Avaliação da fadiga muscular após imobilização da articulação do cotovelo

July 7, 2017 | Autor: F. Diefenthaeler | Categoria: Fatigue
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AVALIAÇÃO DA FADIGA MUSCULAR APÓS IMOBILIZAÇÃO DA ARTICULAÇÃO DO COTOVELO Ana Paula Barcellos Karolczak, Fernando Diefenthaeler, Jeam Marcel Geremia, Marco Aurélio Vaz Escola de Educação Física – Laboratório de Pesquisa do Exercício – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – Porto Alegre.

Resumo: Os mecanismos de adaptação funcional dos músculos após um período de redução de uso têm sido objeto de estudo de vários estudos. Porém, não se sabe ao certo qual a contribuição relativa da lesão e da imobilização para os déficits funcionais em pacientes. O objetivo do presente estudo foi verificar a influência da imobilização do cotovelo em indivíduos saudáveis, na resistência a fadiga dos músculos flexores e extensores. A amostra foi constituída por 18 indivíduos do sexo masculino, sendo 11 pertencentes ao grupo controle e 7 ao grupo experimental. O grupo experimental foi submetido à imobilização do cotovelo não-dominante com tala gessada por 14 dias. O protocolo de fadiga consistiu de uma contração voluntária máxima isométrica mantida a 70% do máximo até a exaustão. Não foram encontradas diferenças significativas, o que sugere que indivíduos saudáveis não apresentam alterações na estrutura e função musculares relacionados com a fadiga após a imobilização. Palavras Chave: Imobilização, fadiga, cotovelo, eletromiografia. Abstract: Mechanisms of muscles functional adaptations after a period of reduced use have been studied. However, the relative contributions of immobilization and injuries to muscle deficits during fatigue are not well understood. Therefore, the aim of the present study was to verify the fatigability of the elbow joint immobilization in healthy subjects. Eighteen male subjects (22 to 42 years) were assigned to a control group (n=11) and to an experimental group (n=7). The experimental group had the non-dominant elbow joint immobilized with a cast at a joint angle of 90° during 14 days. The fatigue protocol consisted of a 70% MVC isometric contraction until exhaustion. There was no change in the fatigue behavior in the experimental group after immobilization. These results indicate that healthy subjects show no change in muscle structure and function related to increased fatigability after 14-days of immobilization. Keywords: Imobilization, fatigue, elbow, electromyography

estudados há muito tempo [4], ainda existem

INTRODUÇÃO

lacunas importantes no meio científico a serem Apesar de possuir papel fundamental na recuperação de lesões, a imobilização de um segmento corporal produz alterações morfológicas e funcionais na musculatura envolvida. A atividade neuromuscular é resultante de ativação elétrica e da carga imposta ao músculo, e estes dois fatores são determinantes das propriedades morfológicas, bioquímicas e funcionais dos músculos [1]. Desta forma,

o

uso

reduzido

provoca

alterações

dos

efeitos

causados

Dentre tantas, está a dificuldade em distinguir se as

adaptações

esquelética

estão

ocorridas ligadas

na às

musculatura lesões

ósteo-

musculares ou apenas ao fato de imobilizar algum membro, sem ocorrência de lesão associada. Entre os achados que se referem ao uso reduzido

devido

à

imobilização,

e

à

correspondente adaptação do músculo esquelético, está a diminuição no percentual de fibras do tipo I

neuromusculares no segmento imobilizado [2]. Apesar

preenchidas sobre seu efeito na função muscular.

pela

imobilização de um segmento corporal serem

[3], e em conseqüência, o percentual de fibras do tipo II aumenta. Ao assumir essa alteração como verdadeira, se esperaria que músculos submetidos

1479

a um período de redução de uso por imobilização

utilizado para a aquisição do torque e monitoração

se tornassem menos resistentes à fadiga, uma vez

da fadiga.

que fibras de contração rápida são mais fatigáveis,

Um sistema de eletromiografia (EMG; Bortec

em comparação com fibras de contração lenta. Isso

Eletronics Inc., Canadá) de oito canais foi utilizado

também poderia ser detectado através de uma

para a aquisição dos sinais eletromiográficos. Os

redução mais acentuada dos valores root mean

músculos bíceps braquial (BC) - porções curta e

square (RMS) e um aumento da mediana da

longa, braquiorradial (BR) e tríceps braquial (TC) -

freqüência (MDF) do sinal eletromiográfico

porções curta e longa foram monitorados por pares

devido à hipotrofia seletiva das fibras de contração

de

lenta após a imobilização. Sendo assim, o objetivo

(Meditrace - 100; Ag/AgCl) em configuração

deste estudo foi verificar o comportamento dos

bipolar. Um eletrodo de referência foi posicionado

valores RMS e de MDF durante um protocolo de

no olécrano da ulna.

fadiga em indivíduos saudáveis submetidos à

eletrodos

de

superfície

passivos

Kendall

Uma caneta a prova de água foi utilizada para a marcação do posicionamento dos eletrodos, a fim

imobilização.

