Avaliação de Aprendizagem em Ambientes Digitais de Formação de Educadores: um olhar inicial

June 20, 2017 | Autor: Kátia Brakling | Categoria: Ensino Língua Portuguesa, Formação De Professores, Ensino a Distancia, Ensino Semipresencial
Share Embed


Descrição do Produto

A AVALIAÇÃO DO APRENDIZADO EM AMBIENTES DIGITAIS DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES: UM OLHAR INICIAL Lucila Pesce1 e Kátia Brakling2 PUC/SP RESUMO O presente texto reflete sobre a avaliação do aprendizado, em distintos programas de formação de educadores realizados pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em ambientes digitais. Para tanto, caracteriza duas mídias bastante utilizadas nos programas de educação a distância voltados a este público-alvo: ambientes digitais na web e videoconferência. Prossegue com considerações sobre a avaliação do aprendizado formativa, percebendo-a no contexto dos programas de formação de educadores que se valem de ambientes digitais. À luz deste aporte teórico, reflete sobre as possibilidades de implementação da avaliação formativa nos referidos programas, a partir da análise dos discursos de quatro mediadores neles atuantes. Palavras-chave: educação a distância - avaliação do aprendizado - formação de educadores. INTRODUÇÃO

Com o advento da Internet é comum ouvirmos falar da utilização da Educação a Distância (EaD) em recentes programas de formação profissional. O que nem todos sabem é que a história da EaD remete-se ao final do século XIX (LITWIN, 2001), antecedendo em muito a utilização das atuais tecnologias e articulando-se a diferentes pressupostos teórico-metodológicos até hoje coexistentes. No Brasil, de acordo com Niskier (2000), um dos primeiros registros constam da década de 1970. A história da EaD antecede o advento das tecnologias contemporâneas. A novidade é que, até então, a EaD era questionada em termos qualitativos, por voltar-se a segmentos sociais menos favorecidos. Somente com a incorporação do meio digital, a EaD passou a abarcar programas não periféricos de formação. E é exatamente nesse momento histórico, de políticas públicas favorecedoras ao desenvolvimento e implementação de programas de EaD voltados à formação de educadores, que se faz oportuno considerar sobre as práticas de avaliação neles desenvolvidas. Antes, porém, Doutora em Educação: Currículo – PUC/SP; professora dos cursos de Tecnologia e Mídias Digitais (habilitação em EaD) e Educação – PUC/SP; membro da equipe de Orientação Instrucional da Diretoria de Gestão em Tecnologias Aplicadas à Educação - Fundação Carlos Alberto Vanzolini (USP). [email protected] 2 Mestre em Lingüística Aplicada ao Ensino de Línguas – PUC/SP; membro da equipe de Orientação Instrucional da Diretoria de Gestão em Tecnologias Aplicadas à Educação - Fundação Carlos Alberto Vanzolini (USP). [email protected] 1

2

convém caracterizar dois recursos midiáticos bastante utilizados em alguns dos referidos programas.

1. CARACTERIZAÇÃO DAS MÍDIAS

Para a discussão da avaliação de aprendizagem em programas de formação de educadores realizados pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo que se valem de ambientes digitais, faz-se necessária uma breve caracterização de dois recursos midiáticos bastante utilizados pela referida universidade: interação digital na web e videoconferência. A interação digital na web desenvolve-se em ambientes de aprendizagem colaborativa3. Neles, os sujeitos interagem através da escrita, em chats e fóruns de discussão, em ambientes de rede. Através de tais recursos, os formandos tomam conhecimento dos conceitos a serem incorporados e enviam suas produções, interagindo com os mediadores e seus pares. É comum que, nessas trocas intertextuais, a escrita assuma uma estrutura sintático-semântica um tanto coloquial, à semelhança da oralidade. Entretanto, apesar da informalidade, a escrita digital, em virtude da possibilidade de registro e acompanhamento do processo, presta-se mais à análise das interações dos educadores e intervenção sobre as mesmas, do que se estas ocorressem oralmente. A videoconferência é uma mídia que possibilita a interação mediador / sujeitos em formação, relacionando distintas linguagens e recursos midiáticos. Esta combinação ocorre no diálogo entre os participantes, na apresentação de vídeos, imagens, aplicativos de apresentação e anotações em câmera-documento. Através de uma comunicação interativa em áudio e vídeo, pessoas de diferentes localidades encontram-se em tempo real. As imagens do estúdio de geração são transmitidas simultaneamente para as salas de recepção. Há uma câmera com microfone e uma câmera-documento em cada sala de recepção, para que os formandos possam participar, interagindo com todos os sujeitos envolvidos no processo. Importante salientar a dupla função da videoconferência, enquanto mídia de formação e de comunicação. Na vertente de formação, pode atuar como mídia

3

TelEduc (UNICAMP), E-Proinfo (MEC), LearningSpace (IBM), Prometeus (FCAV - USP), TecLec (UFRGS), Aulanet (PUC/RJ), WebCT (British Columbia University), Eureka (PUC/Paraná), dentre outros.

3

disparadora de discussão sobre o conteúdo previsto, como mídia de acompanhamento e como mídia de encerramento do processo. Na vertente de comunicação, a videoconferência é uma mídia interativa perene, que visa à construção de comunidades de aprendizagem, estabelecendo um fluxo de comunicação em rede. Por conjugar som, imagem e movimento, a interação pela videoconferência busca assemelhar-se, tanto quanto possível, da ocorrente em situação presencial. A partir da breve caracterização destes recursos midiáticos, cumpre percebêlos, no contexto da avaliação de aprendizagem ancorada na perspectiva formativa.

2. AVALIAÇÃO DO APRENDIZADO E CONCEPÇÕES ORIENTADORAS

A) CONCEPÇÕES ORIENTADORAS

Duas concepções são fundamentais nesse estudo: a de ação educativa e a de aprendizado. A primeira é compreendida como uma prática social mediada pela linguagem, em especial a linguagem verbal, ainda que recursos midiáticos possam ser utilizados nos processos de EaD, os quais podem veicular imagens, sons, que extrapolem o uso da palavra. Essa prática possui, inevitavelmente, características específicas do espaço de interlocução no qual se realiza: -

tem uma finalidade clara, que é possibilitar o aprendizado do conteúdo considerado como necessário em razão das finalidades postas;

-

coloca os sujeitos enunciativos — docente e aluno — em papéis bastante definidos;

-

provoca transformações nos aspectos do conhecimento que transforma em conteúdos. Quando se trata de EaD, acrescente-se aos itens acima o fato de se realizarem à

distância e por meio das mídias interativas já apresentadas, o que define tipos e possibilidades

de

interação

que

se

estabelecem

entre

os

envolvidos

e,

conseqüentemente, determina aprendizagens possíveis. Essas características são, portanto, constitutivas das situações enunciativas organizadas nesse espaço e não podem ser ignoradas. Por aprendizado (VYGOTSKY, 1934), entende-se um processo sóciohistoricamente constituído, que envolve, necessariamente, aquele que ensina, aquele que aprende e a relação que se estabelece entre ambos. Essas duas concepções têm implicações claras para esse estudo.

