantes das propriedades morfológicas, bioquímicas e funcionais dos músculos [1]. Desta forma,
o
uso
reduzido
provoca
alterações
dos
efeitos
causados
Dentre tantas, está a dificuldade em distinguir se as
adaptações
esquelética
estão
ocorridas ligadas
na às
musculatura lesões
ósteo-
musculares ou apenas ao fato de imobilizar algum membro, sem ocorrência de lesão associada. Entre os achados que se referem ao uso reduzido
devido
à
imobilização,
e
à
correspondente adaptação do músculo esquelético, está a diminuição no percentual de fibras do tipo I
neuromusculares no segmento imobilizado [2]. Apesar
preenchidas sobre seu efeito na função muscular.
pela
imobilização de um segmento corporal serem
[3], e em conseqüência, o percentual de fibras do tipo II aumenta. Ao assumir essa alteração como verdadeira, se esperaria que músculos submetidos
1479
a um período de redução de uso por imobilização
utilizado para a aquisição do torque e monitoração
se tornassem menos resistentes à fadiga, uma vez
da fadiga.
que fibras de contração rápida são mais fatigáveis,
Um sistema de eletromiografia (EMG; Bortec
em comparação com fibras de contração lenta. Isso
Eletronics Inc., Canadá) de oito canais foi utilizado
também poderia ser detectado através de uma
para a aquisição dos sinais eletromiográficos. Os
redução mais acentuada dos valores root mean
músculos bíceps braquial (BC) - porções curta e
square (RMS) e um aumento da mediana da
longa, braquiorradial (BR) e tríceps braquial (TC) -
freqüência (MDF) do sinal eletromiográfico
porções curta e longa foram monitorados por pares
devido à hipotrofia seletiva das fibras de contração
de
lenta após a imobilização. Sendo assim, o objetivo
(Meditrace - 100; Ag/AgCl) em configuração
deste estudo foi verificar o comportamento dos
bipolar. Um eletrodo de referência foi posicionado
valores RMS e de MDF durante um protocolo de
no olécrano da ulna.
fadiga em indivíduos saudáveis submetidos à
eletrodos
de
superfície
passivos
Kendall
Uma caneta a prova de água foi utilizada para a marcação do posicionamento dos eletrodos, a fim
imobilização.
de garantir que no dia do reteste os eletrodos fossem MATERIAIS E MÉTODOS
posicionados no mesmo local. Uma freqüência de amostragem de 2000 Hz por canal foi utilizada na
A amostra deste estudo foi composta por
coleta de dados a partir de um sistema de aquisição
sete sujeitos saudáveis participantes do grupo
de dados Windaq (Dataq Instruments, Inc. Akron,
experimental e 11 participantes do grupo controle,
EUA).
todos do sexo masculino. Todos assinaram um
Após a realização dos testes de fadiga, os
Termo de Consentimento Informado concordando
sujeitos foram encaminhados para a colocação da
em participar do estudo, o qual foi aprovado pelo
tala gessada. Após um período de 14 dias a mesma
Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio
era retirada e, duas horas depois de sua retirada, o
Grande do Sul (parecer n° 2005502).
teste de fadiga era repetido.
O membro superior não-dominante de cada
O protocolo de testes consistiu, em um
sujeito foi imobilizado, por meio da colocação de
primeiro momento, na realização de uma contração
uma tala gessada da região axilar até a articulação
voluntária máxima (CVM) da musculatura flexora e
rádio-cárpica por um período de 14 dias. A
extensora do cotovelo durante cinco segundos, em
articulação do ombro foi mantida livre, a articulação
90° de flexão (0° = extensão completa). A seguir era
do cotovelo foi fixada em um ângulo de 90°, a
observado um período de no mínimo dois minutos,
articulação rádio-ulnar foi mantida em posição
tempo esse suficiente para que os sujeitos se
neutra, e a articulação radio-cárpica e os dedos
recuperassem, para então ser realizado o protocolo
permaneceram livres para movimentação.
de fadiga. O protocolo consistiu de uma contração
Um dinamômetro isocinético Cybex, modelo NORM (Lumex & Co., Ronkonkoma, NY, EUA) foi
1480
voluntária isométrica submáxima sustentada a 70% (CVM) até a exaustão.
