Avaliação do perfi l dos gestores das políticas de promoção da igualdade racial no Brasil

July 3, 2017 | Autor: Dijaci Oliveira | Categoria: Sociology, Ethnic and Racial Studies, Public Policy
Share Embed


Descrição do Produto

FUNDAÇÃO DE APOIO À PESQUISA NA UFG (FUNAPE) Albenones José de Mesquita Diretor Executivo

SECRETARIA ESPECIAL DE PROMOÇÃO DE POLÍTICAS DE IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Edson Santos Ministro

Matilde Ribeiro Ministra (2003–2007)

Sadi Dal Rosso (Org.) • Dijaci David de Oliveira Nelson Fernando Inocêncio da Silva • Ricardo Barbosa de Lima Sales Augusto dos Santos • Vilma de Fátima Machado

Goiânia, 2008

© 2008 by Sadi Dal Rosso (Org.)

Direitos reservados para esta edição: Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (SEPPIR)

Proibida a reprodução total ou parcial (sanções previstas na Lei 5.988 de 15/12/73, artigos 122–130). Equipe CEGRAF Capa: Hugo Assunção Projeto gráfico: Gabriel Moura Revisão: Alessandra Amorin

Catalogação-na-fonte P769

Políticas para a promoção da igualdade racial no Brasil: o papel da SEPPIR /organizado por Sadi Dal Rosso –. Goiânia: FUNAPE / Programa de Direitos Humanos da UFG, 2008. 200 p. ; 15,0 x 21,0 cm. ISBN 978-85-87191-10-6 1. Direitos humanos - Brasil. 2. Igualdade racial - Brasil. 3. Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (SEPPIR). I. Sadi Dal Rosso; II. Dijaci David de Oliveira. III. Nelson Fernando Inocêncio da Silva. IV. Ricardo Barbosa de Lima. V. Sales Augusto dos Santos. VI. Vilma de Fátima Machado.VII. Título CDU 341.231.14

SUMÁRIO 7

Introdução

13

Histórico das políticas públicasde promoção da igualdade racial: breve avaliação dos últimos 20 anos

19

Avaliação do perfi l dos gestores das políticas de promoção da igualdade racial no Brasil

43

Há um sistema de promoção da igualdade racial em Macapá e no estado do Amapá?

61

A implantação de um sistema de promoção da igualdade racial no município de Vitória da Conquista (BA)

101

A implantação de um sistema de promoção da igualdade racial no Matogrosso do Sul e no Município de Corguinhos

159

A implantação de um sistema de promoção da igualdade racial no município de viamão (rs)

175

As políticas públicas com um sistema

181

Institucionalidade das políticas

181

de promoçãode igualdade racial

185

Qualificação profissional

189

Conclusão

195

Referências

203 Sobre os autores

5

6

INTRODUÇÃO Neste texto apresentam-se os resultados de uma análise em que se procurou verificar se as políticas colocadas em prática pelos governos federal, estaduais e municipais formam um conjunto articulado de ações capazes de promover a igualdade racial no Brasil, bem como se constituem ou não um sistema. Além disso, também são mencionados os obstáculos e problemas enfrentados nessa área, com uma explanação sobre o modo como se desenvolvem as relações em tais esferas no tocante às políticas e ainda ao tipo de institucionalidade implementada nos organismos envolvidos. Para essa análise, tomam-se como parâmetro as avaliações dos/as gestores/as estaduais e municipais sobre as políticas em seu conjunto, sobretudo quanto ao alcance dos benefícios locais para o público-alvo. Para o levantamento de informações, procedeu-se: 1) a levantamento documental e de dados agregados à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – Presidência da República (Seppir-PR); 2) a preenchimento de questionários com todos/as os/as gestores/as participantes do V Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (Fipir), realizado em Brasília entre os dias 23 e 26 de outubro de 2005, por meio de entrevistas; 3) a estudo de casos nas cinco regiões do país, em um município por região, envolvendo gestores de projetos e políticas, militantes de movimentos sociais e beneficiários das políticas de promoção da igualdade racial (professores, agentes comunitários de saúde, empreendedores, populações quilombolas, entre outros grupos). Na observação de campo, incluíram-se entrevistas, levantamento documental, observação in loco, realização de grupos focais e entrevistas coletivas. Este texto é parte de um trabalho maior solicitado pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e desenvolvido entre outubro de 2005 e junho de 2006. Os resultados expressos aqui e em relatório completo, anexo à contracapa, em forma de disco, compõem todo o levantamento feito na pesquisa encomendada. Chama-se a atenção para o fato de que, ao lado de uma vasta literatura sobre as mais diversas questões raciais no Brasil e no mundo, este livro dedicase, em especial, a uma análise crítica apenas das políticas implementadas pelos governos federal, estadual e municipal com o concurso da novel Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Com isso, inaugura-se um capítulo de discussão e se estabelece um marco de pesquisa sobre o movimento social negro no Brasil, o que somente foi possível na virada do milênio, diante da pressão exercida pelos segmentos ligados a esse assunto. O leitor é 7

convidado a acompanhar criticamente o relatório desta pesquisa e a avaliar em que medida a promoção da igualdade racial avançou no Brasil.

Procedimentos Metodológicos Existe consolidada literatura sobre relações raciais no Brasil, produzida no último século, abarcando os mais diversos campos do conhecimento humano. Essa literatura preenche, entre outras funções, o papel de problematizar questões sem as quais os movimentos sociais encontrariam dificuldades enormes para dirigir suas ações. Os movimentos, por sua vez, repercutem sobre a academia, a intelligentsia e as estruturas de pesquisa, rompendo muros erigidos secularmente, fecundando análises, interpretações, formulação de hipóteses e de teorias. A produção de conhecimento sobre as relações entre grupos sociais portadores de diversidade de cor de pele, de raça e de etnia também avançou sobremodo na discussão metodológica, nos pressupostos epistemológicos e nas técnicas de pesquisa próprias para inquirir sobre as relações inter-raciais e/ou inter-étnicas. O avanço do conhecimento sobre relações raciais entre negros e brancos no Brasil – encontrado na consolidação contemporânea da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) – ainda não repercutiu sobre um espaço importante de produção de conhecimentos. Sendo assim, a pesquisa, cujos principais resultados começam a ser relatados, não encontra um cabedal de conhecimentos já estruturados que possam guiar seus passos. Em conseqüência, os resultados descritos e analisados devem ser tomados por aquilo que verdadeiramente são, ou seja, tentativas de abrir caminhos por terrenos ainda não trilhados e cheios de armadilhas. A imagem do aventureiro que se lança por vias ainda não conhecidas, sempre floresta adentro, pode ilustrar bem a empreitada deste relato de pesquisa. O conhecimento anterior sobre políticas públicas nesta área é limitado e não oferece marcos seguros para dirigir a pesquisa. Portanto, os resultados encontrados, e aqui relatados, não necessariamente constituem construções firmes e inquestionáveis, assim como o explorador que ao trilhar novos territórios não obtém garantia do caminho certo. Após os percursos realizados, restam caminhos abertos e vias trilhadas. É esta, antes de tudo, a principal tarefa a ser cumprida por uma pesquisa exploratória: apresentar um primeiro e detalhado mapa do campo de investigação. A pesquisa apresentada oferece resultados que suscitam questionamentos e incita ulterior investigação, porque o debate, a discussão e a polêmica representam o cadinho de depuração dos novos conhecimentos. 8

O objetivo desta pesquisa é analisar e avaliar, de um ponto de vista acadêmico e com o grau de autonomia que lhe é inerente, a estrutura e as políticas de igualdade racial implementadas pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Essa política deve ser compreendida por ações que visam a “redução das desigualdades raciais no Brasil, com ênfase na população negra, mediante a realização de ações exeqüíveis a longo, médio e curto prazos, com reconhecimento das demandas mais imediatas, bem como das áreas de atuação prioritária” (Brasil, Decreto nº. 4.886, de 20 de novembro de 2003). Essa definição se sustenta em outra anterior, que fez parte do relatório apresentado em Durban, África do Sul, em setembro de 2001, em que o governo brasileiro estabelece a seguinte proposta: A adoção de medidas reparatórias às vítimas do racismo, da discriminação racial e de formas conexas de intolerância, por meio de políticas públicas específicas para a superação da desigualdade. Tais medidas reparatórias, fundamentadas nas regras de discriminação positiva prescritas na Constituição de 1988, deverão contemplar medidas legislativas e administrativas destinadas a garantir a regulamentação dos direitos de igualdade racial previstos na Constituição de 1988, com especial ênfase nas áreas de educação, trabalho, titulação das terras e o estabelecimento de uma política agrícola e de desenvolvimento das comunidades remanescentes dos quilombos.

(Brasil, 2001, p. 28-29) A pesquisa organizou-se em torno de sete questões geradoras, que permitem provocar e construir reflexões sobre as práticas, as rotinas, as possibilidades e obstáculos dentro da estrutura da Seppir. O uso das questões geradoras indica a possibilidade de avaliação de relações complexas e a busca de multiplicidade de fatores. Essa preocupação se baseou na necessidade de observar as políticas públicas segundo sua teia de relações e não como algo estanque limitado à idéia de que um administrador decide e tudo se realiza sem quaisquer outras vontades. Essa perspectiva é tributária da preocupação de Morin (1986, p. 16): A política, da qual tudo depende, depende também de tudo que depende dela. A própria política, que tem poder decisório sobre a economia, a sociedade, o exército, depende de condições econômicas, sociais, militares. A política é a condição preliminar que depende de muitas condições preliminares que dependem dela. Em suma, o destino do mundo depende do destino político, que depende do destino do mundo.

9

As questões geradoras As questões geradoras que orientaram a pesquisa são as seguintes: 1) As políticas implementadas podem ser pensadas como um sistema estruturado, apresentando condições de sustentabilidade e permanência?; 2) Qual o grau de eficácia que tem o sistema construído e quais os problemas que ele apresenta? Qual a natureza dos problemas? São inerentes à sua estrutura ou aos recursos, infra-estrutura, condições de trabalho ou outras condições?; 3) As estratégias desenvolvidas atendem aos princípios de pactuação e de federalização de uma política de igualdade racial?; 4) Qual o grau de aceitabilidade do sistema perante gestores estaduais e municipais?; 5) Que avaliação fazem os gestores estaduais e municipais sobre o sistema em seu conjunto, sobre as partes que o compõe e sobre o relacionamento entre elas?; 6) Quais os tipos de órgãos existentes na implementação da política nos estados e municípios, bem como suas políticas, metas, estratégias e resultados alcançados?; 7) Como o público alvo tem se beneficiado do sistema, como tem percebido e avaliado as ações implementadas? O sistema contém aspectos excludentes? Pela natureza dessas questões, a pesquisa tem cunho eminentemente descritivo e, em parte, interpretativo, condição que não macula sua pertinência. O caso da promoção da igualdade racial é revelador para demonstrar a sua relevância no estudo de políticas. Além disso, constitui um exercício que une descrição e interpretação, pois analisar as políticas, além de produzir efeitos significativos no plano individual, é capaz de conduzir efetivamente ao objetivo da igualdade racial. O caráter descritivo de partes consideráveis do trabalho decorre de condições próprias da pesquisa: primeiramente, a amplitude das questões, cujas respostas são em boa parte tentativas iniciais. A abrangência do estudo que precisava combinar uma visão regional com o quadro nacional é difícil, especialmente quando se quer atingir um parâmetro acadêmico de qualidade – condição atendida por meio de uma estratégia centrada em pontos de observação não decorrentes da aplicação de uma rígida técnica amostral e, sim, escolhidos em razão dos significados que cada caso comportava no conjunto da observação. Por último, as questões referentes à igualdade racial envolvem assuntos altamente polêmicos, no contexto intelectual e na sociedade em geral, a exemplo da polarização perante a ação afi rmativa das cotas para estudantes não-brancos nas universidades públicas.

10

Plano de Trabalho A procura de respostas para tais questionamentos implicou uma estratégia de pesquisa que enfrentasse a questão geral sobre políticas e sistema. Para isso, é preciso combinar o estudo da estrutura colocada à disposição dos gestores locais e estaduais – agentes que têm as melhores condições para avaliá-la como estrutura –, com a pesquisa de campo junto à população beneficiária do sistema. Tal desenho da pesquisa permitiu discutir a noção de sistema organizado de políticas, transitando da estrutura federal até a local, e acessar sua eficiência, seus obstáculos e efeitos não previstos.

Etapas • Levantamento de dados junto aos gestores Na primeira etapa foi realizado um levantamento de dados junto aos gestores, durante o V Fórum Intergovernamental para a Promoção da Igualdade Racial (Fipir), realizado em Brasília, entre os dias 23 e 26 de outubro de 2005. O principal instrumento utilizado para o levantamento de informações foi um questionário padronizado, composto basicamente dos seguintes elementos: perfi l do gestor; perfi l dos órgãos executores; principais ações em curso com ênfase nos setores de educação, saúde, trabalho e quilombolas; capacitação; estrutura e condições de trabalho; avaliação da estrutura montada em âmbito nacional, estadual e local. O emprego de um instrumental padronizado justificou-se pela possibilidade de avaliar os mesmos objetos perante distintos gestores, além de tecer comparações e obter pontos de vista diferentes sobre problemas comuns. O número de questionários foi correspondente ao número de gestores participantes da reunião, um total de 78, e sua aplicação ficou sob a responsabilidade da Socius, empresa júnior ligada ao Departamento de Sociologia da UnB, que também fez o processamento estatístico dos dados. Além do questionário padronizado, foi realizado também um número limitado de entrevistas abertas (oito no total), junto aos mesmos gestores, de maneira a complementar com dados qualitativos as informações coletadas. Obtivemos aproximadamente 10 horas de gravação em entrevistas com gestores e apoiadores vinculados à Fundação Friedrich Ebert.

11

• Levantamento de campo nos estados e municípios Na segunda etapa do trabalho de campo, realizou-se o levantamento de informações com os beneficiários diretos, nas estruturas locais e estaduais de implementação das políticas. Partindo do reconhecimento inexorável de que o Brasil é um país quase continental, composto de muitas diversidades regionais, foi imprescindível que buscássemos, minimamente, uma regionalização das percepções. Foram estudados cinco municípios que implantaram políticas de promoção da igualdade racial, um para cada região do país. São eles: Macapá (AP), Vitória da Conquista (BA), Corguinhos (MS), São Carlos (SP) e Viamão (RS). Os cinco estudos de casos propostos permitiram estudar o funcionamento do sistema enquanto está na ponta da execução; estudar as ações implantadas localmente; avaliar preliminarmente os resultados das ações; estudar as expectativas dos gestores, da população beneficiária e do movimento social negro; e estudar as políticas, as estratégias, as metas e os resultados das ações. Os estudos de casos se basearam nas seguintes técnicas de pesquisa: observação dos órgãos gestores e das unidades de execução na ponta do sistema; realização de entrevistas com gestores municipais e estaduais, com militantes do movimento social negro e com beneficiários do sistema; e coleta de documentos nos órgãos executores. O trabalho de levantamento de dados foi realizado ao longo dos meses de fevereiro e março de 2006. A realização dos estudos de casos, além do deslocamento de pesquisadores para os cinco municípios selecionados, demandou um suporte local. Tal procedimento foi realizado por meio de um pesquisador assistente da própria região para otimizar o trabalho do pesquisador que se deslocou, além de acompanhá-lo durante o trabalho de campo e, ainda, executar alguma ação necessária após o término do campo.

12

HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL: BREVE AVALIAÇÃO DOS ÚLTIMOS

20 ANOS

Nelson Fernando Inocêncio da Silva Ao analisarmos as últimas décadas para a cultura do anti-racismo é necessário eleger um referencial que nos ajude a fazer essa leitura. Aqui, o ponto de partida é a crise da ditadura instaurada desde 1964. O enfraquecimento do regime militar e o conseqüente início do processo de redemocratização do país, nos fi ns dos anos 70, constituíram marcos importantes da história contemporânea, na medida em que representaram um novo momento caracterizado, entre outros aspectos, pela reorganização dos movimentos sociais. O processo de abertura política começa com a distensão e chega até a anistia. A proposta de transição encaminhada para o regime civil previa uma absolvição geral e irrestrita, o que significa dizer que a violência de estado permaneceria impune. Apesar do mal causado, em função da impossibilidade de se penalizar o governo autoritário, tudo leva a crer que aquela era a negociação possível, diante das circunstâncias terríveis nas quais se encontravam a sociedade brasileira. Ao retornarem do exílio, lideranças políticas se articulam em torno da redemocratização do país. O bipartidarismo representado pela Aliança Renovadora Nacional (Arena) – na condição de situação – e pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – como oposição –, dá seus últimos sinais de vida enquanto antigas e novas legendas são fortalecidas. O contexto parece evidenciar o vigor das instituições democráticas e, em alguns casos, essa disposição vem reforçada por concepções mais maduras e críticas acerca dos problemas nacionais. Com as eleições para os governos estaduais, no começo da década de 1980, percebemos algumas mudanças de orientação de programas partidários. Em São Paulo, o governo Franco Montoro (PMDB), sensível às demandas do movimento social negro, viabilizaria a criação do primeiro Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra. No Rio de Janeiro, o governo Leonel Brizola (PDT) tem como uma de suas prioridades a população negra. Em relação ao PDT, é importante lembrar o papel destacado que tiveram alguns ativistas negros, de insofismável importância como Abdias do Nascimento, ex-senador da República, militante histórico com atuação na

13

Frente Negra Brasileira, nos anos 30, e protagonista no Teatro Experimental do Negro (TEN), nas décadas de 1940 e 1950. Lélia Gonzales atuou também pela mesma legenda. Sua contribuição é inquestionável, ressaltando o mérito de ter sido fundadora do Movimento Negro Unificado, além de sua produção acadêmica que subsidia até hoje várias ações de entidades políticas organizadas em torno do anti-racismo. Ao longo dos anos 1980 observamos alguns avanços, ainda que modestos. Os conselhos da comunidade negra vão se multiplicando por estados e municípios, embora suas ações fossem limitadas, pois não tinham o poder de intervir na realidade de maneira efetiva. Dentro das hierarquias instituídas, os conselhos estavam aquém das coordenadorias e, sobretudo, das secretarias, no que se refere à institucionalidade do encaminhamento e implementação das políticas públicas. Após o movimento das “Diretas já”, com o tumultuado processo da posse presidencial de Tancredo Neves – impossibilitado de assumir o cargo em função de problemas de saúde e, posterior, falecimento –, houve a ascensão da chamada Nova República ao poder, orquestrada por José Sarney, cujo slogan de governo era “tudo pelo social”. Entramos em um novo período de nossa história política, no qual se prepararia o terreno para futuras eleições diretas à presidência da república. Estávamos, portanto, em plena transição democrática. No ano seguinte, 1986, acontece em Brasília a Convenção Nacional do Negro pela Constituinte. Esse fórum reuniu delegações de todo o país que discutiam propostas de interesse da população negra para encaminhamento ao Congresso Constituinte. Foram encaminhadas proposições sobre direitos e garantias individuais, violência policial, condições de vida e saúde, bem como assuntos referentes à mulher, ao menor, à cultura, ao trabalho, à questão da terra e às relações internacionais. Em 1988 ocorre a promulgação da Constituição brasileira, que contempla algumas das propostas apresentadas na Convenção de 1986, entre elas o reconhecimento de posse das terras ocupadas por comunidades negras rurais. Curiosamente, o ano de apresentação da Carta Magna coincide com o centenário de outra carta oficial, a Lei Áurea. Mesmo sem conseguir dar muito sentido ao “tudo pelo social”, a gestão Sarney, no âmbito das políticas públicas para a população negra, criou dentro do Ministério da Cultura (MinC) a Fundação Cultural Palmares, precisamente no centenário da abolição. A propósito, a data se constituiu em marco histórico com tratamento dispensado pela oficialidade, que explicitou uma intenção muito mais festiva do que crítica acerca dos indicadores sociais. 14

A Palmares, como é conhecida, revelava situações paradoxais. Embora seu próprio nome remeta ao maior ícone da resistência negra no país, conhecido como Quilombo dos Palmares, essa instituição, inicialmente, se distanciava e muito das aspirações libertárias que fomentaram as lutas por dignidade e respeito às populações de origem africana no Brasil. Começou como um projeto tímido e inócuo no que diz respeito ao quadro das desigualdades raciais. Outro problema com o qual a Palmares sempre se deparou foram os parcos recursos orçamentários para implementação do seu singelo programa, caracterizado, na época, com uma visão culturalista do legado africano. Certamente, um dos poucos avanços – no sentido simbólico – durante a gestão Sarney foi o tombamento da Serra da Barriga em Alagoas em reconhecimento à luta palmarina. Aliás, a política cultural nesse período passa por valiosas mudanças. Nesse contexto, o debate sobre patrimônio recebe novos ingredientes, como o questionamento acerca do não-reconhecimento dos valores e, por conseguinte, a não-preservação dos legados deixados pelos povos colonizados, especificamente ameríndios e africanos. É importante ressaltar que, até aquele momento, não existiam políticas públicas culturais com interesses específicos para esse tema. Retornando ao ano do centenário da abolição, vale dizer que, se o governo federal não se deu conta do ônus histórico resultante da ausência, durante todo o século XX, de políticas públicas voltadas para a população negra, o protesto das organizações anti-racismo tornou explícito que uma redemocratização plena da sociedade brasileira não poderia subestimar a exclusão infindável dos afro-brasileiros. Por tais razões, o centenário da abolição foi um episódio marcado também por uma inegável tensão, que explicitava as contradições da cultura brasileira. Nessas circunstâncias, as divergências entre sociedade civil organizada e Estado ficaram nítidas. Esse também foi um momento propício para o movimento social negro tentar sensibilizar outras organizações sociais que não tinham compreensão dos efeitos nefastos que o silenciamento das desigualdades raciais poderia provocar. As entidades negras vão se constituindo nos estados e municípios. Encontros regionais apontam para uma mobilização ampliada, a exemplo dos Encontros Negros do Norte e Nordeste, do Sul e Sudeste e do CentroOeste. O Movimento Negro Unificado se expande, consolidando-se como entidade nacional. Em seus congressos, a relevância de temas como saúde, trabalho, educação, mulher negra, direitos da população negra, entre outros, refletem as perspectivas do ativismo e o prenúncio de um embate impossível de ser postergado. 15

Nos anos 1990 ocorre outro fenômeno relevante. Aproveitando os encontros estaduais e o nacional, alguns setores do Movimento Negro se articularam para constituírem a Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen). Essa organização objetiva se estabelecer como uma central dessas entidades, resgatando um pouco do papel desempenhado pelo MNU no início de sua fundação, quando ainda se chamava Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR). Após o advento da Nova República veio a gestão do Presidente Fernando Collor de Melo, representando um retrocesso em várias áreas, sobretudo, na social. O primeiro presidente eleito pelo voto popular, depois de vinte anos de ditadura militar, protagonizava, com maior veemência do que seus antecessores, um projeto das elites nacionais, o que significa dizer que se distanciava das demandas dos movimentos sociais. Definitivamente, trata-se de um momento da história marcado por um refluxo inquestionável. Esse retrocesso foi amenizado apenas pela tímida gestão de Itamar Franco, que assume a presidência após o impeachment de Collor. Foi uma trajetória não menos breve que a de seu antecessor, sem grandes ações, muito comportada, embora diferenciada do ponto de vista ético. No Ministério da Cultura, o único órgão que acolhia uma instância oficial voltada especificamente para a população negra era a Fundação Cultural Palmares. Ela permaneceu durante o período presidencial Collor/Itamar sem prioridades nos planos de governo, o que significa dizer que as pouco expressivas ações do governo federal direcionadas ao segmento afro-brasileiro sofreram prejuízos ainda maiores. Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 1994, temse outro momento na relação entre o Estado e a sociedade civil, embora o perfi l neoliberal daquele governo deixasse nítida a intenção de reduzir os investimentos sociais, comprometendo o avanço das políticas públicas. Apesar de sua formação sociológica, FHC preferiu desconsiderar questões urgentes para priorizar acordos com a iniciativa privada. Isso significaria uma perda geral para a população negra. Em 1995, no advento do tricentenário de morte de Zumbi, o movimento social negro organizou um grande ato público – o maior dos últimos trinta anos – para celebrar a imortalidade de Zumbi como mito fundador e também reivindicar políticas públicas para a população negra. O evento foi denominado Marcha a Brasília: pela Cidadania e a Vida. Na oportunidade, foi entregue ao presidente da República um documento detalhando as principais necessidades da população negra, e que sugeria formas de intervir nessas 16

questões. Como conseqüência dessa mobilização nacional surge o Grupo de Trabalho Interministerial – População Negra (GTI). A segunda gestão de FHC esteve vinculada a alguns eventos marcantes. Um deles foi a celebração dos 500 anos de Brasil, que poderia ter servido como momento privilegiado para se discutir as grandes questões nacionais, depois de meio milênio de exploração. Todavia, o que se observou foi uma enorme festa, mais propensa a homenagear a dominação ibérica do que discutir aspectos e problemas da identidade brasileira. Desnecessário dizer que o extermínio dos povos indígenas e a exclusão histórica da população negra não fizeram parte da agenda, que certamente cumpria outros fins e se destinava a outros interesses. Ainda, durante a segunda gestão, acontece a III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). O evento ocorreu em Durban, na África do Sul, e contou com uma delegação brasileira constituída por mais de quatrocentos delegados. O referido fórum resultou em importantes deliberações para serem assumidas pelas nações presentes. Dentre as tarefas estão as formulações de políticas para superação das desigualdades raciais, uma vez que elas afetam de maneira drástica o desenvolvimento humano no mundo. O Estado brasileiro, embora signatário de algumas convenções da ONU destinadas à discussão sobre discriminação racial, jamais investiu em políticas públicas que pudessem alterar positivamente o quadro das desigualdades raciais. Poderíamos afirmar que ocorreram moderadas ações no âmbito da legislação desde a lei Afonso Arinos, que penaliza o preconceito racial, mas com sérias dificuldades de aplicação até a lei Carlos Alberto Caó. Foi somente a partir da aplicação dessa lei que houve mais avanços nos critérios para se garantir a punição dos agressores. Efetivamente, não tínhamos até pouco tempo políticas capazes de modificar as relações raciais na área de saúde, educação e mercado de trabalho. Fernando Henrique Cardoso ensaia os primeiros passos na direção de uma política que reconhece a omissão do Estado em relação à população negra. Aliás, omissão que percorre toda a existência da República desde sua proclamação, em fi ns do século XIX. Portanto, a implantação do GTI População Negra e a Participação na Conferência de Durban – considerando a responsabilidade com seus desdobramentos –, além de algumas singelas ações afi rmativas dentro do funcionalismo público, marcaram o final da era FHC. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva – quarto governo depois do período autoritário –, as idéias de políticas públicas focadas em grupos historicamente marginalizados são incorporadas no projeto de governo. Com 17

isso, os temas anteriormente discutidos ganharam mais ênfase. Algumas secretarias com status de ministério, como a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, a Secretaria Especial de Direitos Humanos e, particularmente, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), refletem a vontade do atual governo em lidar com essas questões. Por mais positivo que possa parecer, o processo não deixa de apresentar contradições. Diante da constituição de novos organismos governamentais com incumbências específicas como a Seppir-PR, poderíamos esperar maiores alterações no quadro das desigualdades raciais, mas isso ainda não se constata. Acontecem avanços simbólicos, como por exemplo a representação negra no poder e a construção de uma rede de organismos que generalize a implantação de determinados eixos de políticas pelo território nacional. Esses avanços simbólicos, institucionais e de estruturação de uma rede de organismos, porém, são inquestionáveis, mas o que se espera é dispor de recursos materiais mínimos que explicitem uma real diferença entre o governo Lula e seus antecessores nesse campo. De alguma forma isso foi frisado em 20 de novembro de 2005, com a ocorrência de duas marchas Zumbi + 10, evidenciando, entre outras questões, divergências agudas no seio do Movimento Negro com respeito à maneira de o governo conduzir suas políticas públicas voltadas à população negra. As orientações vindouras serão definitivas para garantir à Seppir o seu papel histórico. As lideranças negras em evidência nesse processo precisam ter compreensão da conjuntura atual e da expectativa projetada pela população negra em relação ao trabalho da referida secretaria. Nunca se discutiu tanto neste país a questão racial como acontece agora. Posturas reacionárias em relação às ações afi rmativas mostram o pavor que as elites nacionais alimentam diante da mais singela possibilidade de terem que compartilhar os espaços de prestígio e de poder. A falta de determinação política pode servir como um grande entrave para que a sociedade brasileira vença a mediocridade e, enfim, transcenda as contradições estabelecidas justamente entre as visões paradisíacas do país, que habitam o nosso imaginário e as estatísticas aterradoras fomentadas pelo racismo em todos os níveis.

18

AVALIAÇÃO DO PERFIL DOS GESTORES DAS POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NO

BRASIL1 Dijaci David de Oliveira

O lugar dos gestores Para uma análise do trabalho da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), um dos caminhos mais férteis, sem dúvida, é o de recorrer aos gestores, que são os responsáveis diretos pela implantação das políticas públicas de igualdade racial. Como são eles que observam diretamente a realidade e pensam concretamente respostas aos problemas na implantação das políticas públicas para a população negra – além das demandas do movimento negro –, por meio de suas respostas construímos esta pesquisa, para refletir sobre as possibilidades de edificação de um sistema de promoção da igualdade racial no Brasil.

V Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPIR) O V Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (Fipir) foi realizado em Brasília, durante os dias 24 e 26 de outubro de 2005. A promoção do Fórum é parte da política da Seppir, com o objetivo de estabelecer um diálogo nacional entre união, estados e municípios em torno de uma política comum sobre a promoção da igualdade racial no Brasil. Por ocasião desse encontro, os gestores presentes, vindos de diversos municípios brasileiros, foram interrogados, por meio de um questionário, sobre vários aspectos da complexa teia de orientação, expectativas e discussão sobre o campo das relações raciais e políticas públicas dessa natureza no Brasil. Essa diversidade se revelou também de forma representativa, uma vez que pudemos contar com um grupo variado vindo de praticamente todos os estados brasileiros. 1 Este texto recebeu contribuições do professor Sadi Dal Rosso, que apontou inúmeras questões, de Ricardo Barbosa Lima e Sales Augusto dos Santos, que redigiram a parte referente à classificação do quesito cor.

19

O questionário foi dividido em seis blocos: o primeiro objetivava delinear um perfi l dos gestores e gestoras envolvidos nas políticas de promoção da igualdade racial; o segundo visava estabelecer um perfil dos organismos que foram criados pelos municípios, ou seja, quais suas capacidades, competências etc.; o terceiro procurava obter informações sobre os programas de capacitação constituídos pelos organismos municipais para discutir as perspectivas e práticas da igualdade racial; o quarto bloco abordava a estrutura constituída e as condições de trabalho dos gestores para assegurar a inserção do programa político estabelecido; o quinto tratava das relações intergovernamentais, ou seja, sobre como as relações entre os municípios, estados e união se davam para assegurar a implantação das políticas propostas; e, por fi m, os gestores foram questionados sobre como são as relações entre os organismos para a promoção da igualdade racial e os outros organismos da sociedade civil.

Observações sobre o perfil dos gestores A primeira análise resultou no diagnóstico sobre quem são as pessoas envolvidas, como atuam ou dirigem os organismos para a promoção da igualdade racial. Uma reflexão sobre os dados nos indicou importantes destaques. Primeiramente, no que diz respeito ao sexo dos participantes do V Fipir, percebeu-se um relativo equilíbrio: 51,3% do sexo masculino e 48,7% do sexo feminino. Esse dado inicial pode parecer simples, no entanto ele aponta para uma quebra das “regras” que costumam delimitar espaços de atividades para homens e para mulheres como ocorrem em inúmeras outras atividades. Porém, mais importante ainda é percebermos que esse tipo de distribuição indica que a política de igualdade racial também se constrói por meio de uma tentativa de igualdade de gênero. Estudos realizados por Bandeira e Almeida (2005) têm mostrado a importância da participação das mulheres na condução e execução de políticas públicas. A autora aborda, por exemplo, a dificuldade inicial para a implantação das Delegacias de Atendimento às Mulheres (DEAMs). Como seu quadro inicial era composto apenas por homens, muitas mulheres se sentiam constrangidas ao serem atendidas por eles, ou ainda, havia pouca sensibilidade dos policiais homens – por conta de seus preconceitos – em compreender o universo das necessidades femininas. Consideramos essa perspectiva importante, não apenas para quebrar o processo de hierarquização que sempre dá destaque aos homens, mas também como uma possibilidade para enfrentar a forte desigualdade a que estão expostas as mulheres negras no Brasil. 20

Quanto à idade, chama a atenção o fato de praticamente metade dos participantes estar abaixo dos 40 anos, nos levando a questionar sobre o significado disso. Quando se fala em constituição e aplicação de novas políticas públicas, um dado importante diz respeito à formação de quadros, que foi um dos problemas abordados pelos gestores, como se verá mais a frente. O projeto de capacitação envolve um longo processo de esclarecimento e sensibilização dos gestores para que o gerenciamento das políticas seja mais eficaz. Do contrário, o trabalho estaria inteiramente perdido ou teria um custo muito elevado, pois se concentraria apenas sobre um grupo que permanecesse ativo por um restrito período de tempo. Contudo, nesse caso, podemos pensar que a política ficaria assegurada por um longo tempo, uma vez que 48,7% do quadro envolvido nas atividades de formação estão com menos de 40 anos. Mas, na contra-face, não deixa de ser importante o fato de termos percentual equilibrado, com 51,3% dos gestores que trazem uma história de trabalho e de vivência com características necessárias para o desenvolvimento de trabalhos na esfera pública. Podemos afirmar, ainda, que o corpo de gestores envolvidos no programa de igualdade racial possui um relativo equilíbrio de experiência com a máquina, além de outros motivos que poderão assegurar a continuidade do processo ao longo dos anos. Ao se manifestarem sobre o quesito cor, os dados coletados pela pesquisa indicam aspectos significativos. Faremos, todavia, uma breve digressão para compreendermos as respostas. Para participar da III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata – no período de 30 de agosto a 07 de setembro de 2001, em Durban –, o governo brasileiro, por meio do Comitê Nacional para a Preparação da Participação Brasileira, organizou diversas pré-conferências temáticas regionais em vários estados brasileiros para discutir aspectos relevantes para o Brasil (Santos, 2005). Dois órgãos oficiais – a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) – passaram a compilar dados estatísticos, nunca antes produzidos, em relação ao quesito cor/raça dos brasileiros, para subsidiar os debates não só nas pré-conferências supracitadas, mas também para dar suporte às discussões na Conferência Nacional Contra o Racismo e Intolerância, que se realizou no período de 6 a 8 de julho de 2001, no estado do Rio de Janeiro. Essas discussões, por sua vez, subsidiaram a formulação do documento brasileiro que foi encaminhado à conferência de Durban (Santos, 2005). Porém, para os objetivos desta análise, o importante é perceber aqui o uso padronizado de coleta e sistematização de dados pelos órgãos oficiais bra21

sileiros. Tal medida permitirá no futuro, se for mantida, o estabelecimento de comparações plausíveis no que tange à questão racial. Assim, ao procurarmos saber como os participantes do V Fipir se classificavam racialmente, utilizamos a classificação de cor/raça cunhada pelo IBGE e adotada pelo IPEA, que, apesar das críticas que se possa fazer (Turra e Venturi, 1995), é amplamente aceita e utilizada pela maioria absoluta da população brasileira (Santos, 2006 e 2005). O IBGE utiliza cinco categorias para classificar por cor ou raça os brasileiros: preta, branca, parda, amarela e indígena. Logo depois de feita a pergunta para os participantes do V Fipir – “Considerando a classificação do quesito cor estabelecida pelo IBGE, como você se classifica?” –, apresentamos as cinco categorias supracitadas e obtivemos o seguinte resultado: 60,3% dos participantes desse fórum classificaram-se como pretos, 11,5% como brancos e 6,4% como pardos. Nenhum participante se classificou como indígena ou amarelo. Dos entrevistados, 21,8% se rebelaram contra a classificação racial ou de cor utilizada pelo IBGE e a recusaram, incluindo-se na categoria “outros”. 2 Como estatisticamente essa categoria foi elevada, precisamos desagregá-la, para verificarmos se havia alguma categoria de cor ou raça que se destacava na categoria “outros”. Percebemos, então, que 20,5% dos entrevistados incluíramse na categoria “negro”,categoria essa que desde o final da década de 1970 tem sido utilizada pelo movimento negro. Aliás, alguns órgãos públicos brasileiros, como o IPEA, também têm agregado pretos e pardos formando a categoria racial “negro” (Soares, 2000; Henriques, 2001, Osório, 2003; Rosemberg, 2004), bem como alguns cientistas sociais e/ou pesquisadores do campo de relações raciais (Oliveira, Lima e Santos, 1998; Guimarães, 1999; Santos, 2002 e 2006). Para Santos (2002), não há muita diferença em ser preto ou pardo no Brasil. Ambos os grupos são discriminados racialmente com uma intensidade bem semelhante, não tendo o mulato (ou pardo) um tratamento privilegiado neste país, conforme afi rmava o historiador estadunidense Carl Degler (1976). Portanto, justifica-se tecnicamente a junção das categorias preto e pardo utilizadas pelo IBGE, para formarmos a categoria negro. Contudo, conforme Santos (2002), o motivo pelo qual agregamos pardos e pretos numa só categoria não é político como visou estabelecer o Movimento Negro Unificado (MNU, 1998) ou como têm argumentado criticamente alguns intelectuais, entre os quais Fábio Wanderley Reis (1997). [...] O argumento para associarmos os pardos aos pretos é, segundo o nosso entendimento, técnico, visto que estatisticamente não há diferenças raciais significativas entre a situação socioeconômica dos pretos 2 Juntamos e/ou agregamos várias categorias raciais estatisticamente insignificantes – menos de 2% dos participantes do V Fipir – e criamos a categoria “outros”, com o percentual de 1,3%.

22

e dos pardos. Estatisticamente só se percebem diferenças raciais significativas quando comparamos esses dois grupos raciais com o grupo racial branco. Isto é, de um lado, pretos e pardos estão muito próximos em termos de obtenção e/ou exclusão de direitos legítimos e constitucionalmente garantidos e, de outro lado, estão bem distantes dos direitos e vantagens auferidos pelos brancos. Diante disso juntamos aquelas duas categorias e formamos o grupo racial negro.