4

Em primeiro lugar, porque, em sendo a ação educativa mediada pela linguagem verbal, a análise das interações pressupõe que se adote como realidade material fundamental — e, portanto, como unidade de análise —, o discurso verbal, escrito ou oral realizado nas interações. Por esse motivo cabe, então, explicitar a concepção de linguagem e discurso utilizada (VOLOCHINOV, 1929; BAKTHIN, 1997): processo interacional e intersubjetivo que constitui o homem e é por ele constituído, que se realiza nos discursos, do qual os textos — orais ou escritos — são a realidade material. Considerase, ainda, que: -

a palavra é plurivalente, porque revela diferentes formas de significar a realidade, segundo a perspectiva dos diferentes sujeitos que a empregam;

-

a palavra é sempre ideológica e dialógica 4;

-

a enunciação — ato de tomar a palavra e dizer — não é fenômeno individual, mas social, no qual o interlocutor não é elemento passivo na constituição do significado;

-

a língua não é homogênea, dado que o sujeito não é fonte única do sentido, mas compartilha seu espaço discursivo com o outro. Os processos que a constituem são eminentemente histórico-sociais; não pode, portanto, ser estudada fora da sociedade, de suas condições de produção;

-

todo discurso organiza-se em formas estáveis disponíveis na sociedade, denominadas gêneros. Em segundo lugar, porque, se considera o aprendizado como processo

relacional, no qual há uma ligação intrínseca entre os envolvidos, a avaliação deverá ser compreendida como processo relacional também, quer dizer, o foco da avaliação sai da verificação isolada das competências construídas pelo aluno, a partir de determinado instrumento e passa a estar na relação que se pode estabelecer entre as competências construídas e as condições de aprendizagem criadas para o aluno: situação de aprendizado em si, atividades planejadas, intervenções realizadas, tipo de mediação efetivada, adequação da situação de ensino e da pauta interacional concretizada. Nessa perspectiva, a avaliação do aprendizado está sendo compreendida como constitutiva (BRÄKLING, 1997) da prática educativa, dado que é a análise das informações obtidas no processo educativo – o que os alunos sabem e como – e só ela, 4

Não no sentido de ser dialogal, mas no sentido bakthiniano (Volochinov, 1929), segundo o qual todo enunciado tem uma orientação retrospectiva, sendo produzido em ‘resposta’ aos enunciados anteriormente realizados num contexto social dado, e prospectiva, sendo orientado para os enunciados que serão produzidos em resposta a ele mesmo.

5

que pode possibilitar ao professor a organização de sua ação, de maneira adequada, com uma melhor qualidade; constitutiva – enquanto prática social mediada pela linguagem – dos sujeitos envolvidos no processo de aprendizado que, dialeticamente, a constituem também. A prática de avaliação, para poder ser realmente eficiente, precisa possibilitar ao aluno uma 'tomada de consciência', tanto sobre o conhecimento que foi possível aprender (em função de suas possibilidades de aprendizagem dadas), quanto sobre o que é necessário que aprenda (em função das necessidades/objetivos colocados no projeto educativo, no interior do qual o ensino está ocorrendo). Nesse sentido, ela também precisa ser reflexiva e autonomizadora (ibid.).

B) A AVALIAÇÃO FORMATIVA

Considerar a avaliação como formativa (ABRECHT, 1995), supõe compreender que o diagnóstico do aprendizado do sujeito em formação é importante, por fornecer ao professor elementos para tomada de decisão sobre ações a serem desenvolvidas, em função dos objetivos a serem alcançados na situação de aprendizagem em questão. Para Luckesi (2000), a avaliação da aprendizagem erguida em meio à perspectiva inclusiva, ao invés de restringir-se à seleção e à aprovação ou reprovação do educando, deve orientar-se para o seu pleno desenvolvimento. Nessa perspectiva, anuncia a importância de o educador acolher o educando em sua totalidade, para além da aprendizagem específica do que está sendo avaliado. Em outras palavras, a acolhida é percebida pelo autor como ponto fulcral na prática educativa, nela inclusas as atividades de avaliação. Para o pesquisador, a avaliação não se encerra com a qualificação do estado em que está o educando. Ao contrário, só se realiza em sua plenitude com a tomada de decisão do que fazer com a situação diagnosticada. O estudioso atenta para três elementos constituintes do processo de avaliação: dados relevantes, instrumentos e utilização dos instrumentos. O diagnóstico deve erguer-se em meio à coleta dos dados relevantes ao estado de aprendizagem do educando, em relação ao objeto em pauta de avaliação. Lembra que os dados essenciais são os definidos em planejamento de ensino (embasado em referenciais teóricos e políticos) e efetivados em práticas educativas nas aulas. Os instrumentos de avaliação da aprendizagem devem estar adequados: ao tipo de conduta e de habilidade que estão sendo avaliadas, aos conteúdos essenciais

6

planejados e efetivados no processo de ensino, ao processo de aprendizagem do educando e à linguagem, a fim de garantir que o educando compreenda com clareza o solicitado. O autor alerta para o quanto um instrumento inadequado pode conduzir a um diagnóstico e conseqüente tomada de decisão distorcidos. No tocante à utilização dos instrumentos de avaliação, estes devem ser percebidos tão somente como recursos de coleta de dados e não como recursos de controle disciplinar. As considerações de Abrecht e Luckesi são válidas em qualquer situação educativa, seja ela presencial ou não. Entretanto, como ressignificá-las no contexto da EaD?

