Avaliação do comportamento biomecânico da vértebra nativa e protésica

May 24, 2017 | Autor: I. Alcântara | Categoria: Computational Mechanics, Finite Element Methods, Stress Shielding, Prostetics
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Rev Port Ortop Traum 19(2): 105-113, 2011

Investigação

Avaliação do comportamento biomecânico da vértebra nativa e protésica Idalina Alcântara, Sérgio Silva, António Completo, Fernando Fonseca, José Veloso, António Ramos, Carlos Relvas, José Simões Departamento de Engenharia Mecânica. Universidade de Aveiro. Portugal. Serviço de Ortopedia. Hospitais da Universidade de Coimbra. Portugal. Faculdade de Ciências da Saúde da Beira Interior. Covilhã. Portugal.

Idalina Alcântara Sérgio Silva António Completo António Ramos Carlos Relvas José Simões Departamento de Engenharia Mecânica. Universidade de Aveiro Fernando Fonseca Serviço de Ortopedia. Hospitais da Universidade de Coimbra Faculdade de Ciências da Saúde da Beira Interior. Covilhã José Veloso Serviço de Ortopedia. Hospitais da Universidade de Coimbra Aceite em: 2010 Declaração de conflito de interesses: Nada a declarar. Correspondência: Antonio Completo Departamento de Engenharia Mecânica Universidade de Aveiro 3810-193 Aveiro Portugal [email protected]

RESUMO A Doença Degenerativa do Disco refere-se, em geral, à instabilidade e à degenerescência estrutural do disco intervertebral. Essa degenerescência ocorre como parte do processo normal de envelhecimento e é muito frequentemente causa de dor. Se a dor se torna crónica e não responde aos tratamentos não-cirúrgicos, a substituição total do disco é uma alternativa que permite preservar o movimento na coluna vertebral e eliminar, ou diminuir, a dor. Contudo, os resultados da artroplastia de disco não são melhor que a fusão vertebral e não são comparáveis com o elevado sucesso de outras artroplastias. Assim, o objetivo do presente estudo foi determinar de que modo a substituição do disco lombar altera a biomecânica das vértebras adjacentes relativamente à situação natural, avaliando os riscos dessas modificações em termos de alteração do mecanismo de remodelação óssea e dano por ação de fadiga no osso, utilizando, para isso, modelos computacionais pelo método dos elementos finitos. Foram estudados dois modelos no nível L4-L5, um em que o disco foi substituído pela prótese Prodisc-L® e outro que permaneceu intacto, para uma atividade fisiológica de marcha. Os resultados de deformação observados no osso cortical e no osso esponjoso, sob o disco intervertebral, evidenciam que a passagem do disco nativo para o disco protésico altera o comportamento biomecânico das vértebras adjacentes. O risco de falência da prótese de disco intervertebral parece, de facto, não estar relacionado com o efeito de "stress-shielding" e, logo, com a reabsorção óssea, devido a uma diminuição do estímulo mecânico (deformação) do osso. Pelo contrário, o risco, a existir, resulta de um processo de fratura por fadiga (fratura de "stress") da vértebra, já que se observou um incremento do nível de deformação nas vértebras adjacentes à prótese relativamente à situação natural. Contudo, este risco parece não existir para os níveis de