(Santos, 2002, p. 13) Sendo plausível, tecnicamente, agregarmos pretos e pardos para a formação da categoria racial negro, e adotando tal procedimento para os participantes do V Fipir, verifica-se que 87,2% (60,3% de pretos + 6,4% de pardos + 20,5% de negros) dos gestores entrevistados em outubro de 2005 se classificaram como negros, demonstrando um índice elevadíssimo de gestores que, é bem provável, já foram discriminados racialmente no Brasil, seja de modo direto ou indireto. A alta porcentagem de gestores negros, se associado a outros dados importantes, como o fato de 66,6% possuírem o ensino superior completo, 62,8% apresentem entre 30 e 50 anos de idade – o que indica a possibilidade de uma constante renovação no quadro – e 47,3% militarem e/ou militem no movimento negro, entre outros fatos, demonstra que há um potencial para a consolidação dos órgãos públicos de promoção da igualdade racial. Mais do que isso, as nossas pesquisas qualitativas indicam que, mesmo em municípios onde o prefeito não tem demonstrado vontade política para executar ações concretas de promoção da igualdade racial, o fato de um gestor ser negro e militante do Movimento Negro já é possibilidade de um maior empenho na implementação dessas políticas. No que se refere à escolaridade dos gestores, um aspecto é altamente positivo: o alto índice de pessoas com nível superior. Se somarmos os de nível superior e aqueles com pós-graduação e pós-doutorado, teremos um percentual de 66,6%. Essa informação, de certa forma, pode ser um indicativo positivo, sobretudo por entendermos que as políticas de igualdade racial são objeto de duras críticas e de forte resistência na sociedade brasileira. Não obstante esses desafios, ela ainda se realiza, em especial, por meio de uma prática política de difícil compreensão ou de efetivação, que é a prática da “transversalidade”. Portanto, diante dessas considerações, contar com um quadro especializado soa muito satisfatoriamente para lidar com as barreiras, as críticas e as resistências no universo das negociações dos mais diversos ambientes estatais e privados. Tal indicativo poderia, portanto, significar que as possibilidades de êxito das políticas de igualdade racial apresentam um forte potencial de realização. Outro dado que se destaca refere-se à forte trajetória da maioria absoluta dos gestores em movimentos sociais: 85,9% afi rmaram que foram militan23

tes. Apenas uma pequena quantidade (12,8%) indicou não possuir nenhuma trajetória como militante. Essa militância anterior pode ser um fator positivo do ponto de vista da execução de políticas públicas, sobretudo pelo fato de os gestores estarem cientes das necessidades não só dos movimentos sociais, mas principalmente das demandas e prioridades dos grupos socialmente excluídos, em especial os negros. Aprofundando mais nas respostas sobre a participação em movimentos sociais, somos surpreendidos com o número de pessoas que tiveram uma trajetória no movimento negro. Dos gestores entrevistados em outubro de 2005, 47,3% afirmaram alguma passagem por movimentos sociais, e ainda informaram ter militância no que diz respeito à questão racial; 18,8% tiveram participação em movimento de mulheres; 2,7% em movimentos homossexuais e 10,7% em movimentos pelos direitos humanos. Novamente, o fato de uma parcela significativa dos gestores ter uma história de vida em que puderam conhecer o significado das lutas dos movimentos negros possui um significado emblemático. Entendemos que qualquer um eles, e mesmo os que militaram em outros segmentos, acumularam um forte capital cultural e intelectual fundamentais para nortear as práticas das políticas públicas (Bourdieu, 1992). Quanto à distribuição nacional dos participantes e seus respectivos municípios, podemos verificar a predominância de cinco estados brasileiros. Em primeiro temos o Maranhão com 20,5% dos participantes, em segundo o Rio de Janeiro com 12,8%, em terceiro, temos dois estados com 11,5% (São Paulo e Goiás) e, finalmente Minas Gerais, com 5,1%. Não houve nenhuma participação de municípios dos seguintes estados: Paraná, Alagoas, Sergipe, Rondônia e Espírito Santo. O estado do Paraná não possuía nenhum órgão que tivesse por finalidade discutir, pensar, elaborar e/ou implantar políticas de promoção da igualdade racial como nos demais estados. Fazendo uma distribuição por regiões, podemos perceber que o Nordeste foi mais representativo, com 34,6% dos participantes, seguido da região Sudeste, com 29,5% dos participantes. A região Centro-Oeste foi a terceira, com 20,5% dos participantes. Aliás, essa foi a única região que teve um município de cada estado presente no V Fipir. Pelo menos nos casos das duas primeiras, poderíamos afi rmar que o quadro reflete também o fato de ser nelas onde ocorreram, historicamente, as maiores mobilizações de movimentos negros organizados. Entre os entrevistados também é destacável o fato de que 82% dos participantes possuem uma posição estratégica dentro da estrutura para a promoção da igualdade racial em seu estado ou município. Dentre eles, 42,3% se identificaram como coordenadores, 17,9% se definiram como assessores, 24

12,8% se como diretores, 6,4% como presidentes e 2,6% como gerentes. Apenas uma pequena parcela (16,7%) indicou outras opções. Como o Fórum é um espaço para reflexão e consolidação de políticas públicas (Borges, 2005), é de se esperar que as pessoas que estejam participando dele sejam aquelas que podem intervir de alguma forma na execução local das políticas, pensando, elaborando, propondo e até mesmo implementando essas políticas. Podemos perceber, então, uma presença significativa de pessoas que ocupam posições de destaque como assessores, coordenadores, entre outros. Se os dados anteriores indicam a possibilidade de continuidade das políticas de igualdade racial, seja pela trajetória, pela qualificação educacional e preparação dos gestores, bem como pela renovação continuada dos quadros intelectuais e técnicos, os dados sobre os vínculos empregatícios desses gestores apontam para uma situação de risco de descontinuidade. Essa afirmação é possível se compreendermos que a memória das instituições tem sido muito mal preservada na sociedade brasileira. A lógica da teoria burocrática indica que a memória técnica, organizacional e todo o complexo de distribuição de funções e hierarquias seriam suficientes para garantir a secularização das instituições (Weber, 1982). Entretanto, a experiência brasileira de administração de políticas públicas nos tem ensinado que, a cada nova gestão ou mudança de governo, tudo o que foi feito pode ser praticamente esquecido e/ou desativado pelo novo governo ou pela nova gestão. Prevalece, quando muito, a memória pessoal dos gestores. Portanto, quando nos deparamos com um quadro de pessoal em que grande parte dos trabalhadores exerce função comissionada ou a requisita, compreendemos que a descontinuidade de governo pode acarretar também uma descontinuidade das políticas construídas anteriormente. No caso dos nossos entrevistados, 57,5% indicaram que ocupam cargos comissionados contra apenas 22,5% que afi rmaram serem do quadro permanente. Além desses dois casos, há os casos em que 7,5% dos entrevistados afi rmaram que foram requisitados e 8,8% fazem trabalho como voluntários. Observando os dados sobre a faixa salarial, verificamos que apenas uma pequena parcela (7,7%), em outubro de 2005, recebia até um salário mínimo (R$ 300,00). Como a maior parte dos entrevistados já havia indicado que possuía cargos estratégicos e que tinha funções comissionadas, era esperado que, de fato, estivessem em uma faixa salarial acima da média brasileira. O fato de que 29,5% das pessoas receberiam entre cinco e 10 salários mínimos e de que 24,4% recebiam acima de 10 salários também merece destaque. Se tomarmos apenas os que afi rmaram receber entre R$ 1.500,00 até mais de RS 6.000,00, nós teremos um percentual de 53,9% dos gestores. Esse 25

dado, no entanto, não será tão surpreendente se considerarmos que a maior parte dos gestores, como já indicamos anteriormente, possui um alto percentual com formação universitária. Até aqui, quatro conclusões se sobressaem: a primeira delas é a presença do significativo equilíbrio de gênero no quadro de gestores dos organismos para a promoção da igualdade racial no Brasil; a segunda diz respeito à alta escolaridade dos gestores, o que é um bom indicativo para que as políticas sejam executadas de forma mais consistente; o terceiro fato se relaciona ao bom nível salarial da maioria dos gestores; e, por fim, como quarta conclusão, devemos indicar o fato de que grande parte dos gestores é negra.

Observações sobre o perfil da instituição de promoção da igualdade racial Neste segundo bloco, as questões objetivaram construir um perfi l dos organismos para promoção da igualdade racial criados pelos estados e municípios participantes do V Fipir. Para realizar tal perfil, optamos por elaborar questões que indicassem tanto o aspecto técnico (estrutura física, montante de recursos etc.) quanto o aspecto sociopolítico (interação, dificuldades etc.). Desse perfi l, alguns dados saltam aos olhos, tais como: 1) 71,8% dos gestores presentes no Fórum eram representantes municipais; 2) 32,1% dos organismos estão constituídos como coordenadorias; 3) 32,1% estão constituídos na forma de secretarias; 4) 60,2% dos organismos foram criados entre os anos de 2003 e 2005 (após a criação da Seppir); 5) 40,2% dos organismos criados possuem função executiva e 30,9% possuem função consultiva; 6) 69,2% dos organismos prevêem a representação formal de outros organismos nas suas estruturas de decisão; 7) 35,9% possuem como prioridade a implantação da Lei 10.639/2003 (obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana no ensino fundamental e médio); 8) 23,1% possuem como prioridade a capacitação de gestores para as políticas de promoção da igualdade racial. Com relação à implantação da Lei 10.639/2003, 18,5% trabalham com a comemoração do dia 20 de novembro e 17,8% realizam cursos de qualificação para professores. No que se refere à política de desenvolvimento socioeconômico, 14,3% atuam na capacitação de lideranças negras e 17,9% atuam na qualificação profissional. Quanto à saúde, 18,2% atuam na formação e capacitação com recorte étnico-racial voltado para profissionais de saúde e 18,2% trabalham na sistematização de dados sobre pessoas diagnosticadas com anemia falciforme. Nas políticas direcionadas aos quilombolas, 17,5% traba26

lham na identificação e reconhecimento de comunidades quilombolas; 15,0% trabalham pela emissão de certificados de identificação e reconhecimento de comunidades quilombolas. Dos gestores entrevistados, 79,5% afi rmam realizar planejamento estratégico de suas ações; 82,3% afirmam que se utiliza de diagnóstico para estruturar o planejamento dos trabalhos; 38,7% dos organismos trabalham estabelecendo metas mensais. Para 54,83% dos gestores, as metas estabelecidas são cumpridas apenas parcialmente; 32,25% afirmam que as metas não são cumpridas; 69,2% deles afi rmam que o principal entrave para o cumprimento das metas é a falta de recursos financeiros e, por fim, 29,5% indicam a falta de estrutura institucional como segundo entrave. Os dados sobre a esfera pública a que pertence o gestor, em si, não surpreendem, uma vez que a Seppir tem priorizado o estabelecimento de convênios junto aos municípios, sendo, no entanto, bem-vinda a participação dos estados. O alvo prioritário tem sido o município, no entanto, a participação de 26,9% dos estados é algo significativo. Quanto ao tipo institucional do órgão criado para implantar as políticas de igualdade racial – pelo município ou estado – que o gestor está representando naquele Fórum, podemos verificar que mais de 50% deles são formados por secretarias (32,1%) ou coordenadorias (32,1%). Temos apenas 2,6% como conselhos e 11,5% como assessorias. Também é significativa a indicação de 21,8% para o quesito “outros”. Sabemos, no entanto, que estruturas como conselhos e assessorias são extremamente frágeis no espectro da estrutura administrativa do estado, assim, poderíamos afirmar, momentaneamente, que a presença de 32,1% das estruturas na condição de secretarias surge como um bom indicativo de continuidade dessas políticas. Porém, não poderíamos dizer o mesmo quanto ao expressivo número de coordenadorias (32,1%), que somado às assessorias atingem a casa dos 43,6%. Dos órgãos municipais e estaduais de promoção da igualdade racial representados no V Fipir, de acordo com os entrevistados, 33,8% deles foram implantados até o ano 2002, ou seja, antes da existência da Seppir; 11,2% foram criados nos dois primeiros anos de existência da Seppir e a maior parte, 54,9%, no ano de 2005. Ante as pressões dos movimentos negros pró-igualdade racial, grande parte dos organismos pôde sobreviver por mais anos. Isso indica que sua permanência dependerá em muito da existência de uma representação federal. Até o fato de um terço das entidades possui uma origem anterior à Seppir deve ser atribuído ao crescente debate sobre o tema racial. Em especial, é destacável que, a despeito das críticas que se possam fazer, o governo atual (2003-2006) assegurou uma relativa profundidade dos debates 27

ao criar e sustentar uma Secretaria Especial para a Promoção da Igualdade Racial com status de ministério e dar continuidade ao reconhecimento das políticas de recorte racial. Quanto ao nível de decisão de cada um dos órgãos representados pelos gestores, 40,2% desses órgãos, segundo os entrevistados, são de natureza executiva, razão de em sua prática as políticas serem defi nidas por um superior hierárquico. Os órgãos consultivos equivalem a 30,9%, contra 16,5% de órgãos deliberativos e 7,2% de natureza normativa. Se tomarmos os órgãos executivos (responsáveis por colocar as práticas uma política) e os órgãos de natureza deliberativa, temos, então, um espectro de 56,7% de órgãos com uma relativa capacidade de assegurar a realização dos programas de igualdade racial estabelecidas pelos acordos entre as esferas locais, federais e estaduais. Sobre as instâncias de participação/representação formal de outros setores/órgãos governamentais, os gestores indicaram que os órgãos criados para a igualdade racial contam com mecanismos para a participação de outros setores, e essa afi rmação está em consonância com a linha de trabalho da Seppir. De acordo com o decreto de sua criação, a Seppir indica que a principal forma de inserção das políticas de igualdade seria por meio da transversalidade. Assim, acertadamente, praticamente 70% dos órgãos criados possuem canais de participação para outros setores da administração pública. Os gestores destacaram vinte ações quando foram questionados sobre as atividades que eram desenvolvidas pelo órgão em que atuavam. Destas, cinco compõem os eixos de intervenção propostos pela Seppir. A resposta com maior freqüência (20,4%) foi a implantação da lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira e africana nos níveis fundamental e médio. A segunda diz respeito à Política Nacional de Saúde, com 15,9% das respostas dos entrevistados. A terceira atividade indicada pelos participantes foi a capacitação de gestores públicos e de agentes sociais para operar políticas de promoção da igualdade racial, com 15,2% das respostas. O desenvolvimento socioeconômico da população negra nos eixos do empreendedorismo, trabalho e geração de renda ficou como quarta indicação (13,3%). Por fim, a quinta resposta com mais destaque foi sobre a regularização das terras de remanescentes de quilombos, com 9,7% das respostas. Esse mesmo conjunto de respostas praticamente se repetirá ao questionarmos sobre qual ação seria a prioritária em seu órgão de atuação, cuja resposta que mais prevaleceu foi a implementação da lei 10.639/2003, com 35,9% das respostas dos entrevistados. Em segundo lugar apareceu a capacitação de gestores públicos e de agentes sociais para operar políticas de promoção da igualdade racial, com 23,1% das respostas. Em terceiro, com 15,4% 28

das respostas, ficou o desenvolvimento socioeconômico da população negra nos eixos do empreendedorismo, trabalho e geração de renda. A quarta opção foi a regularização de terras remanescentes de quilombos, com 9,0% das respostas dadas. Por fim, a quinta resposta mais expressiva foi a produção de diagnóstico da condição de vida, do acesso aos bens públicos, da situação fundiária, do perfi l econômico, educacional, entre outros, da população negra, com 5% das respostas. Sobre as mais importantes realizações do órgão de promoção da igualdade racial para a implantação da lei 10.639/2003, os gestores apontaram como principal atividade (18,5% das respostas) a comemoração do dia 20 de novembro nas escolas, Dia da Consciência Negra, em homenagem a Zumbi dos Palmares. A segunda atividade com maior destaque foi a realização de cursos de qualificação e formação de professores para atender aos dispositivos da lei, com 17,8% das respostas. A terceira opção indicada pelos entrevistados foi a realização de debates, seminários, cursos e outras formas de diálogos entre educadores, militantes dos movimentos negros e outras organizações da sociedade civil, sobre preconceito racial, discriminação racial, racismo e outras formas de discriminação, com 15,6%. A quarta opção mais prevalecente foi a identificação e a repressão de práticas discriminatórias e racistas presentes na escola, com 8,1%. Em quinto, empataram duas respostas com 7,4% de indicação: a realização de cursos de capacitação e formação para os operadores do sistema educacional (diretores e vice-diretores de escolas, orientadores pedagógicos, funcionários da escola, entre outros) e a reformulação dos currículos escolares visando à valorização do papel dos negros na história do Brasil. Enfim, em sexto lugar, com 5,9% de respostas dos entrevistados, novamente houve um empate entre duas opções: a celebração de acordos de cooperação técnica ou convênios com outras instituições municipais/ estaduais, visando à implementação da lei 10.639/2003 e o monitoramento e revisão dos livros didáticos, manuais escolares e programas educativos, com o intuito de eliminar estereótipos, preconceitos, discriminações raciais e idéias racistas nas escolas. De certa maneira, podemos afi rmar que essas seqüências de atividades demonstram uma relativa timidez nas ações dos órgãos representados, pois não indicam quase nenhuma atividade de fundo. Isso tanto poderia demonstrar uma relativa fragilidade da instituição, mas também uma necessidade de “preparar terreno” para poder apresentar uma política mais consistente. Dentre as principais atividades realizadas com o objetivo de se alcançar um desenvolvimento socioeconômico, destaca-se o apoio à agricultura familiar, que corresponde a 21,4% das ações. A realização de cursos de quali29

ficação profissional fica em segundo, com 17,9% das respostas. Duas ações se destacam em terceiro lugar (14,3%): a organização de associações de artesãos e feirantes e a capacitação de lideranças negras. Por fi m, em quarto lugar foram indicadas outras duas ações (3,6%): a organização e/ou instalação de cooperativas e o apoio à capacitação de negros em gestão empresarial. No que diz respeito às ações para a implantação de uma Política Nacional de Saúde, as respostas foram pouco expressivas, embora duas ações tenham se destacado entre os entrevistados. Assim, dentre as principais atividades realizadas nesse campo, figuram a formação e capacitação com recorte étnico-racial e de gênero para servidores da área de saúde e a construção de um banco de dados sobre os pacientes do município/estado com anemia falciforme – ambas as ações com 18,2% das respostas dos entrevistados. Com um número mais consistente de respostas, as ações mais importantes realizadas para os remanescentes de quilombos contam com pelo menos quatro atividades em destaque. A primeira foi a identificação e reconhecimento de comunidades quilombolas, com 17,5% das respostas; em segundo, a emissão de certificados de identificação e reconhecimento de comunidades quilombolas, com 15%; em terceiro, obtivemos três atividades empatadas com 10%: a regularização fundiária e/ou titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos, o fornecimento de serviços básicos de infra-estrutura como eletricidade, telefonia e abastecimento de água e a construção de escola de ensino fundamental, ensino básico e material didático. Por fim, em quarto lugar apareceram empatadas duas opções, ambas com 7,5% das respostas dadas: a realização de diagnósticos socioeconômicos para definição das políticas públicas destinadas às comunidades quilombolas e o apoio à agricultura familiar e fornecimento de equipamentos. Quando foram questionados sobre a utilização de algum instrumento/metodologia sistemática de planejamento das ações/programas a serem implementadas, 79,5% dos gestores afirmaram existir algum tipo de planejamento, permitindo ao órgão em que estão inseridos visualizar quais e como os problemas deverão ser abordados. Porém, quase um quinto dos entrevistados (19,2%) disse que não existe qualquer procedimento estruturado para organizar o planejamento dos trabalhos do órgão. Este, certamente, é um dado preocupante, pelas implicações que disso decorre em investimentos feitos com pouco ou nenhum parâmetro de avaliação dos resultados. Mesmo entre aqueles que realizam algum tipo de diagnóstico, há, porém, um alto percentual (17,7%) que não o utiliza como instrumento orientador do planejamento das atividades do órgão para promover a igualdade racial. Esse fato reforça nossa consideração anterior sobre a dificuldade de estabelecer parâmetros analíticos para os resultados e impactos das políticas 30

implantadas. Caberia, portanto, uma discussão mais sistemática sobre a necessidade do planejamento e do diagnóstico como uma prática importante para a elaboração de políticas públicas. Do total de gestores que responderam afirmativamente sobre a realização de planejamento das ações (79,5%), 38,70% estabeleceram prioritariamente metas anuais; outros 25,8% optaram por metas semestrais. Como terceira opção de maior freqüência foi o trabalho com metas mensais, totalizando 15,12%. Uma leitura mais acurada nos permite afirmar que o processo de planejamento e de estabelecimento de metas pode representar um forte obstáculo para a implantação de políticas de igualdade racial. Podemos afirmar isso tanto pela falta de planejamento presente em vários organismos quanto pelo imediatismo das metas (mensais e anuais). Metas mensais referem-se, sobretudo, às atividades práticas. Contudo, para pensarmos em políticas estruturais como as de igualdade racial devemos priorizar metas em médio e longo prazo, por meio de planos plurianuais. O baixo (29,3%) índice no cumprimento dessas metas representa um sério problema para as políticas de igualdade racial, produzindo simultaneamente um descrédito quanto à importância e viabilidade de tais políticas e servindo de munição para os opositores desses programas sobre a oportunidade de tais investimentos. Porém, uma das mais sérias implicações certamente é a manutenção da desigualdade por meio de investimento e do desperdício de recursos aplicados de forma insatisfatória. Para os gestores, o principal entrave para a realização das metas propostas é a falta de recursos financeiros, que obteve 69,2% das respostas; o segundo entrave seria a falta de estrutura institucional (10,3%); e o terceiro diz respeito à falta de integração político-administrativa (6,4%). As respostas sobre as queixas em relação à falta de recursos financeiros e materiais são óbvias. Elas sempre permearam e permearão os programas para implantação de políticas públicas. Entretanto, devemos estar atentos às seguintes considerações: o recente nascimento de muitos dos organismos para promoção da igualdade racial, que implica, naturalmente, a falta ou o baixo aporte orçamentário; considerar a proposta nacional de trabalhar essas políticas específicas aplicando a transversalização. Nesse sentido, quem trabalha com a proposta dessa transversalização deve usar muito mais o capital intelectual do que o capital financeiro, fazendo articulações políticas pertinentes. Os gestores indicaram quatro pontos principais sobre o segundo entrave: a falta de estrutura institucional, com 29,5% das respostas; a falta de integração político-administrativa, com 20,5%; a falta de pessoal qualificado, com 16,7%; e, por fim, a falta de recursos financeiros, com 14,1%. 31

Em relação ao recurso ou a dotação orçamentária disponível para a execução das atividades prioritárias de sua instituição, os gestores ficaram em torno de duas respostas bem surpreendentes: “Nada”, com 10,3% dos respondentes, e “Não sei”, com 19,2%. “Nada” significa que o órgão provavelmente foi criado, mas que sua constituição representava apenas um ato formal sem, no entanto, maiores compromissos com as políticas de igualdade racial. Entendemos porém que, se não houve tempo suficiente para constituir linhas orçamentárias próprias, o ato de criar um organismo já pressupõe alguma forma de investimento. Mas, ao que tudo indica, nada foi feito. A outra resposta em destaque – “Não sei” –, além de ser expressiva (19,2%), é também preocupante, pois demonstra o desconhecimento por parte dos gestores tanto da máquina administrativa quanto da própria instituição em que estão envolvidos. A terceira resposta que se destaca é “Outros”. Essa resposta ocorre, sobretudo, porque a maior parcela dos organismos conta com um orçamento bem menor que aquele que indicamos como opções, ou seja, as instituições operam com orçamentos inferiores a R$ 49.000,00. Quanto às fontes de recursos financeiros, as respostas dos gestores demonstraram que 62,9% dos gastos para promoção da igualdade racial são assegurados por recursos próprios (16,2%) ou por recursos municipais (46,7%). O fato de que mais de 15% dos recursos serem de origem própria merece destaque, embora não tenha sido apontada a origem deles. Resta-nos, assim, a indagação sobre o que tais gestores denominam recursos próprios. A participação dos recursos federais e estaduais também merece ênfase. Esses recursos, ambos com 13,3%, ficam abaixo dos gastos cobertos pelos recursos próprios investidos pelos órgãos. Juntos, ficam abaixo do que é investido pelo município: 46,7% para o município contra 26,6% para a união e o estado; ou seja, para cada real gasto pela união e estado, o município entra com R$ 1,75. Se contarmos os recursos próprios dos órgãos, a proporção será de R$ 1,00 contra R$ 2,36. No que diz respeito ao quadro de pessoal, a maior parte dos organismos dispõe de até cinco funcionários para a execução de suas políticas (61,5%). A segunda resposta com maior prevalência (15,4%) aponta para um quadro de seis a dez funcionários. A terceira resposta indica uma estrutura de onze a vinte funcionários (7,7%). Sobre essas respostas, vale destacar três dados importantes. Um deles é que os organismos em questão são muito recentes e atuam em um campo ainda desconhecido para as políticas públicas, o que dificulta poderem dispor de um quadro expressivo de funcionários para desenvolver suas atividades. 32

Vale lembrar que é preciso conhecer o campo das atividades, constituir processos, definir rotinas e possibilidades para então estruturar um quadro ideal. Outro dado é que muitos dos municípios envolvidos são pequenos, inviabilizando a constituição ideal de um quadro de pessoal. Um outro dado, por fim, refere-se à natureza das políticas de promoção da igualdade racial que depende da transversalidade, razão do desenvolvimento de um trabalho com quadros enxutos e mais especializados. Sumarizando os tópicos deste bloco, conclui-se que a maior parte dos organismos constituídos para a promoção da igualdade racial possui estruturas fluidas, o que leva a afi rmar que se trata de estruturas frágeis e que podem ser desmontadas com muita facilidade pelos governos municipais. A par disso, percebe-se a presença de organismos para a promoção da igualdade racial em praticamente todos os estados, com exceção do Paraná, dada a inexistência de informações sobre algum organismo, nesse estado, até a data em que se conclui esta pesquisa. O alto índice de pessoas com nível superior atuando nos organismos constituídos e o fato de ser utilizado o procedimento de planejamento das ações na maior parte dos organismos são aspectos positivos significativos. No entanto, como ponto negativo, podem ser mencionados os entraves internos e externos para a execução das políticas, desses organismos, que, segundo a opinião dos gestores, tem a ver com a falta de recursos fi nanceiros.

Observações sobre o plano de capacitação Neste terceiro bloco, ao serem recolhidas informações sobre os trabalhos em execução pelos organismos, verificamos que 28,2% deles qualificaram até 10 profissionais para as políticas de igualdade racial – a maior parte era de professores e agentes de saúde; 19,2% dos organismos qualificaram entre 11 e 50 profissionais; 6,4% qualificaram de 101 a 200 profissionais. Em média e grande escala, apenas 3,9% afirmaram terem qualificado entre 501 e 1.500 profissionais. Ainda dentre as respostas, 9% disseram não saber quantos profissionais foram qualificados e 7,7% afirmaram que nenhum profissional passou por capacitação. Outra questão refere-se à quantidade de professores e de agentes de saúde beneficiários no município/estado pelos programas de promoção para a igualdade racial. Segundo os dados, dos que formaram até 10 profissionais, 28,4% são professores e 19,7% são formados por agentes de saúde. Dentre os que qualificaram de 11 a 50, 16,2% são professores e 9,9% são profissionais de 33

saúde. Já entre aqueles que capacitaram de 51 até 300 profissionais, 4,1% são professores. Dos grupos que capacitaram de 201 a 500 profissionais, apenas 1,4% foi reservado para agentes de saúde. Assim, podemos concluir que o programa de igualdade racial tem priorizado o setor educacional e, em segundo lugar, o setor de saúde. Contudo, trata-se de processo de qualificação que ainda se encontra demasiadamente incipiente.

Observações sobre a estrutura e condições de trabalho No quarto bloco, para análise das condições objetivas à realização do trabalho dos gestores, sobre a estrutura física da instituição, verificamos que 51,3% dos organismos estão sediados em outros órgãos municipais; 33,3% possuem sede própria e 12,8% estão sediados em órgão estadual. Em relação às condições materiais para a execução do trabalho, 70,5% dos gestores aprovam as condições de trabalho ou não vêem problemas. Destes, 41% afi rmaram que as condições eram favoráveis (regular), 24,4% ressaltaram que as condições de trabalho eram boas e 5,1% disseram que eram ótimas. Assinale-se que em condições materiais, incluímos mobiliário, equipamentos e meios de atuação nos seus organismos. Porém, contrariamente ao cenário favorável apontado pelas respostas anteriores, praticamente um terço dos gestores (28,2%) afi rmou que se tratava de condições que não eram adequadas. Sobre a existência de equipamentos básicos para a realização dos serviços, a maior parte dos gestores indica possuir os equipamentos necessários. Com relação às condições físicas do ambiente, 84,6% afirmaram que possuem banheiros e 59% dispõem de copa. Com relação aos equipamentos para comunicação, 79,5% mencionaram possuir computadores, 71,8% têm acesso à internet, 76,9% possuem linha e aparelho telefônico e 50% têm aparelho de transmissão de fax. Quanto aos equipamentos para a realização dos trabalhos burocráticos, 84,6% afi rmaram possuir equipamentos básicos, tais como móveis de escritório (mesas e cadeiras), 69,2% têm impressoras, 43,6% possuem equipamentos para fotocópias e 73,1% dispõem de material de consumo. Por fim, 34,6% dos gestores relataram a disponibilização de carros oficiais para realizar serviços externos. Trata-se, como podemos ver, de cenário que é favorável a esses organismos, se for observado que na nossa sociedade o referido tema é bastante controverso. 34

Com relação às condições físicas fundamentais para a execução do trabalho, os gestores apontaram: a existência de banheiros e copa, em 12,8% e 15,4% das respostas, respectivamente. No que se refere a equipamentos para comunicação, 46,2% dos gestores afi rmaram precisar de mais computadores; 34,6% indicaram a necessidade de acesso à internet; 30,8% apontaram a falta de linha e aparelho telefônico e 33,3% a inexistência de aparelho de transmissão de fax. No que se refere aos equipamentos para a realização dos trabalhos burocráticos, 25,6% afirmaram que precisam de equipamentos básicos, tais como móveis de escritório (mesas e cadeiras), 33,3% indicaram que necessitam de impressoras, 34,6% apontaram a falta de equipamentos para fotocópias e 24,4% a falta de material de consumo. Ainda, 56,4% apontaram a necessidade de um carro para trabalhos externos. Assim, ao serem questionados sobre quais os maiores entraves na instituição em que trabalham, 31,3% dos gestores mencionaram em primeiro lugar a falta de dotação orçamentária adequada para os projetos e programas. Em segundo lugar, com 19,4% das respostas, foi apontada a falta de espaço físico adequado para a realização do trabalho. Em terceiro, 19% dos gestores indicaram a falta de recursos humanos (quadro de pessoal adequado). Destacam, como o quarto maior entrave, ainda a falta de cursos de formação e capacitação sobre as relações raciais (16%). A quinta resposta mais expressiva (10,9%) referiu a resistência ou falta de comprometimento dos gestores e funcionários. Entre os principais entraves externos, os gestores identificam pelo menos sete pontos: a falta de dotação orçamentária adequada para os projetos e programas, ou seja, a ausência de apoio do estado, da união ou de agências de financiamento, com 20,4%; a resistência ao tipo de política que se quer implantar, ou mesmo a falta de comprometimento para com a política de igualdade racial, lembrado por 17,3% dos entrevistados; a falta de sensibilidade das autoridades estaduais, apontado por 15,8% dos entrevistados, seguida pela falta de sensibilidade das autoridades municipais, com 11,2%. As três outras barreiras destacadas apresentam percentuais muito próximos: 8,2% apontaram a falta de apoio do governo federal, seguida da falta de apoio do movimento negro organizado, com 7,7%, e a falta de acompanhamento dos projetos, com 7,1%. Esses dados nos trazem algumas informações interessantes. Nas respostas dadas para a origem das fontes de recursos, os gestores indicaram que a maior parte deles é de recurso próprio (16,2%) e outra parte é municipal (46,7%) e que, juntos, totalizam 62,9%. Porém, ao responderem a questão sobre os entraves internos, os gestores indicaram em primeiro lugar a falta de 35

dotação orçamentária adequada (31,3%). A mesma resposta se sobressai na questão sobre os entraves externos, com 20,4% de indicação. Por essas respostas podemos perceber que boa parte da responsabilidade orçamentária, de acordo com os gestores, tem recaído sobre o município. O estado e a união participam, em média, com 14% do orçamento cada um. Mas a participação desses dois ainda deixa em aberto um quarto do orçamento, de responsabilidade de organizações não-governamentais e oriundo de recursos de organismos internacionais. Assim, entendemos que para a consolidação de um futuro sistema de promoção da igualdade racial, entendemos ser inevitável o estabelecimento claro das bases de um pacto federativo das responsabilidades entre as partes e os percentuais de investimentos obrigatórios para cada um. As afi rmações de que entre os entraves estão a falta de sensibilidade das autoridades estaduais (15,8%) e municipais (11,2%) foram significativas. Juntas, elas representam mais de um quarto (27%) das barreiras encontradas pelos gestores para a implantação de políticas de igualdade racial. Também se destacaram a ausência do movimento negro (7,7%) e a falta de acompanhamento (7,1%). Ambas, podemos afirmar, são vitais para assegurar a execução das políticas de igualdade racial. Sem um acompanhamento sistemático, seja por meio de movimentos sociais organizados ou por meio de órgãos de fiscalização, dificilmente teremos a garantia de que as políticas atingirão os objetivos propostos. Como vimos metade dos organismos para a promoção da igualdade está sediada em espaços destinados a outros órgãos. Essa disposição tende a colocá-los como organismos fluidos e com baixo status político-administrativo em relação ao conjunto dos organismos políticos municipais e estaduais. Além disso, grande parte dos organismos possui características fluidas, haverá poucas possibilidades de resistência aos sobressaltos de mudanças governamentais ou a reformas político-administrativas. Outra conclusão importante diz respeito às condições de trabalho. De acordo com os gestores, as condições atuais de trabalho não comportam as demandas do quadro de pessoal disponível nem as demandas sociais por resultados concretos. Faltam, portanto, equipamentos básicos para muitos dos organismos, como materiais de escritório. Enfim, é importante ressaltar também que a maior parte dos organismos possui computadores com acesso à internet. Esse dado é relevante, sobretudo porque se trata de mecanismos que permitem uma comunicação cada vez mais sistemática entre as diferentes esferas.

36

Observações sobre as relações intergovernamentais Neste quinto bloco procuramos analisar como os novos organismos criados para a promoção da igualdade racial se relacionam com os mais diversos órgãos municipais, estaduais e nacionais. Interessa-nos, sobretudo, compreender se essas relações ocorrem e como estão sendo avaliadas pelos gestores. De acordo com as respostas dos entrevistados, notamos que 21,1% dos organismos constituídos na esfera municipal para a promoção da igualdade racial estabeleceram relações com a Secretaria de Educação e 20,2% dos organismos estabeleceram relações com a Secretaria de Saúde. Na esfera estadual, 17,5% dos organismos constituídos estabeleceram relações com a Secretaria de Educação; 13,5% com a Secretaria de Saúde; 10% com a Secretaria de Cultura; e 16,5% dos organismos não estabeleceram relação com nenhum outro organismo estadual. Na esfera federal, 32,1% deles estabeleceram relações com a Seppir; 13,6% estabeleceram relações com o Ministério da Educação; 9,9% com o Ministério da Saúde; e 8% com o Ministério da Cultura. Quanto às relações com a esfera federal, 35,9% dos gestores afirmaram que elas eram ótimas ou boas, contra 25,7% que afirmaram serem péssimas ou ruins. As relações com a esfera estadual foram avaliadas pelos gestores como ótimas ou boas, com 65,3%, contra 9% que afi rmaram serem péssimas ou ruins. No âmbito municipal, 59% dos gestores afi rmaram que elas eram ótimas ou boas, contra 3,9% que afi rmaram serem péssimas ou ruins. Outra questão levantada é sobre a articulação da instituição criada e o governo municipal, por meio de convênios, acordos de cooperação técnica, entre outras formas, visando transversalidade e descentralização para implantar políticas de igualdade racial no município. Dentre as respostas sobre essa articulação, a instituição que sobressaiu foi a Secretaria de Educação, com 21,1% dos casos válidos. Em seguida aparece a Secretaria de Saúde, com 20,2% de respostas positivas. Podemos aduzir, portanto, que esses dois campos se sobressaem, sobretudo pelo reflexo do debate nacional e pela interferência direta dele no campo da educação (implantação da lei 10.639/2003 e as cotas no ensino superior) e da saúde (debate sobre anemia falciforme). Os três outros órgãos mais citados foram a Secretaria de Cultura (16,6%), a Secretaria de Governo (9,7%) e a Secretaria do Meio Ambiente (6,1%). O indicativo em relação ao meio ambiente demonstra que pelo menos três das quatro linhas prioritárias (saúde da população negra, quilombolas, educação e geração de emprego e renda) elegidas pela Seppir estão sendo objeto de algum tipo de intervenção no diálogo das políticas municipais. Ficou ausente aqui um indício direto ao campo da profissionalização e da geração 37

de trabalho e renda. Se há uma ausência por um lado, temos em destaque, por outro, o diálogo com a Secretaria de Cultura, que tem sido fundamental para ampliar o debate e a exposição das expressões da cultura negra no Brasil. Se as relações entre o órgão de promoção da igualdade racial e os outros organismos municipais apresentam um quadro mais restrito, as relações com os organismos estaduais apresentam um leque relativamente melhor. De forma expressiva, pelo menos oito órgãos foram destacados. Porém, além desse expressivo contato entre município e estado, também merece destaque a segunda resposta mais expressiva, com 16,5%, sobre a inexistência de qualquer contato entre município e estado. Dentre as indicações de existência de algum tipo de articulação entre município e estado, os destaques seguem a mesma linha das relações municipais. Prevalece em primeiro a relação com a Secretaria de Educação (17,6%) e na seqüência aparece a relação com a Secretaria de Saúde (13,5%). Em terceiro lugar foi destacada a Secretaria de Cultura (10%), sendo seguida pela Secretaria de Justiça e Segurança Pública (6,5%) e pela Secretaria de Meio Ambiente (5,9%). Foram indicados três organismos na faixa de 4% das respostas – Secretaria de Governo (4,7%), Secretaria de Planejamento (4,1%) e Secretaria de Direitos Humanos (4,1%). Portanto, novamente temos a ausência do quarto pilar prioritário da Seppir, que é a geração de emprego e renda. Em relação a essa articulação na esfera federal, o organismo com maior destaque é a Seppir, pois 32,1% dos gestores afirmaram que seus organismos possuem algum tipo de contato com esse órgão. Na esfera federal, as relações entre os organismos para a promoção da igualdade racial mantêm os setores de saúde e educação como órgãos prioritários para o estabelecimento de relações. Assim, observamos que 13,6% dos entrevistados indicaram a existência de relações com o Ministério da Educação e 9,9% com o Ministério da Saúde. Além disso, do mesmo modo como na esfera estadual, 8% dos entrevistados afi rmaram que seus organismos mantêm relações com o Ministério da Cultura. Mas outro organismo se destacou nessa esfera – Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) –, com 4,9% das respostas. Poderíamos afi rmar que a posição da Seppir apenas demonstra uma evidência óbvia, por ser a instituição responsável pela implantação dessa política específica ou por possuir as informações técnicas necessárias. No entanto, podemos entender que essa relação também seja o reflexo de uma trajetória institucional objetivando a construção de uma rede de relacionamentos, com a intenção de consolidar uma política nacional para o campo das relações raciais. 38

Quanto à realização de cursos de capacitação para os gestores e agentes sociais pela Seppir, 76,9% dos entrevistados declararam que a instituição não realizou curso e apenas 20,5% dos entrevistados afirmaram positivamente. Entendemos que a capacitação e o processo de aperfeiçoamento do quadro de pessoal ligado a esses organismos será um dos grandes desafios para a Seppir. Sem um quadro com a formação adequada, o trabalho certamente poderá ser comprometido em sua execução. Como boa parte dos organismos possui facilidade de acesso à Internet, pode-se utilizar o recurso de capacitação a distância e reservar os encontros de formação presencial para estágios mais complexos. Sobre a realização de cursos na esfera estadual, 64,1% dos entrevistados alegam que o governo estadual não promoveu a capacitação dos operadores das políticas para igualdade racial. Contrariamente, um terço deles afi rmou positivamente. Em síntese, de acordo com os dados, podemos afirmar que a relação mais consistente dos organismos de promoção da igualdade racial ocorre com os setores de educação e de saúde, o decorre de três razões: a forte publicidade em torno do acesso dos negros aos serviços de educação e de saúde; a publicação da lei 10.639/2003; e a capilaridade das estruturas de educação e saúde presente em todos os municípios. Ainda, destaque-se a boa avaliação que os gestores fi zeram da relação com o governo estadual, sendo melhor até mesmo que as relações com o governo municipal. No entanto, as relações com a Seppir foram indicadas como sendo muito insatisfatórias.