3. AVALIAÇÃO DO APRENDIZADO EM PROGRAMAS DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES QUE SE VALEM DE AMBIENTES DIGITAIS

No tocante à avaliação do aprendizado em programas de formação de educadores realizados em ambientes digitais na web, é importante ressaltar que o registro das várias etapas da interação digital, pela ferramenta, pode vir a possibilitar aos sujeitos em formação, a criação de uma cultura precípua a um repensar sobre seu percurso cognitivo, numa perspectiva praxiológica. Isso porque a escrita digital, por ser mais ‘rastreável’, pode tornar mais fácil para o mediador a análise das interações, do que se estas ocorressem na oralidade. Qual seja, a interação mediada pela escrita permite um nível mais elaborado de reflexão que a interação ocorrente por meio da linguagem oral. A primeira situação de interação acusa possibilidades de sistematização de conceitos para análise e acompanhamento do percurso cognitivo do sujeito em formação, por ele próprio e pelo mediador. Em contraposição, a segunda ergue-se em meio à pulverização de conceitos veiculados na oralidade (PESCE, 2003). Nessa perspectiva, a ferramenta telemática pode ser um rico instrumental à avaliação formativa, tendo em vista a possibilidade de mapear o percurso cognitivo de cada sujeito em formação, bem como de registrar e acompanhar o processo. Outro aspecto a destacar, nas práticas de avaliação em EaD, é que a tônica da linguagem escrita dos ambientes digitais de formação de educadores acaba por explicitar ao mediador, os educadores com participação mais tímida. O registro da ferramenta telemática pode viabilizar um melhor mapeamento do percurso de cada educador, pelo mediador, de modo a otimizar suas possibilidades de intervenção. Além

7

disso, tal registro é de fundamental importância à formação reflexiva do educador, pelas possibilidades de metacognição, uma vez que a revisão de seu percurso é de fundamental relevância à sua formação, por nortear suas ações prospectivas. Ao levar em conta as possibilidades de registro do pensamento do educador em formação, o ambiente de interação digital acaba sendo usado como recurso à compreensão da dinâmica cognitiva do educador em formação. Dito de outra forma, o trabalho de operação e reflexão sobre situações de leitura e produção textual significativas ao educador em formação pode vir a desencadear novos modos de expressão, através dos quais os textos adquiram outra dinâmica, na comunicação mediada em ambiente digital. Isso porque o suposto aumento de complexidade nas elaborações conceptuais dos educadores em formação pode ser otimizado quando eles, através da representação de seus pensamentos na tela do computador, atingem um necessário distanciamento das próprias elaborações conceptuais, para refletirem sobre elas, o que facilita o desenvolvimento da competência meta-reflexiva. Com isso surge uma situação educativa que explicita ao educando a sua necessária condição de sujeito ativo, com vez e voz, na construção do seu próprio conhecimento, colocando-o em uma situação que requer dele uma ação condizente com essa condição. Tal situação de aprendizagem poderá ser avaliada a contento, se ancorada na perspectiva formativa. Cumpre salientar que os ambientes telemáticos de comunicação podem abarcar a imagética, a sonoridade, a oralidade e a escrita. Em relação à relevância das videoconferências à oralidade dos ambientes telemáticos de aprendizagem, vale investigar o quanto a possibilidade do educador em formação poder expressar-se oralmente, na videoconferência e por escrito, no ambiente digital da web, pode vir a contribuir para uma situação de aprendizagem que respeite os diferentes estilos de aprendizagem, como querem Palloff e Pratt (2004). Na interação digital da web observa-se um ir e vir entre leitura e escrita. Quanto a isso, cabe sublinhar que a composição é canalizadora, funcionando numa lógica dedutiva, que envolve atividades analíticas fundadas na disjunção e na distinção. Já a leitura dissemina, numa lógica associativa, abarcando atividades sintéticas, embasadas nas articulações e nas associações hipertextuais, a partir das quais cada leitor estabelece uma rede de relações semióticas para compreender e ressignificar o texto (PESCE, ibid.), o que acaba por constituir também um movimento analítico de produção, dialeticamente articulado ao anterior. Quer dizer: se na produção há inicialmente uma predominância de movimentos de análise, a leitura — na qual inicialmente pode

8

predominar movimentos de síntese — também pode provocar movimentos analíticos e reflexivos decorrentes das sínteses encontradas nas leituras realizadas. Cabe, pois, investigar o quanto este jogo dialógico e dialético pode contribuir à implementação de práticas de avaliação voltadas à construção das competências conceptuais, praxiológicas e meta-reflexivas dos educadores em formação. Tais competências

— conceptuais, praxiológicas e meta-reflexivas —

demandam o trabalho com conteúdos fundamentais à formação do educador. Assim, devem ser objeto da prática de avaliação, na medida em que são imprescindíveis para a formação do mesmo, tendo, necessariamente, que compor o rol de conhecimentos a serem abordados para a constituição das competências imprescindíveis ao profissional da educação. Nessa perspectiva, são conteúdos a serem trabalhados para possibilitar a constituição das competências desejadas e, por isso, devem ser avaliados no processo educativo. A prática avaliativa é constitutiva da prática de ensino e, como tal, não a antecede. Da mesma forma, os conteúdos são constitutivos do projeto educativo, da ação pedagógica e, por isso, da prática de avaliação. Esses conteúdos, conforme as competências denominadas acima, podem ser de diferentes naturezas: conceptual, atitudinal, procedimental (PERRENOUD, 2001).Nos ambientes telemáticos, os educadores

podem

desenvolver

algumas

metaqualificações,

tais

como:

comunicabilidade, criatividade, competências sociais, estratégias de resolução de problemas, desenvolvimento da aprendizagem colaborativa, intuição e flexibilidade mental. Tudo isso corrobora ainda mais à sua formação pessoal e profissional. Assim, ao invés de uma utilização da telemática inibidora da auto-expressão desses atores sociais, situando-os como meros receptores no veículo telemático de informação, é importante uma utilização de ambientes digitais em EaD que privilegie o diálogo e as manifestações intersubjetivas. Discursivamente falando, é possível dizer que as interações ocorrentes nessas situações precisam ser efetivamente responsivas e explicitamente dialógicas. Isso significa que — assim como para as situações mais convencionais de ensino — colocase para o educador a necessidade de agir responsivamente em relação ao educando, por um lado, antecipando sentidos possíveis por ele constituídos a respeito dos temas discutidos, identificando implícitos do seu discurso, para poder organizar a sua intervenção, tematizando esses implícitos; por outro lado, possibilitando que as