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carga considerados neste estudo. No entanto, em casos que a atividade fisiológica aumente significativamente a carga sobre a vértebra adjacente à prótese e seja uma atividade repetitiva, o risco de fratura de "stress" pode estar presente. Um comentário breve, baseado nos resultados deste estudo, seria que um paciente sujeito a esta artroplastia deveria evitar esforços que vão para além de uma atividade fisiológica normal, especialmente se estes forem repetitivos. Palavras chave: Prótese de disco, método de elementos finitos, mecânica computacional, "stress-shielding" ABSTRACT The degenerative disc disease refers to the general instability and structural degeneration of the intervertebral disc. This degeneration occurs as part of normal aging and may be associated with pain. If the pain becomes chronic and does not respond to non-surgical methods, the total disc replacement is an option to preserve motion in the spine and eliminate or reduce the pain. However, the performance of total intervertebral disc arthroplasty is not better than the spinal fusion, and is not comparable with the high success of other arthroplasties like knee or hip. Thus, the objetive of the present study was to determine how the replacement of lumbar disc changes the biomechanics of the adjacent vertebrae relatively to the native condition, evaluating the risks of these changes in terms of the changing the bone remodeling process and bone damage by the action of fatigue loads. For that were used computational models for finite element analysis. We studied two models at the level of lumbar segments L4-L5, one in which the native disk has been replaced by a prosthetic disk Prodisc-L® and other who remained the native disk, at the level walking activity. The results of deformation observed in the cortical and cancellous bone of vertebrae show that the alteration from native to prosthetic disc changes the biomechanical behavior of the adjacent vertebrae. The risk of failure of the intervertebral disc replacement does not seem to be related to the effect of "stress shielding" and then with bone resorption due to a decrease of the mechanical stimulus (strain) in bone. Rather, if the risk exists, its do to a process of fatigue (stress frature) of the vertebra, due an increase in the level of deformation in the prosthetic vertebrae relatively to the native condition. However, this risk seems do not exist for the load levels used in this study. However, in cases where the physiological activities significantly increase the load on the prosthetic vertebra and that are a repetitive the risk of stress frature may be present. A brief message based on the results of this study is that a patient subject to this arthroplasty should avoid efforts that go beyond a normal physiological activity especially if they are repetitive. Key words: Spine implant, finite element method, computational mechanics, stress-shielding

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Avaliação do comportamento biomecânico da vértebra nativa e protésica INTRODUÇÃO A artroplastia total de substituição teve, e tem, um grande impacto na forma como os médicos ortopedistas tratam uma grande variedade de doenças articulares. A artroplastia total da anca tem sido relatada com uma elevada taxa de satisfação por parte dos doentes, sendo a artroplastia total do joelho a mais realizada atualmente. Entretanto, a artroplastia da coluna ficou relegada para trás, quer temporariamente quer tecnologicamente. A artroplastia de disco é uma solução cirúrgica, entre outras, para a Doença Degenerativa Vertebral que, em geral, se refere à instabilidade e degenerescência estrutural do disco intervertebral. Essa degenerescência ocorre como parte do processo normal de envelhecimento. À medida que o corpo envelhece, o núcleo desidrata-se, comprometendo a sua capacidade de amortecimento das cargas sofridas. O anel cartilaginoso pode, também, começar a degenerar devido a repetidas cargas em atividades diárias que, em alguns casos, podem conduzir a hérnia discal. Fatores como hereditariedade, estilo de vida e trauma podem afetar a taxa de degenerescência discal. Em alguns casos, as alterações degenerativas podem estar associadas ao aparecimento de dor. Normalmente, esta é temporária e pode ser aliviada com tratamentos não-cirúrgicos. No entanto, se a dor se torna crónica e não responde aos tratamentos não-cirúrgicos, a intervenção cirúrgica pode tornar-se necessária. Neste caso, as opções são a fusão vertebral (artrodese) ou a substituição total do disco. Com a introdução da prótese de disco, os cirurgiões passaram a poder oferecer aos seus doentes uma alternativa à artrodese. O procedimento da substituição total do disco destina-se a aliviar a dor e a preservar o movimento na coluna vertebral. A cirurgia de artroplastia destina-se a remover o disco doente, restaurar a altura normal do disco e reduzir a dor discogénica com a preservação do movimento do segmento vertebral afetado. Contudo, o desempenho da prótese de disco intervertebral não é melhor que a fusão vertebral e não é comparável com o elevado sucesso de outras artroplastias[ 1, 2]. Presentemente, a avaliação científica da artroplastia do disco tem