Observações sobre a relação com a sociedade civil O sexto e último bloco de questões procurou aprofundar as investigações sobre a relação das instituições criadas para a promoção da igualdade racial com as organizações da sociedade civil. Esse dado possui um significado emblemático, uma vez que o surgimento desses organismos foi fruto, em especial, das pressões históricas do movimento negro (Santos, 2005), cujos atores acumularam ao longo dos anos um forte capital intelectual para pensar sobre essas políticas. Uma análise dos dados indica que em 62,8% das instituições para promoção da igualdade racial há instâncias para a participação da sociedade civil; 28,2% afirmaram que a participação ocorre por meio dos conselhos e 26,9% dos casos ocorre por meio de fóruns permanentes. No que diz respeito à existência de um movimento negro organizado no município 39

ou estado representado, 78,2% afirmaram que existe e 71,4% afi rmaram que trabalham em conjunto com o movimento negro de sua região. Quando os gestores foram questionados se na instituição que estão representando há instâncias de participação formal da sociedade civil, 62,8% deles disseram possuir mecanismos para que a sociedade civil participasse formalmente. Esse dado em si é um indicativo importante de que as práticas políticas no Brasil não possuem um histórico de participação e de acompanhamento para as organizações da sociedade civil. A participação é um mecanismo relevante, sobretudo para todos aqueles que advogam em favor de uma maior transparência na gestão dos recursos públicos, assegurando, dessa forma, a prática comumente conhecida por governança (Franco, 2000, 2001). Segundo as informações prestadas pelos gestores, 28,2% dos mecanismos de participação ocorrem na forma de conselhos (consultivo, 19,2%, e deliberativo, 9%). A outra forma com maior prevalência são os fóruns permanentes, com 26,9%. Porém, dentre todas as respostas, a de maior destaque é a que afi rma que “Não se aplica” (35,9%). Esse dado nos deixa algumas dúvidas. Tal resposta pode ter duas implicações, ou há uma contradição por parte de alguns dos entrevistados, e boa parte dos organismos não possui representação da sociedade civil (porém não necessariamente, já que foram 62,8% os que afi rmaram possuir participação) ou os organismos possuem um leque mais variado de participação regular para a sociedade civil. Para os gestores, o movimento negro está organizado em 78,2% dos municípios, onde já existem organismos para a promoção da igualdade racial. Se, por um lado, esse é um dado importante para pensarmos a mobilização desse grupo social, por outro, temos 20,5% que apontaram a inexistência de movimento organizado no seu município. Esse percentual indica que a implantação de tais políticas independe nesses casos de uma pressão social direta, sobretudo de reflexos externos. Estes, por sua vez, podem partir tanto de movimentos sociais expressivos de outros estados quanto de políticas nacionais. Como não notamos grandes mobilizações nacionais ou mesmo estaduais de movimentos negros (ainda que existissem mobilizações de baixo alcance e grupos de pressão), tudo indica que tais organismos surgiram a partir de reflexos das políticas nacionais. Sobre a efetiva participação de representantes do movimento negro junto à equipe do organismo, 71,4% afirmaram que existe uma articulação. Contrariamente, para 11,1% a articulação inexiste; 12,7% não responderam e 3,2% alegaram não saber da existência de alguma articulação. Muito embora os dados sobre a existência de articulação entre movimento e organismo para promoção da igualdade racial sejam expressivos 40

(71,4%), trata-se de índice que está abaixo dos 85,9%, indicando a trajetória dos gestores dentro dos movimentos sociais. Portanto, diante do histórico, devemos esperar que os gestores busquem maior participação dos movimentos sociais nas formulações das políticas públicas. Como vimos, se do ponto de vista formal os gestores afi rmam que há participação da sociedade civil, do ponto de vista real eles não influenciam nas decisões dos organismos. E a razão disso está no fato de a maior parte da representação acontecer por meio de sistemas que não asseguram uma rotina na participação e em tomada de decisões. Outro dado significativo é que em quase 40% dos organismos não há participação da sociedade civil. Por fim, a maioria dos entrevistados alega que existe movimento negro organizado em seu município. Isso é de grande relevância, uma vez que boa parte das políticas brasileiras e mesmo mundiais está condicionada à presença de grupos de pressão. Portanto, podemos garantir que o fato de o movimento negro estar organizado em diversos municípios seja um forte indicador para a continuidade dos organismos de promoção da igualdade racial.

41

42

HÁ UM SISTEMA DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL EM M ACAPÁ E NO ESTADO DO A MAPÁ?1 Sales Augusto dos Santos

Introdução O município de Macapá foi indicado pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), segundo seus critérios internos, como uma localidade emblemática na região Norte do país para verificação do processo de implementação do sistema de promoção de igualdade racial. A primeira etapa deste artigo descreve o impacto resultante da elaboração, planejamento, desenvolvimento e execução e/ou implementação de projetos e programas de ações afi rmativas nesse município. Vamos analisar se há articulação entre os governos federal, estadual e municipal e se há um conjunto articulado de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Para realizarmos esta pesquisa viajamos até Macapá, onde entrevistamos três gestores da Comissão Municipal de Políticas de Promoção de Igualdade Racial da Prefeitura de Macapá e dois da Secretaria Extraordinária de Políticas para os Afrodescendentes (Seafro) do estado do Amapá. Além dos gestores, entrevistamos também algumas lideranças do Movimento Negro daquele município e estado. Segundo os critérios metodológicos adotados pela pesquisa de campo, deveriam ser entrevistados no mínimo dois gestores do poder público estadual, dois do municipal, duas lideranças do Movimento Negro (de entidades ou organizações diferentes de Macapá) e duas lideranças do Movimento Negro do estado do Amapá. Além disso, seriam entrevistados também os beneficiários diretos e/ou indiretos das políticas de promoção de igualdade racial do município indicado pela Seppir. Como será detalhado mais adiante, Macapá não havia executado e/ou implementado políticas de promoção da igualdade racial até a data da pesquisa – fevereiro de 2006 –, mesmo já tendo criado o Programa Municipal de Combate ao Racismo e o Programa de Ações Afi rmativas para Afrodescendentes, conforme a lei municipal nº 1.389/2004, publicada no Diário Oficial de Macapá em 9 de julho de 2004. Nesse sentido, foi criada também, em abril de 2005, a Comissão Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Macapá. Essa Comissão, como muitos órgãos públicos municipais e estaduais 1 Somos gratos aos comentários, críticas e orientações do Prof. Dr. Sadi Dal Rosso, que foram fundamentais para a elaboração deste artigo.

43

de promoção de igualdade racial, infelizmente não tem endereço certo, ou melhor, não está localizada em prédio público municipal com um espaço físico referencial; sequer possui infra-estrutura mínima para um funcionamento adequado: mesas, cadeiras, computadores, impressoras, telefones, fax, entre outros instrumentos necessários para o desenvolvimento do trabalho. As dificuldades vivenciadas se completam pela falta de um quadro de pessoal próprio, criando ainda mais obstáculos para o cumprimento das suas atribuições. Seus poucos integrantes são técnicos de outras secretarias municipais, que esporadicamente se reúnem para discutirem as políticas de promoção da igualdade racial que o município deveria realizar. Ao que parece, a maioria absoluta dos seus membros são técnicos qualificados. Dos três entrevistados, todos tinham cursado o ensino superior completo; o presidente da Comissão, por exemplo, é antropólogo e já foi professor na Universidade Federal do Pará (UFPA). Vale ressaltar, no entanto, que, se a tentativa de institucionalização das políticas de promoção da igualdade racial começa no estado do Amapá com a criação formal, em 2004, da Secretaria Extraordinária de Políticas para os Afrodescendentes (Seafro), não devemos esquecer que antes da Comissão Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Macapá não havia nenhum órgão da prefeitura destinado a discutir e/ou implementar essas políticas. A Comissão Municipal – como a maioria dos órgãos públicos oficiais de promoção da igualdade racial – surge por meio de uma carta-documento, impulsionada pela implantação da Seppir. Ou seja, conforme tudo indica, essa Comissão foi criada em face de uma demanda do governo federal e não por exigência do Movimento Negro do estado do Amapá. E isso refletirá na própria ação desse organismo para a realização dos seus objetivos. Ao contrário da Comissão, a Seafro do estado do Amapá tem endereço certo. Ela foi instituída pela lei 811, de 20 de fevereiro de 2004, publicada no Diário Oficial do estado do Amapá, em 25 de fevereiro de 2004, com a finalidade de “formular e coordenar as políticas públicas afirmativas de promoção da igualdade e da proteção dos direitos para os afrodescendentes e exercer outras atribuições correlatas, na forma do regulamento”. Apesar de ter um espaço físico referencial, a Seafro funciona precariamente no prédio da Secretaria de Inclusão e Mobilização Social, do governo do Amapá. Segundo nos informou o secretário da Seafro, o quadro funcional contava com apenas oito servidores. Contudo, viu-se claramente que a Seafro possuía pelo menos uma infra-estrutura mínima para funcionamento, ao contrário da Comissão Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Macapá. Mesmo que uma das lideranças do movimento do município discordasse, essa secretaria extraordinária tem um espaço físico mínimo para trabalhar, ainda que precário para uma secretaria do governo estadual. Segundo uma 44

liderança negra feminina do Amapá, a Secretaria “não tem infra-estrutura nem apoio fi nanceiro [...], e criar uma secretaria sem condições era preferível não ter criado”, já que essa liderança acredita que a Seafro “não traduz os anseios da comunidade”. Apesar da precariedade apontada, a Seafro criou um espaço referencial com a intenção de servir como local para pensar, discutir, planejar e elaborar políticas de promoção da igualdade racial, mesmo que isso não aconteça de fato. Dessa forma, ela é uma secretaria de articulação que é uma referência não só para as demais secretarias estaduais, como também para as lideranças dos movimentos sociais negros do estado. Mesmo com críticas à Seafro, as lideranças entrevistadas sabiam da existência dessa secretaria extraordinária e de seu objetivo, mas desconhecem as atividades da Comissão Municipal de Políticas de Promoção de Igualdade Racial da Prefeitura de Macapá. As diferenças entre o perfi l e/ou a infra-estrutura da Comissão Municipal de Políticas de Promoção de Igualdade Racial de Macapá e da Secretaria Extraordinária de Políticas para os Afrodescendentes (Seafro) do estado do Amapá, segundo as entrevistas com os gestores, irão refletir nas atividades, nas realizações ou no cumprimento dos objetivos de cada uma dessas instituições. Mais do que isso, irão refletir também na articulação entre os governos federal, estadual e municipal. E, ao que tudo indica, podem impedir a constituição de um conjunto articulado de políticas de promoção da igualdade racial ou a construção do sistema das referidas políticas no Amapá e, em última instância, no Brasil.

Conceitos necessários para entender o que são as políticas de promoção da igualdade racial Como falamos em ação afirmativa para negros, cabe desde já indicar e/ ou anunciar o conceito de ação afirmativa utilizado neste artigo. Foi no Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra (GTI)2 que surgiu um dos primeiros conceitos nacionais de ação afirmativa. Ou seja, a partir da esfera política começou a produção e/ou divulgação mais visível de conceitos nacionais sobre o que é ação afirmativa: 2 O GTI foi criado em 20 de novembro de 1995 e instalado em 27 de fevereiro de 1996. Ele tinha “como expectativa, ao longo deste governo [Fernando Henrique Cardoso], inscrever defi nitivamente a questão do negro na agenda nacional. Isso significará conceder à questão racial do negro brasileiro a importância que lhe tem sido negada” (GTI apud Santos, 2003, p. 95).

45

As ações afirmativas são medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. Portanto, as ações afirmativas visam combater os efeitos acumulados em virtude das discriminações ocorridas no passado.

(GTI, 1997 apud Santos, 2003, p. 96). Mais ainda, segundo Santos (2003), citando o historiador estadunidense George Reid Andrews, a ação afirmativa significa mais do que o combate contra a discriminação. A ação afirmativa indica uma intervenção estatal para promover o aumento da presença negra – ou feminina, ou de outras minorias étnicas – na educação, no emprego, e nas outras esferas da vida pública. Promover esse aumento implica levar em conta a cor como critério relevante na seleção de candidatos para tais oportunidades [...]. Tradicionalmente foram as pessoas brancas as favorecidas para qualquer oportunidade social ou econômica; com a ação afirmativa, o estado estabelece certas preferências para as pessoas negras, ou mulheres, ou membros de outras minorias étnicas. Essas preferências não são absolutas; a raça é só um dos critérios utilizados para a distribuição de vagas nas faculdades ou empregos. Um candidato negro de baixa capacidade não pode substituir um candidato branco de alta capacidade. Mas, no caso de competição entre dois candidatos de capacidade mais ou menos igual, um branco e outro negro, segundo os critérios da ação afirmativa, o candidato negro teria preferência sobre o branco

(Andrews, 1997 apud Santos, 2003, p. 90). Como indica Santos (2003, p. 96), é relevante perceber a importância atribuída ao papel do governo ou do estado na implementação de algum tipo de política pública específica para a correção das desigualdades raciais provocadas por discriminações. Tal papel é indispensável, como se pode perceber em pelo menos dois parágrafos do Programa de Ação, da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada entre agosto e setembro de 2001, em Durban, na África da Sul. Segundo esse programa, é necessário reconhecer que o combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata é responsabilidade primordial dos estados. Portanto, incentiva os estados a desenvolverem e elaborarem planos de ação nacionais para promoverem a diversidade, igualdade, eqüidade, justiça social, igualdade de oportunidades e participação para todos. Através, dentre outras coisas, de ações e de estratégias afirmativas ou positivas, estes planos devem visar à criação de condições necessárias para a participação efetiva de todos nas tomadas de decisão e o

46

exercício dos direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais em todas as esferas da vida com base na não-discriminação. A Conferência Mundial incentiva os estados, que desenvolveram e elaboraram os planos de ação, para que estabeleçam e reforcem o diálogo com organizações não-governamentais para que elas sejam intimamente envolvidas na formulação, implementação e avaliação de políticas e de programas. Insta os estados a estabelecerem, com base em informações estatísticas, programas nacionais, inclusive programas de ações afirmativas ou medidas de ação positivas, para promoverem o acesso de grupos de indivíduos que são ou podem vir a ser vítimas de discriminação racial nos serviços básicos, incluindo educação fundamental, atenção primária à saúde e moradia adequada.

(III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata apud Santos, 2003, p. 97) Ainda segundo Santos (2003, p. 97), a importância da ação estatal também pode ser percebida no conceito de ação afi rmativa utilizada pelo sociólogo Valter Roberto Silvério. Ele não só nos mostra a importância fundamental do estado para a implementação de políticas públicas, mas reafi rma, como nos conceitos anteriores, o objetivo da busca de igualdade substantiva e não apenas a abstrata entre os cidadãos de um país, bem como as ações daquele no sentido de prevenir a ocorrência de discriminação. Segundo Silvério, as ações afirmativas são um conjunto de ações e orientações do governo para proteger minorias e grupos que tenham sido discriminados no passado. Em termos práticos, as organizações devem agir positiva, afirmativa e agressivamente para remover todas as barreiras, mesmo que informais ou sutis. Como as leis antidiscriminação – que oferecem possibilidade de recursos a, por exemplo, trabalhadores que sofreram discriminação –, as políticas de ação afirmativa têm por objetivo fazer realidade o princípio de igual oportunidade. E, diferentemente dessas leis, as políticas de ação afirmativa têm por objetivo prevenir a ocorrência de discriminação.

(Silvério, 2002 apud Santos, 2003, p. 98). Para Santos (2003), sob orientação de outros intelectuais e pesquisadores das ações afirmativas, especialmente o ministro Joaquim B. Barbosa Gomes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a intervenção estatal é mais do que necessária para a implementação desse tipo de política pública, visto que “cabe-lhe [ao Estado] traçar as diretrizes gerais, o quadro jurídico à luz do qual os atores sociais poderão agir. Incumbe-lhe remover os fatores de discriminação de ordem estrutural, isto é, aqueles chancelados pelas próprias normas legais vigentes no país” (Gomes, 2002 apud Santos, 2003, p. 98). Tal papel do Estado para ajudar a corrigir as desigualdades raciais na sociedade brasileira, 47

bem como combater as manifestações flagrantes de discriminação, também é enfatizado no conceito de ação afirmativa utilizado pelo Ministro Gomes: As ações afirmativas consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, inculcando nos atores sociais a utilidade e a necessidade da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano. Constituem, por assim dizer, a mais eloqüente manifestação da moderna idéia de Estado promovente, atuante, eis que de sua concepção, implantação e delimitação jurídica participam todos os órgãos estatais essenciais, aí incluindo-se o Poder Judiciário, que ora se apresenta no seu tradicional papel de guardião da integridade do sistema jurídico como um todo, ora como instituição formuladora de políticas tendentes a corrigir as distorções provocadas pela discriminação. Construção intelectual destinada a viabilizar a harmonia e a paz social, as ações afirmativas, por óbvio, não prescindem da colaboração e da adesão das forças sociais ativas, o que equivale dizer que, para o seu sucesso, é indispensável a ampla conscientização da própria sociedade acerca da absoluta necessidade de se eliminar ou de se reduzir as desigualdades sociais que operam em detrimento das minorias.

(Gomes, 2001 apud Santos, 2003, p. 98-99) O Ministro Joaquim B. Barbosa Gomes usa tanto o fundamento fi losófico da compensação ou reparação quanto o postulado da justiça distributiva, na formulação do seu conceito de ação afi rmativa (Santos, 2003, p. 99). Ao formulá-lo, o magistrado utiliza uma argumentação que leva em consideração os efeitos da discriminação racial sofrida pelos ascendentes dos indivíduos pertencentes a grupos socialmente discriminados no passado e também sustenta que um indivíduo ou grupo social tem direito a receber, no presente, parcelas eqüitativas dos benefícios da sociedade onde vive. Santos (2003) concluiu que, quando o público-alvo de uma ação afirmativa é determinado/escolhido pelo fato de ser discriminado racialmente, a cor/raça dos indivíduos constitui um dos critérios fundamentais para definir os beneficiados, quer no emprego, quer na educação superior, entre outras áreas, como já havia enfatizado o historiador estadunidense George Reid Andrews na citação anterior. Se considerarmos que o público-alvo e/ou beneficiário de políticas de ação afirmativa da pesquisa realizada são os negros, cabe anunciar aqui a definição de 48

negro que estamos utilizando. Conforme Santos (2002), no Brasil são consideradas negras as pessoas que se autoclassificam como pretas e pardas no censo demográfico e/ou na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O motivo pelo qual se agregam pardos e pretos numa única categoria, formando o grupo racial negro, não é político como buscou estabelecer o Movimento Negro Unificado. O argumento para associarmos os pardos aos pretos é, segundo Santos (2002, p. 8-9), técnico. Estatisticamente não há diferenças raciais significativas entre a situação socioeconômica dos pretos e dos pardos. Percebem-se grandes contrastes raciais quando se compara esses dois grupos citados com o grupo de brancos. Isto é, pretos e pardos estão, de um lado, muito próximos em relação à obtenção e/ou exclusão de direitos legítimos e constitucionalmente garantidos e, de outro, estão distantes dos direitos e vantagens aferidos aos brancos. Diante desses fatos, pode-se tecnicamente juntar aquelas duas categorias e formar o grupo racial negro, como o próprio Estado brasileiro tem feito por meio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Descrição e análise das instituições de políticas de promoção da igualdade racial do município de Macapá e do estado do Amapá Segundo o IBGE, em 2005, o estado do Amapá tinha uma população estimada em 594.587. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2004 apontava que a população residente por cor ou raça nesse estado era composta por 21,82% de brancos, 3,19% de pretos, 1,31% de amarelos, 73,45% de pardos, 0,07% de indígenas e 0,14% não declararam a sua cor ou raça. Portanto, de acordo com a PNAD, os negros compunham 76,64% da população estadual. Percebe-se que esse estado, apesar de estar na área amazônica, tem pouquíssimas pessoas que se autodeclararam indígenas. No entanto, é um dos estados mais negros da região Norte e até mesmo do Brasil, com maioria de seus moradores declarando-se pretos e pardos, ou seja, negros. No município de Macapá, a população residente por cor ou raça – censo demográfico de 2000 – estava composta de 29,67% de brancos, 5,32% de pretos, 0,19% de amarelos, 63,63% de pardos, 0,28% de indígenas e 0,91% não declararam a sua cor ou raça3 . Em Macapá, a população negra também é maioria, perfazendo um total de 68,95%. Esse fato também foi informado tanto pelas lideranças negras do 3 Somos gratos à Luana Pinheiro, pesquisadora do IPEA, por nos fornecer a quantidade da população residente por cor ou raça do município de Macapá.

49

Amapá e de Macapá, por meio de entrevistas, quanto pelos gestores da Seafro do Amapá. Segundo o então titular da pasta, que é negro e ex-militante orgânico do movimento, a população negra de 10 anos atrás girava em torno de 75% do total do estado. Conforme esse mesmo gestor, a migração dos últimos anos refletiu na diminuição desses habitantes. Mas esse gestor destacou que, apesar da diminuição dessa parcela da sociedade, os negros ainda eram maioria no Amapá, pois considerou que tal classificação é o resultado da soma das categorias preto e pardo – conforme o IBGE. No entanto, outros entrevistados demonstraram desconhecer as categorias utilizadas pelo IBGE, bem como a porcentagem da população negra no município. Isso é um ponto negativo porque pode implicar em erros de diagnósticos e análises e, conseqüentemente, em falhas na elaboração, planejamento e implementação e/ou execução de políticas de ação afi rmativa para os negros. Ao longo das entrevistas, percebemos duas características que faziam a diferença: a) ser negro ou não; e b) ser militante ou não do Movimento Negro. A presença ou ausência dessas características influenciavam sobremaneira no entendimento do que são políticas específicas para a população negra (política de ação afi rmativa), na postura dos gestores quanto à importância dessas políticas para os negros e, também, quanto ao engajamento na discussão, no planejamento e na execução das ações. Os gestores militantes dos movimentos negros e/ou que militaram num período não muito distante geralmente têm uma ideologia ou uma ética da convicção anti-racista que orienta as suas ações. Isso porque acreditam na necessidade de implementação de algum tipo de política de promoção da igualdade racial ou de ação afirmativa para a população negra, visando não só eliminar as desigualdades raciais entre negros e brancos, mas também eliminar ou evitar o racismo contra os negros. Na avaliação e reflexão das entrevistas feitas com os gestores da Secretaria Extraordinária para Afrodescendentes (Seafro), da Comissão Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Macapá e do Grupo de Trabalho Anti-Racismo de Viamão-RS 4, chegamos à compreensão da diferença que faz ser ou não militante de um Movimento Negro para que haja maior engajamento na implementação das políticas de promoção da igualdade racial. As lideranças negras contribuíram para a construção dessa 4 Nós também viajamos para o município de Viamão-RS, onde entrevistamos os gestores do Grupo de Trabalho Anti-Racismo de Viamão, os militantes do Movimento Negro desse município e do estado do Rio Grande do Sul, os gestores do Conselho Estadual da Comunidade Negra (Codene) do Rio Grande do Sul, bem como beneficiários das políticas de promoção da igualdade racial realizadas por esse município. Contudo, as análises dessas entrevistas foram feitas pelo sociólogo Dijaci Davi de Oliveira, conforme se pode verificar em outra parte deste livro.

50

conclusão, pois acreditam que o acúmulo de longos anos de discriminação racial sofrida pelos negros e a prolongada luta anti-racismo e/ou a experiência de militância no movimento são importantes para o exercício da função de gestor público. A mesma diferença é percebida entre os próprios gestores da Comissão Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Macapá. Uma das gestoras entrevistadas – negra e militante do Movimento Negro interno de seu partido – demonstrou maior senso crítico com relação ao trabalho desenvolvido e, ao que tudo indica, estava na Comissão por ter militância e ideologia anti-racismo. No que diz respeito ao surgimento da Comissão Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, as entrevistas indicaram que a criação dessa Comissão fez parte de um compromisso entre a prefeitura de Macapá e a Seppir. Segundo uma gestora entrevistada, ao tomar conhecimento da carta da Seppir encaminhada à prefeitura de Macapá, sua reação foi decisiva para a assinatura do termo de compromisso entre aquele órgão e o município. Assim, a Comissão Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Macapá também foi fruto da militância negra de uma gestora em particular. A gestora representante da área de saúde nessa Comissão, sem histórico de militância no Movimento Negro, demonstrou certo otimismo em relação às políticas de promoção da igualdade racial que o município deveria implementar, mas também demonstrou desconhecer as ações realizadas ou que deveriam ser desenvolvidas pela Comissão. Ao indagarmos sobre o que tinha sido feito em sua área em termos de políticas públicas para a população negra, ela respondeu que, pela falta de verbas, não havia sido feito nada, embora eles tivessem “um projeto muito bom para as áreas quilombolas: o Programa de Saúde da Família (PSF)”. O gestor presidente da Comissão Municipal de Políticas de Macapá, que era assessor do prefeito, não parecia tão otimista quanto a gestora representante da área de saúde. Tanto o gestor que preside a Comissão quanto a gestora representante da área de saúde demonstraram desconhecimento sobre o que estava sendo feito no município para a promoção da igualdade racial. Na área da educação, o gestor informou que havia a implementação da lei 10.639/2003. Contudo, a ex-representante da educação nessa Comissão, que é militante do Movimento Negro petista, afi rmou categoricamente que nada havia sido feito ainda pelo município de Macapá nesse sentido. Os fatos citados demonstram uma falta de articulação até mesmo entre os membros da Comissão. Conforme as entrevistas, isso se deve, entre outros motivos, pelo fato de seus membros se reunirem esporadicamente e 51

pela falta de uma ética da convicção anti-racista ou, ainda, pela falta de uma ideologia de luta anti-racismo da maioria absoluta dos seus membros. Percebeu-se também que a maioria dos membros dessa Comissão confunde políticas de ação afi rmativa com políticas universalistas e/ou mesmo com políticas de cunho culturalista. Ao solicitarmos algum exemplo de política de promoção de igualdade racial realizada em Macapá, foi citado o apoio à cultura negra feito pela Coordenadoria de Cultura e outras atividades orientadas nesse sentido, como o Encontro dos Tambores. Como se percebe, não há nada propriamente específico em termos de políticas públicas para os negros. Cabe dizer que o Encontro dos Tambores é uma festa organizada e realizada pela União dos Negros do Amapá (UNA), no Centro de Cultura Negra em Macapá. Porém, uma parte do Movimento Negro organizado no Amapá critica duramente esse tipo de política, denominada culturalista pelo Movimento Negro Brasileiro. Uma das lideranças negras entrevistadas afi rmou ser essa um tipo de política alienante, de pão e circo, que descaracteriza os negros como pessoa e/ou como ser humano. Segundo essa liderança, o governador por dois mandatos, João Alberto Capiberibe (PSB), instituiu um Centro de Cultura Negra, dividindo o Movimento Negro naquele período. No entanto, para essa liderança, o negro foi caracterizado como objeto de cultura, por isso criaram o Encontro dos Tambores, “com três dias de duração, com festas, bebidas, caldeiradas e depois todo mundo voltava fumado para suas comunidades”. Porém, essa liderança negra reconhece que os movimentos surgidos com o Imena e Mocambo tinham uma postura mais combatente, como a Conen e os Encontros Norte e Nordeste do Movimento Negro. Assim, o perfi l vai mudando até o surgimento da Seafro. Conforme suas palavras, nós nos preocupamos em fazer curso, debater, discutir e vamos nos preocupar com o SOS Racismo. O Imena vai trazer o pessoal para discutir a questão da mulher negra, dos direitos humanos. Surge no Fórum [das Comunidades Negras Urbanas e Rurais do Amapá] o Conselho das Comunidades dos Remanescentes de Quilombos, que vai trabalhar o foco da terra. Vamos mudando o perfil da luta. [...] Mas o estado [do Amapá] não investe em nada na conscientização, faz o papel de formatar políticas alienantes. [...] O Mocambo fez parceria com a Secretaria de Educação, que é uma caminhada [Zumbi dos Palmares] que fizemos com R$ 10 mil. [Neste evento] fizemos uma ciranda de informação étnico-racial em doze escolas que trabalham com os professores dentro da lei 10.639/2003. O pessoal do Encontro dos Tambores da UNA fez convênio com apoio do governador e recebeu R$ 100 mil para colocar na festa, em comida. Fizemos com R$ 10 mil porque não tinha como eles não apoiarem a proposta. [...] Para o governo [do estado] é interessante [a festa] porque faz uma política alienante. Outros movimentos articulados de outra forma, com resultados mais concretos, não in-

52

teressam muito [ao governo]. A política alienante aglutina muito mais. Imagine, em vez de discutir, você está aqui bebendo; é bem mais interessante

(Liderança Negra Masculina do Estado do Amapá, 2006). Na longa citação, a liderança negra do estado do Amapá não explicita a participação do município de Macapá na crítica à política culturalista praticada por uma parte do Movimento Negro, incentivada de forma alienante pelo estado. Segundo o presidente da Comissão Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Macapá, no Encontro dos Tambores, “está havendo uma integração entre a prefeitura e o governo [do estado]”. Ou seja, os governos municipal e estadual estariam trabalhando juntos para a realização desse encontro. Se a crítica daquela liderança negra for procedente com relação ao estado, também o é em relação ao município, descaracterizando o que o gestor presidente daquela Comissão entende por política de promoção de igualdade racial realizada para a população negra. Quando perguntamos ao mesmo gestor o que precisaria ser melhorado para que houvesse de fato a promoção da igualdade racial em Macapá, mais uma vez demonstrou não ser uma pessoa engajada na luta por essas políticas, engajamento este que, segundo a nossa hipótese, é fundamental para a viabilização dessas políticas. Segundo esse gestor, é preciso demonstrar “efetivamente um diagnóstico dessas comunidades”, com a participação delas, para que seus problemas sejam de fato trabalhados. Esse gestor complementa dizendo que “alguma coisa tem que ser feita para promover renda para essas pessoas e minimizar o problema de moradia”. Além desses aspectos, ele cita outro problema: “ainda temos um problema muito sério aqui em Macapá em relação ao Projeto Quilombo ou Quilombola – uma coisa assim – do ministério [Seppir], que propõe a construção de casas populares para essas comunidades, num valor muito abaixo do que há no mercado [...]”. Dessa forma, percebe-se certo desconhecimento em relação aos projetos que a Seppir busca implementar no estado e, principalmente, no município de Macapá. Isso ficou evidente na fala do presidente da Comissão, que se refere ao Programa Brasil Quilombola como “uma coisa assim”, demonstrando desinteresse ou desconhecimento sobre o que deveria ser uma de suas preocupações, conforme afirmou a ministra Matilde Ribeiro (2005, p. 5): O Programa Brasil Quilombola, da Seppir, estabelece uma metodologia pautada em um conjunto de ações, possibilitando o desenvolvimento sustentável dos quilombolas em consonância com as especificidades históricas e contemporâneas, garantindo direitos ao título e permanência na terra, documentação básica, alimentação, saúde, esporte, lazer, moradia adequada, trabalho, serviços

53

de infra-estrutura e previdência social, entre outras políticas públicas destinadas à população brasileira.

Segundo o nosso entendimento, a falta de engajamento pró-igualdade racial dos gestores públicos compromete o objetivo dos órgãos, tornandoos inoperantes. Isso também dificulta a articulação entre os governos federal, estadual e municipal de Macapá para constituir um sistema de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Na área da educação, especialmente, quanto à implementação da lei 10.639/2003, as entrevistas indicaram que nenhum professor da rede municipal de ensino recebeu capacitação para ministrar aulas sobre história e cultura afrobrasileiras, bem como aulas sobre história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional; essa formação visaria resgatar a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil, conforme estabelece essa lei. Segundo a ex-gestora dessa área, “o município também não apresentou nenhum projeto para captar recursos para a efetivação dessa lei. O que teve na época da Conferência [municipal de promoção da igualdade racial] foi uma mesa de trabalho e algumas oficinas com professores para trabalharem essa lei”. Sobre a Conferência, citou também a participação de Denise Botelho, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação (MEC), em uma mesa de discussão sobre a lei. Assim, a Comissão Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Macapá não tem nenhum trabalho concreto de implementação e/ ou execução de políticas nessa área. O organismo é de articulação – apenas consultivo – e não possui dotação orçamentária. Seu principal objetivo seria fazer a articulação entre as várias secretarias municipais – especialmente a de Saúde, de Educação, de Ação Social – e o gabinete do prefeito para promover e/ou implementar políticas públicas específicas para os negros. Mais ainda, a gestora representante da área de saúde na referida Comissão informou que não há reuniões constantes entre os membros. Segundo ela, o trabalho é feito de forma muito isolada, faltando maior integração. O próprio presidente dessa Comissão afi rmou que desde a sua criação em 2005, até a data em que o entrevistamos em Macapá em fevereiro de 2006 –, os membros só conseguiram se reunir duas vezes. As falas dos gestores entrevistados, além de indicar a falta de infra-estrutura para o funcionamento adequado, de poder de decisão e/ou execução e de dotação orçamentária como empecilhos para a realização de políticas nessa área, aponta também uma certa resistência velada dos membros da Comissão.

54

Não há discordância de pensamento entre a ex-gestora representante da área de educação e o presidente da Comissão quanto à criação de um órgão na estrutura da prefeitura de Macapá com poderes de execução. Em face de algumas dificuldades para o funcionamento adequado da Comissão, citadas pelo gestor5, ele propõe a criação de uma coordenadoria extraordinária de promoção da igualdade racial, com poder executivo e com dotação orçamentária. Segundo ele, por essas dificuldades e pela falta de articulação entre as secretarias municipais, nada foi feito no que diz respeito a projetos e/ou programas referentes à desigualdade racial em Macapá. Corroborando o que já havia sido afirmado pela representante da área de saúde, o presidente dessa comissão declara que “tudo está sendo feito em nível individual pelas diversas secretarias”. O não-funcionamento adequado da referida Comissão, que de certa forma impede a formação de um sistema de promoção de igualdade racial no estado do Amapá, não pode ser creditado somente aos seus membros. Levantamos a hipótese de que há também uma falta de vontade política da prefeitura para a sua implementação. Nossa hipótese baseia-se no fato de que a criação de uma Secretaria de Promoção da Igualdade Racial na estrutura organizacional da prefeitura de Macapá exerceria o papel articulador entre as secretarias municipais, com mais poderes e mais eficiência que a atual Comissão. Como se sabe, o Conselho de Afrodescendentes de Macapá foi criado com atribuições inclusive executivas. Todavia, esse conselho não está funcionando como deveria porque ainda não foi regulamentado pelo município. Além disso, foram criados também o Programa Municipal de Combate ao Racismo e o Programa de Ações Afi rmativas para Afrodescendentes, conforme a lei nº 1.389/2004, publicada no Diário Oficial de Macapá em 9 de julho de 2004. Portanto, as políticas de promoção de igualdade racial não estão sendo implementadas no referido município por falta principalmente de vontade e/ou decisão política do prefeito da cidade, o qual, aliás, só assinou o termo de adesão ao Fipir após receber uma solicitação dos militantes negros do seu partido, conforme visto anteriormente. O prefeito de Macapá não tem demonstrado vontade política para receber o Secretário Extraordinário para os Afrodescendentes do governo do Amapá. Ao que tudo indica, este último pretendia estabelecer uma articulação entre o estado do Amapá e a prefeitura para a implementação de políticas de ação afi rmativa para os negros. Com os fatos relatados, entende-se o motivo pelo qual a referida Comissão não conseguiu realizar um dos seus principais objetivos, o de fazer a articulação entre as diversas secretarias municipais para que estas pudessem 5 Como, por exemplo, a impossibilidade de agendar reuniões ordinárias e de fazer com que alguns secretários participem delas.

55

assimilar e/ou incorporar programas de políticas de promoção da igualdade racial, beneficiando a população negra historicamente discriminada não só em termos raciais, mas também no acesso às políticas públicas. Todos os entrevistados – gestores membros da Comissão, gestores da Seafro, lideranças dos Movimentos Negros do estado e do município – afi rmaram desconhecer a existência da realização de ações pró-igualdade racial pela Comissão. Essa é uma das provas da sua inoperância e/ou da sua inexistência de fato, visto que seria muito difícil que lideranças negras organizadas em movimentos sociais negros e em ONGs de cunho racial desconhecessem o trabalho de um órgão que tem como um dos seus propósitos pensar e propor políticas de promoção da igualdade racial às diversas secretarias municipais. O não-reconhecimento do trabalho e/ou da própria existência da Comissão Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial ou de qualquer outro órgão dessa prefeitura pelos Movimentos Negros de Macapá e/ou do estado do Amapá é um sintoma da inexistência de um sistema de promoção de igualdade racial, já que não há trabalho articulado entre o estado e a prefeitura de Macapá e menos ainda entre essas duas esferas de poder público e a esfera federal. Ao perguntarmos para o então secretário da Seafro se ele conhecia a existência de algum órgão de promoção da igualdade racial na prefeitura de Macapá e se havia algum trabalho articulado entre a Seafro e a prefeitura de Macapá, ele reafirmou que não existia. Segundo ele, o prefeito tinha a intenção de criar um setor específico para essa atividade na Coordenadoria de Cultura, mas ainda não tinha conseguido voltar a essa discussão. Houve certa pressão dos gestores da Seafro para que fosse criado algum órgão de promoção da igualdade racial em Macapá, objetivando um trabalho conjunto e/ou articulado entre o estado e o município para a elaboração de políticas de ação afi rmativa para a população negra. Mas, ao que parece, não havia interesse do prefeito de Macapá. Pelo menos até a época de realização das entrevistas, o prefeito ainda não tinha recebido o Secretário Extraordinário do estado do Amapá para os afrodescendentes. Some-se a isso a falta de militância, de domínio da linguagem e de conhecimento sobre o movimento negro, bem como a falta de experiência nesse movimento e na luta anti-racismo da maioria absoluta dos membros da Comissão Municipal. Todas as lideranças negras entrevistadas foram unânimes em afi rmar que um trabalho articulado entre os três níveis de governo não existia naquele estado, ou seja, ainda não havia sido criado espaço para que um sistema de promoção da igualdade racial tivesse sido constituído. Já em relação à Seafro, uma liderança entrevistada disse que “a maioria do pessoal [do corpo técnico] é do 56

Movimento Negro. Não ter ninguém desse Movimento na Comissão Municipal pode enfraquecê-la. [...] Mesmo com dificuldades, chamamos o prefeito para vir [trabalhar conosco], mas só está no papel mesmo, ainda não se criou corpo para o trabalho”. As declarações evidenciam dois pontos fundamentais para se começar a construir um sistema de promoção de igualdade racial no estado: a falta de vontade política do prefeito para implementar políticas de promoção de igualdade racial e a falta de uma ideologia ou uma ética da convicção antiracista que oriente as ações dos gestores públicos para eliminar as desigualdades raciais e evitar o racismo. Quanto ao nível de interação, cooperação, trabalho articulado, planejamento, elaboração e execução de políticas entre a Seppir e a Seafro, um dos gestores públicos do estado respondeu que a Seppir tem dado suporte para criar um corpo técnico que ajudasse na elaboração do plano estadual da igualdade racial. No entanto, esse mesmo gestor alega que não há interação entre as três esferas, existindo apenas um protocolo de intenção do município e que o prefeito se abre ao diálogo apenas quando o governador está próximo. Assim, a conclusão é de que há uma relação mais estreita apenas entre a Seppir e o governo estadual.