9

diferentes linguagens sociais5 (BAKHTIN, 1997) dos diferentes interlocutores entrem efetivamente em contato, para que se possa criar condições para a emersão dos diferentes sentidos já constituídos pelo(s) grupo(s), tanto explicitanto a dialogia constitutiva da linguagem, quanto reconhecendo o valor dos sentidos diferentes constituídos por cada um (BRÄKLING, 1997). Para além disso, considerando-se que se trata de uma situação educativa e, portanto, caracterizada pela intencionalidade, trata-se de, ao possibilitar o contato dos diferentes sentidos que circulam no grupo, possibilitar a estabilização dos sentidos desejados e coerentes ao proposto, no processo educativo em curso (ibid.). Com as pautas interacionais organizadas de maneira a prever o movimento indicado, o processo de ensino prevê um procedimento avaliativo in processo, contínuo e constante, colocando também para o educador a necessidade de constituição de uma competência meta-reflexiva fundamental: não apenas a de reflexão sobre a ação e para a ação, mas a de reflexão na ação (FREIRE, 1970; SCHÖN, 1997). E, se o que se internaliza no processo de aprendizado é também o movimento dialógico da linguagem, o modo pelo qual as interações acontecem, esse procedimento de reflexão na ação poderá, também, estar sendo apropriado pelos alunos envolvidos (SMOLKA, 1993). Esta posição coaduna-se com os princípios e pressupostos da avaliação formativa. Kramer et al. (1999, p. 117) explicitam as etapas do modelo clássico de EaD: análise ou pressuposição de entrada do aluno; apresentação baseada no conhecimento e no talento do professor; avaliação da aprendizagem. Valente (2002) anuncia que uma das abordagens mais comuns em EaD é a broadcast, crivada numa concepção curricular linear, na qual o professor transmite ao aluno um pacote fechado de informações pertinentes aos seus propósitos educacionais. Esse, por sua vez, elabora cada uma das tarefas individualmente, de modo a retornar ao professor a rede de informações veiculadas no curso. À contramão da tradicional abordagem de EaD está o que Valente denomina 'estar junto virtual'. A abordagem baseia-se na proposta pedagógica de construção do

Trata-se, aqui, de conceito definido pelos teóricos do círculo de Bakhtin, segundo o qual “durante a evolução histórica de uma língua, num dado momento histórico, discursos de determinados grupos sociais são estratificados, constituindo não apenas dialetos, strito senso, mas o que denominou de linguagem social. Esta é, portanto, ‘um discurso peculiar a um determinado estrato da sociedade (profissional, etário, etc), em um dado sistema social, em um dado tempo’ (Holquist e Emerson, 1981, p. 430, apud Smolka e Wertsch, 1993, p.129). São exemplos de linguagens sociais, de acordo com Bakhtin ‘os dialetos sociais, o comportamento característico de grupo, os jargões profissionais, as linguagens genéricas, as linguagens de autoridades de vários círculos e modas passageiras, as linguagens que servem a propósitos 5

10

conhecimento, advogando em favor de princípios como flexibilidade, no trabalho com conceitos significativos ao grupo, e modularidade, de forma a estruturar o curso em módulos que de fato atendam às necessidades específicas de uma dada comunidade de aprendizagem. Questionando a concepção curricular enciclopédica e pretensamente totalizante, essa abordagem de EaD avança para outra, mais enxuta, modular e flexível, porque significativa ao aprendiz. A linearidade subjacente à tradicional proposta curricular de EaD – ancorada no ensino e centrada no professor – deve ceder lugar à aprendizagem não linear, cuja hierarquia flexível varie de acordo com as necessidades contextuais dos sujeitos em formação. Qual seja, cada situação específica pede por um líder, com certas competências e habilidades, já que, nessa abordagem, o educador é chamado a assumir responsabilidades, tomar decisões e buscar soluções para seus problemas. Isso porque o envolvimento com o projeto faz com que a demanda pela apropriação de conceitos construídos a partir de vivências e reflexões entre os educadores parta deles próprios e não dos mediadores. Na criação de situações de aprendizagem significativas, os mediadores devem convidar os educadores a compartilhar saberes, representações, práticas, valores e emoções, de modo a viabilizar a construção de uma comunidade colaborativa de aprendizagem, que valorize as singularidades, sob enfoque interativo-reflexivo. Nesse movimento, os mediadores podem contribuir para que cada membro da comunidade tenha um sentimento de pertença ao grupo. Dessa forma, os conceitos podem ser construídos numa perspectiva relacional, que situe cada educador como co-participante da rede de conhecimento construída na comunidade de aprendizagem. Em complemento, os programas de formação a distância de educadores devem trabalhar com as manifestações pessoais dos sujeitos em formação, de modo a viabilizar a construção de um conhecimento passível de ser contextuado e ressignificado. Os programas de formação de educadores realizados em ambientes telemáticos devem utilizar seus recursos para contribuir para que tais atores sociais consigam articular os conceitos teórico-metodológicos à sua prática profissional e tais saberes devem estar em pauta, nas práticas de avaliação. Transpondo as considerações de Abrecht (1995) e Luckesi (2000) sobre avaliação de aprendizagem, para o contexto de formação de educadores em ambientes digitais, convém atentar para o quanto os princípios e pressupostos da perspectiva de sociopolíticos específicos do dia’ (1981, p. 262, apud SMOLKA e WERTSCH, 1993, ibid., p. 129)” (BRÄKLING, 1997, p. 70).

11

EaD defendida neste texto coadunam-se com os da avaliação formativa, a qual, à contramão da avaliação excludente e classificatória, pauta-se: -

em um caráter processual, no qual mediador e educador em formação situam-se como sujeitos ativos no processo de construção de conhecimento;

-

nos centros de interesse, a partir do que há de essencial aos módulos de uma dada área, em termos de competências básicas;

-

na elaboração de objetivos iniciais, a partir do diagnóstico do público-alvo e da escuta atenta às suas necessidades e expectativas;

-

na acolhida dos objetivos emergentes no processo de formação;

-

no processo coletivo e dialogado de avaliação, que abarque: a avaliação do desempenho dos educadores em formação, a auto-avaliação desses atores sociais e sua avaliação sobre o curso, em diversos momentos;

-

na perspectiva diagnóstica, que redirecione as ações dos mediadores;

-

na construção de um aporte teórico-metodológico contribuinte à auto-formação do educador, nele inclusas as competências conceptual, praxiológica e meta-reflexiva. Todavia, vale investigar em que medida a implementação desta vertente de

avaliação tem sido viável, nos cursos de formação de educadores que se valem das mídias digitais.

