AVALIAÇÃO DA PRESENÇA DE AGROTÓXICOS NA ÁGUA PARA CONSUMO HUMANO EM CAPTAÇÕES DA BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO JACUÍ

June 28, 2017 | Autor: Luciano Barros Zini | Categoria: Water quality, Water Pollution, Pesticides
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Seminário do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química

XIV Oktoberfórum  PPGEQ De 21 a 23 de outubro de 2015

AVALIAÇÃO DA PRESENÇA DE AGROTÓXICOS NA ÁGUA PARA CONSUMO HUMANO EM CAPTAÇÕES DA BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO JACUÍ Luciano Barros Zini1,3, Pedro Rafael Bolognese Fernandes, Fabiano Barreto², Louise Jank², Bruno Todeschini, Cálvin Reis³, Julce Clara da Silva³, Salzano Barreto³, Mariliz Gutterres¹ ¹ LACOURO - Laboratório de Estudos em Couro e Meio Ambiente Departamento de Engenharia Química, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) ² Laboratório Nacional Agropecuário de Análise de Resíduos de Pesticidas e Medicamentos Veterinários - RS ³ Secretaria Estadual da Saúde – Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano R. Eng. Luis Englert, s/n. Campus Central. CEP: 90040-040 - Porto Alegre - RS - BRASIL, e-mail: {luciano1, pedro, mariliz}@enq.ufrgs.br; {fabiano.barreto, louise.jank}@agricultura.gov.br; [email protected]; {calvin-reis, julce-clara, luciano-zini, salzano-barreto}@saude.rs.gov.br

Resumo: O Rio Grande do Sul é o quarto estado do Brasil que mais consome agrotóxicos. Um levantamento realizado pela Secretaria Estadual da Saúde aponta o território da Bacia Hidrográfica do Alto Jacuí (G-50) como o de maior volume de aplicação de agrotóxicos do estado. O presente trabalho tem como objetivo avaliar quantitativamente 144 amostras de água de captação superficial e subterrânea em abastecimentos públicos de 44 municípios sob o território da G-50, em relação a presença de 27 e 46 agrotóxicos previstos na Portaria MS 2914/2011 e SES RS 320/2014, respectivamente. De forma qualitativa serão avaliadas amostras de água bruta e tratada coletadas em estações de tratamento de água de três municípios, através da técnica de extração em fase sólida (SPE) seguida de Cromatografia Líquida Acoplada em Espectrômetro de Massas Sequencial (LCMS/MS) com a finalidade de comparar as duas metodologias, além de observar o efeito do processo de tratamento convencional de água. São quatro períodos anuais de aplicação de agrotóxicos estrategicamente selecionados para amostragem. A partir dos resultados, objetiva-se de forma complementar a elaboração de um modelo preditivo. No primeiro período não houve presença de agrotóxicos nas águas avaliadas. Palavras-chave: água, contaminação, agrotóxicos, modelo preditivo, SPE, LC-MS/MS, Bacia Hidrográfica Alto Jacuí.

1. Introdução No uso e tratamento de água para consumo humano, destaca-se a questão da vulnerabilidade dos mananciais hídricos – superficiais ou subterrâneos – cuja qualidade da água é decorrência da combinação entre as características naturais de sua bacia hidrográfica e os fatores antrópicos que conduzem à sua modificação (BRASIL, 2006). Dentre estes fatores, um dos mais impactantes é a contaminação por agrotóxicos. Os agrotóxicos são definidos como produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas, além do uso em ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a

composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-la da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, conforme conceito disposto na Lei Federal nº 7802 de 1989 (BRASIL, 1989). O fenômeno da contaminação em corpos hídricos consiste na introdução de substâncias que provocam alterações prejudiciais ao uso do ambiente aquático. Os compostos organossintéticos trazem bastante preocupação na poluição dos corpos d’água, pois são sintetizados artificialmente e, portanto, sua biodegradabilidade é muito baixa, já que os organismos decompositores atuam de forma eficiente apenas na degradação de compostos orgânicos gerados por meio de processos naturais. Os agrotóxicos, quando detectados na água, são definidos como micropoluentes, compostos químicos que, mesmo em baixas concentrações, conferem à água características de