Conclusão Por meio das falas das lideranças dos Movimentos Negros e dos gestores públicos municipais e estaduais, foi evidenciada a inexistência de um sistema de promoção de igualdade racial no Amapá, porque, entre outros motivos, há falta de interesse da prefeitura de Macapá em discutir e implementar essas políticas. Isso acontece mesmo com adesão ao Fipir e com a criação do Programa Municipal de Combate ao Racismo e do Programa de Ações Afirmativas para Afrodescendentes, bem como da criação da Comissão Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 25 de abril de 2005. Dentre as principais questões que dificultavam a elaboração de políticas de promoção da igualdade racial no município de Macapá estavam a resistência do governo municipal para discutir junto com a Seafro de forma contínua e articulada, e a deficiência técnica dos membros da Comissão Municipal de Políticas de Promoção de Igualdade Racial de Macapá – já que a maioria absoluta desses membros não tinha experiência com a militância anti-racismo, bem como não haviam incorporado uma ética da convicção anti-racista. Vale ressaltar, contudo, que a qualificação técnica, segundo as lideranças negras 57

do Amapá, é o conhecimento perito adquirido, não necessariamente em uma universidade e/ou em um curso técnico, mas principalmente na militância anti-racismo. Assim pode-se dominar os códigos essenciais – como a linguagem dos Movimentos Negros – para compreender a questão racial brasileira. Esses últimos problemas – salvo a falta de vontade política do prefeito – poderiam ser solucionados, ou pelo menos minimizados, por meio de cursos de capacitação para gestores públicos e agentes sociais. No entanto, essa medida dependeria, mais uma vez, do envolvimento da administração pública municipal. Então, entraria a ação do governo federal, por meio da Seppir – talvez a principal instituição pública interessada na promoção da igualdade racial no Brasil –, contratando consultores e/ou utilizando os seus próprios técnicos para ministrarem cursos intensivos aos gestores dos municípios e do estado do Amapá. Até aqui temos nos concentrado basicamente na ação, ou melhor, na falta de ação da prefeitura de Macapá, já que um dos nossos objetivos era descrever o impacto resultante da elaboração e execução de projetos e programas de ações afirmativas naquele município. Isso não significa que o estado do Amapá, por meio da Seafro, esteja realizando plenamente políticas de promoção da igualdade racial. Apesar da vontade política do secretário da Seafro, da sua ideologia e da ética da convicção anti-racismo que orienta as ações da maioria absoluta dos técnicos dessa instituição, ela não vem cumprindo satisfatoriamente a sua finalidade. Ainda não há, segundo as lideranças negras entrevistadas, uma formulação e uma coordenação de políticas públicas afi rmativas para promover a igualdade e a proteção dos direitos para os afrodescendentes no estado do Amapá. De acordo com o gestor da Seafro, será criado primariamente “o programa para a erradicação do analfabetismo, visto que há um alto índice nas comunidades negras locais”. Depois, será abordada a capacitação dos filhos de agricultores para que eles possam desenvolver atividades dentro de sua própria comunidade, diminuindo, assim, o abandono da terra em busca de melhorias na capital. Outro dado levantado pelo gestor está relacionado com a prevenção às DSTs também em função de um elevado índice dentro daquelas comunidades. Além disso, para promover essas ações, ele alega que estão sendo propostas algumas parcerias com o Sebrae, Senai, Senac, Secretaria de Trabalho e Empreendedorismo (SETE) e Coordenadoria de Empreendedorismo do estado do Amapá. Cita também o empreendedorismo cultural como uma de suas prioridades, tanto para favorecer o resgate da cultura dessas comunidades quanto para seu avanço econômico. Isso comprova que a própria Seafro ainda não tem realizado políticas 58

de ação afi rmativa para a população negra no Amapá, desde a sua criação formal em fevereiro de 2004 até fevereiro de 2006, mesmo sendo um órgão referencial para as lideranças dos Movimentos Negros e para as outras secretarias estaduais. As declarações do dirigente da Seafro demonstram também que a situação de exclusão e de penúria em que a população negra do Amapá se encontra é tão grave que a principal política mencionada por ele é a erradicação do analfabetismo, ou seja, uma política universalista que se confunde como específica para a população negra devido a sua urgente necessidade. Mais ainda, o que de fato poderia ser uma política voltada exclusivamente para a população negra, como o desenvolvimento do empreendedorismo cultural [negro] como fonte de renda – por meio da festa cultural do Marabaixo, entre outras danças afro –, foi duramente criticada pelas lideranças negras. As lideranças dos Movimentos Negros entrevistadas destacaram que, mesmo com a criação da Seafro, o governo estadual não tem se preocupado com o corte racial e não tem dado importância às políticas de promoção da igualdade racial. Por isso, há sempre um questionamento em relação às políticas que atendem a população negra, pois, para essas lideranças, o que “está acontecendo é muito mascarado”. O próprio Secretário Extraordinário para os afrodescendentes do estado do Amapá reconheceu, em entrevista, que não tinha condições de responder às demandas da população negra e/ou das lideranças negras. Entre outros fatos, ele ressaltava a falta de um diagnóstico preciso sobre essa população no Amapá, ainda não realizado pela Seafro. Além disso, alegou que o corpo técnico dessa secretaria extraordinária é muito reduzido para cumprir todas as suas funções. Some-se a isso a nossa observação do fato de a Seafro possuir uma infra-estrutura e/ou um espaço muito precários para uma secretaria de estado com atribuições complexas. Com base nos depoimentos e diante do consenso geral entre os gestores públicos e as lideranças dos Movimentos Negros do estado e do município de Macapá, concluímos que não há trabalho articulado e/ou cooperativo entre as três esferas de governo no que diz respeito à realização de políticas de ação afi rmativa para a população negra. Além disso, não existe ainda um sistema constituído para promover a igualdade racial naquele estado.

59

60

A IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NO MUNICÍPIO DE

VITÓRIA DA CONQUISTA (BA) Nelson Fernando Inocêncio da Silva

Introdução O trabalho de campo desenvolvido em Salvador e Vitória da Conquista permitiu o acesso a importantes informações para uma avaliação mais precisa do quadro político. Para isso, levaram-se em consideração os avanços e os limites estabelecidos pelas distintas perspectivas de governos no âmbito das esferas municipal, estadual e federal. A partir do levantamento de dados sobre a visibilidade das ações afirmativas direcionadas à população negra, pudemos constatar que há muito por se construir para que a promoção da igualdade racial se consolide como um conjunto de políticas de Estado e não simplesmente de governo. A alternância no poder, que é uma conseqüência do regime democrático, não deve tornar insustentáveis as ações que demandam períodos maiores do que as gestões na presidência da república, ou nos governos estaduais e municipais. A investigação do alcance dessas políticas entre ativistas do movimento social negro, gestores vinculados aos organismos de governos e beneficiários contemplados pelas primeiras ações nesse campo, foi de fundamental importância. O contato com esses setores, de certo modo, garantiu a isenção da pesquisa e também explicitou para nós a complexidade ideológica de tal processo. O diálogo com representantes de entidades negras fez-se necessário para que fosse dada a real dimensão do amplo espectro de tendências que constituem o movimento, favorecendo a elaboração de um quadro atual que apontasse os níveis de satisfação ou insatisfação das organizações negras na relação com o poder público – secretarias, coordenadorias e conselhos. O contato com gestores vinculados aos organismos de governos, cujas incumbências específicas eram as de desenvolver políticas anti-racismo, não foi menos relevante. Percebemos diferentes graus de angústia, na medida em que se identificava o caráter distinto de cada instância, com maior ou menor capacidade de intervenção. Com isso, queremos dizer que a questão do empoderamento se mostrou crucial, pois em

61

alguns casos as críticas mais contundentes eram remetidas às instâncias carentes de prestígio popular, devido às suas limitações nos contextos políticos em que estavam inseridas. Quanto à ressonância das políticas sob análise, observando seus efeitos mais imediatos, diríamos que é insofismável o estágio incipiente em que elas se encontram. As entrevistas com beneficiários revelam necessidades que demandam ações emergenciais, como saneamento básico, urbanização, investimentos em saúde e educação, entre outros. Além do mais, os diálogos estabelecidos acabam servindo como uma espécie de termômetro, que nos possibilita estudar as tensões entre Estado e sociedade civil. Enfim, o trabalho de campo nos deu condições de coligir informações imprescindíveis, as quais serão de grande valia para a adoção de procedimentos importantes, como ajustes das políticas públicas de promoção da igualdade racial, visando um alcance efetivo das propostas formuladas pelas três esferas de governo.

Salvador Entrevistamos um ativista responsável pela coordenação do projeto de extensão pedagógica do Ilê Aiyê, que inicia sua fala nos dando a visão histórica das lutas de resistência da população negra em torno de suas aspirações mais recorrentes por dignidade e respeito. Fazendo uma breve reflexão, que remonta ao século XIX, ele procura afirmar que a perenidade das ações organizadas do ativismo busca minimizar os efeitos da exclusão. Argüido sobre as questões contemporâneas, o entrevistado alegou que elas têm conexões com o persistente bloqueio que as elites brancas tentam impor ao segmento negro. A reorganização política e cultural, a partir dos anos 70, ganha novos contornos em função daquela conjuntura específica, mas é impossível negar que se trata também de um embate contra velhas concepções. Quanto aos papéis a serem desempenhados pelo Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra, vinculado à Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia, esse dirigente do Ilê discordou da idéia de que o referido Conselho representaria um avanço para a população negra do estado da Bahia, principalmente se considerasse a indisponibilidade de verba para implementação dessas políticas. Existe ainda um órgão da prefeitura denominado Secretaria Municipal de Reparações (Semur), com alcance mais restrito, embora com status de 62

secretaria. A seu respeito, nosso entrevistado argumentou que, apesar de ter surgido sob a ótica do carlismo,1 com o ex-governador Imbassahi, a Semur tomou novos rumos posteriormente, e hoje – na mão de uma aliança de oposição ao legado de ACM – procura se aproximar assumindo a discussão de importantes reivindicações do Movimento Negro. Em relação às políticas públicas voltadas para a educação, conversamos sobre a proposta da lei 10.639/2003 como forma de intervenção nesse campo. Fazendo uma leitura que toma como referencial próprio o Ilê, ele disse que a educação exerce um papel fundamental e, no que se refere à educação alternativa, o entrevistado ressaltou o alcance das idéias transgressoras contidas nos manifestos do Movimento Negro, lançados há mais de 30 anos. Além disso, ressaltou a identificação das gerações mais jovens com os conteúdos, por meio de experiências pedagógicas que são distintas daquelas práticas usuais do ensino formal. Para ele, a expressão artística também merece destaque no processo cognitivo, pois o aprendizado da linguagem musical, por exemplo, permitiu resultados significativos no fortalecimento da identidade afro-baiana. No entanto, foi destacado que, de modo geral, as políticas educacionais do estado têm sido um desastre para a população negra, já que é comum na escola pública brasileira a má remuneração de professores, a formação precária, além das péssimas condições de ensino como um todo. Para o ativista entrevistado, o descaso com a educação no estado da Bahia possui raízes históricas. Ele afirma que “as maiores relações entre governo federal, estadual e municipal deveriam ser voltadas para a implementação da lei 10.639/03”, mas alega que isso não tem sido feito. Ressalta também que “o governo federal não disponibiliza recursos financeiros suficientes”, e que os estaduais e municipais são ainda menores. No que concerne às articulações políticas entre estado e municípios, visando um melhor funcionamento do poder público para atender as demandas gerais da população negra, recebemos a resposta de que as políticas apenas avançam em municípios cujas administrações também encontram representação na base aliada do governo federal. Todavia, o governo do estado da Bahia não costuma ter uma relação mais efetiva, tampouco um plano de trabalho conjunto com municípios com gestões que apresentem o perfi l supracitado. Nesse sentido, nossa pesquisa detectou o seguinte entrave: em um processo democrático, que permite a existência de governos municipais e estaduais que façam oposição ao governo federal, como viabilizar políticas públicas que dependam de uma articulação entre as três esferas do poder público? Interpelado sobre a postura do Movimento Negro em relação ao 1 Carlismo é um termo coloquial para aludir às posturas políticas de partidos ou lideranças que têm como base as idéias de Antônio Carlos Magalhães, personagem influente, por várias décadas, no cenário da política baiana.

63

governo estadual, o dirigente do Ilê fala que o setor, independente do movimento, faz críticas agudas a determinados processos. Ele menciona, por exemplo, o Estatuto da Igualdade Racial e as dificuldades de ordem política para viabilizá-lo. E questiona a falta de investimento dos partidos políticos que constituem a base aliada para a aprovação do referido estatuto, citando o fato de o presidente da República já ter sinalizado que quer ações efetivas que resultem em políticas de promoção da igualdade racial. Assim, o Movimento Negro – pelo menos a vertente mais independente –, acaba inevitavelmente olhando com desconfiança o poder público. E, mesmo com o reconhecimento oficial de que a população negra é discriminada no estado brasileiro, é um fato que ainda resulta em enorme dívida social. Acerca do conjunto de políticas públicas de promoção da igualdade racial formuladas pelo governo federal, o diretor do Ilê Aiyê discorda de que este se constitua em um corpo articulado capaz de ser considerado um sistema. Para ele, o que existe hoje são ações pontuais. Na sua perspectiva, um sistema se consolida a partir não apenas de idéias alinhavadas, mas também de um orçamento específico que viabilize tais idéias. No seu entendimento, o Estatuto da Igualdade Racial,2 vinculado a um fundo financeiro, poderia cumprir muito bem esse papel de sistema. E, conclui dizendo que, “por mais que a situação seja caótica em relação a essa demanda secular, continuamos apostando e com força lutaremos para que mais cedo ou mais tarde tenhamos governos que implementem efetivamente ações afirmativas direcionadas ao nosso povo”. Tivemos a oportunidade de dialogar também com dois integrantes da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen). Isso foi significativo, sobretudo por termos acesso às observações de uma organização negra que está vinculada ao processo de concepção e composição da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Um dos entrevistados, procurando discorrer sobre o panorama histórico do processo de luta contra o racismo até chegarmos às ações afirmativas, destacou o período do regime militar e as organizações que eram consideradas clandestinas por divergirem desse regime. Nessa época, discutir o racismo representava subversão de acordo com o pensamento autoritário. O ativista alega que o movimento negro brasileiro contemporâneo se inspirou nas lutas de descolonização dos povos africanos e nos movimentos afro-estadunidenses, a exemplo dos Panteras Negras e do movimento pelos direitos civis. Segundo ele, não copiamos modelo algum, mas sofremos influência de vários. As estratégias defi nidas pelas entidades negras 2 O Estatuto da Igualdade Racial é de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS) e está em tramitação na Câmara dos Deputados, correndo o risco de ser aprovado sem vinculação a um fundo específico.

64

nacionais certamente levaram em consideração o legado de lutas conhecidas internacionalmente, sem perderem a dimensão do contexto brasileiro e as possibilidades de intervenção. Quanto ao processo de formação de organizações políticas, ele alega que o movimento negro baiano antecede o nascimento do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR), do qual o MNU é resultado. Por se caracterizar como uma frente, o MNUCDR recebeu a adesão de várias entidades que tinham ações muito localizadas em alguns municípios ou estados. Depois de reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), nesse mesmo período, um grupo de ativistas negros conseguiu aprovar a realização do 1º Encontro de Entidades Negras do Norte e Nordeste. Após algumas edições desse fórum surgiram outros eventos, como os Encontros de Entidades Negras do Sul e Sudeste e o Encontro do Negro do Centro-Oeste. Como já fora mencionado, o MNUCDR perdeu a condição de central de entidades negras na medida em que optou por se tornar também uma delas, ao invés de manter-se como uma frente. Assim, várias entidades insatisfeitas com o processo procuraram se rearticular de outra forma. Em 1991 surge a Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen) como resultado do Encontro Nacional de Entidades Negras, evento que sucedeu os vários encontros regionais supracitados. A Conen seria, portanto, uma resposta aos anseios de entidades que buscavam uma nova articulação nacional. Um de nossos entrevistados ressalta que a organização da população negra na Bahia tem suas especificidades. As entidades culturais afro-carnavalescas sempre empunharam a bandeira da visibilidade cultural performática, muito embora a discussão política sobre a condição social e histórica da população negra tenha sido instaurada por organizações com o perfil da Conen. Ainda sobre essa organização, são lembrados os embates necessários travados com a esquerda brasileira, que seriam os aliados naturais. Na verdade, a esquerda sempre teve muitas dificuldades para incorporar a questão racial ao seu discurso. Havia um velho equívoco de que a abordagem do tema levaria à fragmentação da esquerda, o que perdurou por muito tempo e até hoje tem algum tipo de ressonância. Conforme as entrevistas, o Movimento Negro saiu vitorioso nesse debate, devido à inserção do questionamento sobre o racismo nos partidos de esquerda, principalmente pelo trabalho desempenhado pelas comissões de negros atuantes em partidos como o PT, PDT e PCdoB que incorporaram as iniciativas do Movimento. O PDT teve um papel de destaque nesse momento, sobretudo pela contribuição de ativistas negros históricos como Abdias do Nascimento e Lélia Gonzáles, cujos legados são de extrema valia. 65

Acerca das entidades culturais, o entrevistado reconhece a importância da performance artística e sua função primordial de agregar a coletividade negra, mas considera que nessas entidades o processo de incorporação e difusão de idéias políticas transgressoras é mais lento e gradual. Porém, ele entende que seria leviano negar o protagonismo de alguns grupos como o Ilê Ayiê, que surgiu em um período de agruras, no ano de 1974, circunstância em que muitas organizações políticas – inclusive as do Movimento Negro – encontravam-se na clandestinidade. Falando um pouco mais sobre esse histórico de lutas, um dos ativistas alega que outrora o movimento tinha um perfil mais voltado para a denúncia. Daí, seguiu-se outra etapa, definida como fase de contestação para, fi nalmente, chegar a um período propositivo, no qual muitas idéias foram referendadas em fóruns específicos de discussão sobre a temática e apresentadas à sociedade brasileira. A constituição dos conselhos de participação da comunidade negra nas gestões de alguns governos estaduais é um reflexo desse processo. O entrevistado reconhece também que certos atos oficiais foram de fundamental importância para o avanço das discussões que culminaram na elaboração de políticas públicas para a população negra. Ele acredita que o governo Fernando Henrique Cardoso instaurou um novo momento no cenário político brasileiro, porque lidava com as evidências irrefutáveis das estatísticas, cujos números não deixavam dúvida sobre o descompasso entre negros e brancos no Brasil. A composição do Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pelo professor Hélio Santos foi definitiva para que a questão racial entrasse na agenda oficial. 3 No entanto, lembra um dos entrevistados, as conquistas anteriores não devem estar restritas apenas aos conselhos, já que algumas experiências com coordenadorias e secretarias também ocorreram. Na verdade, ele queria ressaltar os níveis diferenciados de empoderamento, que permitem atuações menos ou mais significativas no debate sobre ações afirmativas. O mesmo ativista diz também acreditar que a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), fruto inequívoco da luta e da trajetória do Movimento Negro, inquestionavelmente, influenciou o governo federal desde a gestão FHC. Uma secretaria com status de ministério é algo sintomático, de modo que devemos fazer uma reflexão sobre o alcance desse movimento. No entendimento dele, o Movimento Negro e o Movimento dos Sem Terra (MST) têm vitórias a contabilizar nessas duas últimas décadas. Do ponto de vista simbólico, lembrou que o Movimento 3 O Grupo de Trabalho Interministerial – GTI População Negra, foi composto por quadros do movimento social negro e técnicos ligados ao governo para pensar estratégias de articulação do poder público no combate ao racismo.

66

Negro conseguiu realizar algo fabuloso ao transformar Zumbi dos Palmares de facínora em herói nacional. Dando seqüência aos comentários sobre os avanços das políticas, o surgimento da Seppir foi comparado ao da Secretaria Municipal de Reparações de Salvador (Semur), afirmando que esta nasce de um processo de cooptação, sem uma perspectiva de diálogo com o Movimento Negro, apenas se aproximando de entidades que davam sustentação ao governo que a instituiu. Foi assim por um bom tempo, exatamente ao contrário da Seppir, que é resultado de um trabalho meticuloso do GTI População Negra, que é um núcleo constituído durante o governo FHC e que contemplou vários setores desse Movimento. Sobre a ascensão de Matilde Ribeiro ao cargo de ministra, responsável pela Seppir, ambos reiteram que tudo transcorreu dento de uma lógica, que era a da discussão ampliada com setores diferenciados, atendendo o amplo espectro que compõe o movimento. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no momento de sua posse, não atendeu às expectativas, deixando de anunciar publicamente a intenção de instaurar a Seppir. Posteriormente, o presidente entendeu a relevância de se criar uma secretaria com aquele perfil, e em 21 de março de 2003 ela estava oficialmente instituída. Naquele momento não se tinha idéia de que a Seppir iria ampliar tanto as metas, alterando o plano original para atender as demandas de outros segmentos atingidos por discriminações de cunho étnico-racial, como palestinos, judeus e ciganos. Esperava-se no máximo a inclusão das populações indígenas, apesar da existência da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). O entrevistado reforça o argumento dizendo que havia um entendimento de que a Seppir teria a marca do ativismo negro. Em relação aos outros organismos de governo, os militantes lembram a Fundação Cultural Palmares (FCP) e reconhecem que, apesar da importância, seus poderes são limitados, principalmente se considerarmos sua condição dentro da hierarquia do governo federal. O segundo entrevistado vai além, diz acreditar que o surgimento da Seppir fortaleceu a FCP, na medida em que uma instância acaba puxando a outra para a visibilidade no cenário político nacional. Segundo esse entrevistado, “a proposição de uma secretaria com status de ministério fortaleceu a Fundação Cultural Palmares, porque alivia o seu fardo, [...] começa a trabalhar para o que nasceu, que é a viabilização de políticas públicas na área da cultura para as populações negras”. No tocante aos retrocessos na história de lutas organizadas contra o racismo, o primeiro entrevistado fez alusão ao regime militar e, especificamente na Bahia, às limitações que se explicitavam a partir das posturas políticas geradas pelo legado de Antônio Carlos Magalhães. Esse legado fomenta 67

uma cultura política conhecida popularmente como carlismo ou acmismo, remetendo-se às iniciais do nome do político que protagoniza esse fenômeno. A esse respeito, o militante comenta que é preciso fazer uma distinção entre entidades negras com posturas políticas de cunho mais voltado para a contestação da ordem vigente e entidades mais vulneráveis aos apelos e sedução do pensamento conservador. Ele segue afirmando que é necessário estabelecer esse discernimento, uma vez que até as formas de coerção impostas pelo regime autoritário atingiam de modo mais efetivo as organizações que assumiam publicamente uma postura de enfrentamento. Segundo ele, não se pode dizer que todas as entidades negras foram coagidas em função da violência política patrocinada pelo Estado. Assim como os dois integrantes da Conen reconhecem os prejuízos, são enfáticos ao afi rmarem que o Governo Lula representa um avanço no debate das relações raciais no Brasil, afi rmando com convicção que essa gestão tem uma marca negra. Quanto à educação, os ativistas comentam sobre o Programa Universidade para Todos (ProUni) e entendem que, mesmo sendo um programa importante, carece de aperfeiçoamento. Todavia, há que se mencionar avanços na área da saúde, como a nova maneira de lidar com a anemia falciforme, além de outras enfermidades que afetam a população negra. Isso é uma evidência de que há uma mudança de conduta em curso. Muito recentemente, as pessoas negras portadores de tais doenças eram estereotipadas ou estigmatizadas. A ausência de estudos mais elaborados sobre o assunto acabava por dar sustentação à persistente ignorância dos profi ssionais da área de saúde. Um prejuízo que repercutia no atendimento ao público, levando as pessoas vitimadas a um constrangimento desnecessário. O alcance dessas políticas públicas também pode ser avaliado pela reorientação dada pelo governo Lula às relações com os países africanos. São gestos que evidenciam uma disposição diferenciada desse governo em lidar com os estados africanos: aproximação inegável com várias nações do continente, acordos assinados como o de São Tomé e Porto Príncipe – envolvendo a questão da inclusão digital – e o perdão da dívida de Moçambique com o Brasil. Com isso, demonstra o nítido reconhecimento de que nossos vínculos históricos não podem e não devem ser tratados como algo que somente nos remeta ao passado colonial. Ainda sobre as relações internacionais, ambos ativistas esperam que o governo Lula – nas discussões sobre Mercosul ou Alca – assuma como uma de suas metas a aproximação mais efetiva com outros países das Américas que, como nós, constituem a diáspora africana. Para eles é 68

inadmissível que sejamos tão ignorantes acerca das culturas negras que se desenvolveram por todos os cantos, como aquelas que aproximam vários países das Américas. Retornando à questão da eficácia das políticas, introduzimos uma discussão direcionada para a atuação do governo do estado da Bahia. Nossos entrevistados foram unânimes ao dizer que o governo estadual, apesar dos esforços, desenvolve uma política aquém das demandas da população negra. Além disso, suas formulações desconsideram, de um modo geral, a categoria raça como uma das mais essenciais para se compreender aspectos sintomáticos da exclusão. Enfim, perdura aquela antiga questão de se restringir o problema à classe social, transformando todo o contingente segregado em uma legião de pessoas sem rosto. Parece que a transversalidade também não se constitui em princípio para o governo do estado. Existem até tímidas ações que são reproduções malacabadas das idéias do Movimento Negro, mas nada que mereça ênfase. Trata-se de um governo muito mais interessado na celebração do negro folclórico, servindo de vitrine para dar respaldo à idéia de uma Bahia integrada, onde as diferenças são supostamente respeitadas. O primeiro entrevistado diz que o governo da Bahia difunde uma política cultural fora do país: “a Bahiatursa apresenta na Europa a folclorização da cultura negra, uma visão estereotipada que não contribui para a mudança dos conceitos”. Os avanços mais significativos não contam com uma participação decisiva do governo. O que temos na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), por exemplo – como as políticas para se garantir o acesso e a permanência de alunos negros no ensino superior –, é resultado das articulações internas da própria instituição e do recurso freqüentemente conhecido como autonomia universitária. A existência de um conselho estadual não altera o rumo do projeto político-partidário, mesmo porque um conselho tem possibilidades muito reduzidas de intervenção nas políticas de governo. Talvez, caracteriza-se como uma estrutura flexível que figura como uma instância constituída para demonstrar que o poder público reconhece, embora não priorize as demandas das populações negras. Eles alegam também que a relação entre os governos federal e estadual é muito ruim. Não se pode falar em diálogo, porque efetivamente há um distanciamento enorme entre ambos. Ainda não há nada muito palpável nas relações intergovernamentais. Já no que concerne às relações intragovernamentais, pensam de forma diferente em função de suas experiências e relações com quadros que ocupam funções na esfera federal. 69

A parte conclusiva desta entrevista girou em torno do entendimento que eles tinham sobre o funcionamento do conjunto de ações do governo federal. Interessava saber, mais especificamente, se esse conjunto era identificado como um sistema ou não. Eles afi rmaram que “a orquestra ainda não está devidamente afi nada”. Contudo, afirmam que a experiência acumulada da Seppir atualmente será de suma importância para a alteração do quadro em um futuro próximo, possibilitando que o conjunto de idéias se torne um sistema. Hoje, seria ilusão admitir que seja um sistema constituído, pois não há elementos que corroborem a sua existência. O que se espera, portanto, é que a Seppir “venha de fato exercer uma função estrutural que dê sustentação às políticas de promoção da igualdade racial”. Entrevistamos também um dos dirigentes da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – radicado na Bahia há mais de 13 anos. As análises e observações que ele fez sobre a forma como as políticas públicas de promoção da igualdade racial se espraiam pelo país afora tiveram relevância incontestável para ajudar-nos a compor esse complexo panorama que procura diagnosticar a situação atual, com seus avanços e limites De início, o entrevistado nos fornece um olhar a respeito do processo de lutas rumo às ações afirmativas. Assumindo a universidade como seu lugar de fala – como seu campo privilegiado de atuação –, prefere não discorrer sobre a história das ações anti-racismo das últimas décadas, limitando-se aos eventos mais recentes como a Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, precedida pela Conferência Estadual. Ele declara que o foco de interesse está na educação por entender que é fundamental o seu papel nas lutas pela superação das desigualdades raciais. A Universidade Estadual da Bahia (UNEB) buscou respaldo na Constituição Estadual para formular a proposta de ações afi rmativas de acesso à universidade. A carta magna da Bahia apresenta um texto que possibilita ações dessa natureza. Além disso, a Bahia foi precursora na incorporação de conteúdos sobre África e cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio, antes mesmo do advento da lei 10.639/2003. Afora esses avanços no campo da educação, há o trabalho independente de entidades culturais, como blocos afros e alguns terreiros de candomblé que em muito têm contribuído para a difusão dos valores negros e a construção de uma auto-estima coletiva capaz de dar sustentação à identidade positiva da comunidade afro-baiana. Geralmente são projetos direcionados à juventude e que atingem parcelas expressivas da população nessa faixa etária. Os blocos como Olodum e o Ilê Aiyê, também o terreiro Ilê Axé Opo Afonjá, são algumas das referências nesse processo. 70

Quanto à adoção do sistema de cotas raciais para o acesso à universidade, são destacados os problemas e os empecilhos que, de alguma forma, inviabilizavam o andamento dessa política. No aspecto de ousar estabelecer ações dessa natureza, a UNEB também se antecipou às demais instituições públicas de ensino superior do país. Isso não diminui suas dificuldades, ao contrário, o ônus de quem protagonizou em circunstâncias como essa costuma ser alto. Nesse contexto, o que sempre está em jogo é um modelo hegemônico de uma educação conservadora. Mesmo destacando os progressos proporcionados por algumas ações, a discriminação racial na Bahia ainda é ostensiva. O fato de a população local ser majoritariamente negra deixa tudo muito mais explícito. Assim, essa situação exige do Movimento Negro uma postura essencialmente combativa. As entidades sabem que possuem um peso político insofismável e que operam levando em consideração esse aspecto favorável. Desse modo, uma decisão governamental que possa prejudicar a população negra produz um efeito muito negativo na Bahia. O próprio movimento deve tomar muito cuidado quanto à forma de agir, pois uma estratégia mal pensada de contestação pode conduzir a uma reação social sem precedentes. Os gestores também devem estar atentos ao fato de que a população negra baiana – historicamente prejudicada – não apenas sabe de sua condição como também, em função dela, já chegou a um ponto de saturação. Para um dos entrevistados, é incontestável o apartheid social que existe na Bahia. Dentre as ações desenvolvidas pelo governo estadual está a fundação do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra. De alguma maneira, os entrevistados alegam que a simples existência de instâncias – como conselhos – dentro das estruturas de governo já representa um efeito das reivindicações do Movimento Negro. Assim que a lei 10.639/2003 foi promulgada, o grupo articulado dentro da UNEB para levar adiante o processo de inclusão negra tomou a decisão imediata de montar um curso presencial de 40 horas para docentes. Essa conduta foi adotada principalmente porque a perspectiva desse coletivo na UNEB é a de inclusão sob todos os aspectos. Por isso, além da representação da diversidade racial no campus, fazia-se necessária a alteração sintomática de conteúdos nos currículos para torná-los mais democráticos do ponto de vista das relações raciais. Há um programa intitulado Afro-UNEB, cuja meta é lidar com as ações afi rmativas para além das cotas. A proposta é desenvolver um conjunto de estratégias que não se limite às cotas como único mecanismo de inclusão. Assim, o programa visa o diálogo com os ensinos fundamental e médio, tendo como primeiro resultado a elaboração de livros didáticos. Curiosamente, 71

muitas ações estão concentradas no campo da educação. A participação de personagens históricas do Movimento Negro local e nacional nesta seara – com produção de textos, oficinas, palestras, entre outras atividades – tem fomentado o avanço do debate, inclusive com o poder público O que se percebe, pelo menos nos últimos anos, são mais vitórias do que derrotas nessa área. Por razões que a conjuntura explica, não existem condições para se desconsiderar o quadro das desigualdades raciais, até porque os números obtidos e as avaliações mais recentes são resultado de estudos realizados por instituições públicas nacionalmente credenciadas. Aliás, diga-se de passagem, elas corroboraram o que o Movimento Negro vem há décadas denunciando. No entanto, deve-se admitir a existência de sérias dificuldades que se impõem no âmbito acadêmico, como por exemplo, a inviabilização do debate sobre ações afirmativas em tantas universidades federais, protagonizadas geralmente por docentes e intelectuais refratários à idéia. Estes, em muitos casos – não sendo especialistas no estudo das relações raciais –, se lançam incautamente a fazer críticas, desqualificando as políticas públicas focadas na população afro-brasileira. Tal gesto acaba por evidenciar o lamentável nível de incipiência a que estão confinados. Porém, o fato serem titulados e, portanto, gozarem de respaldo dentro e fora da universidade, inclusive nos meios de comunicação, pode lhes conferir uma suposta autoridade sobre o assunto. Portanto, a UNEB se encontra em estágio mais avançado no tocante às ações afi rmativas. As outras universidades estaduais existentes na Bahia ainda cumprem etapas iniciais, demonstrando certo descompasso que se deve à falta de maior articulação estadual. Nesse sentido, a mobilização para ampliar o diálogo com entidades e ativistas negros situados nos municípios que enfrentam dificuldades no encaminhamento das propostas de inclusão racial nas universidades é tarefa da alçada do Movimento Negro. A UNEB vive uma situação de destaque, o que não quer dizer que todo o estado esteja crescendo nessa perspectiva. Pelo contrário, é difícil identificar programas efetivos de promoção da igualdade racial protagonizados pelo governo. Ao que parece, as limitações estão associadas a uma questão de vontade política. O Plano Plurianual da Bahia contém propostas voltadas para os problemas do semi-árido, para aspectos da produção econômica e para o desenvolvimento de logística. Mas, há todo um direcionamento das políticas que não leva em conta a dimensão racial das demandas do estado. Existem áreas de grande concentração de população negra por toda a Bahia que permanecem desassistidas por causa de erros de análise do próprio governo. Para o entrevistado, persiste a velha noção de que não somos uma sociedade racializada, logo, não precisamos 72

estabelecer prioridades que considerem a discrepância entre localidades com maior presença de negros e localidades com maior presença de brancos. Em última análise, essa postura irá sustentar o que chamamos de racismo ambiental.4 Muito disso se deve à falta de articulação entre as esferas de poder – federal, estadual e municipal. Para um ativista entrevistado, há uma dificuldade de relacionamento ocasionada pela oposição entre o governo estadual e o governo federal. Logo, as divergências de ordem política e ideológica acabam por inviabilizar o avanço das políticas públicas que dependem de diálogo. São perceptíveis as relações, às vezes diretas, entre governo federal e municipal, como se constata, por exemplo, com as prefeituras de Maragujipe e Lauro de Freitas – constituídas por partidos que dão sustentação ao governo federal. No entanto, deve-se considerar a existência de limitações, pois os municípios dependem do repasse de recursos do governo estadual. Para o entrevistado, as articulações que dão certo, envolvendo as esferas federal e estadual, ocorrem muito mais no âmbito das relações interpessoais. Um evento que corrobora isso é o Uniafro.5 Como existem universidades estaduais que recebem verbas para desenvolver ações afirmativas em seus espaços acadêmicos, faz-se necessária a integração entre representantes institucionais que se valem de suas habilidades políticas. Nesse momento, as diferenças de ordem ideológica terminam relegadas a um segundo plano. Concluindo, o entrevistado reitera não reconhecer, de um modo geral, uma articulação eficaz na perspectiva intergovernamental e diz que há uma intencionalidade em fazer com que as políticas públicas voltadas para as populações negras aconteçam, no âmbito das relações intragovernamentais. Mas, ele observa que, ao mesmo tempo, há um descompasso nas articulações entre os ministérios. O Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), e a Seppir – vinculada à presidência da República – representam efetivamente um dos raros resultados positivos do diálogo entre as instâncias governamentais do primeiro escalão sobre a formulação de políticas públicas de promoção da igualdade racial. Considerando as questões apresentadas, pode-se afi rmar que a identificação do conjunto de propostas do governo como um sistema seria um 4 Racismo ambiental é um conceito desenvolvido a partir do reconhecimento de que a falta de políticas públicas que atendam determinadas áreas sujeitas à pobreza extrema segue também critérios raciais, entre outros. Essa tese ganha força, sobretudo porque os índices populacionais que explicitam as características dos excluídos que vivem em tais áreas não conseguem camuflar os aspectos étnico-raciais predominante entre eles. 5 Uniafro foi o nome dado ao concurso do MEC, com primeiro edital publicado em 2005. A proposta previa a liberação de recursos fi nanceiros para universidades que tivessem seus projetos aprovados.

73

equívoco. As ações ainda são incipientes, o que significa dizer que o governo federal necessita amadurecer sua concepção sobre o que sejam políticas de promoção da igualdade racial.