4. ANÁLISE DOS DISCURSOS DE MEDIADORES QUE ATUAM EM PROGRAMAS DE FORMAÇÃO A DISTÂNCIA DE EDUCADORES

A presente análise pauta-se nos discursos de quatro mediadores, atuantes em diversos programas de formação à distância de educadores, realizados pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A pesquisa não é neutra, objetiva, tampouco isenta de valores subjetivos. Daí a consciência de que as concepções epistemológicas, interpretativas e subjetivas do pesquisador engendram-se à sua análise. As concepções metodológicas e ontológicas relativistas moldam a cosmovisão do pesquisador (Chizzotti, 1998). Uma vez que todo conhecimento é interpretativo, busca-se significado na linguagem expressa pelos sujeitos de pesquisa, na intenção de melhor apreender suas perspectivas. Daí a refuta por princípios de reduplicabilidade, com conseqüente generalização estatística; ao contrário, pretende-se uma teoria mais local, ajustada à situação específica de análise, tendo como princípios:

12

-

a ciência de que a intencionalidade do pesquisador, advinda da sua situação histórica, cultural e socialmente datada, permeia e influencia os veios interpretativos do objeto de investigação;

-

o uso de descrição, análise e interpretação, sob enfoque indutivo;

-

a apreensão, tanto quanto possível, da visão pessoal dos participantes;

-

a investigação do sentido e do significado da avaliação de aprendizagem, em programas de formação de educadores, tanto em processos presenciais, quanto em ambientes digitais;

-

a discussão dos resultados observados, à luz da abordagem de avaliação formativa;

-

a compreensão de que a unidade de análise fundamental é o discurso;

-

a compreensão de que a palavra é polissêmica e a enunciação, um fenômeno social e não individual, sendo os sentidos constituídos não isoladamente por locutor e interlocutor, mas no espaço de interação entre ambos, na relação intrínseca que estabelecem entre si. Como já dito, a pesquisa não leva em consideração os critérios da generalização

estatística. Ancorada em Jodelet (apud GUARESCHI e JOVCHELOVITCH, 1998, p. 120), as respostas dos quatro sujeitos de pesquisa foram percebidas como “manifestações de tendências do grupo de pertença ou de filiação na qual os indivíduos participam”. Tal representatividade torna a análise passível de uma generalização naturalística, através da qual os resultados apresentados podem ser percebidos em outro público-alvo, com características semelhantes a este. As quatro professoras entrevistadas são mestres e doutorandas em Educação: Currículo (PUC/SP) e atuam como mediadoras e pesquisadoras na área de EaD: -

Ana Maria Di Grado Hessel é graduada em Pedagogia (PUC/SP), especialista em Informática (UFPA), ex-supervisora de ensino da Rede Municipal da Educação de São Paulo e professora do Departamento de Fundamentos da Educação (PUC/SP).

-

Heloísa Maria Gomes é graduada em Comunicação (UMESP) e Pedagogia (FSB), especialista em Administração (IMES) e diretora do Colégio Pentágono de São André.

-

Rosângela de A. A. Duarte é graduada em Letras (Mackenzie), tendo atuado na formação de professores e como professora e coordenadora de escolas da rede particular de São Paulo.

-

Vera L. Duarte de Novais é graduada em Química (USP), autora de obras didáticas, assessora e pesquisadora no ensino de Química e Educação, tendo atuado na

13

formação de professores e como professora, coordenadora e diretora de escolas da rede particular de São Paulo. As quatro professoras citadas responderam a um questionário a elas enviado (em anexo), cujas perguntas procuraram focalizar: -

a possibilidade de avaliação da competência conceptual, praxiológica e metareflexiva dos aprendizes;

-

a possibilidade de se considerar as interações entre educadores e alunos como campo de avaliação;

-

o papel da escrita nos processos avaliativos da educação à distância;

-

o papel dos diferentes ambientes midiáticos no processo avaliativo;

-

a pertinência da concepção formativa de avaliação nos processos de formação à distância.

A) A avaliação das competências conceptual, praxiológica e meta-reflexiva dos aprendizes Quanto à competência conceptual, duas das entrevistadas — Vera e Ana Maria — apontam a necessidade da construção de relações de confiança entre educador e educando, para que a verificação do aprendizado aconteça. Salientam que há a possibilidade de envio de comentários não necessariamente elaborados pelos próprios alunos, como reprodução de excertos do material impresso de apoio, por exemplo, ou mesmo de material obtido na web. Vera chega a comentar a necessidade que sente — em determinados processos de formação — de ter um contato presencial, ainda que não freqüente, para que se possa, de início, fazer um levantamento inicial das aprendizagens já efetivadas, o que parametrizaria as construções posteriores e, ao longo do processo, para que se possa superar as dificuldades de constatação efetiva das aprendizagens, verificando, in loco, o que foi apropriado, de fato. Duas das professoras apontam o fato de que a possibilidade de se avaliar as competências conceptuais está sempre e invariavelmente ligada aos tipos de instrumentos que se utiliza para tanto. Rosângela considera a necessidade de se elaborarem instrumentos de avaliação operatória, aqueles que possibilitam “ao aluno operar com os conceitos trabalhados em curso”, como os que remetem à resolução de problemas. Ana Maria salienta que “a competência conceptual pode ser facilmente avaliada quando uma questão propõe a análise de uma situação ou prática”.

14

Ambas consideram que a simples enunciação de um conceito não revela a efetiva apropriação do mesmo pelo sujeito, podendo tratar-se, apenas, de reprodução mnemônica do discurso alheio. Ambas também apontam que esse problema não é específico das situações de aprendizagem à distância. Pode-se dizer que as dificuldades apontadas pelas professoras concentram-se em dois aspectos: a relação interlocutiva — caracterizada como ‘de confiança’ — que é estabelecida entre os interlocutores e o tipo de mediação que é feita pelos docentes. Este texto tratará desses aspectos mais adiante. Quando se fala na competência praxiológica, mais uma vez as professoras fazem referência ao tipo de material utilizado na formação (textos, atividades, situações de aprendizagem planejadas), como condição de avaliação desse tipo de conteúdo, o procedimental. Todas apontam a necessidade de que o processo educativo e, mais especificamente, o material utilizado e as atividades propostas, explicitem a relação entre teoria e prática. Rosângela considera que a análise da coerência entre os exemplos de prática relatados pelos alunos e as justificativas teóricas apresentadas são o que possibilita a avaliação da competência praxiológica. Vera considera esse o aspecto mais difícil de ser avaliado, porque pensa que “mesmo aqueles alunos que avançam do ponto de vista da competência conceptual poderão ter dificuldade em ter o mesmo desempenho no âmbito de sua práxis e a avaliação dessa práxis, de forma ampla, seria praticamente impossível nos ambientes e nas condições de trabalho de EaD” dos quais participou. Essa observação

remete a duas considerações fundamentais: primeiro, na

necessidade de se criar condições/instrumentos de acompanhamento do trabalho efetivo de cada aluno envolvido, de forma a se poder verificar o quanto, no locus de trabalho de cada um, a competência pretendida foi, de fato, construída. Em segundo lugar, leva a pensar na construção do conhecimento didático, cerne da construção da competência praxiológica. Quanto à competência meta-reflexiva, as professoras apontam, mais uma vez, para o fato de que essa avaliação só é possível se recursos/instrumentos/situações de aprendizado específicas forem propostos com essa finalidade específica. Vale ressaltar as considerações de Rosângela, que indicam os Memoriais Reflexivos ou os Diários de Bordo como bons instrumentos para a avaliação dessa competência, os quais podem, inclusive, contribuir para a construir a autonomia do aluno. No entanto, ela mesma salienta que muito “há que ser aprimorado, no que concerne ao feedback que o professor