incidido na mobilidade, estabilidade, osteointegração e desgaste[ 3], mas não na restauração das cargas normais nas vértebras. A incapacidade de restaurar as condições de cargas normais nas vértebras, após implantação da prótese de disco intervertebral, pode ser um fator que contribui para a falência desta técnica. No caso do disco nativo normal, este comportase hidrostaticamente, sendo a carga transmitida uniformemente pelo núcleo e anel cartilaginoso aos pratos cranial e caudal das vértebras[ 4, 5]. A doença degenerativa do disco origina alterações estruturais e o comportamento hidrostático do disco modificase, diminuindo o volume do núcleo e tornando o anel cartilaginoso mais rígido. Estas alterações biomecânicas modificam a transferência de carga entre as vértebras, como evidenciam estudos in vitro e in vivo [ 6-8]. A presença localizada, de picos de tensão, na vértebra é relatada, em casos de dor, em pacientes com discos degenerados [9]. Uma alteração na biomecânica do disco vertebral irá alterar a forma de transferência de carga na vértebra, especialmente, na zona vizinha do disco e no osso esponjoso. A alteração do estado tensão/deformação na vértebra, relativamente ao seu estado natural, poderá resultar em alterações estruturais da mesma, devido a alteração do processo de remodelação óssea. Assim, colocamos como hipótese que a realização da artroplastia de disco, com a colocação de um disco artificial, resulta numa alteração das cargas sobre as vértebras, podendo conduzir ao surgimento de dor ou dano no osso, dependendo dos níveis de alteração ocorridos relativamente à situação natural (disco nativo) e podendo ser esta uma razão para os baixos níveis de sucesso conseguidos com esta técnica quando comparada com a artroplastia de outras articulações. Assim, o objetivo do presente estudo foi determinar de que modo a substituição total do disco lombar altera a biomecânica das vértebras adjacentes, relativamente à situação natural, avaliando os riscos destas alterações em termos de alteração do mecanismo de remodelação óssea e dano por ação de cargas de fadiga, tendo para isso sido utilizado o método dos elementos finitos.

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Idalina Alcântara et al MATERIAIS E MÉTODOS Para este estudo foram criados dois modelos numéricos de elementos finitos, que correspondem, um à articulação nativa (L4-L5), e outro à articulação protésica (L4-L5). A diferença entre os dois modelos limitou-se à zona do disco intervertebral, sendo no primeiro replicada a articulação nativa com o núcleo pulposo e o anel cartilaginoso e no segundo a prótese de disco. Os modelos geométricos 3D das vértebras L4 e L5 foram gerados através do software de CAD Catia V5 R19 (Dassault Systèms, França), com base na digitalização de modelos anatómicos 3D das vértebras L4-L5 (Sawbones, Pacific Research Labs, Vashon Island, WA) (Figura 1), com recurso a um scanner laser (Roland Picza LPX-250). Após a digitalização, as nuvens de pontos correspondentes às vértebras L4 e L5 foram utilizadas para a geração das superfícies externas das vértebras correspondentes ao osso cortical (superfícies externa). A superfície interna correspondente ao limite do osso esponjoso foi gerada por translação da superfície cortical. Para o disco intervertebral, representativo da articulação nativa, foram modelados, como sólidos, o núcleo pulposo e o anel cartilaginoso, de acordo com as dimensões do modelo anatómico utilizado (Figura 1). Para a geração do modelo protésico utilizaram-se as mesmas vértebras geradas para o modelo nativo (Figura 2). A geometria do disco protésico utilizado foi o ProDisc-L® (Synthes GmbH, Suíça) (Figura 2), com as dimensões do tamanho M (27x34.5) e uma espessura de 12mm, tendo sido modelados os três componentes como sólidos, por medição direta sobre o modelo real. O posicionamento do implante, entre as vértebras, foi realizado de acordo com o especificado no guia técnico cirúrgico para a este tipo de implante [10]. As superfícies dorsais e ventrais das vértebras adjacentes ao disco foram ligeiramente modificadas (desbastadas), de forma a se obter uma superfície plana de contacto entre o osso cortical das vértebras e os componentes metálicos do disco (Figura 2). Com base nos modelos geométricos 3D dos diferentes componentes, geraram-se, de forma semiautomática, as malhas de elementos finitos da articulação nativa 108