de garantir que no dia do reteste os eletrodos fossem MATERIAIS E MÉTODOS

posicionados no mesmo local. Uma freqüência de amostragem de 2000 Hz por canal foi utilizada na

A amostra deste estudo foi composta por

coleta de dados a partir de um sistema de aquisição

sete sujeitos saudáveis participantes do grupo

de dados Windaq (Dataq Instruments, Inc. Akron,

experimental e 11 participantes do grupo controle,

EUA).

todos do sexo masculino. Todos assinaram um

Após a realização dos testes de fadiga, os

Termo de Consentimento Informado concordando

sujeitos foram encaminhados para a colocação da

em participar do estudo, o qual foi aprovado pelo

tala gessada. Após um período de 14 dias a mesma

Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio

era retirada e, duas horas depois de sua retirada, o

Grande do Sul (parecer n° 2005502).

teste de fadiga era repetido.

O membro superior não-dominante de cada

O protocolo de testes consistiu, em um

sujeito foi imobilizado, por meio da colocação de

primeiro momento, na realização de uma contração

uma tala gessada da região axilar até a articulação

voluntária máxima (CVM) da musculatura flexora e

rádio-cárpica por um período de 14 dias. A

extensora do cotovelo durante cinco segundos, em

articulação do ombro foi mantida livre, a articulação

90° de flexão (0° = extensão completa). A seguir era

do cotovelo foi fixada em um ângulo de 90°, a

observado um período de no mínimo dois minutos,

articulação rádio-ulnar foi mantida em posição

tempo esse suficiente para que os sujeitos se

neutra, e a articulação radio-cárpica e os dedos

recuperassem, para então ser realizado o protocolo

permaneceram livres para movimentação.

de fadiga. O protocolo consistiu de uma contração

Um dinamômetro isocinético Cybex, modelo NORM (Lumex & Co., Ronkonkoma, NY, EUA) foi

1480

voluntária isométrica submáxima sustentada a 70% (CVM) até a exaustão.

O teste de fadiga foi interrompido sempre que o nível de esforço voluntário dos sujeitos caiu até um nível de 50% da CVM, a fim de evitar qualquer tipo de lesão. Uma retro-alimentação (feedback) visual do nível de esforço a ser sustentado pelos indivíduos foi fornecida, por meio de um osciloscópio, no qual foi mostrado o nível de 70% da CVM a ser mantido. Após a coleta dos sinais eletromiográficos e de torque, os sinais eletromiográficos foram filtrados (Butterworth de ordem 5, passa-banda entre 10 e 500 Hz), os valores RMS foram calculados e utilizados

Figura 1 - Sinais de torque e eletromiografia durante o protocolo de fadiga e recortes utilizados para

para medir a magnitude dos sinais eletromiográficos.

análise (linhas tracejadas). * % indicam os

O valor referente à MDF foi obtido a partir do

pontos utilizados na análise. TC (tríceps braquial

espectro de freqüência do sinal (adquirido por meio

porção curta) e TL (tríceps braquial porção

de um algoritmo de Transformada Rápida de

longa).

Fourier). A análise dos valores RMS e da MDF foi feita

RESULTADOS

por meio do software Matlab versão 7.0 (The MathWorks, Inc., USA). O sinal eletromiográfico foi

Não foram encontradas diferenças para os

recortado em janelas consecutivas de três segundos

valores

até a interrupção do teste, conforme ilustra a Figura

músculos estudados entre os testes no grupo

1. Após esse procedimento, selecionaram-se recortes

controle.

que representassem o início e o fim do sinal, assim

encontradas diferenças entre os grupos controle e

como

esses,

experimental (comparação inter-grupos), entre os

caracterizando o comportamento dessas variáveis. O

períodos pré- e pós-imobilização, assim como

valor RMS foi normalizado pela CVM isométrica de

entre os lados dominante e não-dominante do

cada dia de teste.

segundo grupo (comparação intra-grupos). A título

um

ponto

intermediário

entre

RMS Nas

normalizados demais

dos

análises

diferentes não

foram

de ilustração, a Figura 2 representa os dados referentes ao valor RMS do músculo bíceps braquial porção curta.

1481

2,0 1,6 RMS (mV/mVmáx)

DISCUSSÃO

Pré imobilização Pós imobilização

1,2

A imobilização acarreta uma transformação

0,8

do músculo imobilizado em um músculo com maior predominância de fibras de contração rápida

0,4

devido à hipotrofia predominante das fibras de

0,0 0

1

2

3

contração lenta [5,3].