Gestores O gestor vinculado à Secretaria de Combate à Pobreza (Secomp) do estado da Bahia foi entrevistado e fez, de início, uma breve reflexão histórica sobre as lutas para superação das desigualdades raciais, alegando que a herança do escravismo colonial e a mentalidade das elites do século XIX, de alguma maneira, contaminam até hoje as instituições. Para ele, perdura no Brasil uma mentalidade atrasada de hostilização da população afro-brasileira. São idéias que vieram do Império e continuam na República. Porém, ressalta que a disposição do movimento social negro contemporâneo para enfrentar as limitações impostas por esse pensamento conservador mantido historicamente é irrefutável. Conforme o gestor, as conseqüências mais significativas que dão validade a esse ativismo tornam-se visíveis a partir do momento em que o poder público admite a exclusão racial e incorpora propostas de ações afi rmativas. Mas o fato de ter inserido na agenda oficial a discussão que culminou na existência da Seppir não é suficiente para atender as demandas que aí estão, declara o gestor. A referida secretaria, que possui um status de ministério, tem o papel de fazer a articulação com os demais organismos de governo, de modo que haja uma maior transversalidade nos orçamentos e nas políticas estabelecidas para atender as demandas advindas da população negra. O estado da Bahia apresenta, segundo ele, um histórico conservador com todos os ingredientes de interesses, tanto econômico como ideológico, e a partir de uma perspectiva extremamente eurocêntrica. Quanto aos entraves para o funcionamento de uma política eficaz de promoção da igualdade racial, o gestor afi rma que existe uma correlação desigual de forças entre o movimento social negro e as forças políticas conservadoras. Ademais, o que se constata é um apelo muito maior, uma sensibilização forte para as questões de classe em detrimento das questões alusivas ao racismo. De acordo com ele, “a ideologia escravocrata é tão perversa que mantém até hoje um pouco da senzala moderna [...]. Os movimentos sociais terminam sendo incipientes”. Questionado sobre as propostas do órgão público em que trabalha, no sentido de atender as demandas dessa população, o membro do governo 74

estadual diz que a Secretaria de Combate à Pobreza do estado da Bahia é resultado das reivindicações dos movimentos sociais. Uma das ações mais importantes se refere às comunidades quilombolas: “elas que nos impeliram a pensar programas que fossem ao encontro de suas demandas” – diz o gestor. O Programa Brasil Quilombola nasce dessa necessidade, e no Plano Plurianual da Bahia foi possível conseguir uma pequena abertura e garantir recursos para as comunidades rurais negras. Para esse gestor, devemos reconhecer que projetos mais gerais também podem atender segmentos específicos. O Programa Luz Para Todos, por exemplo, acaba contemplando várias comunidades quilombolas, muito embora não esteja caracterizado como uma política pública focalizada nessa população. A mobilização social em torno da superação do racismo cresceu tanto que resultou no I Encontro de Comunidades Quilombolas da Bahia – realizado nos dias 12 e 13 de junho de 2005. Do encontro surgiu o embrião para a criação do Comitê das Comunidades Quilombolas do Estado da Bahia, cujo perfi l é de uma entidade autônoma. Ela representa um canal de diálogo entre o poder público e as coletividades necessitadas. Outros programas da Secomp dizem respeito à saúde, à segurança alimentar e ao plano habitacional. Todos eles atingem de alguma maneira as populações excluídas, as quais são majoritariamente constituídas por pessoas negras. Apesar do alcance, isso não resolve a questão da exclusão racial, pois não existem mecanismos capazes de permitir uma avaliação sensata, tampouco elementos que possibilitem o levantamento de dados sobre o segmento negro. O entrevistado admite que, de modo geral, as propostas em curso ainda são incipientes, principalmente porque a ausência de políticas focadas na população negra impossibilita a qualificação de pessoal para trabalhar nesta seara. Assim, a Secomp lida com a comunidade negra, mas não pode identificar suas necessidades, ainda que os dados gerais porventura sugiram algo sobre o quadro das desigualdades raciais. O referido gestor não percebe efetivamente as críticas do movimento negro direcionadas à Secomp, mas reconhece que a sociedade civil como um todo tem se manifestado sobre as possíveis limitações da Secretaria. Indubitavelmente existe um termômetro que serve para avaliar o alcance das políticas públicas estaduais de combate à pobreza: a própria sociedade. A entrevista aponta para um aspecto interessante das políticas públicas que tratam da relação entre as três esferas de poder. Nesse caso, o gestor considera não existir algo mais palpável que leve a identificar uma boa articulação envolvendo municípios, estados e governo federal. Salvador é citada como sendo uma caixa de ressonância, de modo que tudo que ocorre na cida75

de tende a se expandir pelo estado. Ainda assim, municípios e governo estadual não se sobrepõem às divergências políticas para tratarem de assuntos de interesse público. Não fosse assim, a constituição da Secretaria Municipal de Reparações (Semur) teria inspirado outras tantas localidades na Bahia. Contudo, ele aposta na idéia de que o conjunto de ações administrado pelo governo federal somente será um sistema se houver maior prazo para que possa ser consolidado como tal. O governo federal faz um esforço inegável para dar conta de uma agenda apertadíssima e cumprir os compromissos assumidos junto à população negra. Ao concluir, nosso entrevistado alega que o momento atual é de grande relevância, apesar das dificuldades históricas. Já existia a Fundação Cultural Palmares (FCP) e, posteriormente a ela, outras instâncias de governo direcionadas para o combate ao racismo passaram a ser constituídas. A visibilidade que a questão alcança – independente da esfera a que estejamos referindo – significa um avanço interessante porque leva-nos a exigir mais compromisso do poder público. Constata-se também um grande envolvimento das comunidades negras e, ao que parece, vai ser difícil para qualquer governo desconsiderar e mesmo retroceder no que se refere às demandas dos afro-brasileiros. Entrevistamos também a coordenadora executiva da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) do estado da Bahia. De início, ela procura mostrar as razões que levam à adoção de políticas públicas para a população negra: 80% da população é composta por afrodescendentes. A gestora informa que, em 1987, o governo estadual criou o Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN) – mantido pela lei 6.074 de maio de 1991 e vinculado à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) – com a fi nalidade de estudar, propor e acompanhar medidas de relacionamento dos órgãos governamentais com a comunidade negra, visando garantir a plena cidadania desse segmento. Esse Conselho é composto por representantes governamentais e não-governamentais, dos quais cinco são ligados ao governo e representam as secretarias estaduais. Nesse rol encontramse as Secretarias de Educação, de Segurança Pública, de Trabalho e Ação Social, de Justiça e Direitos Humanos e, fi nalmente, de Saúde. Sobre os representantes da sociedade civil, existem 15 vagas, das quais 10 são para integrantes de associações, organismos e entidades representativas da comunidade negra, legalmente constituídos. As outras vagas são distribuídas entre a Ordem de Advogados do Brasil (OAB/BA), Associação Baiana de Imprensa (ABI), comunidade acadêmica (UFBA/ UNEB), que contam com um antropólogo e um sociólogo. 76

Há dentro da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos uma superintendência para dar todo o respaldo na execução das ações dos conselhos a ela vinculados. Além do CDCN, a Secretaria abriga ainda o Conselho de Defesa dos Direitos da Mulher, o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Idosa, e o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência. No que concerne às políticas voltadas para a população negra, a SJDH segue a trajetória proposta pela Seppir. Na Bahia foi realizada uma conferência estadual, precedida pelas conferências municipais e/ou regionais que permitiram avaliações mais localizadas. O Fórum Estadual se constituiu em um evento representativo, contando com mais de 500 pessoas. Com relação ao movimento social negro, a gestora afi rma que ele é muito ativo. Existe o Fórum de Entidades Negras que está atento a tudo e cobra do estado ações efetivas, além do reconhecimento por parte da SJDH de que o estado e a sociedade civil devem estabelecer parcerias no processo de promoção da igualdade racial. A gestora afirmou que não existem muitos entraves em relação a divergências políticas entre os governos estadual e federal. Para justificar seu argumento, ela cita a I Conferência Estadual de Promoção da Igualdade – ocorrida em 2005 –, planejada e efetivada pelo estado conforme sugestões da Seppir. Além disso, houve a representação de setores do estado e de movimentos sociais na Conferência e na marcha Zumbi +10. Conforme a gestora, nesses eventos a relação entre governo estadual e federal transcorreu normalmente, sem tensões. A propósito, ela cita que na marcha do dia 22 de novembro o governo estadual custeou o transporte rodoviário de 600 baianos. A entrevistada ainda mencionou o Plano Estadual de Promoção da Igualdade Racial, em processo de construção e que, segundo ela, procura também seguir as orientações da Seppir. Para pensar esse plano foi criado um Grupo de Trabalho composto por representantes das secretarias de Saúde, Educação, Planejamento, Segurança Pública, Combate à Pobreza, UFBA,6 UNEB e CDCN. O referido GT será responsável pelo diagnóstico da população negra no estado da Bahia e, com base nele, serão traçadas as políticas públicas para esse segmento, dentre elas uma das metas propostas é a capacitação de pessoal. É importante destacar que os principais eixos desse plano são as comunidades quilombolas e a geração de renda. Nesse sentido, a entrevistada acredita que há uma boa articulação intragovernamental, pois existe, no âmbito do governo estadual, trânsito en6 A Universidade Federal da Bahia (UFBA) tem implementado políticas de ações afi rmativas em seus vestibulares e, apesar de dar início a esse processo depois da UNEB, já colhe seus primeiros resultados. Há hoje no Brasil um número mais expressivo de universidades estaduais do que federais no processo.

77

tre as secretarias de modo que se perceba um diálogo efetivo. Já a articulação intergovernamental é considerada por ela como razoável, alegando que há limitações de ordem política. Essa gestora também não identifica o conjunto de propostas formuladas pelo governo federal como um sistema, embora alegue que caminha para sua consolidação. Aliás, destaca que o desejo é que não fiquem somente nas ações pontuais, mas reconhece, contudo, que sem vontade política, ou seja, disposição das diferentes esferas de governo para o diálogo, muito pouco ou quase nada poderá ser feito para proporcionar um avanço. Na opinião dela, traçar essas políticas em um país repleto de desigualdades é muito importante para que diminua a discrepância, pois é essa desigualdade que estimula a violência e impede o crescimento. A gestora entrevistada em Salvador, vinculada à Secretaria de Trabalho e Ação Social (Setras), é protagonista no processo de implementação da Secretaria Municipal de Reparações (Semur). Atualmente, ela tem a incumbência de coordenar o Programa Viva Nordeste, mantido pela Setras. Ela destaca dois momentos significativos na Bahia que devem considerados. Um é marcado pelo movimento artístico cultural nascido nos anos 70 com o surgimento do Ilê Aiyê – tudo o que se refere ao movimento negro baiano contemporâneo começou com esse advento. Somam-se a esses núcleos culturais os terreiros de candomblé, que representam verdadeiros quilombos urbanos. Sem sombra de dúvida, tais espaços defi nitivamente salvaguardaram a história e a cultura negra da Bahia, tanto em uma perspectiva mais moderna, incorporando novos elementos, quanto na tradicional, mais interessada na preservação dos valores herdados dos antepassados. E vem daí o primeiro gesto, na atualidade, para reivindicar ações afi rmativas. O segundo instante foi marcado pelo surgimento do Movimento Negro Unificado no estado da Bahia. Ativistas vinculados àquela entidade e a outras afi ns tiveram e têm até hoje papel significativo na história de luta contra o racismo. Algumas delas acabaram se transformando em personagens históricas, pois são pessoas que não podem ser esquecidas quando se fala do ativismo negro no estado. Entre os anos 1970 e 1980 houve grande efervescência na educação com um processo de mobilização efetiva em defesa de um ensino plural, que incorporasse outros saberes adquiridos além daqueles referentes às culturas de origem européia. Foram promovidos cursos de capacitação de professores a fim de diminuir essa enorme lacuna que existe até hoje no ensino, de um modo em geral, e nas escolas públicas em particular. Sobre isso, a gestora relata que nem a UFBA nem a UNEB tinham compromisso com a questão racial, 78

mas “em 1986 o Movimento Negro conseguiu formar cerca de 40 professores e mais 10 militantes para trabalharem com conteúdos alusivos à história das culturas africanas em salas de aula e na comunidade”. Conforme explicou, isso foi implementado em 10 escolas de bairros periféricos de Salvador, com apoio da Secretaria de Educação. A Bahia, diga-se de passagem, foi o primeiro estado a incluir nos currículos escolares a temática negra. Isso, por volta de 1986, durante o governo de Valdir Pires. Mesmo saindo na frente, o estado teve seus retrocessos, pois algumas dificuldades impostas por gestores públicos, na época, obrigaram o movimento a assumir uma postura mais combativa, de forma a garantir os avanços já obtidos. Sobre a III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, ocorrida na África do Sul, a gestora alega que houve um grande prejuízo para a população negra, uma vez que a Conferência não teve a repercussão esperada na mídia devido aos atentados de 11 de setembro, nos Estados Unidos. Ainda assim, considera o evento como um marco histórico. Todavia, os desdobramentos da Conferência de Durban no Brasil estão muito aquém do esperado. Na verdade, acontece uma apropriação absurda da cultura afro-baiana, com ganhos significativos para as elites locais que, simultaneamente, difundem uma pretensa imagem de respeito às tradições negras e faturam financeiramente com a folclorização dessas formas culturais. Enquanto isso, o povo negro, responsável por toda a riqueza que se torna objeto de exploração, continua marginalizado, sem oportunidades de crescimento social, econômico, político e até cultural. A entrevistada faz questão de dizer que suas críticas se dirigem especificamente ao Estado e não ao governo. Considera que a existência de um organismo de governo responsável pela implementação de políticas de promoção da igualdade racial no estado já deveria ter acontecido há muito tempo, principalmente se for considerado o histórico de lutas anti-racismo e de conquistas no estado da Bahia. Não bastasse toda essa morosidade, ainda há a questão das divergências políticas entre governo federal e governo estadual, que jamais deveriam servir de argumento para impedir o bom andamento das ações em prol dos afro-brasileiros. Para ela, esse trabalho só irá dar resultados mais efetivos se optarmos pela via suprapartidária. Do contrário, cada gestão dará o tratamento que achar mais conveniente para o assunto, desconsiderando o histórico, as conquistas já obtidas e as expectativas da sociedade civil. Dos programas instituídos pelo governo federal, a gestora avalia que somente o Brasil Quilombola tem representado algo de mais palpável, com um alcance razoável, que pode ser constatado por meio de algumas ações de79

senvolvidas na área rural. A Secomp, por exemplo, tem responsabilidade em relação às comunidades rurais negras. Nossa entrevistada prossegue argumentando que, para o governo federal lograr êxito em suas ações, deve antes de qualquer iniciativa realizar um censo rigoroso da população negra, levando em consideração vários aspectos relevantes sobre saúde, educação, saneamento, mercado de trabalho, direitos humanos, assim por diante. Isso ajudaria muito na definição das prioridades para que os problemas fossem atacados. Para ela, além de empregar corretamente o uso do dinheiro público, “sabemos que a autodeclaração de indivíduos afro-brasileiros é uma questão aberta, pelas razões históricas e pela ideologia do recalque que estimula uma baixa-estima”. Todavia, ela continua dizendo que “isso não pode servir de embaraço que nos impeça avançar no processo de identificação dos problemas que mais afligem a população negra”. Voltando à constituição dos conselhos estaduais, outra questão relevante é a que se refere à representação nesses espaços. A gestora afirma que a maioria é de pessoas brancas com pouco compromisso com a questão racial. São técnicos contratados com expressivas gratificações e/ou servidores públicos do quadro permanente que dificilmente aliam ao seu conhecimento idéias mais críticas sobre a condição histórica, econômica e social da população negra. Além do mais, outros empecilhos sérios são citados, como a diluição do tema das relações raciais em uma pauta oficial genérica, o que diminui a força do debate. O fórum privilegiado que poderia existir fica relegado a um segundo plano. Logo, a aparência é de que tudo seja levado em consideração, mas as análises demonstram nítida superficialidade nas abordagens. Como se isso não bastasse, identificamos ainda problemas de comunicação entre as secretarias, o que afeta sensivelmente o desenvolvimento das políticas. Em função de todos os argumentos apresentados, essa entrevistada também tem sérias dúvidas sobre o conjunto de propostas formuladas pelo governo federal se constituir em um sistema. O Plano Estadual de Promoção da Igualdade Racial, de alguma forma, segue as orientações do Plano Nacional, ainda que guardadas as devidas proporções entre um e outro. Contudo, o que se apresenta é frágil, com pouca densidade. Isso é extremamente delicado e causa preocupação, pois uma proposta dessa dimensão necessita de um entendimento integrado. Portanto, com as declarações dessa gestora, concluímos que sem a correta afinação entre os governos municipais, estaduais e federais, tenderemos sempre ao emprego de um esforço imenso para obtenção de resultados que ficam muito aquém do desejado.

80

Beneficiários Entrevistamos alguns beneficiários dos programas desenvolvidos na região. Um dos programas citados foi o Viva Nordeste, vinculado à Secretaria do Trabalho e da Ação Social (Setras). Embora não possua o recorte racial, a grande maioria da população por ele atendida é constituída por pessoas negras, fato a ser levado em consideração. Esse programa funciona em um dos bairros mais marginalizados de Salvador – o Nordeste, que dá nome ao programa. Ainda sobre o referido programa, um professor de street dance declara que a proposta é de fortalecer a identidade da juventude negra, pois, no seu entendimento, os jovens da comunidade andam muito desmotivados e sem interesse pela sua própria cultura. Portanto, atraí-los para o programa e estimulá-los a participarem de algo mais construtivo pode permitir que a postura se altere de um modo geral. Também alega que estar ligado ao projeto representou muito para o seu crescimento pessoal. No entanto, em relação às questões mais gerais sobre ações afi rmativas, o educador social reconhece que é preciso haver mais investimento, porque falta material e o espaço onde trabalha é limitado. As Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial são consideradas positivas pelos beneficiários porque ajudam a combater a discriminação. Sobre as demais questões, sobretudo as mais complexas, como identificar a qualidade das relações intragovernamentais e intergovernamentais, ou mesmo analisar se o conjunto de políticas públicas voltadas para a população negra constitui-se em um sistema, os beneficiários afi rmam não dispor de embasamento suficiente para responder a contento, mas demonstram satisfação com o mínimo que é oferecido. Por fim, reconhecem que a permanência do programa está condicionada aos rumos da política e, ainda, que é de fundamental importância a compreensão dos gestores públicos sobre a necessidade de se criar e executar projetos que atendam as demandas da juventude negra. Do contrário, ela pode ficar à mercê da violência urbana, se tornando alvo fácil para a polícia e aumentando as trágicas estatísticas do cotidiano das cidades. Entrevistamos também um estudante da Universidade Estadual da Bahia (UNEB), beneficiário das políticas de inclusão. Ele afirma que essa instituição de ensino superior, fazendo uso da autonomia universitária, se lançou na aprovação e implementação das cotas baseada em critérios raciais. Declara, entretanto, que as experiências de uma política da diversidade racial no estado são um tanto isoladas. Uma iniciativa que logrou êxito foi o projeto da comunidade Ilê Axé Opo Afonjá, que era a formação de uma escola diferente das demais, cujos 81

conteúdos agregavam os saberes africanos. Essa condição iria alterar substancialmente a compreensão do aluno a respeito da pluralidade do mundo. Posteriormente, o projeto passou a ser apoiado pela prefeitura de Salvador, fato que respalda a tese de que o estado e a sociedade civil podem e devem procurar o diálogo, na medida do possível. No que concerne às ações mais articuladas do estado da Bahia, ele não consegue observar um trabalho mais palpável do CDCN. Talvez por ignorância ou por falta de visibilidade mesmo, justifica. Como a Semur – vinculada à prefeitura – tem uma inserção maior no município de Salvador, suas ações acabam chamando mais a atenção de quem mora na capital. Ainda comentando sobre os organismos de governo, tanto em nível municipal quanto estadual e federal, nosso entrevistado argumenta que não existe um diálogo efetivo dessas instâncias com o movimento social negro. Não se constata, por exemplo, a constituição de uma rede capaz de acompanhar a implementação e o resultado das políticas públicas direcionadas à população negra. Além disso, ele nota um problema de representação, pois muitas pessoas designadas para assumir cargos públicos nesses organismos não são qualificadas para tratar da questão racial. Admitindo a possibilidade de várias delas não serem vinculadas às entidades negras, ele pensa que ao menos poderia haver algum trânsito entre tais indivíduos e o movimento social para facilitar a relação com a sociedade civil. Como os demais entrevistados, esse beneficiário também não percebe articulação entre as esferas de poder, alegando que as ações conjuntas são pontuais e não continuadas. Ele lembra que estamos vivendo uma inversão perversa na aproximação entre estado e sociedade civil, já que hoje são os organismos de governo que falam para os movimentos sociais, quando, na verdade, deveria ocorrer exatamente o contrário. Todos esses espaços institucionais, em sua opinião, poderiam dispor de ouvidorias responsáveis pelo recebimento e encaminhamento das políticas públicas, para discussão interna das reivindicações, sugestões e críticas a eles apresentadas pela população negra. Concluindo, o beneficiário discorda da idéia de que o conjunto de propostas formuladas pelo poder público seja considerado um sistema. Os gestores que se encontram tanto na esfera federal quanto na estadual e municipal formulam propostas partindo de concepções às vezes equivocadas na relação entre estado e sociedade civil, conforme já foi dito anteriormente. Ele ainda diz que não se pode deixar de reconhecer a existência de alguns esforços para um real avanço nesse campo: o programa Brasil Afroatitude, do Ministério da Saúde e apoiado pela Seppir, que fornece bolsas de pesquisa para estudantes negros interessados em investigar, prioritariamen82

te, as relações entre doenças sexualmente transmissíveis e a população afrobrasileira. Esse é um exemplo de que pode existir um diálogo interministerial, mesmo esbarrando em algumas dificuldades institucionais. Se observarmos bem, lembraremos que uma das discussões sobre inclusão da juventude negra no ensino superior se remete não apenas ao acesso, mas à permanência desses indivíduos. Então, o Afroatitude veio como resposta a essa demanda. Enfim, é importante que o poder público se predisponha de fato a ouvir sempre o movimento social negro.

Vitória da Conquista O município de Vitória da Conquista está localizado no Sul da Bahia, possui cerca de 300 mil habitantes e conta com uma porcentagem expressiva da população negra, aproximadamente 40%, segundo fontes não-oficiais vinculadas ao movimento social negro. A cidade também assiste, em algumas áreas específicas, outros municípios vizinhos com menor densidade demográfica. Esse é o caso da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia que possui um campus em Vitória da Conquista e acolhe estudantes de outras localidades. A cidade encontra-se cercada por várias comunidades rurais negras, uma média de 48 ao todo, distribuídas por oito distritos que compreendem todo o território municipal. Diante dessa realidade, a prefeitura necessita de desenvolver planos de governo que incluam as realidades rurais como parte daquele contexto. Considerando a imensidão do estado baiano e a quantidade de municípios com grandes dificuldades financeiras, podemos dizer que Vitória da Conquista é um município próspero, mas que precisa administrar questões agrárias, sobretudo considerando a vulnerabilidade das comunidades quilombolas.

Ativistas Entrevistamos uma ativista negra há mais de 20 anos, natural de Jequié, que vem se dedicando ao trabalho com os Agentes de Pastoral Negros (APNs) por pelo menos uma década. Ela adotou Vitória da Conquista como sua cidade, embora reconheça que o município tem uma cultura moldada pelo racismo. Exatamente por essa razão, o trabalho com educação que os APNs desenvolvem ganha uma importância inquestionável. Com o valor que o debate sobre políticas públicas para a população negra vem adquirindo hoje nas agendas oficiais, a mídia e algumas 83

instâncias de governo passam a procurar mais as entidades negras. É possível dizer que existem avanços em relação à educação, pelo menos se levarmos em consideração o silenciamento, a omissão e o pouco caso com que a questão negra tem sido tratada pelo Estado brasileiro até o final do século XX. A entrevistada explica que os resultados obtidos até o presente momento são fruto do trabalho de ativistas e da persistência em suas reivindicações. Um bom exemplo disso é o curso pré-vestibular para negros que os APNs mantêm. Esse projeto auto-sustentável consegue atingir um número expressivo de alunos, sendo que os mais carentes são isentos da mensalidade. E, do total de educandos, 80% são negros. No município de Vitória da Conquista ocorrem situações relacionadas a esse tema que revelam o elevado grau de incipiência das comunidades afro-brasileiras em relação aos seus direitos. Muitos cidadãos sequer têm noção da existência de canais por onde encaminhar suas reivindicações. No que diz respeito ao mercado de trabalho, por exemplo, a situação traumática da população negra reflete a postura omissa do Estado brasileiro. Outro aspecto referente às dificuldades encontradas em Vitória da Conquista diz respeito às condições de manutenção do curso pré-vestibular, iniciativa dos APNs, conforme já dito anteriormente. O curso funciona atualmente nas dependências de uma igreja, que cobra aluguel pelo uso do espaço, e não é um valor simbólico. Os APNs lamentam que o projeto corra o risco de ser extinto. Para eles, o projeto poderia receber recursos públicos para dar continuidade a esse processo de capacitação para a inclusão. Há certo tempo, o isolamento se justificava, mas, na atualidade, com o crescimento da discussão sobre ações afi rmativas, é incompreensível que não se estabeleça um diálogo efetivo entre os APNs e o governo federal, via Seppir, por exemplo. É sabido que essa Secretaria desenvolve ações que não passam necessariamente pelo crivo do estado ou do município, diz a entrevistada. A UESB possui projetos para distribuição de bolsas aos estudantes necessitados, mas não se sabe quem são os contemplados e se a universidade está mesmo adotando critérios que considerem as desigualdades raciais em Vitória da Conquista. Enfim, falta um pouco de transparência nessas políticas públicas em educação, na opinião da ativista entrevistada. No que diz respeito às ações específicas do governo municipal para combater os efeitos mais perversos do racismo, a militante argumenta que uma proposta focada diretamente na população negra é o Programa Brasil Quilombola. Constatou também a existência de proposições mais gerais que acabam de alguma maneira atingindo a população negra local, como o 84

Bolsa Família e Luz para todos, entre outros. O fato é que os membros das comunidades quilombolas encontram-se em situações muito precárias, sem sistema de saneamento, sem posto de saúde, sem acesso a uma educação de qualidade. Enfi m, ela enfatiza que ainda faltam conquistas fundamentais para a construção da cidadania dessa população. As comunidades de Boqueirão dos Negros, Velame e Lagoa de Melquíades se constituem em exemplos dessa dura realidade. Como se tudo isso não bastasse, a entrevistada reforça sua observação citando a questão do racismo institucional7 com que nos deparamos. Se os professores da rede pública não passarem por um processo de requalificação urgente, trabalhando conteúdos referentes à cultura negra, como define a lei 10.639/2003, trágicos espetáculos de discriminação e preconceito dentro das escolas continuarão sendo observados. Ao longo dos anos, o movimento social negro de Vitória da Conquista tem procurado trabalhar não apenas com a questão dos quilombos, mas também com os vários temas que dizem respeito à questão racial, afi rma a ativista. Na cidade já ocorreu o 1º Encontro de Mulheres Negras com o êxito desejado, e o segundo encontro está em vias de ser realizado. Outro aspecto relevante é que os eventos dos APNs geralmente contam com apoio do governo federal e raramente dos governos municipal e estadual. Isso não é um bom sintoma. A Fundação Cultural Palmares, por exemplo, já liberou recursos financeiros que garantiram algumas atividades locais. Nossa entrevistada afi rma que o diálogo é mais efetivo entre a prefeitura municipal de Salvador e o governo do estado, cuja sede encontra-se localizada na mesma cidade. Ao que parece, as informações ficam concentradas na capital. Logo, constata-se um problema de articulação, permeado por tensões político-partidárias. Nossa entrevistada não considera o conjunto de propostas formuladas pelo governo federal um sistema, pois acredita que há problemas de comunicação. As idéias são bem concebidas e bem arquitetadas, porém falta uma difusão mais eficaz. Para ela, o sistema existe, embora careça de estratégias de comunicação. Como exemplo ela cita a pesquisa realizada no município, demonstrando disposição para avaliar a situação. Portanto, já é um sinal de que as relações podem e devem ser diferentes, que o diálogo tem chances de ser consolidado. Essa é a expectativa que os ativistas alimentam. Em Vitória da Conquista, o Movimento Negro trabalhou absolutamente sozinho por vários anos. Então, é chegada a hora do poder público fazer a sua parte, e que, ao fazê-la, não ignore o acúmulo existente sobre a temática racial na cidade. 7 Racismo institucional é o conceito que alude às instituições cujas estruturas fundamentam-se em tal ideologia.

85

Outra entrevistada inicia sua fala argumentando que as secretarias criadas com o objetivo de promover o desenvolvimento da população negra nasceram em resposta aos questionamentos do Movimento Negro. O fato de ter uma sociedade que, infelizmente, produz o racismo, dificulta a preservação da memória negra que existe em Vitória da Conquista. Com a equipe de gestores vinculada ao governo municipal, a população afrodescendente passa a ter respostas mais positivas. Assim, nos últimos quatro anos, as reivindicações começaram a fazer efeito. Dentre as ações, foi destacado o Grupo Cultural Ogum Xoroquê, fundado há mais de nove anos e que começou com uma banda de percussão. A idéia era criar um bloco em bairro de periferia, de modo que a iniciativa influenciasse positivamente a vida de jovens negros em situação de ociosidade. Com o decorrer das atividades, foi possível notar mudanças sintomáticas de comportamento entre os jovens envolvidos nesse processo, principalmente em decorrência das novas orientações que estavam recebendo. Tal reação serviu de estímulo para que os coordenadores ampliassem a proposta, pensando em algo maior como a organização de um grupo cultural voltado para a conscientização do coletivo, ao invés de se restringir às festas carnavalescas. No entanto, o grupo enfrentou uma carga de preconceitos manifestados por expressivas parcelas da sociedade local, que o rotulava de “macumbeiro” em função do seu trabalho de percussão, cuja base é desenvolvida a partir de toques de Candomblé. A prefeitura, o juizado de menores e a Secretaria de Educação começaram a prestar atenção no significado daquele projeto para a juventude negra local. A UESB também percebeu que a proposta era importante. Nesse sentido, um trabalho alternativo, que começou por conta própria e com recursos próprios, com o tempo passou a ser notado pelas instituições oficiais. Se há algum mérito quanto à visibilidade crescente da questão racial em Vitória da Conquista, isso se deve, antes de tudo, ao trabalho desenvolvido pelos Agentes de Pastoral Negros (APNs). O gesto do governo municipal, criando uma pasta para tratar dos assuntos relacionados à comunidade negra, é importante na medida em que também representa um reconhecimento das demandas do movimento social. A entrevistada alerta, porém, que isso não dilui as questões supracitadas. A ativista acha que as três esferas de governo não estão devidamente articuladas, mas é possível constatar alguma interação entre o governo federal e o municipal, até por razões políticas, como o fato já mencionado das duas gestões estarem vinculadas ao mesmo partido. Talvez o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (Fipir) aponte para outro caminho 86

mais promissor. Segundo ela, existem alguns integrantes do grupo Ogum Xoroquê que compartilham a mesma opinião acerca da viabilidade do Fipir. Sobre o funcionamento interno da estrutura governamental para a implementação dessas políticas, a entrevistada disse ter dúvidas sobre a disposição de muitos gestores em lidar com os problemas suscitados pelas relações raciais. Ela acredita que seja necessário um trabalho de sensibilização para os dirigentes e funcionários públicos de uma maneira em geral, principalmente aqueles vinculados aos organismos de governo designados para atuar em prol da população negra. A possibilidade do conjunto de políticas de promoção da igualdade racial formuladas pelo governo federal se constituir em um sistema também é questionada pela entrevistada, que discorda sobre sua consolidação. Ela diz que, para se chegar a uma situação plausível, é preciso que existam menos acordos políticos espúrios que só penalizam a população brasileira e, em particular, a população negra. As pessoas designadas para os cargos, ao invés de atenderem a tais acordos, devem possuir os perfis desejados tanto política como tecnicamente. Assim, ela conclui dizendo que “as ações em prol das comunidades negras devem transcender as artimanhas políticas e os interesses partidários, para podermos realmente avançar nessa luta contra o racismo. Do contrário, não teremos saída”.

Gestores O prefeito de Vitória da Conquista nos concedeu informações muito importantes sobre os desdobramentos das políticas de promoção da igualdade racial no município. No exercício do seu primeiro mandato, o gestor diz que o legado deixado pelos movimentos sociais nos anos 1970 influenciou profundamente as décadas seguintes: “Saímos de uma fase de protesto para a implementação efetiva de políticas públicas, tomando como referência as demandas apresentadas pelo ativismo nos últimos 30 anos”. Por mais que se reconheça a autonomia que o movimento conquistou ao longo desse período, há que se considerar também a importância dos partidos na difusão da causa. Tal afi rmação corrobora quando aludimos aos programas de governo de várias prefeituras nos anos de 1990. Em 1997, o Partido dos Trabalhadores assumiu o governo do município, mas não existiam canais de diálogo com as outras esferas do poder. A ausência de uma política nacional na época certamente dificultou, e muito, as articulações. Segundo o prefeito, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva coloca publicamente a questão racial e cria organismos de governo – como a Secre87

taria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) –, além de fortalecer a Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC) para atuar nos processos de assentamento das comunidades quilombolas, nota-se uma disposição diferenciada do governo federal para lidar com o assunto. Isso favorece a constituição de uma estrutura própria que auxilia no debate interno do governo. Coincidentemente, percebia-se no município, em meados da década de 1990, a presença de ativistas negros, os quais não tinham inserção na estrutura do governo. E, ainda, no primeiro mandato do PT, tentou-se uma discussão no âmbito da educação, abordando conteúdos referentes aos afrodescendentes. O prefeito acha que pelo ritmo do processo social, naturalmente a questão vai continuar sendo reconhecida, mas não vai ser operante se não tiver a capacidade de focar o tema do racismo com a prioridade necessária. Para ele, é imperativo que se mostre à sociedade brasileira o seu caráter conflitivo, pois ela ainda é muito conservadora no que concerne às relações raciais. A prefeitura, ainda que de forma embrionária, desenvolve alguns projetos voltados para as comunidades quilombolas e para a juventude negra, como o trabalho realizado com os grupos de hip hop8. Mas é bom reforçar que tudo é ainda incipiente e os projetos são experimentais. Como não existem programas de vasta dimensão, também não é possível detectar grandes obstáculos. Aqueles que apareceram são proporcionais à dimensão de cada empreendimento. Na verdade, essas idéias deveriam ser bem difundidas no interior do partido. Todos os núcleos formuladores de políticas públicas teriam necessariamente que estar cientes dos projetos e de seus propósitos. Isso certamente facilitaria as discussões tanto quanto as implementações de políticas públicas direcionadas à população negra nos estados onde o PT governasse. No município de Vitória da Conquista é dada uma prioridade absoluta para a educação, porém ainda dentro de uma perspectiva universalista. Nesse campo também é significativo que se faça o recorte necessário para que a condição dos afrodescendentes seja analisada com maior profundidade. O governo municipal tem apoiado algumas iniciativas, a exemplo do curso prévestibular para negros e carentes, e o atendimento às comunidades quilombolas, segundo afi rma o prefeito. Esses projetos são vinculados visceralmente aos APNs. Porém, não há como afi rmar que exista um conjunto volumoso de propostas formuladas pela prefeitura. Quanto aos beneficiários das poucas ações implementadas, o prefeito diz que é preciso se levar em conta o nível de organização interna das comunidades quilombolas, que geralmente é muito baixo. Essas po8 Hip hop é um movimento artístico cultural da juventude negra urbana, que envolve a expressão do grafite, da dança denominada break, além da música e da poesia conhecida como rap.

88

pulações não têm compreensão de como funciona a estrutura do serviço público, o que dificulta as relações. O filme documentário de Antônio Olavo, intitulado Quilombos da Bahia, mostra bem a realidade dessas comunidades, até mesmo no que se refere às questões que estamos tratando. A obra transita entre as comunidades rurais negras do estado, indo desde aquelas que sofreram os mais agudos processos de perda da identidade até as que apresentam fortes vínculos com as tradições afro-brasileiras. Quando nos deparamos com a ausência de auto-reconhecimento acerca de valores tradicionais de origem africana, tudo fica mais difícil, principalmente porque é inviável impor a uma comunidade valores da cultura negra que ela não enxerga. Sobre as críticas formuladas pelo movimento negro, o entrevistado diz que a mais visível de todas alude à necessidade de ampliação do espaço institucional e da representação, ou seja, ressalta a importância de mais quadros oriundos do movimento atuando na esfera governamental. Os ativistas crêem que, sem a consolidação de instâncias decisórias que possam contribuir efetivamente para o processo, essas políticas não avançam. Na verdade, eles rejeitam os fóruns considerando que eles acabam se resumindo em algo absolutamente decorativo. No que diz respeito às relações intergovernamentais, o entrevistado alega que praticamente inexiste um diálogo contínuo com o governo do estado da Bahia, com exceção da Secretaria de Combate à Pobreza (Secomp), devido ao alcance de suas políticas. Ainda alega que o Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN), vinculado à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, tem uma aproximação quase imperceptível com os municípios de um modo geral. No que concerne ao governo federal, o prefeito entende que a formulação está correta. O núcleo do governo elabora as políticas e propõe o debate em uma perspectiva interministerial. Mas, dentro dos ministérios e demais órgãos públicos, nem tudo flui como se espera, pois em cada um deles existe um campo de disputa. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa), por exemplo, não aprovou alguns encaminhamentos importantes referentes aos quilombos e isso tem a ver com os interesses políticos que estão em jogo nas instâncias de governo. Para ele, a cúpula precisa ter uma postura mais incisiva no controle das cotas para investimento. Existe ainda uma necessidade premente que é a de fazer as políticas acontecerem de fato. Não basta que a população tenha à sua disposição um balcão de serviços para a apresentação de projetos se as prioridades não são trabalhadas. Para ele, os critérios precisam estar mais definidos. Talvez, com a divulgação do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, as mudanças 89

sejam estabelecidas, uma vez que servirá como norteador das diversas ações das três esferas de governo. Quanto a considerar ou não o conjunto de idéias como um sistema, o entrevistado acredita que seria precoce defini-lo assim. Acredita que só se pode fazer tal afirmação depois de experimentar exaustivamente o modelo e constatar a sua eficácia. Nesse sentido, ele afirma que “os fundamentos gerais do governo federal nessa matéria estão sendo testados, como uma tentativa de romper uma série de limitações de ordem institucional, burocrática, organizativa, legal, além da sensibilização e da conscientização”. A secretária da educação fala sobre como as políticas públicas de promoção da igualdade racial avançaram no município. Para ela, os diagnósticos na área de educação tratam da evasão escolar e de outras questões. A Secretaria, por meio do grupo de estudo formado para pensar estratégias de superação de limites na educação – com a elaboração de programas específicos –, detectou alguns focos que mereceriam maior atenção do governo. Esse grupo, chamado de “Educação para a diversidade”, tem como propósito abordar as temáticas sobre a inclusão na escola, fazendo os recortes da vulnerabilidade social, da diversidade cultural, do gênero e da etnia. Esse processo prioriza a formação de professores a fi m de qualificálos para tratar desses aspectos que demarcam várias diferenças. Além disso, recentemente foi inserida no currículo das escolas públicas da rede municipal uma nova disciplina – Literatura e Cultura Afro-Brasileira –, atendendo ao dispositivo legal, mas também tentando suprir as necessidades de educadores e educandos. Nas políticas educacionais do município, o procedimento inicial é o de delimitar um campo de atuação e, depois, inserir temas considerados prioritários, não apenas no sentido de ampliar o universo cognitivo do aluno, mas também de modo a permitir que o educando compreenda a educação como algo fundamental na formação da pessoa humana. Quanto às dificuldades, a entrevistada diz que o principal problema foi o de não encontrar receptividade na rede de ensino para a compreensão do que seria a inclusão da nova disciplina na grade curricular como um tema que pudesse favorecer, ao mesmo tempo, a auto-reflexão do professor e a ampliação dos conhecimentos do aluno. O corpo docente precisava entender que participaria de um processo formador em que ele também estaria sendo formado. No entanto, houve dificuldade para compor o grupo de trabalho e adotar essa compreensão, além da dificuldade de se fazer perceber que, em relação ao currículo, a transversalidade exigiria o domínio de conteúdos específicos. Tratava-se, então, de dominar a especificidade num primeiro momento e, posteriormente, traduzi-la em metodologias de ensino e outras ações em sala de aula. 90

Nesse percurso são inegáveis as intervenções de organizações do movimento social que, de alguma maneira, tentaram determinar o foco específico dessa disciplina. A partir daí houve dissenso entre o poder público e o movimento social, precisando recorrer à institucionalidade para afirmar o papel da Secretaria e sua autonomia para atuar nesse espaço privilegiado, que é a sala de aula. Contudo, ela lembra que a perspectiva do diálogo não deve nunca ser abandonada. As divergências mencionadas ocorrem na medida em que as entidades do movimento social, desconhecendo o cotidiano escolar, querem levar a cultura negra para dentro da escola como acreditam ser a maneira mais correta. No entanto, algumas expressões culturais como o grafite, peculiar ao universo do hip hop, não são bem aceitas por toda a comunidade escolar. A grafitagem revela a visão de mundo de quem a executa, por isso colide às vezes com valores de outros segmentos que participam do mesmo ambiente escolar. Justamente pelo fato de a escola ser um espaço multicultural é que devemos ter cuidado para não tolher a liberdade de expressão de grupos distintos, assumindo uma postura atenta para que tal gesto não comprometa as relações entre eles. Problemas dessa natureza já não ocorrem na inserção de outras práticas como a capoeira, que vem sendo muito bem aceita pelos alunos. Até o movimento hip hop, em alguns aspectos, acaba seduzindo a juventude, seja pela influência do ritmo ou por outros elementos estéticos. No plano dos conteúdos a serem trabalhados na disciplina Literatura e Cultura Afro-Brasileira, a Secretaria está buscando informações junto ao governo federal e às universidades estaduais e federais, além de fomentar pesquisas que o próprio grupo de estudos desenvolve in loco nas comunidades. As bibliografias são elaboradas também pelo mesmo grupo, que se incumbe de apresentá-las como proposta a ser adotada pela Secretaria. A gestora alega que, “nesse processo, a primeira dificuldade foi a falta de receptividade por parte dos professores para a compreensão do que seria a introdução de uma disciplina com tal conteúdo”. Ela complementa afi rmando que “a busca incessante por informações e material pedagógico também esbarra nesse nãoentendimento do corpo docente em relação ao tema”. Sobre as relações com o movimento social negro, a entrevistada alega que as críticas formuladas ao poder público, em alguns fóruns realizados no município, aludem à ausência de políticas públicas específicas e à falta de implementação de projetos direcionados à população negra local. Segundo ela, a Secretaria tem considerado as reivindicações e buscado atendê-las na medida do possível. Algumas parcerias estão logrando êxito, como por exemplo, o trabalho desenvolvido pelo grupo de estudos já mencionado, que envolve os Agentes de Pastorais Negros, além de outros ativistas que não estão necessariamente vinculados a entidades negras. 91

Vale reiterar que o grupo de estudos lida com vários recortes, considerando gênero, orientação sexual, classe, entre outros. Assim, a atividade não se atém única e exclusivamente às questões étnico-raciais. Esse caráter precisa ser explicitado sempre para evitar confusões, pois se trata de um leque amplo de abordagens. Possivelmente, os descontentamentos nascidos no seio dos movimentos sociais ocorrem muito em função dessa amplitude. Tanto a Secad/MEC quanto a Seppir têm subsidiado o trabalho de Vitória da Conquista, fornecendo informações importantes, como marcos legal e histórico acerca das questões concernentes à diversidade. O encaminhamento tem sido feito diretamente do governo federal para o município, com o intuito de estabelecer uma relação com o gestor público municipal, conforme informações prestadas. A entrevistada diz que infelizmente não identifica nenhuma ação envolvendo as três esferas de governo, ocorrendo apenas algumas parcerias diretas com o governo federal. Sempre que o município toma a iniciativa de procurar o governo do estado da Bahia, a orientação fornecida é a de que o governo municipal deve seguir o curso das políticas públicas desenvolvidas em âmbito nacional. Isso também não significa dizer que a relação com o governo federal se dê sempre de maneira harmoniosa, existem disputas mesmo entre as forças políticas aliadas. A secretária enfatiza que, nas relações intragovernamentais há, portanto, alguns impasses que precisam ser superados em nome da viabilização e do êxito das políticas públicas de promoção da igualdade racial. A Secretaria de Educação contabiliza alguns ganhos nesse processo que busca um diálogo com o governo federal. Se tomamos como referência os primeiros passos para a implementação da lei 10.639/2003, é possível afirmar que os desdobramentos têm se dado a contento. Nesse sentido, o município comemora. Quanto ao fato de considerar ou não o conjunto de idéias do governo federal como um sistema, a gestora alega não ter conhecimento de todas as ações desenvolvidas pela gestão do presidente Lula nesse campo. Contudo, ao que lhe parece, ainda não há como denominar esse conjunto de sistema. Para que isso aconteça, é preciso estabelecer marcos legais que atinjam tanto instâncias governamentais como não-governamentais. Portanto, uma articulação mais global depende, em última análise, dessa possibilidade.