15

dará ao aluno nessas auto-avaliações”. Preocupa-se: “o fato de que muitas vezes essa reflexão é um exercício solitário do aluno que, não colocado ‘à mesa’ para discussão, perece em si mesmo”. Mais uma vez, vê-se a preocupação das professoras com os procedimentos de mediação a serem utilizados, o que remete ao conhecimento didático a ser construído. No entanto, cabe, aqui, uma consideração: a competência meta-reflexiva precisa ser vista não apenas como competência relacionada aos conteúdos conceptuais, mas também aos procedimentais envolvidos. Competência conceptual, praxiológica e metareflexiva articulam-se inevitavelmente. A primeira refere-se à competência relacionada à construção de conceitos, mas estes, articulam-se com os procedimentos que precisam ser aprendidos para o exercício docente; relacionam-se, portanto, com a competência praxiológica, a qual, como a própria denominação já determina, prevê competência na práxis, quer dizer, na relação entre teoria e prática (FREIRE, 1970). Ambas, competência conceptual e praxiológica, constituem-se mutuamente. A competência meta-reflexiva refere-se a procedimentos de analisar, com distanciamento, a procedimentos de refletir sobre a práxis, ou seja, sobre qualquer aspecto constitutivo da ação educativa, seja ela do aprendiz ou do educador. Esse processo envolve, portanto, conceitos, procedimentos, atitudes.

B) As interações como campo de avaliação As professoras são unânimes em afirmar que as interações são fundamentais no processo de formação e ótimo campo para a realização da avaliação diagnóstica e formativa. Consideram que essas interações podem possibilitar o efetivo diálogo com o aluno, problematizando suas posições nas devolutivas realizadas. No entanto apontam, mais uma vez, para a necessidade de se estar atento às condições criadas para que essa interação aconteça como, por exemplo, número de alunos que o docente acompanhará individualmente, tipos de encontros de acompanhamento realizados (se presenciais ou em videoconferências). Mais uma vez, as respostas das professoras apontam a necessidade de cuidado com a construção de aspectos relacionados à competência praxiológica do educador.

C) A escrita e o acompanhamento do percurso cognitivo do aluno

16

A respeito desse aspecto, as professoras concordam com o fato de que a escrita, por ser um registro estável no tempo, pode ser um ótimo recurso para acompanhamento do percurso cognitivo do aluno. Todavia, ressaltam os seguintes aspectos: -

a dificuldade que os participantes podem ter com a língua escrita, o que pode prejudicar a apresentação das aprendizagens realizadas;

-

a dificuldade que podem ter no domínio da ferramenta que, aliada à dificuldade de escrita, podem ser fator que dificulte a análise das aprendizagens realizadas;

-

a utilização que os docentes podem fazer dos registros escritos realizados, que, ao contrário do que se possa pretender, podem ser transformados em meros registros burocráticos. O cuidado, então, deve orientar-se para transformar os registros realizados em conteúdo do curso. Os dois primeiros aspectos apontados indicam necessidades claras para as ações

educativas em EaD: a de que sejam previstas ações específicas de formação do aluno, no que se refere à utilização das ferramentas e da máquina, e a de que sejam previstas ações de formação leitora e escritora dos alunos. Para o educador, essas considerações apontam uma necessidade: a de que, sobretudo no início, a avaliação de aprendizagem leve em conta as dificuldades de domínio da escrita e da ferramenta, sob pena de se realizar uma avaliação equivocada e, conseqüentemente, dar-se uma orientação indevida ao processo de aprendizado, identificando falsas necessidades e construções cognitivas efetivadas. O terceiro item, mais uma vez, aponta para a competência praxiológica do docente.

D) A avaliação e os diferentes recursos midiáticos A esse respeito, todas concordam que quanto maiores forem as possibilidades e os recursos que permitam uma avaliação mais precisa e adequada dos alunos, maiores serão as possibilidades de que o processo educativo se realize a contento. Concordam, ainda, que cada recurso possui características diferentes, as quais precisam ser conhecidas pelos usuários, para que sua utilização possa ser otimizada. Cada recurso requer saberes diferentes para o seu manuseio, os quais precisam ser aprendidos. Nesse sentido, uma consideração a fazer: os recursos, em si, como qualquer ferramenta semiótica, não são bons ou ruins; o uso que se faz deles é que pode ser qualificado dessa maneira. Nessa perspectiva, é preciso conhecer tais recursos,

17

experimentá-los, identificar seus limites e suas possibilidades, quais tipos de interação permite, quais são mais adequados a quais conteúdos e a quais tipos de aprendizagens.

E) A avaliação formativa na EaD Novamente há uma concordância de opiniões: as professoras situam a avaliação formativa como inserida em uma concepção de educação não transmissiva; como tal, se um programa de EaD orienta-se por essa abordagem, a concepção de avaliação a ser adotada, necessariamente, precisa ser a formativa. Para Ana Maria, "a proposta

de avaliação classificatória tem aplicação

específica (concursos) e só tem sentido no presencial, onde os alunos podem ser fiscalizados com facilidade. Os ambientes de EaD devem ser organizados para oferecerem condições da prática da avaliação formativa". Ressaltam, no entanto, que esse tipo de avaliação, “baseada na simples quantificação de resultados, na apresentação ao tutor das tarefas realizadas pelo aluno” (Vera) não possibilitam o efetivo desenvolvimento das competências hoje desejadas para os educadores, em especial as meta-reflexivas. Fica, mais uma vez, a observação de que os princípios de avaliação orientadores das práticas de EaD não se diferenciam das situações de ensino presenciais, dado que são práticas sociais orientadas com a mesma finalidade. Tal como aponta Heloísa, há especificidades que precisam ser consideradas na EaD. Em suas palavras, "são espaços e tempos diferentes que precisam ser considerados - uma outra forma de relação que se estabelece entre professor e aluno". Nessa perspectiva, a diferença coloca-se na especificidade dos instrumentos utilizados para essa formação, da especificidade das relações interlocutivas que se estabelecem em função desses recursos, o que requer a construção de novas competências conceptuais, praxiológicas e meta-reflexivas, por parte tanto do educador quanto do aprendiz.