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toxicidade tornando-a assim imprópria para grande parte dos usos. Muitos destes compostos provocam efeitos no sistema nervoso central humano que são bastante fortes e deletérios à saúde, além de características carcinogênicas, mutagênicas e até mesmo teratogênicas (BRASIL, 2006). A contaminação de um corpo d’água por agrotóxicos ocorre principalmente de forma difusa, o que evidentemente dificulta a adoção de medidas que impeçam sua chegada aos rios, lagos e captações subterrâneas, pois depende da recuperação da mata ciliar. A única forma de combate ao problema é por meio de uma racionalização no uso de agrotóxicos envolvendo campanhas esclarecedoras e utilização de mecanismos institucionais e legais para limitação de seu emprego. No Brasil, antes da comercialização, um agrotóxico passa pela avaliação de três órgãos de governo: 1. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) – avaliação da questão ambiental; 2. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) – avaliação da questão de toxicidade humana; 3. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – avaliação da eficiência agronômica. As vendas anuais de agrotóxicos e afins no Brasil, entre os anos de 2000 a 2013, mais que dobraram, aumentando de 246.284,53 toneladas de ingredientes ativos (IA) em 2000 para 495.764,55 toneladas em 2013. O crescimento mais acentuado ocorreu na Região Centro-Sul do País, com destaque para os Estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Rio Grande do Sul (RS), Mato Grosso do Sul e Goiás. O RS configura-se como o quarto estado de maior volume de vendas, com cerca de 10% do volume nacional (IBAMA, 2013). Na tabela 1 observa-se um aumento de 51% no volume de vendas de agrotóxicos no RS no período de 2009 a 2013: Tabela 1. Vendas de agrotóxicos e afins no RS Unidade de medida = toneladas de ingrediente ativo (IA) Ano

2009

2010

2011

2012

2013

t IA 33.516,21 37.254,12 34.974,05 46.778,99 50.720,87

A Portaria BSB nº 56/1977, foi a primeira da legislação nacional que estabeleceu o padrão brasileiro de potabilidade de água, após assinatura do Decreto Federal nº 79.367/1977. Esse Decreto previu a competência do Ministério da Saúde para legislar sobre normas e o padrão de potabilidade da água para consumo humano. A Portaria BSB nº 56/1977 foi revisada em 1990 e resultou na Portaria GM nº 36/1990, seguida da Portaria MS nº 1469/2000, Portaria MS nº 518/2004 até o texto vigente inserido na Portaria MS nº 2914/2011. No Anexo VII da Portaria MS 2914/2011 são exigidas, com frequência semestral, análises de controle de 27 parâmetros de agrotóxicos por parte dos responsáveis pelo abastecimento público de água. Em um levantamento realizado pela Secretaria Estadual da Saúde do RS (SES/RS), foram identificados e quantificados os agrotóxicos utilizados nas principais culturas agrícolas de cada bacia hidrográfica do RS, com a finalidade de adequar o monitoramento da qualidade da água para consumo humano à realidade de uso dos agrotóxicos no estado. No ranqueamento dos princípios ativos com maior risco à saúde humana usados nas culturas

do RS, considerando como variáveis as principais características físico-químicas dos compostos, o volume total utilizado nas lavouras e a toxicidade descrita, foi constatado que dos 10 parâmetros avaliados como mais críticos, sete não estavam contemplados na Portaria Nacional MS 2914/2011. Com base nesses resultados foi elaborada e publicada a Portaria SES RS 320/2014 que acrescenta 46 compostos à exigência de análises semestrais aos responsáveis pelo abastecimento público de água no território gaúcho. Além disso, o levantamento também apontou que a Região Noroeste do Estado é a que apresenta os maiores volumes anuais de aplicação de agrotóxicos por km², chegando a 919 L/km²/ano, tendo um volume anual estimado de 14.711.970 litros de calda (mistura líquida do produto defensivo em água) (BARRETO et al., 2012). O objetivo deste trabalho é avaliar a presença de agrotóxicos em água para consumo humano nas captações superficiais e subterrâneas de 44 municípios localizados no território da Bacia Hidrográfica do Alto Jacuí, bem como coletar e analisar amostras de água bruta e tratada nos municípios de Carazinho, Soledade e Cruz Alta, a fim de avaliar se o processo de tratamento de água convencional é capaz de remover agrotóxicos. Além disso, elaborar e propor um modelo preditivo capaz de indicar o período de maior risco de se encontrar agrotóxicos na água, a fim de nortear o planejamento de amostragem para controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano.