92

Beneficiários • Boqueirão dos Negros A comunidade de Boqueirão dos Negros, no município de Vitória da Conquista, está situada no distrito de José Gonçalves. Ela se caracteriza como uma comunidade negra rural, composta por 126 famílias que se organizam a partir de uma precária economia, baseada em agricultura de subsistência – modesta devido à falta de recursos. Nessa comunidade, não se identifica a existência de serviços essenciais – como saneamento básico, energia elétrica e telefone – que diminua o isolamento a que ela está submetida. A associação de moradores, ainda sem registro oficial, é constituída majoritariamente por pessoas mais idosas, o que parece ter relação com um critério tradicional em tais coletividades, que consiste em reconhecer a experiência dos mais vividos. A saúde também está comprometida em função das condições insalubres constatadas. Por exemplo, a falta de água potável é um grande problema que afeta as pessoas, principalmente as crianças. A comunidade compartilha a mesma água com os animais que mantêm para criação e sustento próprio. Foi realizada uma entrevista coletiva, com quatro membros da comunidade, sendo três homens e uma mulher, quase todos de meia idade. Logo de início, eles manifestaram o entendimento que tinham sobre as ações do presidente Lula que, de alguma maneira, afetaram sua comunidade. Acreditam que a postura do governo federal em relação aos excluídos é muito positiva, citando o programa Brasil Quilombola. Mas, ressaltam a importância da continuidade desse trabalho: “que as ações continuem a ser desenvolvidas cada vez mais, pois o povo negro vem sendo humilhado há muito tempo, e até hoje não encontraram nenhum apoio”. É preciso levar em consideração também que a união entre os negros significa muito nessa luta, e, nesse contexto, a associação dos moradores de Boqueirão dos Negros cumpre um papel fundamental. Quanto ao alcance do programa Brasil Quilombola, os membros de Boqueirão afi rmam que ainda não chegaram a usufruir de suas vantagens, embora saibam da existência dessa política – específica do governo federal – voltada para as comunidades negra rurais. Na comunidade não se tem água potável, expondo todos, inclusive crianças, a uma condição de vulnerabilidade para doenças, pois o ambiente insalubre torna-se ideal para a propagação de males que afetam a saúde. Informaram também que estão chegando algumas placas para captação de energia solar – com verba de um projeto aprovado no município – e os primeiros resultados foram bem aceitos pela comunidade. Há algum tempo a 93

comunidade recebeu um posto de saúde, mas funciona no máximo duas vezes por semana. Assim sendo, em muitas circunstâncias, as pessoas acabam se deslocando para outras localidades, utilizando um transporte altamente deficitário e, ainda, sem garantia de atendimento. Destacam também problemas na educação, pois a escola é constituída de uma única sala de aula, na qual estudam crianças de praticamente todas as séries iniciais do ensino fundamental. Assim, é obvio dizer que diante desse quadro a aprendizagem fica comprometida. Não há como lidar simultaneamente com todos os conteúdos, alimentando a expectativa de um aproveitamento minimamente razoável. A conseqüência imediata disso é um índice elevado de repetência e um atraso altamente prejudicial para o aluno – terreno fértil para a evasão escolar. Parece mais uma daquelas situações em que o poder público age para não ser cobrado, mas ao agir abre mão de sua responsabilidade social. Existe ainda uma queixa dos líderes comunitários no que se refere à oferta de emprego, sobretudo para os mais jovens, e eles sabem que nas condições em que se encontram tudo fica muito mais difícil. Como a cultura de subsistência não é suficiente para garantir o sustento de todas as pessoas da comunidade, é preciso que aconteça uma geração de renda capaz de reduzir ao menos as condições de pobreza a que estão submetidos. Quanto às condições de trabalho para a realização de atividades, ainda que resultem em modesto retorno financeiro para a comunidade, os líderes falam da produção na Casa de Farinha, pois é de lá que muitos conseguem extrair os parcos recursos. Eles dizem que os equipamentos para o preparo da farinha são precários, necessitando de investimentos urgentes para se ampliar a qualidade e a quantidade do produto. Durante a entrevista, os beneficiários reafirmaram que, além da aquisição de novos instrumentos para a Casa de Farinha, o planejamento de um sistema de irrigação poderia contribuir significativamente, pois facilitaria o cultivo do solo, aumentaria a safra para atender a comunidade e até permitiria o aproveitamento do excedente para o comércio. Em Boqueirão, as casas são construídas com adobe e os moradores gostariam imensamente de poder levantar suas casas com materiais de construção que permitissem maior durabilidade do imóvel. Eles alegam que uma assessoria técnica da prefeitura, encaminhando arquitetos e engenheiros para uma avaliação, também seria recebida de bom grado. Com o quadro de dificuldades que só se agrava, os jovens se ausentam da comunidade para trabalhar na cidade de Vitória da Conquista em busca de melhores condições financeiras, como as moças que vão à procura de empregos domésticos. No entanto, a propaganda política e os meios de comunicação 94

afi rmam haver um investimento na melhoria da qualidade de vida dos quilombolas. E, muitas vezes, essas falas oficiais não encontram correspondência no cotidiano das comunidades. Sobre o funcionamento das políticas públicas, os líderes não conseguem enxergar uma articulação mais integrada entre as três esferas de governo, mas reconhecem a ação de um indivíduo que, segundo eles, tem intermediado a relação entre a comunidade e o poder público local. Devido às dificuldades históricas vividas pela comunidade, inclusive no que concerne ao acesso à informação, as perguntas sobre possíveis interações em níveis intra e intergovernamentais ficaram um tanto prejudicadas, da mesma forma como foi difícil argumentar sobre a existência ou não de um sistema de políticas de promoção da igualdade racial. As lideranças não dispunham sequer de elementos para fazer uma avaliação mais superficial. Contudo, a contribuição que deram à pesquisa foi insofismável.

• Velame A comunidade de Velame localiza-se dentro do município de Vitória da Conquista, mais precisamente no distrito de Veredinha. Sua situação é menos traumática, se comparada a Boqueirão dos Negros, mas nem por isso pode-se dizer que se encontra em condições favoráveis. São 21 famílias que ocupam a área, mantendo uma estrutura agrária baseada em culturas de subsistência como milho, feijão, mandioca, entre outros produtos. A Associação de Moradores, devidamente regularizada depois de muitos esforços junto à Câmara Municipal, conseguiu a liberação de recursos fi nanceiros para a aquisição de equipamentos que vão facilitar o trabalho na lavoura. A condição material daquela coletividade – conforme mencionado – está distante do ideal, mas, ao mesmo tempo, é substancialmente diferente de tudo que já foi encontrado. Quanto ao grau de instrução, percebe-se também um desenvolvimento maior dessa comunidade, particularmente das crianças, se fi zermos uma aproximação com a de Boqueirão dos Negros. Velame é uma comunidade pequena, com níveis de dificuldade menores que as demais encontradas nas adjacências. As lideranças comunitárias de Velame se dispuseram a falar sobre os possíveis avanços ocorridos a partir de políticas públicas voltadas para as comunidades quilombolas e das últimas reivindicações feitas ao governo municipal por aquela coletividade. Os pedidos resultaram na liberação de recursos, via Câmara Municipal, que permitiram a aquisição de equipamentos para 95

a montagem de uma nova Casa de Farinha, além de um computador e uma máquina para debulhar o milho e o feijão. No entanto, a comunidade tem suas carências. A falta de um posto de saúde, por exemplo, torna tudo mais difícil, de modo que as pessoas praticamente não podem adoecer. Embora a criação de um posto já tenha sido aprovada no Orçamento Participativo9 de 2002, as obras estão sem previsão para começar. Hoje, a médica que atende os quilombolas de Velame trabalha com condições precárias em um espaço improvisado dentro da escola, o que compromete a qualidade do atendimento. Outra reivindicação antiga dessa comunidade é a construção de um poço artesiano que, obviamente, seria de extrema utilidade para todos. A energia elétrica também vem sendo reclamada há mais de 14 anos, bem como a instalação de um telefone público para diminuir o isolamento a que estão sujeitos. Como não há incentivos para a produção agrícola, as lideranças acreditam que poderia se pensar em alternativas – a exemplo da cesta básica – como forma de compensação. Tem gente passando necessidade porque não existe um aceno das autoridades para os quilombos. Recentemente, a safra da mandioca foi quase toda descartada pela falta de equipamentos para trabalhála. Nem mesmo as culturas de subsistência logram êxito se não houver apoio do poder público que se traduza em recursos. Após a colheita da mandioca, Velame é obrigada a vender o produto a baixíssimo custo para atravessadores, do contrário, os prejuízos se tornam ainda maiores. A comunidade vem lutando incansavelmente para obter suas conquistas. E, nesse sentido, destacam outro desafio que diz respeito à titulação das terras. Uma das lideranças afirma que a documentação de pedido de posse das terras foi protocolada no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e, agora, todos aguardam com muita ansiedade a visita técnica daquele organismo de governo para que a demarcação seja logo efetivada. As lideranças de Velame sonham ainda com um financiamento do Banco do Brasil para levarem adiante o projeto de uma fábrica para tratar a mandioca. Esse empreendimento garantirá o sustento da comunidade, sem falar no ofício que representará atividade remunerada para vários jovens que hoje se encontram ociosos. Sem haver algo significativo que mantenha as pessoas na localidade, a dispersão acaba sendo inevitável, o que afeta, por extensão, a identidade do grupo. A fábrica seria como um esteio e, ao mesmo tempo, uma amálgama que permitiria a organização coletiva em torno de uma produ9 Orçamento Participativo é uma proposta formulada pelo Partido dos Trabalhadores e se traduz em estratégias de discussão coletiva, envolvendo governos municipais, estaduais e a sociedade civil. O principal objetivo é o de se estabelecerem conjuntamente as prioridades em termos de orçamento público.

96

ção específica. Velame não se apóia na monocultura, existe ainda o plantio do café, pimenta, feijão, milho, tomate, entre outros. Porém, sem energia elétrica, toda a safra fica comprometida. Mudando um pouco para as pendências no campo da educação, uma das integrantes do grupo entrevistado lamenta a falta de bons professores, oriundos da cidade, que saibam dialogar com as comunidades quilombolas, respeitando as diferenças estabelecidas entre os dois contextos. A entrevistada pede que o governo municipal encaminhe professores que sejam mais qualificados e saibam, principalmente, onde estão atuando. Do contrário, a comunidade poderá pagar um valor elevado para ter acesso ao ensino formal. Apesar de todas as dificuldades, a coletividade reconhece que outrora existiam problemas mais sérios, como as constantes ameaças dos latifundiários, ávidos para se apossarem das terras quilombolas. Mas hoje, a maioria acredita que a titulação está próxima, ou pelo menos que as circunstâncias permitem pensar assim. Todos são unânimes em afi rmar que nessa luta o trabalho desenvolvido pelo movimento social negro representa uma colaboração incalculável. Sem os ativistas, o processo de mudança estaria muito mais atrasado. Eles vão aonde as lideranças quilombolas muitas vezes não podem ir, possuem argumentos fortes e se preparam para os embates da mesma forma como procuram dialogar com as comunidades, sem se sobrepor a elas. O movimento exerce um papel fundamental, sobretudo pelo fato de saber que muitas das mazelas vividas pelos quilombolas têm a ver com o racismo. Um dos líderes comunitários comenta que a situação mudou pouco, mas atualmente estão mais sossegados. Para ele, antes a situação era pior porque “a polícia chegava, prendia, levava para não sei onde e até ameaçava matar, acusando a gente de ladrão. Mas nós não roubamos nada, tudo isso aqui está no nome de meu avô”. Quanto às relações intra e intergovernamentais, as lideranças dessa comunidade tiveram um comportamento semelhante ao das lideranças de Boqueirão dos Negros, ou seja, não se sentiram à vontade para responder a fundo, uma vez que se encontravam sem subsídios para fazer uma avaliação mais precisa. Apenas reconhecem que o governo federal está empenhado, concentrando suas falas na figura do presidente Lula. No que se refere aos contatos entre as três esferas de governo, eles pensam que o governo estadual não faz a sua parte e, por isso, será penalizado nas próximas eleições. As lideranças entrevistadas pouco opinaram sobre a possibilidade de considerar o conjunto dessas políticas formuladas pelo governo federal como um sistema, mas reiteraram que as melhorias precisam ter um ritmo aceitável. Os quilombolas passaram vários anos esquecidos, muitos nem sabiam de sua existência. 97

Portanto, uma atenção maior não representa privilégio, mas o reconhecimento de que é necessário integrar essas coletividades historicamente excluídas.

Conclusão O trabalho de campo no estado da Bahia apresentou resultados que confi rmaram algumas premissas e suscitaram novas hipóteses em relação ao alcance das políticas de promoção da igualdade racial formuladas pelo governo federal. Além disso, o contato com realidades bem distintas chamou a atenção para a necessidade de estudos mais aprofundados, visando o estabelecimento de estratégias diferenciadas para corresponder à complexidade desse conjunto chamado de cultura afro-brasileira. Os diferentes níveis de compreensão observados nas localidades visitadas, até certo ponto, eram previsíveis, pois as possibilidades de acesso às informações sempre são consideradas. Foram muitas histórias, cada uma permitindo o conhecimento de trajetórias interessantes, às vezes ambíguas, mas um consenso mostrou-se inquestionável: a emergência de ações mais eficazes, que afetem positivamente a qualidade de vida das populações negras. O governo federal deve empenhar-se, contudo, para que as políticas de promoção da igualdade racial transcendam a sua gestão, permitindo que elas se consolidem não em um conjunto de políticas de governo, mas em políticas de Estado. Necessita também estar atento às reações manifestadas por diferentes coletividades negras, que compartilham umas com as outras histórias comuns, embora apresentem demandas bem específicas. Há inúmeros desafios colocados no percurso desse projeto rumo a uma sociedade brasileira que seja de fato democrática do ponto de vista das relações raciais. As conquistas simbólicas ganham cada vez mais evidência, a exemplo da modesta, mas nem por isso insignificante, representação negra nos espaços de poder. Todavia, um largo passo ainda precisa ser dado para vincular tais conquistas simbólicas às conquistas materiais, abrangendo todas as áreas: saúde, educação, direitos humanos, cultura, mercado de trabalho, entre outras. A pesquisa de campo apontou para várias direções, sendo a mais nítida de todas sendo exatamente aquela que identifica essa imensa lacuna entre o simbólico e o palpável. O risco que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva corre de não conseguir alterar minimamente o quadro das desigualdades raciais é real. Podemos constatar isso ao percebermos que as relações intragovernamentais não fluem do modo como se imaginava. Nesse sentido, 98

o possível se distancia do ideal, e as limitações se explicitam, inclusive as de ordem ideológica. Não há garantias de que um governo comprometido com as questões sociais avance ousadamente no combate às desigualdades raciais. Ainda que seja essa a intenção do presidente da República, o racismo não se supera em curto prazo, nem mesmo aquele que corrói as instituições públicas e políticas, como os partidos. Lamentavelmente, a cultura do anti-racismo no Brasil ainda é um tanto incipiente, desproporcional ao volume de atribuições e desafios a serem enfrentados pelo poder público. O empoderamento dos organismos de governo, designados para lidar com os assuntos alusivos às populações negras, continua a ser uma questão central. Não se trata mais de justificar a viabilidade ou não das políticas de ações afi rmativas. O importante é saber o que dizer e o que fazer para as coletividades que, até o presente momento, praticamente não conseguem discernir as políticas de governos anteriores em relação às atuais, tomando como referências as estatísticas, os dados do IBGE e do IPEA. Saber o que quer o governo federal em relação às populações negras não é tudo. O fundamental é a maneira como o poder público manifesta sua vontade. Os depoimentos de ativistas, gestores e beneficiários deixaram transparecer, de alguma forma, que o governo ainda não soube externar enfaticamente a proposta para essas coletividades historicamente desfavorecidas. A expectativa é de que este material contribua para auxiliar os quadros da Seppir a redesenharem suas metas. A precariedade com a qual nos deparamos durante o trabalho de campo denuncia que é singela a eficiência do que chamaríamos de sistema. Problemas de articulação política geralmente se interpõem entre a formulação de propostas e suas respectivas implementações. Há um grau elevado de dificuldade que também é resultado de uma transversalidade pouco desenvolvida. A relação entre a Seppir e os ministérios ainda não foi capaz de favorecer o avanço das políticas de promoção da igualdade racial. Dessa forma, o governo federal deve identificar os principais entraves para o bom funcionamento das relações interministeriais para que suas próprias formulações não malogrem. Os problemas vão desde divergências na esfera federal, no que concerne à priorização de demandas, até as negociações políticas, que acabam postergando indefinidamente a efetivação de políticas públicas para a população negra. O combate ao racismo, portanto, entrou na agenda oficial, o que é muito significativo, mas ainda não representa um consenso entre as forças políticas que dão sustentação ao governo. Outro problema está vinculado à questão da infra-estrutura, já que sem recursos financeiros e humanos as propostas não passam de boas in99

tenções. Freqüentemente constatamos na propaganda política, de um modo geral, situações que deixam nítido o interesse de se difundir as propostas e não necessariamente os seus resultados. Além de tudo, a pesquisa mostrou que há um problema nas relações entre as três esferas de governo, que ainda está longe de ser resolvido, devido à falta de pactuação e de uma federalização eficiente das políticas de promoção da igualdade racial. Embora existam setores dentro do governo que estejam plenamente conscientes da necessidade de se investir nas relações intergovernamentais, os resultados obtidos até agora evidenciam uma grande dificuldade de articulação. Nos estados e municípios, vários gestores, apesar de comprometidos com a causa, encontram dificuldades no diálogo com os demais órgãos que compõem as esferas municipais e estaduais. Em alguns contextos ocorre até mesmo o isolamento. Isso corrobora a tese de que é preciso readequar as estratégias para operacionalizar as ações em prol das populações negras. Além do mais, as realidades locais são muito distintas. Existem governos municipais e/ou estaduais que optam por estruturas flexíveis como conselhos e comissões. Há outros, porém, que demonstram uma disposição mais ousada, criando estruturas mais rígidas como secretarias, com uma envergadura capaz de proporcionar o exercício do poder. Essas instâncias têm condições de deliberar sobre os assuntos concernentes às suas pastas, garantindo, por exemplo, a implementação de políticas públicas de promoção da igualdade racial. À guisa de conclusão, nunca é demais lembrar que o objetivo maior está na outra ponta, que é o público-alvo. Quanto às falas por ele produzidas, acreditamos não pairarem muitas dúvidas sobre o pouco alcance dessas políticas. As populações beneficiárias estão longe de perceber uma mudança realmente sintomática no que diz respeito aos benefícios concretos, palpáveis, que permitam identificar uma conduta diferenciada do atual governo em relação aos anteriores, conforme já foi exposto. Por conseguinte, não se justificam os esforços pessoais ou coletivos, os recursos públicos disponíveis ainda que escassos e, sobretudo, a criação de uma estrutura voltada especificamente para o combate ao racismo. Esse fato pode comprometer a continuidade do processo. O Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial pode e deve identificar as falhas que, de alguma maneira, emperram o funcionamento do sistema. Essa é uma tarefa emergencial, pois dela dependerá o êxito do atual governo na perspectiva de corresponder aos históricos anseios da população afro-brasileira.

100

A IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE PROMOÇÃO DA

IGUALDADE RACIAL NO MATOGROSSO DO SUL E NO MUNICÍPIO DE CORGUINHOS

Vilma de Fátima Machado

Introdução O propósito deste capítulo é apresentar os resultados da pesquisa de campo realizada no estado do Mato Grosso do Sul e no município de Corguinhos. O levantamento de dados foi feito durante o período de 13 a 18 de fevereiro de 2006, sob a responsabilidade da historiadora Vilma de Fátima Machado, que contou com o auxílio da assistente de campo Sandra Mara Martins dos Santos. O objetivo geral da pesquisa de campo foi coletar informações que permitissem avaliar o funcionamento da estrutura institucional e das ações para a promoção da igualdade racial existente na esfera estadual e municipal. Foram definidas ainda quatro áreas nas quais deveriam ser concentradas a investigação, pela prioridade dada a elas no conjunto de políticas a ser implementadas pelo Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (Fipir): educação, saúde, empreendedorismo (inclusão social via qualificação para o mercado de trabalho) e comunidades quilombolas. Nessa perspectiva, foram realizadas entrevistas com gestores, beneficiários e militantes de movimentos sociais vinculados à defesa dos direitos da população negra, tanto na esfera estadual quanto na municipal. Também foram realizadas visitas investigativas às secretarias de Educação, de Saúde, de Instituto de Desenvolvimento Agrário/MS e ao Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Negro (Cedine); e às secretarias de Educação e Saúde do município de Corguinhos, bem como à comunidade quilombola de Furnas da Boa Sorte. No mapeamento da estrutura institucional e na articulação das ações e políticas de promoção da igualdade racial, o estado e o município – na condição de unidades administrativas – foram tomados como eixos condutores desta investigação. Dessa forma, optamos por sistematizar os resultados da pesquisa também a partir desses dois eixos. Na primeira parte do relatório serão apresentados os dados e as considerações analíticas referentes à estrutura estadual e, na segunda parte, aqueles referentes à estrutura municipal. Assim, a articulação dessa estrutura municipal com a estadual será indicada quando existente. Isso posto, passemos à descrição e à análise da estrutura estadual, considerando os levantamentos realizados em Campo Grande, capital do estado. 101

Estrutura institucional para a promoção da igualdade racial no âmbito da administração de Mato Grosso do Sul O Mato Grosso do Sul é um estado relativamente novo. Nasceu da divisão de Mato Grosso em 1977, mas seu primeiro governo foi instalado em janeiro de 1979, já no ocaso da ditadura militar. Como os demais estados da região Centro-Oeste, suas origens estão ligadas à mineração aurífera. Ocupa uma extensão territorial de 358.158,7 km2, o que representa cerca de 4% do território brasileiro; faz divisa com os estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Goiás e Mato Grosso, bem como mantém fronteira com a Bolívia e o Paraguai. Pelos dados do censo demográfico, a população total do estado, no ano 2000, era de 2.078.070 habitantes, sendo 54,66% (1.135.811) brancos; 3,42% (71.139) pretos; 37,96% (788.797) pardos; 2,59% (53.900) é indígenas e 0,78% (16.263) amarelos. De acordo com a pequena radiografia do desenvolvimento econômico do estado apresentada pelo governo estadual, Mato Grosso do Sul, desde sua criação, vem crescendo em um ritmo mais acelerado do que a média nacional: Enquanto nas demais áreas do país a taxa média de crescimento econômico fica em torno de 2,6% ao ano, em Mato Grosso do Sul tem sido bem superior. Na última década, a taxa de crescimento foi de 4,5%. Segundo dados do IBGE (1998), 89,78% da população do estado possui acesso à água tratada, 95,46% à iluminação elétrica, 68,8% têm imóvel próprio e 85,92% são considerados alfabetizados. Os indicadores foram confirmados pela pesquisa realizada pelo IPEA-ONU, feita no Brasil em 1996. O levantamento mostrou q u e Mato Grosso do Sul tem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de 0, 848, superior ao indicador médio do Brasil, de 0,830, e abaixo apenas do Distrito Federal, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina

(www.ms.gov.br) Como nas demais regiões do país, as benesses do desenvolvimento não atingem a todos. O estado do Mato Grosso do Sul, mesmo com crescimento econômico mais acelerado em relação à média nacional, não apresenta mudanças no quadro das desigualdades na distribuição de renda. Conforme constam dos dados apresentados pelo governo, em 1998, cerca de 30% das pessoas economicamente ativas recebiam até dois salários mínimos e, ainda, que 39% da população não tinha rendimentos e atuava na economia informal. O início da montagem de uma estrutura institucional de combate ao racismo no estado do Mato Grosso do Sul remonta à segunda metade da dé102

cada de 1980, e se constitui no interior do movimento de redemocratização fortalecido com a queda da ditadura militar. A descrição dessa estrutura será feita a seguir, quando serão apontadas, paralelamente à avaliação crítica de gestores, beneficiários e lideranças de movimentos sociais, as mudanças e contribuições do Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (Fipir) nesse processo no estado do Mato Grosso do Sul.

Início da abertura de espaço institucional de combate ao racismo no Mato Grosso do Sul No bojo da reorganização dos espaços de discussão e participação política pós-ditadura militar surge, em 1985, o grupo Trabalhos e Estudos Zumbi (TEZ), cujos integrantes incluíam professores, intelectuais e jovens estudantes. Esse grupo – precursor do movimento negro no estado – exerce papel importante na deflagração de questionamentos sobre os limites da democracia racial brasileira, na medida em que trabalha em favor da conscientização da população em torno da existência de práticas racistas. Então, sem instrumentos ou caminhos efetivos de combate às práticas racistas, o trabalho de militância se concentrava na denúncia. Além disso, o grupo ministrava palestras em escolas (públicas e privadas) ou onde fosse solicitado, procurando discutir a necessidade de superação de práticas racistas e discriminatórias. O avanço do processo de democratização e o fortalecimento do movimento negro atuante, sobretudo na capital, ampliaram o poder de pressão social exercido em favor do combate ao racismo, resultando na criação de espaços institucionais destinados a essa questão. O primeiro resultado concreto foi o Conselho Estadual dos Direitos do Negro (Cedine), criado em 1987 (lei estadual nº. 702, de 12 de março desse ano), no bojo da reforma realizada no Sistema Estadual de Justiça1 . Conforme reconhece Raimunda Luzia de Brito, ex-presidente do Cedine, o Conselho foi conquistado por meio da militância do grupo TEZ, se configurando em um esforço por unir sociedade civil e governo na defesa dos direitos do negro (Brito, 2005). O Conselho – composto por oito membros, sete representantes da sociedade civil organizada e um representante governamental – não dispunha de meios para implementar ações efetivas contra a discriminação racial, funcionando basicamente como um espaço de denúncia, sem uma política de 1 Junto com o Conselho foram criados ainda os seguintes Conselhos Estaduais: Entorpecentes, Defesa do Consumidor, Ordem do Mérito de Mato Grosso do Sul, Defesa dos Direitos Humanos, Direitos da Mulher e Direitos do Índio.

103

atuação definida. Para os entrevistados, esse Conselho era praticamente um órgão figurativo, pois as ações que chegava a realizar dependiam do esforço e do empenho individual de alguns membros. Na reforma da estrutura administrativa feita pelo governo do estado em 2000 (lei estadual 2.152/2000), o Cedine passa a integrar, juntamente com outros Conselhos, a Secretaria de Estado de Trabalho, Assistência Social e Economia Solidária (Setass-MS). Somente em 2005 seu funcionamento foi regulamentado pelo decreto 11.813/2005, que o definia como órgão colegiado de deliberação coletiva, com a finalidade de promover a igualdade racial em âmbito estadual. Conforme o artigo 2, inciso I, competia a ele “elaborar uma política global visando a eliminar as discriminações que atingem o negro e promover a defesa de seus interesses”. O regimento interno do Conselho só foi aprovado no início de 2006. Com a sua regulamentação, passou a ser um órgão paritário, composto por dezesseis membros, oito representantes da sociedade civil organizada e outros oito representantes governamentais.2 Na avaliação de uma liderança do movimento social, essa mudança de composição enfraqueceu o Conselho por limitar a representatividade da sociedade civil organizada. Para essa liderança, o Conselho não deveria ser paritário, pois a lei federal também o respaldaria financeiramente. Na dotação orçamentária da Setass não há rubrica destinada ao Cedine. Dessa maneira, as demandas sociais – levadas para discussão no Conselho – não são objetivamente transformadas em propostas de ação e, quando o são, o Conselho não dispõe de meios para torná-las efetivas. Assim, de acordo com a atual presidente, procuram-se parcerias para tentar encaminhar as demandas que chegam ao Conselho. Uma das demandas que o Cedine tentou encaminhar estava ligada à capacitação para o mercado de trabalho. As únicas atividades nessa área a que tivemos informações durante a pesquisa foram aquelas tentadas pelo Cedine. No entanto, elas se resumiam a encaminhar os interessados para cursos em locais como o Sebrae. Além disso, alguns cursos de capacitação foram realizados junto à comunidade quilombola de Furnas de Dionísio, mas a falta de continuidade nas ações tornou a tentativa inócua. Apesar de o processo de revitalização do Conselho ter se iniciado, ao que indicam as colocações feitas por uma de suas conselheiras, pode-se avaliar que pouca coisa efetivamente mudou em relação às possibilidades de atuação concreta do Cedine. Ao tentar explicitar as políticas em andamento já propos2 Os representantes governamentais devem ser enviados pelas seguintes “áreas de gestão das políticas públicas: I – Assistência Social; II – Educação; III – Saúde; IV – Justiça e Segurança Pública; V – Desenvolvimento Agrário; VI – Juventude, Esporte e Lazer; VII – Cultura; VIII – Promoção da Igualdade Racial” (Art. 3º do Dec. 11.813).

104

tas pelo Conselho ou que resultassem da sua intervenção, ela considerou que “está tudo em estudo, até porque essa nova forma de trabalho é bem diferente e nova”. Para ela, “o governo popular deu outro direcionamento para as coisas, porque estava muito estanque, [...] já avançou bastante, mas em termos de aproximação, de estruturação, de haver uma interlocução com as secretarias, ainda falta muito”. A entrevistada ressalta ainda a dificuldade de reunir os conselheiros, pois muitos não atribuem significado à função exercida. Como se observa, o Conselho de Defesa dos Direitos do Negro (Cedine) continua sendo um órgão mais figurativo do que um espaço real de articulação, proposição e execução de políticas de combate ao racismo, somando-se a tantos outros conselhos, coordenadorias e órgãos colegiados que, no entanto, lustram o verniz democrático e popular dos governos.

Montagem de uma estrutura de coordenação geral de políticas de combate ao racismo: Coordenadoria de Combate ao Racismo (CCR) e Coordenadoria de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (Cppir) Durante muito tempo, o órgão mais abrangente em relação à proposição e acompanhamento de políticas de combate ao racismo no Mato Grosso do Sul foi o Cedine. Um impulso importante para a montagem de uma estrutura de coordenação de política de combate ao racismo foi dado pelo então governo do estado, ainda no seu primeiro mandato (01/1999 – 12/2002). Assim que assumiu o poder, esse governo mostrou-se sensível às demandas sociais em defesa da superação das desigualdades decorrentes da discriminação racial, instituindo um espaço de discussão e encaminhamento de demandas relacionadas à problemática racial, denominado Interlocução para Assuntos da População Negra. Esse grupo de Interlocução, juntamente com o Cedine, realizou em julho de 2004 uma oficina intitulada Políticas Públicas e Superação das Desigualdades Raciais. Das demandas e propostas formuladas nessa oficina e considerando as recomendações da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, à Discriminação, Xenofobia e outras Formas de Intolerância, realizada em Durban na África do Sul, sob a coordenação das Nações Unidas, o governador criou um grupo de trabalho para a elaboração de um Programa de Superação da Exclusão Racial Resultante das Desigualdades Raciais (Decreto 10.449 de 02/08/2001), apesar de o Cedine ter essa função, conforme já 105

foi apontado. No início de 2002, foi criada a Coordenadoria de Combate ao Racismo no âmbito da administração estadual, ligada à Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social (Decreto 10.681 de 04/03/2002). A finalidade dessa coordenadoria era subsidiar as ações do governo com informações e medidas efetivas de combate ao preconceito racial, bem como suas conseqüências econômicas, sociais e culturais (Art. 1º do Dec. 10.681). Além disso, no decreto de criação do Grupo supramencionado, ele foi instituído como um Grupo de Assessoria à Coordenação que estava sendo criada. O Programa de Superação das Desigualdades Raciais (PSDR), elaborado pelo Grupo de Trabalho, trazia orientações para que as demais secretarias de governo elaborassem ações visando o combate ao racismo. No entanto, os espaços existentes no âmbito das secretarias e dos órgãos de governo efetivamente começaram a desenhar políticas considerando a problemática racial antes da criação da Coordenadoria de Combate ao Racismo, sem tomar conhecimento do Programa da Secretaria de Educação e Instituto de Desenvolvimento Agrário, Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Idaterra). Ao iniciar o seu segundo mandato, o governador reformulou a estrutura da Coordenadoria de Combate ao Racismo, transferindo-a da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social para a Secretaria de Estado de Coordenação Geral do Governo (Decreto 11.128/2003). Depois da criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), ela passa a ser denominada Coordenadoria de Políticas para Promoção da Igualdade Racial – Cppir-MS (Decreto 11.581/2004), acompanhando a nomenclatura adotada na esfera federal. O que chama a atenção, no entanto, são as dificuldades da Coordenadoria para consolidar-se como espaço institucional no âmbito da administração estadual. Apesar da continuidade no poder do mesmo governo em que ela foi criada, a mudança de mandato desnuda suas fragilidades como um espaço de articulação e proposição de políticas. Além de não dispor de dotação orçamentária, a coordenadoria implantada em março de 2002, depois de um ano de existência, ainda não possuía uma estrutura física minimamente satisfatória e continuava padecendo de falta de pessoal, já que seu quadro fixo é bastante precário. Isso pode ser depreendido do Relatório de Atividades elaborado pela Coordenadoria, o qual sintetiza o seu primeiro ano de trabalho3 . Afi rma-se no relatório que inicialmente foram feitas articulações para estruturar melhor essa Coordenadoria no que diz respeito à montagem de um quadro de pessoal. Esperava-se que parte fosse cedida por outras secretarias e parte fosse contratada como assessores. 3 A nova coordenadora iniciou sua gestão em 19 de março de 2003.

106

Embora a estrutura física precária e a falta de pessoal sejam problemas freqüentes na administração pública, em certa medida esses aspectos são indicativos dos resultados da correlação de força e poder – até mesmo no âmbito interno do governo – que determinam a importância política de órgãos e setores administrativos. Assim, as dificuldades da Coordenadoria sinalizam a sua fragilidade dentro do governo para ir além do significado e dos ganhos políticos capitalizados por ele com a criação desse espaço institucional. Conforme o relatório da Coordenadoria, uma das primeiras atividades desenvolvidas pela gestão iniciada em 2003 foi a revisão do Programa de Superação das Desigualdades Raciais (PSDR) deixado pela gestão anterior. Essa revisão foi feita com a intenção de contextualizá-lo para essa nova gestão, sem modificar as ações nele pautadas, mas reorganizando e distribuindo suas ações por órgãos do governo. A partir dessa revisão, a Coordenadoria passa a acompanhar as ações do PSDR por secretarias. No entanto, não foram feitas referências expressas sobre ações do PSDR em nenhum dos órgãos ou secretarias que visitamos. De certa maneira, essa questão aponta a precariedade do nível de articulação conseguido pela Coordenadoria de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (Cppir) no interior do próprio aparelho de administração estadual. Mesmo na Secretaria de Saúde, na qual a implementação de uma política de atenção à população negra ocorre por demanda direta da Cppir, o Programa de Superação das Desigualdades Raciais (PSDR) não foi discutido institucionalmente. Esse aspecto fica visível quando se considera o processo de implantação de políticas de promoção da igualdade racial nas secretarias de Saúde e Educação, descrito nos tópicos seguintes. Entre os gestores e as lideranças de movimentos sociais entrevistados, há um reconhecimento da importância da conquista de um espaço de articulação em torno da promoção da igualdade racial, uma conquista, sobretudo, dos movimentos sociais. Grande parte deles acredita que o trabalho desenvolvido pela Coordenadoria de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (Cppir) e pela Seppir fica aquém tanto do “necessário” quanto do “possível”. Eles indicam os principais pontos de estrangulamento: falta de recursos financeiros, descontinuidade administrativa, falta de pessoal e de meios adequados para se fazer cumprir as políticas propostas. As lideranças do Movimento Negro entrevistadas reconhecem que a Cppir é uma conquista do próprio movimento, mas alegam que a falta de recursos e comprometimento das pessoas ligadas a ela dificultam o trabalho. Os gestores entrevistados acreditam que a criação da Seppir e, conseqüentemente, da Cppir, representa um passo importantíssimo na luta contra a desigualdade racial. No entanto, 107

também ressaltam a ausência de verbas para uma melhor execução dos trabalhos. Segundo uma liderança do Movimento Negro, o grande gargalo está na criação de um organismo que não disponha de recursos orçamentários e pessoal capacitado para implementar ações dessa natureza. Ressaltou também a descontinuidade administrativa como um entrave para a estabilidade das políticas em prol da população negra. No que diz respeito ao papel articulador da Coordenadoria de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (Cppir), no sentido de favorecer não só uma integração das políticas no âmbito da administração estadual, como também dessa esfera com a federal e a municipal, predomina a percepção de que o modo como a Cppir aborda esse aspecto não é satisfatório. As principais dificuldades apontadas são: 1) há mais cobranças do que disposição em planejar juntos as ações; 2) não existe um processo sistematizado de comunicação da Cppir com os demais órgãos do governo e com a sociedade civil organizada; 3) falta de abertura para discussão e acolhimento de proposições geradas fora da Cppir; 4) falta de sistematização e meios de disponibilizar dados sobre a população negra do MS, sejam eles produzidos na esfera da administração estadual, pelas universidades ou pelos movimentos sociais; 5) as articulações não conseguem produzir projetos estruturantes e que tenham continuidade. Sobre esses aspectos, algumas colocações – feitas tanto por lideranças negras quanto por gestores públicos – merecem ser destacadas. Uma das lideranças negras entrevistadas reclama da falta de informação de alguns gestores municipais, que chegam a desconhecer importantes programas, principalmente aqueles voltados para a população quilombola – como o Brasil Quilombola. Além disso, não sabem como funciona a lei orçamentária que beneficia projetos ligados a essa questão. Nesse sentido, a entrevistada alega que a Cppir deve desempenhar um papel mais articulador, e que assumindo a responsabilidade de buscar e repassar informações referentes a programas e projetos criados para a população negra. Outra liderança entrevistada disse que houve certo “esvaziamento dos movimentos sociais” com o governo do PT. Ela explica: “não que o governo do PT tenha propositalmente cooptado as pessoas, mas é porque os bons quadros [...] eram vinculados a ele”. Essas pessoas se transformaram em funcionários do governo e, por isso, ela justifica dizendo que “perderam a flama, o desejo de confronto, de contestação; do confronto necessário que questiona o poder público, que controla o poder público”. Os gestores públicos entrevistados afi rmam que a Cppir não tem repassado informações acerca dos projetos e não tem interagido com os demais organismos – governamentais e não-governamentais – para definir políticas e ações em prol das comunidades negras. Uma gestora pública ressaltou que 108

o contato consiste muito mais em fazer cobranças do que realmente discutir e propor ações para serem desenvolvidas em conjunto. Outro gestor acrescentou que o Conselho (Cedine) ainda é pouco significativo, e concluiu: “ninguém afina o discurso e o trabalho para beneficiar a comunidade”. Mesmo com essas dificuldades, foi possível perceber, no exame dos relatórios de atividades desenvolvidas pela Coordenadoria, os significativos esforços empreendidos no sentido de ampliar espaços institucionais, compromissos e ações em favor da promoção da igualdade racial, não só no âmbito da administração estadual, mas também junto aos municípios do estado. Nessa perspectiva – levando em conta as diretrizes propostas pela Seppir –, a Coordenadoria (Cppir) realizou duas ações significativas considerando a ampla mobilização e, portanto, a relevância política alcançada no estado como um todo: a I Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial e a institucionalização do Fórum Estadual Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (Fipir). A I Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial, realizada entre os dias 9 e 10 de Dezembro de 2004, em Campo Grande, contou com a participação de 145 delegados, entre gestores públicos e lideranças de movimentos sociais. No processo de preparação da Conferência Estadual foram realizadas 10 conferências municipais4 , o que pode ser tomado como um indicador da relativa capilaridade nas articulações estado/municípios em relação a essa questão. De outra parte, a realização da Conferência por si só é um ato político relevante, mas o seu alcance é ampliado na medida em que ela tem como principal propósito a discussão e a proposição de diretrizes para a Política Estadual e Nacional de Promoção da Igualdade Racial. A instituição do Fórum Intergovernamental para Promoção da Igualdade Racial (Fipir), em março de 2005, também sinaliza a ampliação da capilaridade das ações políticas da Seppir/Cppir. Naquela ocasião, os municípios de Corguinhos, Jaraguari, Nioaque, Bataguassu, Figueirão, Cassilândia, Bodoquena, Campo Grande, Juti, Aquidauana, Sonora, Corumbá e Bandeirantes assinaram o Termo de Adesão e Cooperação Técnica para Implementação da Política Nacional e Estadual de Promoção da Igualdade Racial. O êxito obtido em eventos significativos de caráter político, como os já referidos, não tem correspondência com a implantação efetiva das ações previstas no Programa de Superação das Desigualdades Raciais – PSDR. Apesar da revisão realizada no Programa para a gestão 2003-2006 – quando essas ações foram reorganizadas e distribuídas de acordo com os 4 “Foram realizadas conferências nos municípios de Aquidauana, Maracaju, Três Lagoas, Costa Rica, Bataguassu, Jaraguari, em Corumbá, reunindo também militantes e gestores do município de Ladario e em Dourados, com participantes de Dourados, Fátima do Sul, Rio Brilhante e Ivinhema.” (CPPIR, 2004, p. 4).