ALGUMAS CONCLUSÕES Grande parte das observações apresentadas pelas professoras, conforme dito acima, relacionam-se a dois grandes aspectos das situações de aprendizagem: a relação interlocutiva estabelecida entre os envolvidos e o tipo de mediação feita pelo educador. No que se refere à relação interlocutiva, é preciso considerar que estão em jogo, nesse processo, as imagens que os interlocutores têm constituídas a respeito de

18

todo o processo de ensino (BAKHTIN, 1997; ORLANDI, 1987): do lugar/papel do mediador/educador; do tipo de ação ali desenvolvida; das mídias utilizadas; do espaço de aprendizagem, em si; do seu papel e lugar social nesse processo; das finalidades colocadas para os interlocutores nesse processo. Assim, essas imagens precisam, o tempo todo, ser problematizadas no processo de formação, de maneira a serem ressignificadas de tal forma, que as relações de ensino sejam reconstruídas nas bases pretendidas na ação educativa em curso. Além disso, há que se considerar, ainda, o modo de apropriação dos sentidos e significados que efetivamente se realizam nas interações. Sabe-se que o processo de construção de conhecimento não acontece por superposição, mas por ressignificação constante das compreensões realizadas, por meio de um confronto contínuo entre sentidos de diferentes sujeitos postos em contato e entre diferentes sentidos constituídos por um mesmo sujeito, sobre aspectos/objetos semelhantes/afins. A apropriação da palavra de outrem não se dá, portanto, nem mecânica e nem imediatamente; ao contrário, é reconstruída a partir do discurso interior dos sujeitos, a partir de seus saberes pré-existentes. Inicialmente pode ser reproduzida como palavra alheia, depois como palavra própria-alheia e só depois, como palavra própria (BAKHTIN, 1997). Nessa perspectiva, quando um aluno reproduz o discurso alheio por meio de uma cópia simples, pelo menos duas questões se colocam, as quais, necessariamente, precisam ser articuladas: primeiro, é preciso saber problematizar essa fala, para que novos sentidos sejam contrapostos a ela, de modo que, ao entrar em contato com eles, o aluno possa deles ir se apropriando; reproduzir, apenas, a palavra pode ser parte do movimento de aprendizado, e não resultado de uma ação mal-intencionada. Depois, é preciso analisar quais representações tem o aprendiz sobre o que dele se espera nesse processo: ele pode pensar, por exemplo, que dele se solicita erudição e, portanto, citar autores e reproduzi-los pode ser uma tentativa de corresponder a essa expectativa; pode pensar, ainda, que citar pode ser indício de seu interesse pelo assunto, da sua aplicação e, mais ainda, da sua maestria em lidar com a mídia, caso se trate de trecho encontrado em pesquisa web. Pode, ainda, pensar que é esse o papel do educando: reproduzir o que pensam os autores, produtores de conhecimento reconhecidos socialmente, o que revela uma concepção de que seu papel não é produzir conhecimento também, mas apenas receber o que outros já produziram, ou de que o processo de aprendizado acontece por justaposição, ou de que aprender significa utilizar a memória, apenas.

19

Assim, reitera-se: no processo educativo, nele inclusas as práticas de avaliação, essas representações devem, o tempo todo, estar sendo tematizadas para poderem ser ressignificadas. Esse processo de ressignificação implica a construção de novas representações e imagens que, mais uma vez, precisarão ser tematizadas. Trata-se, portanto, de processo contínuo e permanente e requer a construção de procedimentos que possibilitem ao docente lidar com essa questão. Quanto ao tipo de mediação realizada pelo docente, um conhecimento é fundamental ao processo de formação, sejam eles presenciais, semi-presenciais ou à distância: o conhecimento didático. É importante esclarecer que este conhecimento didático não se refere a um conjunto de ‘técnicas’ que se aprende e que, a partir delas, organiza-se situações de aprendizado. Tampouco defende-se a idéia de que o conhecimento didático é diretamente deduzível do conhecimento teórico-conceitual sobre os diferentes objetos de ensino. Ele próprio — o conhecimento didático — deve ser objeto de estudo e de aprendizagem, organizado e sistematizado teoricamente, sustentado, apoiado e articulado a teorias de outras naturezas. Em concordância com Lerner (1993) e Brousseau (1988) considera-se que a didática pressupõe o estudo teórico sobre a organização das aprendizagens no processo educativo. Esse estudo inclui a definição de instrumentos a serem utilizados nas situações de aprendizado, a seleção de recursos a serem empregados, a identificação de quais tipos de atividades são mais adequados a quais tipos de aprendizagem. São, portanto, conhecimentos que, organizados e sistematizados teoricamente, precisam ser tematizados nos processos de formação. Para além disso, em um processo de formação de professores a tomada de decisão sobre a orientação didática do trabalho é conhecimento que precisa, por um lado, ser vivenciado pelos interlocutores, dado que num processo de interação e interlocução o movimento dialógico também é apropriado; por outro, os procedimentos envolvidos nessa tomada de decisão, assim como as suas justificativas, precisam ser explicitados e tomados como objeto de reflexão, como objetos de aprendizagem. Quando se trata de processos de formação à distância, todas as questões apontadas acima se colocam. No entanto, além de tudo, tais instrumentos requerem experimentação e estudo, dada a necessidade de se aprender a utilizá-los em processos de aprendizagem específicos.