2. Revisão Bibliográfica Os agrotóxicos podem chegar na água por fatores intrínsecos às substâncias, propriedades do solo, condições climáticas e formas de aplicação do produto. Os principais mecanismos responsáveis pela movimentação dos princípios ativos são: retenção, transformação e transporte. Os processos de retenção são condicionados pela interação entre a partícula de solo e o princípio ativo (adsorção). A transformação refere-se à degradação (natural ou não) do produto, podendo ter natureza química ou biológica. O transporte do agrotóxico entre os diferentes meios pode ocorrer mediante a volatilização, lixiviação, escoamento superficial ou evaporação (NETO, 2010). A poluição oriunda da atividade agrícola é considerada do tipo difusa, de difícil identificação, monitoramento, e consequentemente, controle. Enquanto os riscos devido à presença de agentes patogênicos constituem problema imediato, agudo e por vezes associados a surtos de grandes proporções, os riscos químicos configuram-se, normalmente, como um problema de longo prazo, cujos efeitos crônicos, muitas vezes, são de difícil detecção. A preocupação maior ocorre para a ingestão contínua de água contaminada a baixas concentrações, o que configuraria um risco crônico (NETO, 2010). Os processos de tratamento de água são compostos por técnicas e operações unitárias, que por sua vez variam em função de aspectos como qualidade da água bruta, custos envolvidos e vazão a ser tratada. O tratamento convencional (ou ciclo completo) é composto essencialmente de: coagulação, floculação, decantação, filtração e desinfecção, e, normalmente, não é capaz de remover de maneira satisfatória substâncias químicas

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presentes na água, incluindo agrotóxicos (PRINCE, 2006). Da mesma forma que a Portaria MS 2914/2011, a Portaria SES RS 320/2014 também exige das empresas prestadoras de serviço de abastecimento público de água análises semestrais dos parâmetros relacionados a agrotóxicos. A partir de dados do Sistema de Informações da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA), dos 497 municípios do RS, cerca de 170 não possuem resultados de análises de agrotóxicos por serem municípios pequenos e as análises serem relativamente caras. A vigilância também realiza anualmente de forma amostral análises dos parâmetros semestrais, avaliando riscos e contemplando os municípios mais vulneráveis. 2.1 Técnicas de Análises e Implementação no RS As pesquisas científicas no estado corroboram para a avaliação da presença de agrotóxicos na água, constatando inclusive, diversos parâmetros que não são exigidos nas portarias nacional e gaúcha, e propulsionando reformulações nas legislações. Grupos de pesquisa presentes na Universidade Federal de Santa Maria, Universidade Federal de Pelotas, Fundação Universidade Federal de Rio Grande, Universidade de Passo Fundo, entre outras, avaliaram a presença de diversos agrotóxicos em

mananciais hídricos superficiais e subterrâneos em diferentes regiões do RS, de água bruta e tratada. As análises foram realizadas por cromatografia líquida ou gasosa, acompanhadas de diferentes tipos de detectores. Abaixo seguem as técnicas utilizadas:  Cromatografia Líquida de Alta Eficiência com Detecção por Arranjo de Diodos (HPLC-DAD);  Cromatografia Gasosa com Detecção por Captura de Elétrons (GC-ECD);  Cromatografia Líquida de Alta Eficiência com Detecção por Captura de Elétrons (HPLC-UV);  Cromatografia Gasosa acoplada à Espectrometria de Massas (CG-MS);  Cromatografia Líquida Acoplada à Espectrometria de Massas Sequencial (LC-MS/MS);  Cromatografia Líquida com Ionização por Eletronebulização Acoplada à Espectrometria de Massas Sequencial (LC-ESI-MS/MS). A escolha entre as técnicas depende da instrumentação disponível em cada laboratório. Na tabela 2 há um compilado desde o ano de 1999, com diversos trabalhos publicados a partir de pesquisas no RS:

Tabela 2. Trabalhos publicados sobre a detecção da presença de agrotóxicos na água de mananciais do RS Agrotóxicos Manancial Água

Coletas

Período

Técnica Analítica

Fonte/Publicação

(1)

S

B

Região Central do RS

1999-2001

HPLC-DAD

ZANELLA et al., 2002

(2)

S

B

Agudo

2003

HPLC-UV e CG-ECD

BORTOLUZZI et al., 2006

(3)

S e SB*

GC-ECD e HPLC-DAD

BORTOLUZZI et al., 2007

(4)

S

B

HPLC-UV

MARCHESAN et al., 2007

(5)

S

B

HPLC-DAD e GC-ECD

GRÜTZMACHER et al., 2008

(6)

S

B

HPLC-DAD e CG-MS

MACEDO et al., 2009

(7)

S

B

18 municípios

(8)

S

B

Vacacaí e Vacacaí-Mirim

(9)

SB*

B

Rio Grande

(10)

S

BeT

(11)

S

B

(12)

SB*

B

(13)

S

B

B e T Agudo, Arvorezinha e Cristal 2001-2002 Rio Vacacaí e Vacacaí-Mirim 2000-2003 Canal São Gonçalo e Rio 2005-2006 Piratini Camaquã 2007-2008

LC-MS/MS HPLC-DAD, LC-MS/MS e 2003-2008 GC-ECD HPLC-DAD e 2007-2008 LC-ESI-MS/MS

MARCHEZAN et al., 2010

2008-2009

LC-ESI-MS-MS

DEMOLINER et al., 2010

2010

LC-MS/MS

TODESCHINI et al., 2010

18 municípios

2007-2008

LC-MS/MS

DIECSON et al., 2011

Eldorado do Sul

2011

LC-MS/MS

TODESCHINI et al., 2011

Rio Grande e Santa Vitória do Palmar Rios Uruguai e Ibicuí

2007-2008

DIECSON et al., 2009

CALDAS et al., 2010

S BeT São Sepé 2013 LC-MS/MS TODESCHINI, 2012 (14) *Água de poço artesiano para fins de consumo humano S = Superficial SB = Subterrâneo B = Bruta T = Tratada (para consumo humano) (1) clomazona (2) imidacloprid, atrazina, simazina e clomazone por HPLC-UV; clopirifós, flumetralin e iprodione por CG-ECD (3) clorpirifos, imidacloprido, atrazina, simazina e clomazona (4) clomazone, propanil e quinclorac (5) quinclorac, carbofurano e clomazona por HPLC-DAD; fipronil e betaciflutrina por GC-ECD (6) fipronil e clomazona (7) clomazona, quinclorac, penoxsulam, imazethapyr, imazapic, carbofurano, 3-hidroxi-carbofurano, fipronil e tebuconazol. (8) clomazona, quincloraque, propanil, bentazona, 2,4-D, imazethapir, carbofurano e fipronil (9) carbofurano, clomazona, tebuconazol e 2,4 D (10) clomazona, tebuconazol, diurom, irgarol, atrazina, simazina, metsulfurom-metilico, quinclorac, 2,4-D, pirazosulfuron-etil, bentazona, propanil, carbofurano, imazetapir, imazapic, fipronil, bispiribac-sodico, fenoxsulam. Também foram analisados os metabólicos 3,4-DCA e 3hidroxi carbofurano (11) azoxistrobina, piraclostrobina, difeconazole, pirazofós, trifloxistrobina, clomazona, piridato, carbaril, fipronil, desltametrina,

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imidacloprido e pirimifós metil (12) clomazona, imazapic, imazethapyr, penoxsulam, quinclorac, 3-hidroxi-carbofuran (metabólito do carbofurano), carbofurano, fipronil e tebuconazol (13) azoxistrobina, carbendazim, ciproconazol, imazetapir, clomazona, metsulfurom metílico, propiconazol, tebuconazol e tiabendazol (14) carbofurano, clomazona, fipronil, imidacloprido e tebuconazol.