e protésica, através do módulo de análise estrutural do software CATIA V5R19 (Dassault Systèms, França) (Figuras 1 e 2). As propriedades mecânicas dos diferentes componentes (vértebras, prótese, disco nativo) foram consideradas isotrópicas, homogéneas e lineares elásticas, sendo estas suposições aplicadas quer ao osso esponjoso quer ao cortical (Tabela 1). A consideração de propriedades anisotrópicas dos materiais “ósseos” não alteraria as conclusões obtidas neste estudo devido à sua natureza comparativa. Todas as interfaces entre os diversos componentes e as vértebras foram modeladas como rigidamente ligadas, sem a possibilidade de deslizamento quer para o modelo nativo quer para o modelo protésico. No caso do modelo protésico, a interface entre o componente de polietileno e o componente metálico, na zona da articulação, foi considerada em contacto com atrito, com um coeficiente de atrito de 0,035 [11]. Foram simulados modelos numéricos com 104689 (modelo nativo) e 110356 (modelo protésico) elementos e 24635 e 26564 nós, respetivamente. O tipo de elemento utilizado foi o tetraédrico linear de 4 nós. Ambos os modelos foram rigidamente fixos através da face inferior da vértebra L5. Foi aplicada uma carga vertical de 500N à superfície superior da vértebra L4, tendo sido apenas permitido o seu movimento na direção vertical. A carga aplicada é representativa do ciclo de marcha. Foram analisadas as deformações principais de tração (máximas) e compressão (mínimas), no osso cortical ao longo do contorno do disco intervertebral, assim como, as deformações principais de compressão no osso esponjoso adjacente ao disco intervertebral, nos modelos da articulação nativa e protésica.

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Figura 1. Modelos anatómico A) e de malha de elementos finitos B), utilizado para o articulação nativa L4-L5.

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Figura 2. Disco protésico ProDisc-L® A), modelo CAD do disco protésico B) e malha do modelo de elementos finitos C) para a articulação protésica L4-L5.

RESULTADOS Os resultados das deformações principais de compressão (ε2) e de tração (ε1), no osso cortical ao longo do contorno do disco intervertebral (natural e protésico), encontram-se representados na figura 3 para a vértebra L4. As deformações principais de tração (ε1) aumentaram em toda a periferia do disco com a colocação do disco protésico, relativamente à condição nativa. Esse aumento foi, em média, de +250% com um pico na zona posterior de +420%. Os resultados evidenciam que as deformações principais de tração, no osso cortical, têm uma distribuição mais uniforme no caso nativo do que no caso protésico.

Tabela 1. Propriedades mecânicas dos materiais dos modelos computacionais. Material/Componente

Módulo de Young (MPa)

Coeficiente de Poisson (v)

Placas metálicas do disco protésico (CrCoMo) Disco polietileno (UHMWPE) Osso cortical Osso trabecular Anel pulposo Anel cartilaginoso

214x103

0,30

725 12x103 100 1,5 4,2

0,38 0,30 0,20 0,49 0,45

O desvio padrão das deformações, em torno dos disco, foi mais elevado cerca de três vezes para o caso protésico, relativamente ao nativo. No caso das deformações principais de compressão (ε 2), aumentaram em valor nominal com a introdução do disco protésico, relativamente ao disco nativo. Em média, esse aumento foi de +200%, tendo ocorrido o máximo na zona posterior, com um valor de +1600%. Os gradientes das deformações principais de compressão, no osso esponjoso, na vértebra L4 sob o disco intervertebral (natural e protésico), encontramse representados na figura 4. As deformações de compressão, no osso esponjoso da vértebra nativa, evidenciam uma distribuição bastante uniforme das mesmas em torno do disco, com um aumento nominal dos valores de deformação da periferia para o núcleo. O valor nominal máximo de deformação, no núcleo, foi de 201 x10-6m/m e na periferia de 43 x10-6m/m. No caso da articulação protésica, os gradientes das deformações de compressão no osso esponjoso foram significativamente menos homogéneos na sua distribuição do que a situação nativa. Os valores mais elevados apresentaram-se, essencialmente, no lado direito da vértebra. O valor nominal máximo de deformação de compressão foi de 398 x10-6m/m e o valor mínimo de 189 x10-6m/m.

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Figura 3. Deformações principais de tração (à esquerda) e compressão (à direita), no osso cortical, em torno do disco nativo e protésico na vértebra L4.