O teste de fadiga foi interrompido sempre que o nível de esforço voluntário dos sujeitos caiu até um nível de 50% da CVM, a fim de evitar qualquer tipo de lesão. Uma retro-alimentação (feedback) visual do nível de esforço a ser sustentado pelos indivíduos foi fornecida, por meio de um osciloscópio, no qual foi mostrado o nível de 70% da CVM a ser mantido. Após a coleta dos sinais eletromiográficos e de torque, os sinais eletromiográficos foram filtrados (Butterworth de ordem 5, passa-banda entre 10 e 500 Hz), os valores RMS foram calculados e utilizados
Figura 1 - Sinais de torque e eletromiografia durante o protocolo de fadiga e recortes utilizados para
para medir a magnitude dos sinais eletromiográficos.
análise (linhas tracejadas). * % indicam os
O valor referente à MDF foi obtido a partir do
pontos utilizados na análise. TC (tríceps braquial
espectro de freqüência do sinal (adquirido por meio
porção curta) e TL (tríceps braquial porção
de um algoritmo de Transformada Rápida de
longa).
Fourier). A análise dos valores RMS e da MDF foi feita
RESULTADOS
por meio do software Matlab versão 7.0 (The MathWorks, Inc., USA). O sinal eletromiográfico foi
Não foram encontradas diferenças para os
recortado em janelas consecutivas de três segundos
valores
até a interrupção do teste, conforme ilustra a Figura
músculos estudados entre os testes no grupo
1. Após esse procedimento, selecionaram-se recortes
controle.
que representassem o início e o fim do sinal, assim
encontradas diferenças entre os grupos controle e
como
esses,
experimental (comparação inter-grupos), entre os
caracterizando o comportamento dessas variáveis. O
períodos pré- e pós-imobilização, assim como
valor RMS foi normalizado pela CVM isométrica de
entre os lados dominante e não-dominante do
cada dia de teste.
segundo grupo (comparação intra-grupos). A título
um
ponto
intermediário
entre
RMS Nas
normalizados demais
dos
análises
diferentes não
foram
de ilustração, a Figura 2 representa os dados referentes ao valor RMS do músculo bíceps braquial porção curta.
1481
2,0 1,6 RMS (mV/mVmáx)
DISCUSSÃO
Pré imobilização Pós imobilização
1,2
A imobilização acarreta uma transformação
0,8
do músculo imobilizado em um músculo com maior predominância de fibras de contração rápida
0,4
devido à hipotrofia predominante das fibras de
0,0 0
1
2
3
contração lenta [5,3].
% CVM
Já foi demonstrado em animais que uma Figura 2 - Valor RMS normalizado do músculo bíceps braquial (porção curta) do lado não-dominante do grupo experimental, durante o protocolo de fadiga (média±DP).
alteração do percentual de fibras ocorre em direção a uma redução da proporção de fibras de contração lenta, após um período de imobilização de um segmento, e que fibras de contração rápida
O comportamento da mediana da freqüência (MDF), dos músculos analisados, durante o
entram em processo de fadiga antes das fibras de contração lenta [6,7].
protocolo de indução a fadiga muscular, foi muito
Na análise do valor RMS durante este
semelhante, ou seja, apresentaram um declínio da
protocolo, esperávamos que o mesmo devesse
curva de acordo com o tempo de sustentação, para
apresentar um incremento inicial, devido à
os dois grupos avaliados. Por essa razão, foi
necessidade de maior recrutamento de unidades
selecionado apenas um gráfico representativo
motoras [8], e em seguida uma redução mais
desses resultados (Figura 3), a fim de ilustrar o
acentuada (fatigabilidade mais precoce) dos
comportamento obtido. Não houve diferença entre
músculos imobilizados. Como pudemos observar
os períodos pré- e pós-imobilização, bem como
nos resultados apresentados, não encontramos
entre os grupos avaliados.