A cromatografia líquida (LC) complementa a cromatografia gasosa (GC), pois para alguns agrotóxicos a determinação por GC não é adequada devido à instabilidade térmica e/ou insuficiente volatilidade dos compostos. A maioria das análises atuais por LC realizadas emprega detecção por espectrofotometria, condutividade elétrica, fluorescência ou espectrometria de massas. Entre os detectores espectrofotométricos mais adequados, estão os equipamentos com detecção por arranjo de diodos (DAD) que permitem obter um espectro de absorção a cada segundo, gerando informações que possibilitam a confirmação dos compostos (CALDAS et al., 2011). Ainda de acordo com CALDAS et al. (2011), um número considerável de trabalhos nos últimos anos tem utilizado o espectrômetro de massas como detector para análises de agrotóxicos em água, pois este detector, além de permitir a obtenção de limites de quantificação (LQs) menores, também propicia a confirmação dos compostos presentes na amostra ao gerar os respectivos espectros de massas. Além disso, possui maior seletividade e reduz a necessidade de se obterem separações cromatográficas com grande resolução, uma vez que esta técnica permite identificar e quantificar compostos que coeluem. 2.1 Modelos Preditivos Tendo em vista as questões mencionadas sobre os determinantes da movimentação de agrotóxicos no ambiente e a escassez de dados sobre a detecção de resíduos dessas substâncias nas águas, a predição através de modelos da potencialidade de um agrotóxico em se propagar no ambiente e, por conseguinte, atingir os recursos hídricos, é uma alternativa interessante. O uso de modelos para estimar a movimentação de agrotóxicos não é recente e tem sido bastante difundido, com destaque para o método de Screening da USEPA, o índice de GUS (para águas subterrâneas) e o método de GOSS (para águas superficiais)

(NETO, 2010). CABRERA et al. (2008) realizaram um estudo no extremo sul do RS, nos municípios de Rio Grande e Santa Vitória do Palmar, território majoritário de cultura de arroz, e foi estimado o risco de contaminação hídrica por 27 agrotóxicos, usando critérios da EPA-USA, o índice GUS e o método de GOSS, associados com as propriedades físico-químicas destes compostos. Dos 27 pesticidas utilizados na região, pelo menos 19 apresentam risco de contaminação para águas de superfície e subterrâneas. Ao investigar somente a água subterrânea, os pesticidas pendimetalina, tiram, 2,4-D, bisbiribaque sódico, carboxina, parationa-metílica, propanil e tebuconazol são sugeridos para avaliação, pois são contaminantes em potencial destas águas e provavelmente lixiviados, segundo os critérios da EPA e GUS, respectivamente. Esta é uma informação importante para se planejar as análises, considerando que cerca de um milhão de gaúchos bebe água de captações subterrâneas, conforme dados de 2015 presentes no SISAGUA. 3. Proposta da Pesquisa A proposta desta pesquisa é avaliar nos quatro períodos anuais de aplicação de agrotóxicos nas culturas da Bacia Hidrográfica do Alto Jacuí, a de maior taxa de aplicação de agrotóxicos do estado em L/km²/ano, se há presença na água para consumo humano dos 27 parâmetros de agrotóxicos previstos na Portaria MS 2914/2011 e os 46 parâmetros da Portaria SES RS 320/2014. As análises quantitativas serão avaliadas a partir dos laudos disponibilizados pela Vigilância da Secretaria Estadual da Saúde contratados por laboratório particular – empresa Ecosulting, onde serão coletadas amostras de captações superficiais e subterrâneas de 44 municípios localizados no território da G-50, conforme o planejamento previsto na tabela 3:

Tabela 3. Cronograma de coletas de água Período

Aplicação

Nº de Coletas Municípios Superficial Subterrânea

1º 15/06 - 15/07/2015

19

14

11

8

executado

2º 15/08 - 10/10/2015

herbicidas inseticidas, fungicidas e herbicidas

88

44

44

44

em andamento

3º 01/11 - 20/12/2015

herbicidas

18

a definir

a definir

a definir

não executado

4º 15/12 - 15/02/2016

inseticidas e herbicidas

17

a definir

a definir

a definir

não executato

Três municípios foram definidos para avaliação qualitativa, através de uma metodologia capaz de detectar mesmo a presença de apenas uma molécula na amostra, tanto na água bruta quanto na água tratada da respectiva estação de tratamento: Cruz Alta, Carazinho e Soledade. A escolha dos três municípios para a coleta das amostras de água para análise através de técnica mais sensível está relacionada com a localização dentro da Bacia Hidrográfica do Alto Jacuí, modo de captação superficial, bem como pelo contingente populacional. As coletas serão