Figura 4. Deformações principais de compressão no osso esponjoso, adjacente ao disco intervertebral, para o modelo nativo (à esquerda) e protésico (à direita). 110

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Avaliação do comportamento biomecânico da vértebra nativa e protésica DISCUSSÃO Os valores de deformação, observados no osso cortical na periferia do disco intervertebral, e os gradientes de deformação, no osso esponjoso sob o disco intervertebral, evidenciam que a passagem do disco nativo para um disco protésico altera o comportamento biomecânico das vértebras adjacentes. Os resultados demonstram, claramente, que o disco nativo possui uma ótima capacidade de distribuição das deformações de compressão na vértebra, quer no osso cortical quer no osso esponjoso. De facto, este comportamento revela claramente a eficácia do comportamento do disco nativo. Para isso contribuem claramente as propriedades elásticas do núcleo pulposo e do anel cartilaginoso, com valores de rigidez baixos (E=4.2 MPa) e com um comportamento perto da incompressibilidade através do seu elevado coeficiente de Poisson (v=0.45). No entanto, não podemos deixar de ter em conta que os resultados obtidos para a situação nativa, neste estudo, são apenas representativos de um disco saudável e não de um disco degenerado, que poderá conduzir a outras distribuições de deformação nas vértebras. A realização da artroplastia do disco, com a substituição do disco nativo pelo disco protésico, altera o comportamento biomecânico da vértebra relativamente à situação nativa. Os resultados das deformações no osso cortical e no osso esponjoso, induzidas pela colocação do disco protésico, evidenciam uma menor capacidade de distribuição homogénea da deformação no corpo da vértebra. No caso do osso cortical, onde o disco protésico se encontra fixo, verifica-se um aumento das deformações principais, especialmente evidentes na zona posterior da vértebra. Este aumento pode estar relacionado com a menor capacidade de o disco protésico transmitir os esforços à vértebra de uma forma homogénea. O facto de o disco protésico apresentar uma rigidez muito mais elevada (E=214 MPa) do que o osso (E=12 MPa), faz com que a este funcione como uma “viga” que transmite a carga aplicada para as zonas de apoio (vértebra), que oferecem mais rigidez e, logo, maior capacidade de suporte. Este aumento da carga transmitida localmente

aumenta o nível de deformação do material de suporte (vértebra). Este facto parece ter enquadramento na análise realizada, já que a vértebra, na zona posterior, apresenta uma forma côncava rodeada pelos dois pedículos, contribuindo para um incremento da sua rigidez nesta zona, relativamente à restante periferia de forma convexa, que oferece menor rigidez e, logo, menor capacidade de suporte. Assim, a cortical posterior da vértebra parece ser aquela região que mais permanece solicitada mecanicamente com a introdução do disco protésico. O valor nominal de pico de deformação de compressão nesta região (1120 x10-6m/m) foi ligeiramente inferior ao máximo considerado normal no osso cortical, que se situa em 1500 x10-6m/m (Frost 2004) para um processo de remodelação óssea normal. Relativamente ao comportamento biomecânico do osso esponjoso na vértebra protésica, verifica-se um aumento generalizado da deformação de compressão relativamente à situação nativa, sendo este aumento mais importante na zona periférica do osso esponjoso, já que no centro da vértebra podemos considerar os níveis de deformação relativamente idênticos aos observados na situação nativa. Este aumento pode estar relacionado com a diminuição da espessura de osso cortical nas faces cranial e caudal das vértebras, em consequência do desbaste realizado para o encaixe do implante protésico, levando a que estas ofereçam menor rigidez e, logo, transmitam mais carga para o osso esponjoso adjacente quando comparado com o caso nativo. Outro facto que deve ser considerado neste aumento do valor de deformação no osso esponjoso da vértebra protésica, relativamente à nativa, é a indeformabilidade à compressão do disco protésico (aço-polietileno-aço), quando comparado com o nativo. Esta indeformabilidade à compressão faz com que toda a carga aplicada a uma vértebra passe para a outra somente através das faces cranial e caudal, onde se encontra fixo o implante. Por outro lado, no caso nativo, devido à deformabilidade axial do disco, parte da carga é transmitida pelos processos articulares superiores/inferiores das vértebras, que entram em contacto entre si com a diminuição de espessura do disco nativo, contribuindo desta forma para uma Volume 19 • Fascículo II • 2011