diferenças significativas em nenhuma das análises realizadas. Nossos resultados estão de acordo com o
140
estudo de Yue e colaboradores [9], que ao
100
testarem o tempo de sustentação em 65% da CVM
MDF (Hz)
120
80
de flexores e extensores da articulação do cotovelo
60
após a imobilização (protocolo semelhante ao
40
Pré imobilização Pós imobilização
20
utilizado no presente trabalho), constataram que a resistência
0 0
1
2
3
à
fadiga
e
a
ativação
elétrica
(amplitude) se mantiveram inalteradas. Os autores
% CVM
Figura 3 - Mediana da freqüência do músculo tríceps
acreditam que esse resultado se deva a mudanças
braquial (porção curta) do lado não-dominante
na
do grupo experimental, durante o protocolo de
envolvimento de deslocamento na proporção de
fadiga (media±DP).
fibras.
1482
função
da
junção
neuromuscular,
sem
Outro estudo [10] que avaliou a fadiga após
elétrica, a redução na força e a alteração na MDF
a imobilização por meio de contrações artificiais
foram maiores nos músculos submetidos à
do músculo primeiro interósseo dorsal, também
imobilização, quando comparados com o grupo
não observou diferença entre os períodos pré- e
controle. Os diferentes efeitos da fadiga durante
pós-imobilização. No entanto, os autores não
contrações voluntárias e contrações evocadas por
discutem
estimulação elétrica indicaram que a imobilização
os
possíveis
mecanismos
que
mantiveram a capacidade de produção de força
provocou
inalterada mesmo após o período de imobilização.
responsável pela contração, o que explica, pelo
Em contrapartida, um aumento da amplitude do sinal eletromiográfico foi relatado após um
alterações
no
comando
neural
menos em parte, a redução na eficiência contrátil e na resistência à fadiga.
período de imobilização [11], provavelmente
Na literatura científica é bem aceito que a
devido à necessidade de maior recrutamento de
redução de uso causa mudanças nas propriedades
unidades motoras para manter o nível de força
contráteis dos músculos. Porém, o estudo da
desejado.
fadiga parece ser o que revela resultados mais
Por fim, nosso último objetivo foi verificar o
inconsistentes. Até mesmo os estudos em animais,
comportamento da MDF ao longo do protocolo de
em que as variáveis podem ser mais bem
fadiga. Considerando-se que a MDF do sinal EMG
controladas, também apresentaram dados variáveis
é uma medida representativa da fadiga, esperava-
entre si. Na sua maior parte esses estudos revelam
se que a mesma sofresse uma queda mais
alterações na resistência à fadiga, porém nem
acentuada após a retirada da imobilização. Tal
todos, tal como se pode observar no trabalho de
como ocorreu na análise do valor RMS, aqui
Leterme e Casanovas [12], que não demonstrou
também não foi encontrada diferença entre os
alteração significativa na fatigabilidade das fibras
períodos pré- e pós-imobilização, entre os lados
rápidas dos músculos extensores da articulação do
dominante
tornozelo, após suspensão das patas traseiras de
e
não-dominante,
do
grupo
ratos por 14 dias.
experimental, tampouco entre os dois grupos. Raros foram os trabalhos encontrados que
De fato, os resultados do presente estudo
associaram a eletromiografia ao processo de fadiga
demonstram que 14 dias de imobilização da
em seres humanos, após redução de uso. No
articulação do cotovelo, em indivíduos saudáveis
entanto, foi encontrado um estudo [8] que
não determinaram alterações na resistência à
investigou os efeitos da imobilização no espectro
fadiga
de freqüência do sinal eletromiográfico durante o
braquiorradial e tríceps braquial.
protocolo de fadiga do músculo adutor do polegar após a imobilização. Os resultados indicaram que a alteração na MDF em direção a valores de baixa freqüência foi menor nos músculos imobilizados quando
comparada
a
dos
músculos
não-
imobilizados. Na fadiga induzida por estimulação
1483
dos
músculos
bíceps
braquial,
AGRADECIMENTOS
[9]
Este estudo foi desenvolvido com apoio financeiro
do
Conselho
Nacional
de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, Brasil. REFERÊNCIAS [1]
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