109

órgãos do governo que deveriam executá-las –, os resultados em termos de metas atingidas são bastante tímidos. No âmbito da Secretaria de Trabalho, Assistência Social e Economia Solidária, por exemplo, foram atingidas três metas, segundo o Relatório de Atividades da Cppir. A primeira foi a inclusão de palestras sobre a questão da desigualdade racial em todos os cursos já programados de melhoria da qualidade técnica dos servidores. A segunda foi a inclusão da discussão sobre a desigualdade racial nas reuniões de formação de professores dos Centros de Educação Infantil vinculados ao estado. O alcance dessa meta merece registro, mas não chega a significar grandes avanços se considerarmos que a Secretaria de Educação do Estado já vinha trabalhando com a capacitação de professores para abordar a questão racial desde 2000. A terceira foi a revitalização do Conselho de Defesa dos Direitos do Negro (Cedine), estruturando-o de uma forma mais adequada. Como já foi dito anteriormente, essa reformulação não chegou a melhorar as condições de atuação do Conselho. Outro aspecto que permite uma reflexão acerca das dificuldades, dentro da esfera da administração estadual, em efetivar o Programa de Superação das Desigualdades Raciais (PSDR) – principal esteio da Política Estadual de Promoção da Igualdade Racial – é a decisão do governo de criar um Grupo de Trabalho Executivo para elaborar o Plano Estadual de Promoção da Igualdade Racial de Mato Grosso do Sul. De acordo com o Decreto “E” 120/2005, o Grupo de Trabalho composto por quatorze membros da administração estadual5 deverá não só elaborar o Plano como acompanhar sua execução. Nesse sentido, deve ser considerado que: 1) o PSDR já estava em implantação; 2) ele fora elaborado também por um grupo de trabalho nomeado pelo governo; 3) as resoluções das Conferências Estadual e Nacional desenharam as diretrizes de uma Política Nacional e Estadual de Promoção da Igualdade Racial; 4) já fora instituído o Feipir, um espaço de discussão, proposição e acompanhamento de políticas, privilegiado por sua legitimidade e abrangência. Assim, a reflexão gira em torno dos ganhos efetivos que decorreriam da elaboração de outro Plano Estadual. Não há, em nenhum dos documentos reunidos na pesquisa ou nas informações obtidas nas entrevistas, menção à realização de uma avaliação, por parte da Cppir ou do governo, sobre as dificuldades encontradas no processo de implan5 O grupos de Trabalho é composto por três membros da Secretaria de Estado de Governo e um membro dos seguintes órgãos: Cppir; Secretaria de Educação; Secretaria de Ciência e Tecnologia; Secretaria de Trabalho, Assistência Social e Economia Solidária; Secretaria de Cultura; Secretaria de Saúde; Secretaria de Justiça e Segurança Pública; Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para a Mulher; Conselho de Gestão Estadual das Políticas Sociais; Fundação de Turismo de MS; Agência de Habitação Popular de MS; Instituto de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural de MS.

110

tação do Programa de Superação das Desigualdades Raciais (PSDR). Esse programa só é mencionado nos relatórios da Coordenadoria de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (Cppir) como uma espécie de registro de sua existência. Portanto, é relativamente evidente a existência de dificuldades de articulação em torno da sua implementação, pois há resistências dentro dos próprios órgãos do governo. A consideração desses fatos permite levantar a hipótese de que a justificativa para a elaboração do Plano seria de cunho eminentemente político. Os ganhos nessa perspectiva teriam duas esferas de capitalização: de um lado, o marketing político, com o lançamento de um novo Plano Estadual; de outro, o comprometimento das Secretarias e órgãos do governo, sejam pelas discussões que a gestação do Plano devem causar, seja pela responsabilidade que lhes foi imputada de acompanhar a sua execução. O fato de o Programa de Superação das Desigualdades Raciais (PSDR) não ser efetivado como uma política de governo integrada não significa que ações voltadas para a promoção da igualdade racial não estejam sendo implementadas no âmbito das secretarias de governo. A questão levantada é que essas ações não decorrem de um processo de discussão sistemática do Programa, ao menos nas áreas que foram mapeadas na pesquisa de campo: educação, saúde e comunidades quilombolas. As informações colhidas a respeito do funcionamento de cada uma dessas áreas e as inferências avaliativas que elas permitem fazer serão expostas a seguir.

Secretaria de Saúde-MS: Programa de Atenção à Saúde da População Negra O envolvimento da Secretaria de Saúde com a problemática racial foi decorrência direta da intervenção da Cppir-MS. No entanto, a forma como isso ocorreu é indicadora das dificuldades de se instaurar, no âmbito da administração estadual, uma política de promoção da igualdade racial por meio da institucionalização de programas e ações. O Programa de Superação das Desigualdades Raciais (PSDR) vinha sendo ignorado na prática. Desde a sua elaboração em 2002, a Secretaria de Saúde do Estado, por meio da Fundação de Serviços de Saúde (Funsau-MS), tinha como meta implantar o Programa de Anemia Falciforme do Ministério da Saúde. Esse processo incluía a capacitação de profissionais da saúde no que se refere a doenças étnicas e a garantia de estudos epidemiológicos sobre a casualidade de agravos na população afrodescendente (PSDR, 111

2003-2006). Nada foi feito nesse sentido até junho de 2004, por ocasião do I Seminário de Saúde da População Negra6 , quando a coordenadora da Cppir buscou um representante na Secretaria de Saúde um representante para participar desse Seminário. A partir dessa descrição, pode-se concluir que a implantação do Programa de Atenção à Saúde da População Negra (PASPN), no âmbito da Secretaria de Saúde do Estado, não foi decorrência de nenhuma ação política institucional que visasse o cumprimento das metas definidas no PSDR para essa área no Mato Grosso do Sul. De um lado foi o resultado de uma cobrança da Cppir. Todavia, essa cobrança não tem força política nem respaldo institucional, portanto a saída foi recorrer ao contato direto com a área técnica da Secretaria para cooptar ali possíveis adesões. De outro, foi o resultado da vontade particular de uma técnica, negra, sensível à questão racial que, por decisão pessoal, resolveu assumir a responsabilidade pelo Programa, acumulando mais uma função. O ônus desse acúmulo é transferido para a pessoa e não para a instituição. É preciso, contudo, registrar que o empenho pessoal e a disposição de abrir caminhos no interior da estrutura administrativa da Secretaria de Saúde para a ampliação e a consolidação das ações voltadas especificamente para a população negra têm trazido resultados positivos e significativos. A maioria das ações é dirigida para as comunidades quilombolas em especial para aquelas onde já existiam outras ações sendo desenvolvidas. As demais comunidades estão ainda em processo de cadastramento e levantamento diagnóstico das necessidades para a defi nição de prioridades. Uma das metas perseguidas é o treinamento de agentes de saúde do Programa de Saúde da Família (PSF) para capacitá-los no atendimento da população negra e das comunidades quilombolas. Foi organizado um material informativo sobre as doenças consideradas étnicas para ser utilizado nos cursos de qualificação, planejados pela Secretaria de Saúde, mas ainda não foram implantados de maneira sistemática. O Programa de Atenção à Saúde da População Negra (PASPN) distribui esse material aos secretários municipais de saúde no intuito de alcançar os gestores municipais, recomendando-se atenção especial àqueles que trabalham com as comunidades negras. Sobre isso, uma gestora pública declara que no ano de 2005 foram visitados seis quilombolas, apesar da séria dificuldade de transporte. Nessas visitas, além de fazer o cadastramento e o cartão de saúde, puderam relacionar algumas dificuldades vividas pela comunidade. Ela declara que uma mini-ação odontológica foi realizada na Comunidade Quilombola Furnas de Dionísio, no município de Jaguari. 6 Realizado em Brasília entre os dias 18 e 20 de agosto de 2004.

112

Nas secretarias que visitamos, uma das preocupações é integrar as ações no âmbito dos órgãos estaduais. Todavia, esse esforço parte dos técnicos diretamente envolvidos no trabalho com a população negra ou de demandas dos movimentos sociais organizados nas comunidades para as quais são dirigidas essas ações. Essa tentativa é mais um esforço para aperfeiçoar os recursos disponíveis e minimizar as dificuldades, não sendo decorrência da implantação integrada de um programa de governo. Além disso, as comunidades quilombolas, já reconhecidas há mais tempo, ficam saturadas com o volume de pesquisadores, membros de organizações não-governamentais, lideranças de movimentos sociais e gestores públicos que buscam a participação da comunidade para projetos a serem desenvolvidos. Um gestor público entrevistado afirma que há um trabalho em conjunto, com vários organismos indo ao mesmo tempo a determinada comunidade; porém, não há articulação, discussão para executar ações. Assim, em sua opinião, as pessoas ficam cansadas com “[...] tanta gente indo lá, levando proposta e não tendo retorno”. A prefeitura de Campo Grande assinou o termo de adesão ao Fipir, mas não avançou na implementação de ações voltadas especificamente para o atendimento da população negra. Agentes de saúde que atuam em comunidades negras urbanas foram entrevistados e afi rmaram desconhecer completamente qualquer iniciativa da Secretaria de Saúde do estado ou do município que tratasse especificamente da saúde da população negra. A única menção feita às doenças de maior incidência na população negra ocorreu durante o curso de capacitação para a campanha do Ministério da Saúde, que orientava para o tratamento da hipertensão. Eles também mencionaram a realização de diagnóstico de anemia falciforme e hepatite B em membros da comunidade, ao longo do desenvolvimento de projetos de pesquisa e de estágios coordenados por professores da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul ou pela Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. No entanto, esses projetos não têm continuidade e não há acompanhamento dos doentes. O processo de articulação e implementação do PASPN junto aos municípios é lento e cheio de percalços. Contudo, na avaliação da gestora responsável pelo programa, o papel de articulação desempenhado pela Cppir é fundamental e tem sido um apoio importante na superação das dificuldades. Da perspectiva das ações desenvolvidas no âmbito da saúde, em que pese todas as dificuldades levantadas – dentre elas, a falta de peso político da Cppir para fazer cumprir as metas propostas no PSDR –, é preciso reconhecer o avanço político significativo ocorrido quando a Secretaria de Saúde deu início ao processo de implantação do Programa de Atenção à Saúde da População Negra, estimulando a participação e a adesão dos municípios. 113

Secretaria de Educação do Estado e a Promoção da Igualdade Racial Ainda durante o primeiro mandato de Zeca do PT, a Secretaria de Educação criou a Coordenadoria de Políticas Específicas em Educação (Decreto 9607/1999) com o objetivo de discutir e propor ações educacionais cujo eixo estivesse centrado na busca da inclusão social e racial. De outra parte, a necessidade de discutir a problemática étnico-racial passou a integrar os chamados temas transversais constantes dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, colocando a questão na agenda das secretarias estaduais. Foi montada, então, em conseqüência dessas novas demandas, uma equipe de combate ao racismo na Secretária de Educação. Essa equipe foi responsável pelas primeiras ações que abordaram diretamente a questão étnico-racial na escola, envolvendo inclusive a qualificação de professores que atuavam em escolas localizadas dentro de comunidades negras. A Coordenadoria de Políticas Específicas em Educação foi redimensionada em 2001 (Decreto 10.200/2001), de modo a definir as linhas de políticas específicas que deveriam ser priorizadas na política educacional do estado. Foram criados vários núcleos de gestão de processos. Nessa oportunidade, a equipe de combate ao racismo passou a integrar o núcleo de gestão de processos “Educação para Igualdade Racial”. Esses núcleos7 foram concebidos como espaços de discussão e proposição de ações voltadas para a inclusão de populações historicamente excluídas ou atendidas de maneira inadequada pelo sistema escolar. Dessa maneira, quando a Cppir-MS foi criada, a Secretaria de Educação já estava estruturando uma política de promoção da igualdade racial na escola. Esse aspecto, portanto, tem favorecido a atuação da Cppir/Fipir. A existência de espaços relativamente consolidados de proposição e implementação de ações favoráveis à promoção da igualdade racial em um órgão de grande capilaridade favorece o trabalho de articulação política da Cppir nos municípios. A Secretaria de Educação do Estado, por meio da Coordenadoria de Políticas Específicas em Educação, tem se esforçado para ampliar o número de professores qualificados para trabalhar com a diversidade étnico-racial em sala de aula. As gestoras responsáveis pela área de Gestão de Processos em Educação para a Igualdade Racial (GPEPIR) estruturam um curso de capacitação para os professores da rede estadual, com carga horária de 60 horas, distribuídas em módulos. Quando o curso é oferecido em cidades do interior, elas procuram incentivar a freqüência de pelo menos parte deles. Além da 7 Os demais núcleos são: Educação Escolar Indígena; Educação Básica do Campo; Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos/EJA.

114

capacitação, a Gpepir afirma que encaminha às escolas, sempre que possível, material didático para auxiliar o trabalho. Avançando nesse aspecto, a Secretaria de Educação lançou no início de 2006 o Caderno de Diálogos Pedagógicos: combatendo a intolerância e promovendo a igualdade racial na educação mato-grossense-do-sul. Nesse caderno estão reunidos artigos que abordam a questão racial sob diferentes perspectivas. Parte deles resultou do trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Estudos Negros, uma organização não-governamental de Santa Catarina. A Cppir afi rma em seus relatórios (2004-2005) que a Secretaria de Educação já capacitou mais de sete mil professores da rede estadual, por meio de cursos, palestras e seminários sobre a temática racial. Para avaliarmos o alcance desse processo, foram entrevistados oito professores em três escolas estaduais da capital, dentre eles uma diretora e um vice-diretor. Em uma escola localizada no Setor Central de Campo Grande, enquanto o vice-diretor dizia que a implantação da lei 10.639/2003 estava em processo de discussão para ser incluída na proposta pedagógica da escola, outras duas professoras entrevistadas (de língua portuguesa e educação artística) afi rmaram que nunca foi discutido nada a esse respeito; uma delas nunca tinha ouvido falar da lei. Também afirmaram – justificando a falta de interesse sobre o assunto – que, embora houvesse sempre a presença de alunos negros nas turmas, nunca perceberam manifestações de racismo entre eles ou na relação professor–aluno. Uma professora do ensino fundamental declara que nunca investigou essa questão e, para ela, “em todas as salas de aulas têm crianças negras, ao menos duas ou três, sempre tem [...] e os alunos são todos amigos. Tem um [negro] que é líder de sala, dá bronca e todo mundo aceita numa boa [...]”. Assim, o nível de percepção e consciência da professora pode ser um indicador do nível de eficiência do tratamento dado pela Secretaria de Educação à questão racial entre os professores da rede. Em outra escola, localizada no Bairro Universitário, três professores foram entrevistados: uma professora de geografia, um de literatura e outro de fi losofia. Todos afi rmaram abordar a questão racial em sala de aula, mas reclamam da falta de assistência da Secretaria de Educação. Há o reconhecimento por parte dos entrevistados de que a Secretaria procura ajudar quando é solicitada, mas há também um consenso de que as ações da Gpepir ainda são bastante incipientes. Um dos professores cita que na escola onde trabalha “tem um projeto de superação das desigualdades raciais coordenado pela Universidade Federal, e muitos professores não sabem o que é”. O professor de língua portuguesa declara que a escola recebe material pedagógico para 115

abordar a questão, mas destaca que a Secretaria de Educação “não traz propostas de como trabalhar com o material”. O professor de filosofia ressalta a necessidade de se empregar a lei 10.639/2003, no que diz respeito à capacitação dos professores. Por último, foram entrevistados dois professores de uma escola localizada no bairro Jardim Seminário, que abriga a Comunidade Negra São Benedito. A escola foi transferida para esse bairro no ano de 2000. Em decorrência disso, a Secretaria de Educação desenvolveu ali um processo de qualificação dos professores e também se responsabilizou pelo aparelhamento da escola. A intenção era a de oferecer condições para realizar um trabalho diferenciado e especificamente dirigido à sua clientela, composta em sua maioria por afrodescendentes. Além disso, foi criado o Centro de Cultura Afro, com o objetivo de ampliar os mecanismos e os espaços para o desenvolvimento de um trabalho mais voltado para os interesses e valores da comunidade envolvida. No entanto, constatou-se um problema com o qual a escola convive: a grande rotatividade de professores na rede estadual de ensino. Isso acontece devido ao déficit de professores efetivos, coberto geralmente por contratos temporários. Além disso, mesmo os professores efetivos mudam de escola conforme suas conveniências. Dessa forma, das pessoas que haviam participado do curso de capacitação e da discussão da proposta pedagógica, somente dois professores entrevistados continuavam atuando na escola. Mesmo assim, uma foi eleita diretora e deixou o trabalho em sala de aula. O outro professor, que leciona história, é o responsável pela coordenação do Centro de Cultura Afro. Na avaliação da diretora e do professor, o trabalho desenvolvido pela Secretaria de Educação representa um avanço, pois antes não havia espaço para discutir a questão étnico-racial. Contudo, eles consideram que a discussão atinge poucos professores e nem todos mudam efetivamente suas práticas em sala de aula. Eles também afi rmam que a rotatividade de professores é o principal entrave para que o trabalho seja sistemático e continuado. Os entrevistados reclamam da ausência da Gpepir na escola, mesmo reconhecendo que aquela não dispõe de pessoal para atender toda a demanda. Diante do que foi exposto, pode-se concluir que houve um avanço significativo no trabalho desenvolvido pela Secretaria de Educação, tanto da perspectiva da montagem da estrutura institucional quanto da conquista de espaço político para tratar da questão. Então, existe uma equipe que subsidia as escolas, enviando material de apoio e oferecendo cursos de capacitação aos educadores. No entanto, o alcance dessas ações ainda é muito limitado, principalmente no que diz respeito à capacitação de professores para discutir e trabalhar a questão étnico-racial em sala de aula e para a implantação da lei 10.639/2003. 116

A Secretaria de Educação também implantou algumas ações que sinalizam avanços: 1) manutenção de cotas no Cursinho Popular Pré-Vestibular – oferecido pela rede estadual de ensino – de 25% para negros, 15% para índios e 10% para portadores de necessidades especiais; 2) curso preparatório, oferecido anualmente para o ingresso em programas de mestrado e doutorado para negros e índios em quatro municípios do estado: Dourados, Aquidauana, Cassilândia e Campo Grande; 3) instituição de cotas de 20% para negros e 10% para índios na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul; 4) realização, no mês que comemora a Consciência Negra, de um concurso estadual de poesia sobre a temática “Diversidade étnica racial”, premiando os três primeiros lugares.

Promoção da igualdade racial e as comunidades quilombolas do Mato Grosso do Sul Até o início de 2005 existiam duas comunidades quilombolas no estado do Mato Grosso do Sul, reconhecidas pela Fundação Palmares: Furnas de Dionísio e Furnas da Boa Sorte. No início de 2006, tanto os órgãos do governo estadual quanto os movimentos sociais já trabalhavam com o quantitativo de 14 comunidades. Para um dos ativistas da Coordenação Estadual de Remanescentes de Quilombos/MS (Conerq) – ONG fundada em 2005 –, a perspectiva é que seja iniciado, o mais cedo possível, o processo de demarcação de terras, agora feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). A maior dificuldade apontada pelos gestores é a falta de recursos. No caso do Idaterra, a dificuldade é agravada pelo fato de que grande parte dos recursos está voltada para o custeio de lavouras. Quando ocorrem atrasos, perde-se o tempo correto de plantio, comprometendo a safra daquele ano. O trabalho da Cppir em relação aos quilombolas está praticamente restrito às duas comunidades já reconhecidas. Esse trabalho consiste basicamente em gestões junto aos prefeitos para a melhoria de infra-estrutura, sobretudo no que se refere à saúde e à educação. Em algumas outras comunidades foram realizadas visitas para realizar o cadastramento. No entanto, a Cppir não especificou em quais comunidades esse cadastro já foi feito. A Secretaria de Educação do Estado, a Secretaria de Saúde e o Instituto do Desenvolvimento Agrário do Mato Grosso do Sul (Idaterra) possuem uma relativa capilaridade no estado. Porém, as articulações junto aos municípios para que os programas desenvolvidos pelo estado cheguem até essas comunidades ainda é bastante incipiente. De acordo com a Coordenação Estadual de Remanescentes de Quilombos do Mato Grosso 117

do Sul (Conerq – MS), dois programas desenvolvidos pelo estado – um para a construção de habitações e o outro ligado a melhorias e ampliações de salas de aula – foram estendidos às comunidades de Dionísio e de Boa Sorte. Para a maioria das comunidades negras rurais, os programas que chegam até elas são oriundos do governo federal e não são especificamente dirigidos a quilombolas ou à população negra, como por exemplo o Fome Zero e o Luz para Todos. O Conselho de defesa dos Direitos do Negro (Cedine) também procurou atender algumas demandas da comunidade quilombola Furnas de Dionísio, encaminhadas pela associação de moradores da comunidade. No entanto, uma das conselheiras entrevistadas apontou alguns limites dessas ações, chamando a atenção para a falta de planejamento adequado e participativo e para a falta de continuidade nas ações. Enfim, em relação às comunidades quilombolas, as ações implementadas e as articulações da Cppir em torno da proposição de projetos especificamente dirigidos a elas estão restritas às comunidades de Furnas de Dionísio e Furnas da Boa Sorte, situados respectivamente nos municípios de Jaguari e Corguinhos. Nessas duas comunidades, o processo de organização dos moradores já está mais estruturado, o que lhes confere maior capacidade de pressão junto aos prefeitos e aos órgãos do estado. O trabalho da Cppir se restringe a corroborar ações por eles demandadas e encaminhadas pelos gestores municipais ou pelos movimentos sociais. O município escolhido como foco da pesquisa foi o de Corguinhos, mencionado na introdução deste relatório. Sob sua jurisdição encontra-se a comunidade quilombola de Furnas da Boa Sorte. Na descrição que faremos da estrutura para a promoção da igualdade racial existente na esfera municipal, será possível esclarecer como estão sendo desenvolvidas as políticas e as ações específicas para a comunidade, bem como o nível de articulação entre estado e município nesse aspecto em particular.

Estrutura institucional para a promoção da igualdade racial no âmbito da administração de Corguinhos (MS) O município de Corguinhos está localizado a 100 km de Campo Grande, capital do estado. Ele originou-se de um pequeno povoado fi xado em torno da exploração garimpeira nas proximidades da foz do Ribeirão Cor118

guinhos, durante a década de 1930. Foi emancipado politicamente no ano de 1953. Conforme dados do censo demográfico de 2000, a população total do município era de 3.592 habitantes, sendo que 58% viviam na zona rural. Entre os 78 municípios do estado, Corguinhos está em 52º lugar, considerando o IDH-M de 0,723. Os pardos predominam na população do município, ao contrário do que ocorr em todo o estado, com a maioria de brancos. O percentual de negros é bem maior do que aquele observado no estado. Isso explica, em certa medida, o fato de várias comunidades negras rurais estarem localizadas sob a jurisdição do município. Entre elas, uma já é reconhecida como remanescente de quilombo. A população do município está distribuída em torno dos seguintes núcleos e distâncias aproximadas em relação à sede: Distrito de Baianópolis, 22 km; Distrito do Taboco, 56 km; Comunidade Fala Verdade, 30 km e Comunidade de Furnas da Boa Sorte, 56 km. Esta última é uma comunidade quilombola, cujo processo de demarcação de terras já foi iniciado. O prefeito do município foi um dos primeiros a assinar o termo de adesão ao Fipir, criando na administração municipal a Coordenadoria Municipal para Promoção da Igualdade Racial (Comppir), subordinada ao Departamento de Assistência Social 8. A prefeitura de Corguinhos e a Comppir não desenvolvem nenhuma política ou ação específica para a população afrodescendente dispersa no município. Todas as ações realizadas nessa perspectiva, por iniciativa da prefeitura, foram dirigidas à Comunidade de Furnas da Boa Sorte. Com exceção do Projeto Mongoma (que será tratado adiante), todas as demais são decorrentes de programas ou ações implementados por órgãos ou secretarias do governo estadual ou federal. São ações voltadas para a melhoria do nível de renda e para a inclusão social, como por exemplo o Fome Zero, o Luz para Todos, o Bolsa Escola e a Escola Ideal, mas não estão propriamente vinculadas à Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. As principais demandas da Comunidade estão relacionadas à saúde, à educação e a auxílios para inserção da produção local no mercado consumidor. Essas demandas decorrem das dificuldades de acesso da população às áreas urbanas, onde geralmente a infraestrutura é melhor, bem como o acesso a esses serviços também. A Comunidade de Furnas da Boa Sorte é constituída por 51 famílias, distribuídas em três núcleos principais. Considerando a Escola da Comunidade como o ponto de referência, temos a seguinte distribuição: 1) núcleo São Sebastião, cerca de 3 Km, que abriga nove famílias; 2) núcleo Caridade, cerca de 10 km; 3) núcleo Carrapatinho, cerca de 8 km. 8 O termo departamento corresponde ao que comumente chamamos de Secretaria Municipal.

119

As estradas que dão acesso à Comunidade Quilombola de Furnas da Boa Sorte estão bastante danificadas. Além das erosões, o terreno é muito acidentado e fica em situação de calamidade no período chuvoso, pois o solo argiloso torna ainda mais difícil o trânsito de veículos pequenos e não-tracionados. Dessa forma, a comunidade continua praticamente isolada das áreas urbanas9 . A comunidade possui uma Associação de Moradores que tem exercido uma pressão relativamente significativa em favor da melhoria da infraestrutura básica: escola, saúde, estradas, captação de água, habitação etc.

Saúde da população negra Os levantamentos realizados no Departamento Municipal de Saúde constataram que não havia ação vinculada ao Programa de Atenção à Saúde da População Negra, desenvolvido pelo estado, ou ações correspondentes realizadas pela esfera municipal. O atendimento oferecido à população em Corguinhos, como em qualquer município de seu porte, se restringe aos serviços básicos de acompanhamento epidemiológico, clínica geral e pediatria. Qualquer caso que exija cuidados especializados é encaminhado para tratamento na capital. Quando indagamos o Diretor do Departamento de Saúde de Corguinhos sobre o acompanhamento da população negra quanto ao diagnóstico e tratamento da anemia falciforme, ele se esforçou para demonstrar que o município cumpria suas obrigações e sua função nessa área. Mas, considerando o teor de suas colocações, não é possível afi rmar que o município realmente esteja integrado ao programa que está sendo implantado na esfera estadual. Mais do que um esforço para demonstrar que o município realiza um acompanhamento sistemático da saúde da população, subtende-se – levando em conta que a pergunta estava relacionada a uma doença específica – que o informante desconhece o Programa de Atenção à Saúde da População Negra (PASPN). Enfim, parece que não existe um acompanhamento especificamente voltado para o diagnóstico de portadores de anemia falciforme. De outra parte, a gestora da Secretaria Estadual de Saúde, que nos conduziu ao município de Corguinhos estava visitando a unidade municipal de saúde para levar 9 Em decorrência do seu próprio processo de formação, a maioria das comunidades remanescentes de quilombos está em locais de difícil acesso. Durante o levantamento de campo, conseguimos chegar até a comunidade graças ao esforço da gestora da Secretaria de Saúde Estadual, que antecipou sua ida até o município de Corguinhos para que pudéssemos acompanhá-la. Portanto, para rompermos os 54 km que separam Boa Sorte de Corguinhos, gastamos quase duas horas na ida e cerca de três horas na volta.

120

o material sobre anemia falciforme, reunido para os cursos de capacitação dos agentes de saúde e gestores. Assim, podemos inferir desse conjunto de evidências que a implantação do PASPN ainda estava em uma fase bem inicial. A precariedade do atendimento médico dispensado à comunidade reforça as indicações de que a implantação de programas específicos de atenção à saúde da população negra no município não foi iniciada. De acordo com um gestor público entrevistado, dentre os serviços de saúde prestados às comunidades negras, ele cita o Programa da Saúde da Família e um ônibus com consultório médico-odontológico e médico que seria entregue ao município nos seguintes dias. Além dessas poucas possibilidades de acesso a serviços de saúde, a comunidade conta com um agente que integra o Programa de Saúde da Família (PSF), implantado pelo governo federal em parceria com estados e municípios. Naquela comunidade ninguém assumiu essa função, portanto ela é exercida por uma pessoa de Corguinhos. De acordo com o secretário de Saúde, o que facilitou o trabalho desenvolvido na comunidade é o fato de esse agente dispor de uma moto. A melhoria da infra-estrutura na comunidade tem sido resultado de trabalhos desenvolvidos em parceria com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). De acordo com o gestor da Comppir, a construção de uma sala para atendimento médico está em processo de negociação, pois, atualmente, esses atendimentos são feitos nas dependências da escola. Foi implantado também, em conjunto com a Funasa, um sistema de captação de água para dois núcleos: Carrapatinho e Caridade. No entanto, o núcleo de São Sebastião continua com abastecimento irregular, atingindo situações de calamidade durante o período de seca. Enfim, o atendimento de saúde disponível para a população de Furnas da Boa Sorte é ainda mais precário do que aquele oferecido na sede do município de Corguinhos. A prefeitura deve tentar garantir, portanto, que essa população tenha acesso a todos os serviços de que necessita.

Desafios para a igualdade racial na esfera da educação No município de Corguinhos existem duas escolas: uma municipal, que oferece a primeira fase do ensino fundamental (pré à 4ª série), e outra estadual, que oferece a segunda fase (5ª à 8ª série). Esta última chegou a ofertar o ensino médio, mas atualmente isso não ocorre. De acordo com uma das gestoras do Departamento de Educação, Cultura, Esporte e Lazer de Corguinhos, 121

a presença da Secretaria de Educação do Estado tem sido satisfatória, porque oferece apoio e orientação para a realização dos trabalhos nas comunidades. Em relação à implantação da lei 10.639/2003, um curso de capacitação foi realizado em 2004 para os professores da região, oferecido pela Secretaria Estadual de Educação. A gestora entrevistada informou ainda a realização de outra capacitação, também abordando a questão da implantação da lei e a discussão sobre a Educação para a Igualdade Racial. Segundo essa gestora, o curso é oferecido pela Organização Mundial Para Educação Pré-Escolar (Omep) e os recursos, até então, já haviam sido liberados. Apesar disso, o trabalho com a referida lei não tem sido resultado de uma decisão política, ou seja, de uma decisão da administração municipal. Mesmo que a Secretaria de Estado envie material de apoio para os professores e ofereça informações a respeito do curso de capacitação, não há uma política municipal que viabilize um trabalho sistemático para a sua implantação. Embora exista uma significativa integração entre estado e município, isso não garante uma sintonia entre as duas esferas em relação à proposta de educar para a igualdade racial. Para o Departamento Municipal de Educação, a proposta se restringe à Comunidade Quilombola de Furnas da Boa Sorte. Além da escola existente na sede, o município conta também com uma Escola-Pólo localizada no distrito de Taboco – a única no município a oferecer o ensino médio. No entanto, esse aspecto não garante o efetivo acesso daquelas pessoas à educação. A precariedade das estradas dificulta tanto a chegada de professores na escola como a locomoção dos alunos até a sede ou o distrito de Taboco. Quem deseja ir além da primeira fase do ensino fundamental não tem outra opção senão a Escola-Pólo. A prefeitura de Corguinhos se responsabiliza pelo transporte daqueles que desejarem estudar em Taboco. De acordo com a gestora entrevistada do Departamento de Educação do Município, alguns persistem e conseguem concluir o ensino fundamental. Para isso, freqüentam as aulas somente nos dias de terça, quarta e quinta-feira, pois na segunda e na sexta-feira permanecem na comunidade. Para freqüentar as aulas do ensino médio, esse esquema já não funciona. Nesse caso, os alunos necessitariam de uma infra-estrutura de que o município não dispõe – como a garantia de transporte, alimentação e estadia – e envolve custos com os quais as famílias não têm condições de arcar. Manter a segunda fase do ensino fundamental em funcionamento dentro da comunidade não é visto pelos gestores como um desafio, mas como uma utopia, um sonho. Somente a qualificação de pessoas da comunidade para a docência poderia abrir essa possibilidade, mas pela descrição anterior, isso parece distante. Atualmente, a professora que trabalha na escola, na úni122

ca sala de aula ativa, é moradora da comunidade. Ela está concluindo o curso de magistério superior oferecido pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul e trabalha na escola desde o ano 2001, o que tem garantido a melhoria do atendimento à população. No entanto, quando indagada sobre a discussão e o processo de implementação da lei 10.639/2003, ela não sabia ao certo do que se tratava. Além disso, afi rmou que esse tema não foi abordado nos cursos de capacitação dos quais participou. Até o final de 2004, a escola da comunidade funcionava em um estabelecimento que possuía duas salas de aula. Nessa época, o estado do Mato Grosso do Sul foi contemplado, juntamente com outros seis estados, na primeira fase do Programa do Ministério da Educação denominado Escola Ideal10 . Nessa fase foi distribuída a soma de R$ 91.988.176,50 entre os sete estados contemplados. Desse montante, Mato Grosso do Sul ficou com R$ 6.680.732,10 que deveriam ser investidos em três municípios: Corguinhos, Tacaru e Doradina. Em decorrência desse Programa, a escola da Comunidade de Furnas da Boa Sorte foi reformada, mas ainda faltam profissionais para garantir a continuidade dos estudos daqueles alunos. Um gestor entrevistado cita duas salas ociosas e alega que está “conversando sobre a possibilidade de instalação de computadores e a capacitação de professores da comunidade para que sejam trabalhados os jovens dali”. Além disso, ele afi rma: “estamos conversando com esta comunidade, bem como com as fazendas vizinhas, para ver se tem a possibilidade de a Secretaria de Estado da Educação assumir a escola, para que os alunos que estudam em Taboco voltem a estudar na comunidade [...]”. Como se pôde perceber, tem-se o desafio de garantir o acesso da população ao ensino fundamental e a manutenção da escola na comunidade. Porém, os gestores que coordenam e respondem pela administração escolar ainda não possuem informações e capacitação para adequar a educação à igualdade racial. Diante do exposto neste tópico e no anterior, é possível perceber que são muitas as dificuldades enfrentadas, tanto pelo setor de saúde como pelo educacional, para ampliar o nível de inclusão social da população negra e, portanto, implantar políticas voltadas para a promoção da igualdade racial. Nesse sentido, o principal entrave é a falta de discussão política, ou seja, a falta de entendimento e acordo em torno do significado, da necessidade e do alcance 10 “Programa destinado às áreas urbanas e rurais de municípios com população abaixo de 10 mil habitantes, o Escola Ideal abrange todas as áreas do ensino básico e obriga os municípios escolhidos a envolver os poderes públicos e a comunidade num compromisso amplo com a educação. Até 2006, os municípios devem zerar a taxa de analfabetos, o trabalho escravo e a prostituição infanto-juvenil. O governo do estado participa com a reforma e construção de novas escolas, aquisição de equipamentos tecnológicos (computador, rede de Internet, televisão), transporte escolar e melhoria salarial aos professores”. (www.sed.ms.gov.br)

123

dessas políticas. Na verdade, muitos dos gestores não estão convencidos de que essas ações ou políticas são necessárias, ou que eles devam considerá-las prioritárias e merecedoras do empenho necessário para sua efetivação. Lembremos que a mesma posição foi manifestada por uma professora da rede estadual de ensino em Campo Grande, o que torna evidente a necessidade de ampliar os mecanismos de conscientização social e a capacitação para abordar a questão da desigualdade racial nas escolas. Essa professora declarou que procura a melhor maneira para integrar os alunos na comunidade, “para não criar constrangimento ou preconceito”, e alega que “sabe das dificuldades que eles [negros] têm, que a população brasileira, os governantes brasileiros tem um déficit que vem de muitos anos”. O que se observa nesse depoimento é um esforço imenso para reconhecer que existe preconceito, que existe discriminação racial, mas esse reconhecimento não é real nem efetivo, ele é formal. Paralelamente a esse reconhecimento formal, percebe-se um esforço ainda maior em demonstrar que efetivamente não existe discriminação racial. Há uma espécie de militância para demonstrar que a situação de exclusão, mais acentuada na população negra, não guarda ligações com a discriminação racial, não é fruto dela. Esse aspecto é importante para considerar o nível de integração entre as esferas federal, estadual e municipal em relação às políticas de promoção da igualdade racial. O engajamento de gestores na luta contra a discriminação racial é um elemento central para que as políticas e os programas tenham êxito. Esse aspecto é importante sobretudo na esfera municipal. Os gestores à frente das políticas ou programas, geralmente na esfera municipal, são os principais responsáveis pela concretização, pelo sucesso ou fracasso dos programas e pela efetividade das ações. Se eles não estão preparados e convencidos da importância destas, elas dificilmente serão implantadas de forma adequada e eficaz.