Status

realizadas nos quatro períodos de aplicação de agrotóxicos, concomitantes com as análises quantitativas contratadas. As amostras serão filtradas no Laboratório de Estudos em Couro e Meio Ambiente e analisadas após extração em fase sólida (Solid Phase Extraction – SPE) em cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas sequencial no Laboratório Nacional Agropecuário de Análise de Resíduos de Pesticidas e Medicamentos Veterinários (LANAGRO), localizado em Porto Alegre. Estes resultados poderão ser comparados com os métodos

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quantitativos do laboratório contratado, pois, com exceção de Uruguaiana em 2013, todos os laudos do banco de dados do SISAGUA apresentam como resultado ND (Não Detectado), não gerando histórico para fins de análises epidemiológicas, e sem saber se de fato as águas gaúchas não possuem agrotóxicos ou se eles poderiam estar em concentrações inferiores ao limite de detecção das técnicas implementadas. TODESCHINI (2012) detectou em sua dissertação de mestrado, agrotóxicos presentes na água tratada para consumo humano na ordem de ng/L. Os diferenciais do presente trabalho são: a. Realizar as coletas em 44 municípios da G-50, bacia hidrográfica previamente constatada como a de maior volume de aplicação de agrotóxicos no estado; b. Avaliar se há presença de agrotóxicos na água para consumo humano, algo que dos quatorze trabalhos encontrados na revisão bibliográfica, foi realizado apenas em quatro; c. Aplicar metodologia qualitativa com técnica mais sensível; d. Estudar/testar modelo preditivo.

4.

Metodologia

Amostras de água bruta e tratada foram coletadas nas estações de tratamento de água de Carazinho, Soledade e Cruz Alta. Foi coletado um litro em cada ponto, armazenado em frasco de vidro âmbar e acondicionado em isopor com gelox a fim de se manter a temperatura baixa e constante durante o transporte até Porto Alegre. Com o objetivo de se retirar macromoléculas e materiais particulados, as amostras foram filtradas com poros de membranas inertes na respectiva ordem de malhas: 150 mm, 125 mm, 45 µm e 0,45 µm. Após a filtração, as amostras foram submetidas a técnica de extração em fase sólida. Para análise em triplicata, foram divididas três alíquotas de 250 mL para iniciar a extração em cartuchos (sorventes) do tipo Strata X ®. A ativação do sorvente foi realizada a partir do acréscimo de duas soluções: 3 mL de acetona com 0,3% de ácido acético e 3 mL de metanol a 5%. Após, as alíquotas de 250 mL foram percoladas para serem sorvidas no cartucho, com velocidade constante, controlada pela bomba Prismatec no sistema Manifold. A eluição dos analitos foi feita com adição dos solventes: 6 mL de metanol (0,3% de ácido acético) e 6 mL de acetona (0,3% de ácido acético). O volume final de 12 mL retém os possíveis analitos retidos nos cartuchos. Posteriormente efetuou-se a concentração destas soluções, através da secagem em corrente de nitrogênio ultrapuro. Após secagem das amostras, estas foram suspendidas novamente em 1 mL de água ultrapura com 5% de acetonitrila. A figura 1 resume as etapas da SPE, com exceção da lavagem que foi suprimida devido à filtração. Por último, as soluções foram injetadas no cromatógrafo líquido acoplado a espectrômetro de massas sequencial.

Figura 1. Etapas envolvidas na SPE: condicionamento do sorvente, adição da amostra, remoção dos interferentes e eluição do analito (CALDAS et al., 2011)

5.