20

Essa experimentação e estudo devem considerar todo o contexto de interação no qual o processo será desenvolvido: -

o espaço/tempo de realização;

-

os lugares sociais que ocupam os interlocutores;

-

as representações que têm esses interlocutores sobre todos os aspectos envolvidos nesse processo, incluindo a si próprios;

-

as características do objeto de conhecimento que será tematizado;

-

as possibilidades de utilização da ferramenta a sua adequação à natureza do objeto;

-

o tipo de mediação necessária e adequada, considerando-se todos os aspectos anteriormente indicados;

-

as competências que precisam ser construídas por educador e educando, para poderem interagir nessas situações de aprendizado. Como se vê, os aspectos apontados levam, por um lado, à competência praxiológica

do educador para organizar a sua mediação. Essa competência supõe conhecimento: -

do objeto de conhecimento tematizado;

-

da natureza do processo interlocutivo no qual o processo de ensino se realiza, predominantemente verbal;

-

reflexivo,

para

problematizar

sentidos,

representações,

imagens,

que,

inevitavelmente circulam nos espaços de formação, determinando possibilidades e modos de aprendizagem; -

didático, para selecionar instrumentos e organizar atividades adequadas às aprendizagens pretendidas;

-

das ferramentas/instrumentos pelos quais o processo de ensino ocorrerá (que são as mídias interativas disponíveis, as quais, ao mesmo tempo que definem possibilidades, também colocam restrições claras de utilização nas situações de ensino, condicionando-as). Se considerarmos que a relação interlocutiva é sempre dialógica e dialética,

também há uma outra competência praxiológica a ser construída: a do aprendiz. Mais do que dominar as especificidades técnicas dos recursos, esta competência refere-se a como participar de situações de interação nessa condição: que procedimentos utilizar para participar de uma videoconferência, como realizar as atividades preparadas para um ambiente de aprendizagem na web, como responder a questões propostas em um fórum de discussão; como reagir aos comentários das devolutivas feitas pelo mediador; o que esperar das atividades realizadas em fóruns de socialização; o que esperar e como

21

desenvolver estudos pessoais e como encaminhar a sua reflexão ao mediador, por exemplo. São conteúdos procedimentais que, paralelamente a outros, precisam compor o currículo de um projeto de ensino à distância, sob pena de os demais não serem apropriados se estes não o forem. A vivência e diálogos mantidos na pesquisa permitem ampliar a compreensão da avaliação de aprendizagem, no contexto da Educação a Distância. A sociedade contemporânea tem se erguido em meio à volatilização dos bens materiais e culturais, bem como dos relacionamentos. À contramão deste movimento, a concepção de avaliação formativa, ao defender um processo de avaliação que refute os aligeiramentos e busque aproximar os sujeitos em interação, pode vir a engendrar nova sensibilidade aos programas de formação de educadores realizados em ambientes digitais. Sabe-se da complexidade e dos múltiplos desafios propostos a tais programas. Por isso mesmo, não cabe aqui uma visão simplista do processo de avaliação no contexto da EaD. Coube apenas buscar na abordagem de avaliação formativa, inserida na concepção educativa acima anunciada, contribuições para o desenvolvimento e implementação de programas de formação de educadores voltados à formação deste sujeito social, como construtor da sua história sócio-política.

BIBLIOGRAFIA ABRECHT, R. A avaliação formativa. Rio Tinto, Portugal: Edições SA, 1995. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BRAKLING, K. L. Processos de apreensão do discurso educativo escolar: Possibilidades de transformação. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Dissertação, Mestrado, 1997. CHIZZOTTI, A. Pesquisas em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 1998. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1970. GUARESCHI, P. & JOVCHELOVITCH, S. (org.). Textos em Representações sociais. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 1998. KRAMER, E. A. et al. Educação a distância: da teoria à prática. Porto alegre: Alternativa, 1999. LERNER, D. Capacitação em serviço e mudança na proposta didática vigente. Apresentação no encontro de especialistas — C.E.R.L.A.L. Projeto Renovação de Práticas Pedagógicas na Formação de Leitores e Escritores. Bogotá, 1993.

22

LITWIN, E. (org.). Educação a Distância: temas para o debate de uma nova agenda educativa. Trad. F. Murad. Porto Alegre: Artmed, 2001. LUCKESI, C. C. O que é mesmo o ato de avaliar a aprendizagem? Porto Alegre: Artmed, 2000. NISKIER, A. Educação a distância: a tecnologia da esperança. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2000. ORLANDI, E. A linguagem e seu funcionamento. As formas do discurso. Campinas: Pontes Editora, 1987. PALLOFF, R. M. & PRATT, K. O aluno virtual: um guia para trabalhar com estudantes online. Porto Alegre: Artmed, 2004. PERRENOUD. P. et al. (org.) Formando professores profissionais: Quais estratégias? Quais competências? 2ª ed. Trad. F. Murad e E. Gruman. Porto Alegre: Artmed, 2001. PESCE, L. M. Dialogia digital: buscando novos caminhos à formação de educadores em ambientes telemáticos. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tese, Doutorado, 2003. SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (ed.). Os professores e sua formação. Lisboa, Pt: Publicações Dom Quixote, 1997. p. 77-91. SMOLKA, A. L. B & WERTSCH, J. V. (1993). Continuando o diálogo: Vygotsky, Bakhtin e Lotman.

In: HARRY DANIELS (org.) (1993). Vygotsky em foco:

pressupostos e desdobramentos: 121-150. Campinas: Papirus, 1994. VALENTE, J. A. Criando ambientes de aprendizagem via rede telemática: experiências na formação de professores para o uso da informática na educação. Disponível em: Acesso em: junho de 2002. VYGOTSKY, L. S. (1934). Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991. VOLOCHINOV, V. N. (1929). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.

Anexo - Questionário aplicado aos sujeitos de pesquisa 1) Quais as facilidades e dificuldades que você tem encontrado para avaliar a competência conceptual de seus alunos, nos ambientes de EaD (VC e web)? Explique.

23

2) Você considera possível avaliar a competência praxiológica nos ambientes de EaD? Se sim, de que maneira? Se não, justifique. 3) E a competência metareflexiva, você considera possível avaliá-la nesses ambientes de EaD? De que forma? (Considere, aqui, a necessidade de se propiciar a reflexão do aluno sobre seu percurso no curso, identificando avanços e pontos de fragilidade na sua formação, que ainda merecem atenção). 4) Em que medida as interações entre os alunos e entre você e eles podem ser consideradas campo de avaliação de aprendizagem do aluno, nos ambientes de EaD? 5) "O fato do ambiente web trabalhar fundamentalmente com a escrita pode ser considerado positivo para o acompanhamento mais detalhado do percurso cognitivo do aluno, tendo em vista a possibilidade de um mapeamento capilar das produções e reflexões discentes". Você concorda ou discorda desta afirmação? Justifique. 6) "O fato das interações com os alunos ocorrerem nas VCs e no ambiente web pode vir a garantir uma avaliação mais detalhada, do que se ela ocorresse ancorada somente em um dos referidos ambientes". Você concorda ou discorda desta afirmação? Justifique. 7) Você acha possível avaliar os alunos em ambientes de EaD na perspectiva da avaliação formativa, que se contrapõe à avaliação classificatória e, dentre outros aspectos, contempla a avaliação diagnóstica e processual? 8) Se quiser, comente outros aspectos do tema 'avaliação de aprendizagem em EaD', que você considere relevantes e que não tenham sido contemplados nas questões anteriores.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.