% CVM

Já foi demonstrado em animais que uma Figura 2 - Valor RMS normalizado do músculo bíceps braquial (porção curta) do lado não-dominante do grupo experimental, durante o protocolo de fadiga (média±DP).

alteração do percentual de fibras ocorre em direção a uma redução da proporção de fibras de contração lenta, após um período de imobilização de um segmento, e que fibras de contração rápida

O comportamento da mediana da freqüência (MDF), dos músculos analisados, durante o

entram em processo de fadiga antes das fibras de contração lenta [6,7].

protocolo de indução a fadiga muscular, foi muito

Na análise do valor RMS durante este

semelhante, ou seja, apresentaram um declínio da

protocolo, esperávamos que o mesmo devesse

curva de acordo com o tempo de sustentação, para

apresentar um incremento inicial, devido à

os dois grupos avaliados. Por essa razão, foi

necessidade de maior recrutamento de unidades

selecionado apenas um gráfico representativo

motoras [8], e em seguida uma redução mais

desses resultados (Figura 3), a fim de ilustrar o

acentuada (fatigabilidade mais precoce) dos

comportamento obtido. Não houve diferença entre

músculos imobilizados. Como pudemos observar

os períodos pré- e pós-imobilização, bem como

nos resultados apresentados, não encontramos

entre os grupos avaliados.

diferenças significativas em nenhuma das análises realizadas. Nossos resultados estão de acordo com o

140

estudo de Yue e colaboradores [9], que ao

100

testarem o tempo de sustentação em 65% da CVM

MDF (Hz)

120

80

de flexores e extensores da articulação do cotovelo

60

após a imobilização (protocolo semelhante ao

40

Pré imobilização Pós imobilização

20

utilizado no presente trabalho), constataram que a resistência

0 0

1

2

3

à

fadiga

e

a

ativação

elétrica

(amplitude) se mantiveram inalteradas. Os autores

% CVM

Figura 3 - Mediana da freqüência do músculo tríceps

acreditam que esse resultado se deva a mudanças

braquial (porção curta) do lado não-dominante

na

do grupo experimental, durante o protocolo de

envolvimento de deslocamento na proporção de

fadiga (media±DP).

fibras.

1482

função

da

junção

neuromuscular,

sem

Outro estudo [10] que avaliou a fadiga após

elétrica, a redução na força e a alteração na MDF

a imobilização por meio de contrações artificiais

foram maiores nos músculos submetidos à

do músculo primeiro interósseo dorsal, também

imobilização, quando comparados com o grupo

não observou diferença entre os períodos pré- e

controle. Os diferentes efeitos da fadiga durante

pós-imobilização. No entanto, os autores não

contrações voluntárias e contrações evocadas por

discutem

estimulação elétrica indicaram que a imobilização

os

possíveis

mecanismos

que

mantiveram a capacidade de produção de força

provocou

inalterada mesmo após o período de imobilização.

responsável pela contração, o que explica, pelo

Em contrapartida, um aumento da amplitude do sinal eletromiográfico foi relatado após um

alterações

no

comando

neural

menos em parte, a redução na eficiência contrátil e na resistência à fadiga.

período de imobilização [11], provavelmente

Na literatura científica é bem aceito que a

devido à necessidade de maior recrutamento de

redução de uso causa mudanças nas propriedades

unidades motoras para manter o nível de força

contráteis dos músculos. Porém, o estudo da

desejado.

fadiga parece ser o que revela resultados mais

Por fim, nosso último objetivo foi verificar o

inconsistentes. Até mesmo os estudos em animais,

comportamento da MDF ao longo do protocolo de

em que as variáveis podem ser mais bem

fadiga. Considerando-se que a MDF do sinal EMG

controladas, também apresentaram dados variáveis

é uma medida representativa da fadiga, esperava-

entre si. Na sua maior parte esses estudos revelam

se que a mesma sofresse uma queda mais

alterações na resistência à fadiga, porém nem

acentuada após a retirada da imobilização. Tal

todos, tal como se pode observar no trabalho de

como ocorreu na análise do valor RMS, aqui

Leterme e Casanovas [12], que não demonstrou

também não foi encontrada diferença entre os

alteração significativa na fatigabilidade das fibras

períodos pré- e pós-imobilização, entre os lados

rápidas dos músculos extensores da articulação do

dominante

tornozelo, após suspensão das patas traseiras de

e

não-dominante,

do

grupo

ratos por 14 dias.

experimental, tampouco entre os dois grupos. Raros foram os trabalhos encontrados que

De fato, os resultados do presente estudo

associaram a eletromiografia ao processo de fadiga

demonstram que 14 dias de imobilização da

em seres humanos, após redução de uso. No

articulação do cotovelo, em indivíduos saudáveis

entanto, foi encontrado um estudo [8] que

não determinaram alterações na resistência à

investigou os efeitos da imobilização no espectro

fadiga

de freqüência do sinal eletromiográfico durante o

braquiorradial e tríceps braquial.

protocolo de fadiga do músculo adutor do polegar após a imobilização. Os resultados indicaram que a alteração na MDF em direção a valores de baixa freqüência foi menor nos músculos imobilizados quando

comparada

a

dos

músculos

não-

imobilizados. Na fadiga induzida por estimulação

1483

dos

músculos

bíceps

braquial,

AGRADECIMENTOS

[9]

Este estudo foi desenvolvido com apoio financeiro

do

Conselho

Nacional

de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, Brasil. REFERÊNCIAS [1]

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