Resultados Parciais

Os resultados do primeiro período de aplicação, que abrangeram apenas 14 municípios da Bacia Hidrográfica do Alto Jacuí, conforme cronograma da tabela 3, foram negativos tanto para as análises quantitativas do laboratório contratado, quanto para as qualitativas dos três municípios selecionados analisados no LACOURO/LANAGRO. Fazse necessário um estudo mais aprofundado para justificar tais resultados, mas num primeiro momento, como hipóteses levantadas pode-se mencionar o baixo índice pluviométrico do período de coletas, a aplicação apenas de herbicidas e a questão da representatividade da amostra, considerando que a coleta foi de um litro feita em um único ponto e momento e as captações são oriundas de rios caudalosos, com vazões de operação nas ETAs de 74, 238 e 246 L/s em Soledade, Carazinho e Cruz Alta, respectivamente. Para as coletas do segundo período em andamento, estão sendo avaliados os 44 municípios, em captações superficiais e subterrâneas no laboratório contratado, além das coletas nas três ETAs selecionadas para análises qualitativas. A pluviosidade está sendo maior e a aplicação é de todos os agrotóxicos: herbicidas, fungicidas e inseticidas. Como parte desta pesquisa, trabalhos exploratórios foram realizados aplicando a metodologia qualitativa no município de Porto Alegre e Alvorada/Viamão. Porto Alegre conta com seis estações de tratamento de água e pontos de captações superficiais distintos, do Rio Gravataí ao Guaíba. Em uma ETA de Porto Alegre que abastece cerca de 470 mil pessoas, cuja captação de água é do Guaíba, foi efetuada coleta de água bruta e tratada, bem como em outra ETA do município de Alvorada que abastece também 70% do município de Viamão, totalizando uma população de cerca de 380 mil pessoas, cuja captação é do Rio Gravataí. Foram encontradas as substâncias apontadas tabela 4.

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Tabela 4. Resultados de Água Bruta e Tratada de ETAs dos municípios de Porto Alegre e Alvorada/Viamão Municípios Agrotóxicos

Porto Alegre

Alvorada/Viamão

Bruta

Tratada

Bruta

Tratada

Azoxistrobina

x

x

ND

ND

Carbendazim

x

ND

ND

ND

Diclorvós

x

x

x

x

Etion

x

x

x

x

Triciclazol

x

x

x

x

Em Porto Alegre onde a captação analisada é oriunda do Guaíba, um ponto de acúmulo de diversas outras bacias hidrográficas do Estado, apresentou mais agrotóxicos que Alvorada/Viamão cuja captação é do Rio Gravataí. Os agrotóxicos encontrados no Rio Gravataí poderiam ser explicados pela presença de plantações de arroz no território de sua bacia hidrográfica. Quanto à avaliação do processo convencional de tratamento de água, apenas o Carbendazim foi removido, concluindo-se que os outros quatro agrotóxicos permanecem na água mesmo após tratamento. Ressalta-se que as duas empresas que tratam água nas duas cidades nunca detectaram nenhum parâmetro de agrotóxico na água em suas análises semestrais, o que pode ser justificado por uma concentração menor do que o limite de detecção da metodologia aplicada para controle. Já a metodologia qualitativa do presente trabalho, detecta a presença do agrotóxico, de forma qualitativa, independente da concentração, entretanto não informa em qual quantidade. Como alternativa para remoção de agrotóxicos e contaminações orgânicas DANIELS et al. (2010) sugerem uma camada de carvão ativado nos filtros residenciais, o que pode ser estendido para as estações de tratamento de água.

6.

Proposta de Modelo Preditivo

Após a conclusão de todas as análises planejadas, e de posse dos resultados; baseado nas propriedades físicoquímicas dos agrotóxicos, aliado ao cruzamento com outras informações como tipo de solo, captação superficial (vazão do manancial) ou subterrânea (profundidade do poço, presença ou não de revestimento), tipo de cultivo, área cultivada, volume de agrotóxicos aplicados e dados pluviométricos, pretende-se selecionar e validar um modelo preditivo que possa determinar a probabilidade de contaminação das águas pelos agrotóxicos em função do tempo desde a aplicação do mesmo e das características da substância e do ambiente. Com isto, poderia-se dispor uma ferramento para subsidiar o planejamento dos períodos e locais de amostragem de água para análises de agrotóxicos, tanto para a vigilância do sistema único de saúde quanto para o controle das emprestas responsáveis pelo abastecimento público de água.

7.

Referências

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