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Idalina Alcântara et al diminuição parcial da carga transmitida pelo disco nativo às vértebras. Este facto ficou bem evidente na nossa análise computacional, já que quando se comparam os níveis de deformação nas regiões dos processos articulares superiores/inferiores, os valores foram superiores para a articulação nativa quando comparada com a articulação protésica. De uma forma geral podemos concluir que a substituição do disco intervertebral aumenta a solicitação mecânica nas vértebras adjacentes, relativamente ao disco nativo, quer por uma visível inferior capacidade de transmissão uniforme da carga ao osso, quer devido à diminuição de espessura das faces cranial e caudal das vértebras para fixação do implante, quer, ainda, pelo facto de o disco protésico impossibilitar, parcialmente, a transferência de carga entre as vértebras nas zonas dos processos articulares superiores/inferiores. Assim, o risco de falência da substituição do disco intervertebral parece, de facto, não estar relacionada com o efeito de “stressshielding”, efeito este que pode conduzir à reabsorção óssea devido a uma diminuição do estímulo mecânico (deformação) do osso. Pelo contrário, o risco, a existir, resulta de um processo de fratura por fadiga (fratura de “stress”) da vértebra, já que as deformações mais elevadas, no caso da existência de prótese relativamente à situação nativa, podem conduzir a que a taxa de remodelação óssea não seja suficiente para reparar a acumulação de microfissuras que se vão desenvolvendo no osso devido à sobrecarga, conduzindo a uma acumulação de dano e possível falha. Contudo, este risco parece não existir para os níveis de carga utilizados neste estudo, já que o níveis de deformação se situaram dentro da normalidade para

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o osso, no entanto pontualmente bem mais elevados que na situação nativa. Mas, em casos em que a atividade fisiológica aumente significativamente a carga sobre a vértebra protésica e seja uma atividade repetitiva, o risco de fratura de “stress” pode estar presente. Os resultados nominais obtidos, assim como, as considerações realizadas em torno dos mesmos, devem ser interpretados à luz das várias limitações deste estudo, pois apenas serão válidos para as condições do estudo realizado, tais como o tipo de implante, as dimensões das vértebras e implante, a carga aplicada, etc. Certamente outras condições ao nível da geometria e carga poderão conduzir a outros resultados, contudo, devido ao caráter comparativo do estudo em que apenas o disco foi alterado nos modelos computacionais, pensamos que os resultados refletem as principais diferenças entre as duas soluções, assim como, os riscos associados à solução protésica. Em conclusão, a substituição protésica do disco intervertebral, possibilitando uma recuperação da mobilidade da coluna vertebral com a redução da dor sentida pelo doente, parece ser uma solução viável, no entanto, tal como em outras artroplastias, o facto de ser colocado material adjacente ao osso com elevada rigidez pode potencializar outros riscos que devem ser tidos em conta pelo médico e pelo doente. Este estudo sugere que o esforço a que o implante está sujeito pode ser decisivo para a sua longevidade e sucesso da artroplastia. Um breve comentário, baseado nos resultados deste estudo, seria que um doente sujeito a artroplastia de disco deveria evitar esforços que vão para além de uma atividade fisiológica normal e, especialmente, se estes forem repetitivos.

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Avaliação do comportamento biomecânico da vértebra nativa e protésica BIBLIOGRAFIA 1. Blumenthal S, McAfee PC, Guyer RD, Hochschuler SH, Geisler FH, Holt RT, et al. 2005. Randomized multicenter food drug administration investigational device exemptions study of lumbar total disc replacement with the CHARITE(TM) artificial disc versus lumbar fusion: Part I: evaluation of clinical outcomes. Spine: 30, 1565. 2. Zindrick MR, Lorenz MA, Bunch WH. 2005. Editorial response to parts 1 and 2 of the FDA IDE Study of lumbar total disc replacement with the Charite (TM) artificial disc vs. lumbar fusion. Spine: 30, 388. 3. Cunningham BW, Gordon JD, Dmitriev AE, Hu N, McAffee PC. 2003. Biomechanical evaluation of total disc replacement arthroplasty; an in vitro human cadaveric model. Spine: 28 (20), 110. 4. Adams MA, Dolan P. 2005. Spine biomechanics. Journal of Biomechanics: 38, 1972. 5. Dolan P, Adams MA. 2001. Recent advances in lumbar spinal mechanics and their significance for modelling. Clinical Biomechanics: 16, 8.

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Texto em conformidade com as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, convertido pelo programa Lince (© 2010 - ILTEC).

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