O papel articulador da Comppir de Corguinhos (MS) A criação da Coordenadoria Municipal de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (Comppir) em Corguinhos cumpriu um papel fundamental no processo de articulação entre as esferas de governo no que diz respeito à implementação de programas e ações ligados à questão racial, mesmo que tais ações estejam dirigidas somente para a população da Comunidade de Furnas da Boa Sorte. A Comppir está envolvida na discussão de todas as ações desenvolvi124

das pelos mais diferentes setores da administração pública – Idaterra, Funasa, INCRA, Departamento de Obras do município, Secretaria Municipal de Educação, secretarias estaduais de Saúde e Assistência Social –, funcionando como elo entre esses órgãos e a Comunidade de Boa Sorte. Quando estivemos na Secretaria de Educação do Estado, as gestoras fi zeram referência à reivindicação da Associação de Moradores da Comunidade de Furnas da Boa Sorte, encaminhada pela Comppir, para que o estado assumisse a escola da comunidade, viabilizando ali a segunda fase do ensino fundamental. Além disso, tivemos informações de que a Comppir estava pressionando a Secretaria de Saúde do Estado, pedindo que, em curto prazo, a secretaria tomasse providências para reativar o ônibus que atendia a comunidade e, em médio prazo, fosse construída uma unidade de saúde dentro da Comunidade de Boa Sorte. Outra solicitação era a de que a Funasa ampliasse o abastecimento de água. O trabalho desenvolvido pela Comppir tem trazido resultados para a Comunidade, sendo, portanto, positivo na avaliação dela. Mas isso é mais um reconhecimento do empenho do gestor, da sua disposição em somar esforços na batalha da comunidade por melhorias nas condições de vida de seus integrantes. Então, conforme depoimentos de uma gestora pública e de moradores da comunidade, não é o reconhecimento de um espaço institucional, mas do gestor que representa esse espaço. Um dos moradores da Comunidade de Furnas da Boa Sorte cita o trabalho do prefeito como responsável pelas melhorias feitas em relação às estradas, à escola, ao transporte dos alunos até Taboco e ao fornecimento de água. A Comppir tem funcionado como o principal articulador político do município em favor de ações voltadas para a Comunidade de Boa Sorte. A criação dessa Coordenadoria foi um avanço significativo para representar a abertura de um espaço político institucional em favor da igualdade racial. No entanto, a sua capacidade de ação fica reduzida diante da falta de recursos e de instrumentos adequados para garantir a implementação das políticas e de ações planejadas. Além desse processo de articulação, a Cmppir está executando o Projeto Mongoma na comunidade de Corguinhos, principalmente em Boa Sorte. O Projeto Mongoma está estruturado em torno da constituição de um grupo de hip-hop, chamado Eloga Cheran, composto originalmente por pessoas do município de Corguinhos, e, em sua maioria, da Comunidade de Boa Sorte. Também faz parte do Projeto a criação de um grupo de dança para acompanhar as apresentações do grupo musical, embora suas atividades sejam independentes. 125

Esse grupo fabrica os instrumentos de percussão na própria Comunidade de Boa Sorte, predominantemente tambores. Além de participar dos festivais municipais de cultura, o grupo é convidado para apresentações nos mais diversos eventos e solenidades na região. Segundo depoimentos de um gestor público, o trabalho desenvolvido visava a permanência dos alunos na escola devido à constatação de alguns problemas de alcoolismo. Com isso, buscavam envolver os alunos com o Projeto Mongoma e esperavam atingir objetivos muito além daqueles já traçados. Enfim, apesar de todas as dificuldades e limitações apontadas, a Comppir tem desempenhado um importante papel na constituição de um espaço efetivo de negociação e articulação em favor da promoção da igualdade racial no município de Corguinhos.

Conclusão Diante do que foi exposto até aqui, considerando a avaliação de gestores públicos, lideranças de movimentos sociais e beneficiários dos programas ou ações voltadas para a promoção da igualdade racial no estado do Mato Grosso do Sul, é possível apontar a seguinte conclusão: a criação da Seppir e da Cppir-MS é considerada como uma significativa conquista dos movimentos sociais, resultando na luta pela institucionalização de espaços voltados para o combate ao racismo e suas conseqüências negativas, bem como para a promoção da igualdade racial. No entanto, o fato de os governos decidirem criar esses órgãos nas três esferas não significa que estes tenham espaço institucional efetivo dentro da administração pública. No caso da Cppir-MS, as dificuldades começam dentro do próprio governo. Não há uma compreensão satisfatória sobre o papel daquela Coordenadoria por parte dos demais órgãos ou secretarias. Desse modo, a Coordenadoria não tem força política para se fazer presente de forma adequada nos demais setores da administração. Em decorrência disso, as possibilidades de efetivar qualquer ação dependem da adesão ou não dos gestores, e essa adesão é uma decisão mais pessoal do que resultado de uma política de governo. Falta no âmbito do governo, portanto, uma discussão e um posicionamento firme em torno do processo de implantação da Política de Promoção da Igualdade Racial. O que se vê é que o governo do estado e a Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Cppir) têm demonstrado maior empenho na realização de eventos de grande alcance político do 126

que na busca de soluções para problemas mais concretos em relação aos limites da Coordenadoria. Um dos grandes entraves é a falta de entendimento e acordo em torno do significado, da necessidade e do alcance dessas políticas. Na verdade, muitos dos gestores não estão convencidos de que essas ações ou políticas são necessárias ou prioritárias e, portanto, merecedoras do empenho necessário para serem efetivadas. As dificuldades financeiras são importantes e devem ser consideradas, mas as dificuldades de cunho político são significativas para se ampliar a capacidade de efetivar ações em favor do combate à desigualdade racial. No que diz respeito ao papel articulador da Coordenadoria de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (Cppir), no sentido de favorecer não só uma integração dessas políticas no âmbito da administração estadual mas também entre essas e as demais esferas, existe um relativo consenso de que a forma como ela atua não é adequada. Portanto, os resultados alcançados ficam aquém do que é possível ser feito. O fato dessa Coordenadoria – estadual ou municipal – não ter uma dotação orçamentária é uma das principais dificuldades para que seu papel seja cumprido com mais eficiência. Além disso, em relação ao que a Cppir deveria fazer em favor da implementação de políticas na esfera estadual, podemos elencar os seguintes entraves no processo de articulação: 1) falta de recursos financeiros; 2) descontinuidade administrativa; 3) falta de pessoal; 4) falta de meios adequados para fazer cumprir as políticas propostas. Em termos mais específicos, os seguintes problemas foram apontados: 1) a Cppir apenas cobra dos outros órgãos da administração estadual em vez de se dispor a planejar ações em conjunto para superar as dificuldades; 2) não existe um processo sistematizado de comunicação da Cppir com os demais órgãos do governo e a sociedade civil organizada; 3) falta abertura para a discussão e o acolhimento de proposições geradas fora da Cppir; 4) não há sistematização e disponibilidade de dados sobre a população negra do MS; 5) a Cppir não consegue produzir projetos estruturantes e de continuidade, apesar das articulações feitas. Dentre os órgãos estaduais, os maiores avanços ficaram por conta da Secretaria de Educação do Estado, que incorporou na sua proposta pedagógica a questão racial brasileira. Ali, a implantação de políticas voltadas para a igualdade racial foi uma decisão institucional e tem sido tratada como tal pelos gestores. Contudo, deve-se considerar que, nessa área, a própria estrutura existente e os mecanismos já estabelecidos de integração entre as três esferas administrativas favorecem o avanço do processo de implantação da política de igualdade racial. Além disso, em decorrência da implantação dos temas trans127

versais nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), havia um acúmulo de discussão e de experiências com a questão racial nas escolas. Apesar das dificuldades de se concretizar mudanças na prática do professor, existe um trabalho estruturado sendo implantado na rede estadual de ensino. Nesse sentido, existe uma equipe responsável pelo trabalho e essa equipe tem subsidiado as escolas com material de apoio e curso de capacitação para os professores. Além disso, a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul foi uma das primeiras do país a implantar o sistema de cotas para alunos negros e indígenas. No que diz respeito à saúde, pode-se considerar um avanço o fato de a Secretaria trabalhar na implementação do Programa de Atenção à Saúde da População Negra. Todavia, o processo ainda está na fase inicial e enfrenta muitas dificuldades, como aquelas de cunho material/financeiro e a falta de empenho político dos dirigentes. Em relação às comunidades quilombolas, tanto as ações implementadas quanto as articulações da Cppir em torno da proposição de projetos especificamente dirigidos a elas se restringem às comunidades de Furnas de Dionísio, no município de Jaguari, e Furnas da Boa Sorte, no município de Corguinhos. Nessas duas comunidades, o processo de organização dos moradores já está mais estruturado, o que lhes confere maior capacidade de pressão junto aos prefeitos e órgãos do estado. O trabalho da Cppir se restringe a corroborar ações demandadas e encaminhadas pelos gestores municipais e pelos movimentos sociais. A atuação mais sistemática e abrangente de articulação para fazer com que os programas concebidos na esfera federal cheguem às comunidades quilombolas é da Coordenação de Remanescentes de Quilombos do Estado do Mato Grosso do Sul (Conerq-MS), com a qual a Cppir não mantém um relacionamento próximo. No que se refere à Comppir, observa-se que na esfera municipal também não houve um processo de discussão entre os demais órgãos da administração sobre o papel daquela Coordenadoria. Ela é vista pelos demais setores da administração municipal como um espaço voltado para o encaminhamento das demandas e problemas referentes à comunidade quilombola de Furnas da Boa Sorte. É como se todos os negros e/ou afrodescendentes do município estivessem em Boa Sorte. Apesar dessas limitações, a Comppir tem sido um espaço efetivo de articulação em favor da promoção da igualdade racial, estabelecendo parcerias e buscando soluções para encaminhar as demandas da comunidade da melhor maneira possível. Entretanto, o espaço institucional enquanto tal ain128

da precisa ser consolidado. Por enquanto, o que se evidencia é o esforço pessoal do coordenador de abrir caminhos para melhorar as condições de vida da comunidade. Nesse primeiro momento, o mais importante na percepção da comunidade não é manter a coordenadoria, mas manter o coordenador. Por fi m, a conclusão mais geral é que a abertura desses espaços institucionais para a promoção da igualdade racial representa um avanço significativo na luta histórica dos movimentos sociais contra a desigualdade racial, mas ainda há muito o que se fazer, principalmente quanto ao empenho político, recursos fi nanceiros e capacitação de gestores, para que esses espaços se consolidem e cumpram satisfatoriamente o papel de articular sociedade civil e governos em favor da população negra. Dessa forma, se ainda não é possível afi rmar que as estruturas existentes e a maneira como funcionam – considerando a articulação entre o município de Corguinhos, o governo estadual e o federal – constituam um sistema articulado de políticas para a promoção da igualdade racial, é possível afi rmar, pelo menos, que esse sistema encontra-se em uma fase inicial de implantação. Portanto, ele é, sim, um sistema em construção.

129

130

A implantação de um sistema de promoção da igualdade racial no município de são carlos (sp) Ricardo Barbosa de Lima Thiago Antônio de Oliveira Sá

Introdução Serão apresentadas aqui as principais motivações e os objetivos deste projeto, como também os procedimentos e os cuidados metodológicos utilizados no trabalho de campo e no tratamento dos dados produzidos. O primeiro tópico – O Município de São Carlos, SP – será dedicado a uma pequena apresentação e contextualização da cidade e de sua história. Também nessa parte serão relatadas as particularidades quanto à discussão e à implementação de políticas de promoção da igualdade racial. Já as estruturas governamentais e projetos (municipais e estaduais) de promoção da igualdade racial presentes nesse município, bem como as ações e os programas implantados com essa fi nalidade serão apresentados no segundo tópico, intitulado Políticas de Promoção da Igualdade Racial. As principais considerações críticas que as lideranças do movimento negro sãocarlense fi zeram sobre as ações e as políticas de promoção da igualdade racial daquele município também serão objeto desse tópico. Por fim, na Conclusão, serão apresentados os achados mais importantes sobre o principal objetivo da investigação, ou seja, responder “se” e/ou “de que forma” estão articuladas as políticas e as ações de promoção da igualdade racial implementadas em São Carlos pelas três esferas do poder público (federal, estadual e municipal).

O trabalho de campo No trabalho de campo, realizado entre os dias 20 e 25 de fevereiro de 20061 , buscou-se, conforme mencionado anteriormente, verificar a dinâmica 1 A realização do trabalho de campo em São Carlos contou ainda com a assistência de Dener Silveira, pesquisador responsável não só pela preparação do trabalho de campo (mapeamento, agendamento e acompanhamento das entrevistas), mas também pela coleta de informações e dados complementares. Dener é aluno do curso de Ciências Sociais e pesquisador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos (NEAB/UFSCar). Cabe ainda informar que, durante a estada em São Carlos, SP, contou-se com o apoio logístico da pedagoga Marisa Adriane Dulcini Demarzo,

131

de relacionamento intra e intergovernamental, nas três esferas da administração pública brasileira. O desafio analítico era compreender como os principais atores envolvidos com políticas de promoção da igualdade racial naquele município (gestores de projetos e políticas, militantes de movimentos sociais e beneficiários das políticas de promoção da igualdade racial: professores e agentes comunitários de saúde) concebiam e/ou avaliavam esse conjunto de ações. Para São Carlos estava prevista a realização de 12 entrevistas individuais: três gestores municipais, três representantes do movimento negro, três beneficiários da área de saúde e três da área da educação. Porém, a dinâmica do trabalho de campo e a realidade local dessas políticas impuseram modificações no número e no tipo de entrevistas planejadas a priori. Na verdade, foram realizadas dez entrevistas individuais, duas entrevistas coletivas com dois participantes e um grupo de discussão (grupo focal), com oito participantes. As duas entrevistas coletivas foram feitas com dois gestores da Regional de Ensino da região de São Carlos e duas professoras da Escola Estadual Professor Luiz Augusto de Oliveira, da Secretaria Estadual de Ensino de São Paulo. Em ambos os casos, os entrevistados justificaram esse pedido, alegando a otimização do tempo tendo em vista suas agendas de trabalho. Já o grupo de discussão foi formado por oito agentes comunitários vinculados ao Programa da Saúde da Família (PSF), instituído no município de São Carlos. A utilização dessa técnica se deu mediante a oportunidade gerada com o cancelamento de uma das atividades do programa de treinamento desses agentes, levado a cabo pela Secretaria Municipal de Saúde de São Carlos. A diversificação no número de participantes e nas dinâmicas de condução das entrevistas não acarretou qualquer tipo de prejuízo ou viés na produção dos dados. Em todos os casos, fez-se uso de um roteiro semi-estruturado para cada grupo de entrevistados. Uma única ressalva pode ser feita em relação ao resultado das entrevistas, não em decorrência da diversidade de técnicas utilizadas, mas em relação ao número de representantes da sociedade civil entrevistados. Na preparação do trabalho de campo, foram agendadas, conforme determinava o planejamento inicial dos trabalhos, entrevistas com três militantes integrantambém pesquisadora do NEAB/UFSCar. Assim, agradeço a todos e a todas da cidade de São Carlos que colaboraram com este trabalho. Em lugar de três entrevistas individuais, poderia ser realizado também um grupo de discussão por segmento de beneficiários das políticas de promoção da igualdade racial. O planejamento da pesquisa previa a realização de entrevistas com gestores e beneficiários de outros dois eixos de políticas públicas: 1) empreendedorismo e geração de emprego e renda, e 2) populações quilombolas. Entretanto, não foi identificada, em São Carlos, a implementação de políticas de promoção da igualdade racial nesses dois segmentos.

132

tes das principais associações/entidades locais. Dois deles responderam prontamente ao convite, mas o terceiro deles, mesmo tendo se comprometido a realizá-la, não retornou o contato e não pôde ser encontrado durante os seis dias de estada em São Carlos. Em contraste com essa dificuldade ocorrida com os integrantes da sociedade civil local, a expectativa em relação às entrevistas com gestores e beneficiários foi suplantada. Isso se deu não só em decorrência da utilização de diferentes técnicas de entrevistas, mas, sobretudo pela presença, em São Carlos, de um núcleo da regional da Diretoria de Ensino Estadual e da Universidade Federal – particularmente de seu Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (NEAB/UFSCar). Essas instituições coordenam e acompanham a implantação do projeto estadual São Paulo: Educando pela Diferença para a Igualdade. Esse fato permitiu entrevistarmos três gestores (dois assessores técnico-pedagógicos da Diretoria de Ensino e uma professora do NEAB/UFSCar participante do projeto) e duas beneficiárias desse projeto – professoras da rede estadual de ensino. Além da realização de entrevistas,2 também foram identificadas, durante o trabalho de campo, outras fontes de dados, tais como relatórios de órgãos municipais, apostilas de cursos e o pronunciamento de uma liderança do movimento negro local em sessão da Câmara Municipal. Assim, essas outras fontes também agregaram informações utilizadas na construção deste relatório. No final das treze entrevistas, foram ouvidas 21 pessoas vinculadas às áreas de educação e saúde (gestores e beneficiários) e mais duas pessoas que atuam no movimento social. Ainda, é importante informar que foi solicitada de cada pessoa entrevistada a autorização do uso das entrevistas para fins de pesquisa acadêmica. Quatro informantes solicitaram que a sua identidade pessoal fosse resguardada. Para assegurar o atendimento a essa solicitação, optou-se por identificar as entrevistas somente pela categoria em que aquele informante se inseria, isto é, como gestor público (estadual ou municipal), como militante e como beneficiário (professores e agentes comunitários de saúde). Finalizando, com o objetivo de confirmar ou precisar algumas informações produzidas no campo, foram consultados também sítios da internet, entre os quais: ; ; ; . A próxima parte do texto será dedicada à contextualização da cidade de São Carlos e de suas especificidades em relação ao histórico local de implantação de políticas de promoção de igualdade racial. 2 A transcrição das entrevistas foi realizada por Rildo Bento de Souza, estudante do curso de História da Universidade Federal de Goiás.

133

O Município de São Carlos, SP Situada na região central do estado de São Paulo, a 240 quilômetros da capital, São Carlos teve origem no ano de 1831, com a demarcação da Sesmaria do Pinhal. Hoje, esse município se apresenta de forma bastante diversa em relação à composição de sua população, da antiga “Parochia de São Carlos do Pinhal”. Atualmente, com 95,1% de sua população concentrada na zona urbana, o que representa 6% de seus 1.140,92 km² (IBGE), São Carlos pouco lembra o seu passado de importante centro agrícola produtor de café do século XIX. Para se verificar esse fato, basta acompanhar, nos limites de interesse deste estudo, a evolução do quadro étnico-racial do século XIX até os dias atuais. Segundo Lopes (apud Prefeitura de São Carlos, 2005, p. 3), no Censo de 1874, a população presente na Paróquia de São Carlos era de 7.897 habitantes e, desses, 1.568 eram escravos – cerca de 20%. Já, em 1884, “a população escrava era de 3.768, que colocava São Carlos em 7º lugar dentre os 112 municípios da Província de São Paulo quanto ao número de escravos reconhecidos em coletoria”. De acordo com esses números apresentados, em 10 anos, e a quatro anos da promulgação da lei Áurea, a população de escravos mais que dobrou.3 Hoje, ao contrário, pode-se notar que o vetor de crescimento da população não-branca em São Carlos mudou de sentido. Segundo os dados do Censo de 2000, São Carlos tem hoje, majoritariamente, uma população nãobranca abaixo das médias nacional, regional e estadual. Então, a população de pretos e pardos e/ou não-branca (pretos, pardos e indígenas) de São Carlos fica, sucessivamente, abaixo tanto da média nacional quanto da região Sudeste e do estado de São Paulo. Mudando os parâmetros comparativos para o conjunto de cidades que foram campo desta investigação, poder-se-ia notar que, novamente, São Carlos apresenta as menores proporções de indivíduos pardos e pretos. Nota-se que, enquanto os municípios de Macapá (AP), Vitória da Conquista (BA) e Corguinhos (MS) apresentam índices superiores a 60% de pretos e pardos na sua população – superiores à média nacional que é de 44,7% –, São Carlos (SP) e Viamão (RS) não superam a marca de 20% de indivíduos nesses dois segmentos. Se, por sua vez, o foco for os indivíduos que 3 Segundo dados da prefeitura, em 1886, seis anos depois da passagem à categoria de cidade, São Carlos tinha uma população de 16.104 habitantes. Tendo esse número de habitantes como parâmetro, chega-se a um porcentual de 23,4 % de moradores escravos. Note-se que esse índice é uma aproximação estimada para baixo da população não-branca do município à época, pois aqui, além de se trabalhar com uma população total de escravos de dois anos antes (1884), não se leva em consideração a população de negros libertos ou a de pardos.

134

se auto-identificaram como pretos, São Carlos aparecerá com o menor índice entre todos os municípios pesquisados, ou seja, 4,2% de pretos.4 A confrontação desses dados com a história desse município paulista revela que, se por um lado, essa história não pode ser contada sem a referência da presença e da contribuição do negro, esse segmento populacional não é percebido de imediato, principalmente levando-se em conta os registros oficiais, atualmente disponibilizados pela prefeitura de São Carlos ao público interessado. Um visitante de seu principal centro cultural (Estação Cultura), ou mesmo um internauta navegando no sítio oficial da prefeitura, terá alguma dificuldade em localizar dados ou evidências da contribuição do negro na história desse município. No primeiro caso, a exposição de longa duração do museu localizado na Estação Cultura 5 – ao narrar a história de formação do município – não traz nenhum personagem negro como protagonista desse processo, a não ser as já conhecidas e anônimas indicações de sua condição subalterna, ora como escravo, ora como trabalhador. Já o sítio de internet da prefeitura (http://www.saocarlos.sp.gov. br), ao apresentar um quadro sucinto de dados geográficos, econômicos e demográficos da cidade, simplesmente não relaciona o quesito cor. Inclusive, há, nesse mesmo sítio, um espaço dedicado à História do Município (ver Prefeitura de São Carlos, 2006c). Em 10 parágrafos, 67 linhas e 727 palavras, é contada a história de uma São Carlos, primeiramente, cafeeira e, depois, industrial. Entretanto, não há ali nenhuma referência à sua população de origem afro e/ou de seus descendentes, nem mesmo como escravos ou subalternos. Em contraste com essa omissão, esse mesmo texto narra, com detalhes, a importância da imigração européia na formação da região. Com orgulho dessa mescla, o sítio oficial da prefeitura de São Carlos informa que: Nas últimas décadas do século XIX ocorreu o fenômeno social que mais influência deixou na região central do estado de São Paulo: a imigração. São Carlos recebeu imigrantes alemães trazidos pelo Conde do Pinhal em 1876, e de 1880 a 1904, o município foi um dos principais pólos atrativos de imigrantes do estado de São Paulo. A grande maioria deles era originária das regiões setentrionais da Itália. Os imigrantes vinham para trabalhar nas lavouras de café e, graças às suas habilidades, atuavam também na manufatura e no comércio.

(Prefeitura de São Carlos, 2006b) 4 O intenso processo de imigração ocorrido no município entre o final do séc. XIX e início do XX pode ajudar a explicar, pelo menos em parte, esse processo de embranquecimento. 5 A estrutura predial da antiga estação ferroviária de São Carlos foi transformada em um centro cultural vinculado à Secretaria Municipal de Educação e Cultura de São Carlos.

135

Esse descuido ou esquecimento em relação à presença e à influência do negro na formação da sociedade brasileira não é um fato raro nem exclusivo aos textos oficiais do município de São Carlos. Talvez, se o foco desta investigação não fosse o processo de implementação de políticas de promoção da igualdade racial, essa “invisibilidade” da população nãobranca nem seria digna de nota pelos pesquisadores. Aqui, o estranhamento não é dado pela falta de acúmulo ou de cuidado que a comunidade ou governo local têm sobre esse debate. É justamente o contrário. A cidade de São Carlos foi indicada pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) como campo da pesquisa, entre outros fatores, justamente pelo protagonismo local na implementação de políticas de promoção racial: pela comunidade acadêmica, movimento negro e gestores públicos. O mais curioso é que parte das estruturas do poder público local reconhece esse silêncio sobre a história e sobre as demandas da população negra local. Aliás, essas estruturas foram criadas para combater e mitigar os efeitos desse esquecimento. O fato é que o acúmulo institucional sobre a necessidade de políticas de promoção da igualdade racial, particularmente em relação à sua população negra ou afrodescendente – materializado institucionalmente desde 2001 –, não chegou ainda ao sítio oficial da prefeitura e à exposição de longa duração de sua principal casa de cultura. Nesse sentido, uma gestora municipal aponta, de forma clara e precisa, o problema: Se por um lado, a história da cidade de São Carlos conta que aqui foi um grande centro produtor de café durante os séculos XIX e XX atraindo muitos imigrantes, por outro lado, esta mesma história não contempla as mais diversas contribuições do negro escravizado para a formação de nossa sociedade, ignorando, também, o quanto foi valioso e de fundamental importância o seu trabalho nas lavouras de café e de cana-de-açúcar.

(Prefeitura de São Carlos, 2005, p. 3) Compreender o gap existente entre o que se diz (o que se sabe e o que se acumulou) sobre a discriminação e a desigualdade racial e os limites em que se faz (institucionalização de ações e projetos) a promoção da igualdade racial em São Carlos parece ser uma boa chave de leitura para o que foi ponderado pelos diferentes atores locais. Outro ponto que merece ser destacado – de certa forma, relacionado com esse acúmulo local quanto às políticas de promoção da igualdade racial – é a presença ativa do Movimento Negro e da comunidade acadêmica nesse município. Alguns dos informantes chegam a apontar que, em relação a

136

esses dois pontos, São Carlos é uma cidade “que precisa ser diferenciada”. Uma gestora pública municipal entrevistada explica que São Carlos é “considerada a capital da tecnologia”. Além disso, alega que o Movimento Negro no município é muito forte, destacando alguns ícones que o representam: “a professora Petronilha Gonçalves – do MEC e da educação – que trabalha com os professores desde 1991; o Valter Silvério – ativista das ações afi rmativas – que trabalha dentro da UFSCar, na parte de sociologia”. Diante dessa singularidade local, antes de se passar diretamente à descrição e à avaliação das estruturas de promoção da igualdade racial presentes no município, cabe expor, mesmo que de forma rápida e esquemática, um pequeno painel da vida acadêmica e da história do Movimento Negro em São Carlos.

São Carlos: capital da alta tecnologia Desde o início da década de 1950, São Carlos é vista como uma referência regional na área de ensino e pesquisa, principalmente com a implantação da Escola de Engenharia de São Carlos vinculada à USP. Com o passar dos anos, esse quadro se consolidou e, atualmente, a cidade conta com duas universidades públicas: a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Universidade de São Paulo (USP); dois centros da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); o Centro de Pesquisa de Pecuária do Sudeste e o Centro Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento de Instrumentação Agropecuária; a Fundação ParqTec, que gerencia o Pólo Tecnológico de São Carlos;6 dois centros universitários particulares – as Faculdades Integradas de São Carlos (FADISC) e o Centro Universitário Central Paulista (Unicep). Essa estrutura científica e tecnológica rendeu a São Carlos o título de Capital da Tecnologia. Para se ter uma melhor noção do impacto da presença desses centros de pesquisa e ensino na vida da comunidade local, basta citar que esse município de 192.998 habitantes7 possui “um pesquisador doutor (PhD) para cada 230 habitantes e um pesquisador para cada 42 habitantes” (Prefeitura de São Carlos, 2006b). 6 Segundo o sítio da prefeitura na internet, a Fundação ParqTec, instituída em 1984, “é outro ponto de destaque neste cenário tecnológico. Trata-se de uma organização nãogovernamental sem fi ns lucrativos, que tem o objetivo de gerenciar e promover o desenvolvimento do Pólo Tecnológico de São Carlos, a partir da transferência de tecnologia das universidades e centros de pesquisas para as empresas.” No parque industrial de São Carlos destacam-se as empresas de base tecnológica: “Volkswagen (motores), Tecumseh (compressores), Faber Castell (lápis), Electrolux (geladeiras e fogões), além de empresas têxteis, de embalagens, de máquinas, tintas, lavadoras, equipamentos ópticos e uma grande quantidade de indústrias médias e pequenas dos mais diversos setores de produção.” (http://www. saocarlos.sp.gov.br). 7 Cf. Censo Demográfico (IBGE, 2000).

137

Em relação à valorização, estudos e pesquisas sobre a temática das relações raciais, esse acúmulo não é menor. A constituição do Grupo de Cultura Afro-Brasileira e, principalmente, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) estabeleceram marcos importantes desse processo. O primeiro foi fundado no início da década de 1980, pelo sociólogo e militante do Movimento Negro Eduardo Oliveira e, o segundo, idealizado no início da década de 1990, pelos professores Álvaro Rizzoli e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. Isso é facilmente verificável nas falas das pessoas entrevistadas.8 Os relatos demonstram de forma recorrente como a presença atuante desses profissionais formaram e influenciaram toda uma geração de pesquisadores, professores, educadores e militantes em São Carlos. Um gestor estadual cita positivamente o trabalho dos núcleos criados pela Universidade Federal no que se refere ao apoio e assessoria aos professores de órgãos públicos. Outra gestora declara que desde quando chegou a São Carlos, há doze anos, procurou se inserir em trabalhos relativos à questão racial, e o primeiro curso que fez foi realizado pelo pessoal do NEAB/UFSCar. Os professores municipais entrevistados também citaram cursos oferecidos por esse núcleo, destacando principalmente as iniciativas da professora Petronilha Gonçalves e o trabalho de Valter Silvério, já mencionados anteriormente. Não foi somente a presença desses centros e pesquisadores que forjou as trajetórias dos atores locais. O movimento negro local também ocupou um lugar de destaque nesse processo. Já na década de 1920, surge o Grêmio Recreativo Familiar Flor de Maio, “cuja preocupação era com a valorização da cultura e com o desenvolvimento social, moral e educacional da população negra” (Prefeitura de São Carlos, 2005a, p. 3). Nas décadas de 1970 e 1980, por iniciativa da comunidade negra local, surgem, respectivamente, o Centro de Cultura Afro-Brasileira Congada e o Centro Cultural Negro Municipal (Aguiar, 1998). A atuação formadora e mobilizadora dessas entidades do Movimento Negro sempre foi realçada pelas respostas de entrevistados sobre o envolvimento destes com a questão racial. Uma gestora municipal relata que sua experiência com questões raciais se iniciou quando ainda era criança e que, na adolescência, sua participação no Movimento Negro passou a ser mais direta. Ela cita as pessoas com as quais se envolveu em São Carlos e que atuaram positivamente em sua formação: “sou uma das poucas pessoas que teve a oportunidade de conhecer e conversar muito com o professor Henrique Cunha, o Ivair do Nascimento, o Dr. Hédio Silva, o Hélio Santos, o professor Eduardo Oliveira, que são ícones da comunidade”. Uma militante do movimento negro 8 Somente o grupo de discussão com os agentes comunitários de saúde não citou o NEAB/UFSCar como a principal referência desse debate em São Carlos.

138

cita a criação do Flor de Maio como “o primeiro órgão de respeito na comunidade”. Para essa militante, é “um órgão de resistência da questão do negro”. Outros entrevistados – uma gestora estadual e uma professora municipal – afi rmaram atuação direta em movimentos negros locais, bem como o envolvimento com a questão também em outras situações. A importância dessa atuação é ressaltada mesmo nas falas de profissionais e gestores que não tiveram uma participação ou envolvimento direto com o movimento negro local. Outro ponto que merece destaque é o lugar ocupado pelo NEAB/UFSCar no imaginário dos entrevistados. Não é só nos limites do estritamente acadêmico que seus pesquisadores são enquadrados. Via de regra, eles aparecem organicamente junto ao movimento social e, por vezes, se confundem com ele. Em outras situações, eles são apresentados como formuladores e gestores de políticas públicas locais (municipais e estaduais). Esse fato pode ser explicado pelo posicionamento de seu corpo de pesquisadores e, principalmente, pela forte atuação extencionista do grupo com relação aos cursos e programas de formação na área da educação. Além do mais, a participação evocada por esses intelectuais quase sempre acontece para reforçar o engajamento na luta pela implementação de políticas afi rmativas. A apresentação do projeto São Paulo: Educando pela Diferença pela Igualdade, instituído pelo governo do estado, mas formulado e coordenado por pesquisadores vinculados ao NEAB/ UFSCar, deixa claro o seguinte: Esse projeto insere-se no âmbito das lutas que são travadas incansavelmente e cotidianamente por aqueles que desejam, efetivamente, incorporar os outros, os diferentes. As professoras e os professores do ensino fundamental não podem estar fora desta empreitada. [...] O projeto é um convite para aceitarmos o desafio urgente de democratizar de fato a escola: trazer a criança negra, a jovem negra, o adolescente negro e sua família, com êxito para dentro da escola, acolher, ensinar e encantar-se.

(Abramowicz, Silvério e Barbosa: s/d b, p. 10) Feitas essas indicações e ressalvas em relação ao contexto são-carlense, apresentamos na próxima parte do texto as estruturas responsáveis pela implantação de políticas afirmativas desenvolvidas no município.

139

Políticas de promoção da igualdade racial em São Carlos Inicialmente, cumpre informar que a história de institucionalização do debate sobre a implementação de políticas de promoção da igualdade racial em São Carlos precede a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).9 De modo diferentes de outros municípios que instituíram suas estruturas gestoras a partir da construção do Fipir/Seppir, já em 2001 – no primeiro mandato do prefeito Newton Lima Neto10 –, São Carlos passou a contar com estruturas focadas em políticas de promoção da igualdade racial, como a Seção de Combate ao Racismo, na Secretaria de Cidadania, e a Assessoria de Educação Étnico-Racial, na Secretaria de Educação e Cultura. A criação dessas duas estruturas municipais responde, respectivamente, às duas ordens de demandas locais: 1) do Movimento Negro, que reivindica a institucionalização de suas demandas com a criação, em 2001, de uma secretaria do negro; 2) do debate educacional – leiam-se atividades de ensino e extensão do NEAB/UFSCar junto ao corpo de professores do município – em torno, primeiro, da implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais e, posteriormente, da implementação da lei 10.639/2003, que reza sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Completam o quadro de iniciativas que visam à implantação dessas políticas, no âmbito municipal, ações na área da saúde e, no âmbito estadual, ações na área da educação. Nesses dois casos não foram criadas novas estruturas administrativas para implementar tais ações, ficando a cargo da Secretaria Municipal de Saúde de São Carlos 11 e da Diretoria de Ensino da Região de São Carlos do estado de São Paulo. 12 9 A Seppir foi criada, com status de ministério, pelo governo federal no dia 21 de março de 2003 – Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. Segundo o sítio da Presidência da República, “[...] a missão da Seppir é estabelecer iniciativas contra as desigualdades raciais no País. Seus principais objetivos são: promover a igualdade e a proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos afetados pela discriminação e demais formas de intolerância, com ênfase na população negra; acompanhar e coordenar políticas de diferentes ministérios e outros órgãos do Governo Brasileiro para a promoção da igualdade racial; articular, promover e acompanhar a execução de diversos programas de cooperação com organismos públicos e privados, nacionais e internacionais; promover e acompanhar o cumprimento de acordos e convenções internacionais assinados pelo Brasil, que digam respeito à promoção da igualdade e combate à discriminação racial ou étnica; auxiliar o Ministério das Relações Exteriores nas políticas internacionais, no que se refere à aproximação de nações do continente africano” (https://www.presidencia.gov.br/Seppir). 10 O prefeito Newton Lima Neto foi eleito em 2000 e reeleito no pleito municipal de 2004. 11 Na Secretaria Municipal de Saúde, o Departamento de Atenção Básica e sua divisão de Vigilância Epidemiológica se encarregam das ações de saúde direcionadas à promoção da igualdade racial. 12 A Diretoria de Ensino da Região de São Carlos é um órgão vinculado à Coordenadoria de Ensino do Interior da Secretaria Estadual de Educação e abrange os seguintes municípios:

140

A seguir, essas estruturas e ações serão descritas mais detalhadamente, bem como será apresentada a avaliação elaborada pelos entrevistados sobre essas mesmas instituições e projetos implantados pelo poder público – municipal e estadual – no município de São Carlos. Primeiramente serão focalizados os programas desenvolvidos na área de educação: o projeto São Paulo: Educando pela Diferença pela Igualdade, do governo do estado de São Paulo; as ações de Educação Étnico-Racial elaboradas no âmbito da Assessoria de Planejamento Administrativo Educacional da Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Em seguida, serão descritas as ações na área da saúde e a atuação da Seção de Combate ao Racismo da Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social. Por fim, ao tratar da Seção de Combate ao Racismo e Discriminação, destacaremos o olhar crítico das lideranças do movimento negro local sobre essas políticas e estruturas.

Educação – Projeto São Paulo: educando pela diferença para a igualdade O referido projeto é, como indicado anteriormente, uma iniciativa do governo do estado de São Paulo. Essa ação não demandou a construção de uma estrutura institucional exclusiva para a sua implementação, de forma que o seu planejamento e a sua execução ficam sob responsabilidade da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (CENP/SEESP). Sônia Maria Silva, coordenadora da CENP/ SEESP, apresenta seus principais objetivos, destacando a lei 10.639/2003 e o processo de sensibilização sobre a importância da temática étnico-racial. Já os professores Valter Roberto Silvério e Anete Abramowicz (s.d., p. 9) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), revelam a origem acadêmica e as motivações que deram forma ao projeto que coordenam: “projeto que é fruto do trabalho de um grupo de professores/as e pesquisadores/as que vêm lutando há muito tempo contra todo tipo de discriminação e pelo direito às diferenças”. Uma ação do governo estadual em resposta a uma regulamentação federal foi produzida e coordenada por um grupo de professores e pesquisadores Corumbataí, Descalvado, Dourado, Ibaté, Itirapina, Ribeirão Bonito e São Carlos. São 39 escolas atendendo 21.837 alunos matriculados no ensino fundamental e 16.704 alunos matriculados no ensino médio (Cf. dados da Coordenadoria de Ensino do Interior da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo; para mais detalhes ver: http://cei.edunet.sp.gov.br). Cabe ainda ressaltar que aqui não serão descritos ou avaliados outros projetos e ações estaduais, haja vista a delimitação do objeto da investigação e do trabalho de campo – restritos a aqueles desenvolvidos no município de São Carlos.

141

da Universidade Federal de São Carlos13 engajado na luta “contra todo tipo de discriminação” e respaldado pelo Movimento Negro. É dessa forma que esse projeto foi descrito pelos entrevistados: como uma ação conjunta da qual participam o movimento social, a comunidade acadêmica e o governo estadual. Esse projeto tem como meta qualificar professores do ciclo básico com cursos de formação que incluem, entre suas estratégias, encontros presenciais, videoconferências, atividades de pesquisa e estudos dirigidos. Os assistentes técnicos-pedagógicos (ATPs) da Diretoria de Ensino da Região de São Carlos – profissionais responsáveis pelo gerenciamento e acompanhamento dos cursos de treinamento – e a coordenação estadual do Projeto São Paulo relatam o processo de implantação e gerenciamento, bem como indicam qual é o foco principal desse projeto. Um gestor estadual entrevistado relatou que a meta do governo estadual era a de capacitar três mil professores nesse projeto, para atuarem principalmente no ciclo básico. Uma gestora salienta que o programa sistematizou o que já estava previsto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Por fim, outra gestora entrevistada explica que o projeto vai do ensino básico até o médio. Em geral, os professores são selecionados pela Diretoria de Ensino do Estado de São Paulo para participarem dos cursos de capacitação. Segundo a gestora, “quem ministra os cursos são os estudantes de pós-graduação e graduação”, monitores que atuam em todo o estado, e “a avaliação é feita com os ATPs, que também acompanham diretamente os projetos implementados pela secretaria, bem como através de videoconferências”. Os professores que já estavam sensibilizados e atentos a esse debate e/ou que participaram de cursos e treinamentos sobre a problemática étnicoracial na educação – geralmente ministrados em parceria com pesquisadores vinculados ao NEAB/UFSCar – vêem o Projeto São Paulo não só como uma oportunidade de aperfeiçoamento ou reciclagem. Para eles, não se trata simplesmente de mais um curso, mas sim, da perspectiva concreta de institucionalização e incorporação daquilo já indicado na LDB e nos Planos Curriculares Nacionais. De acordo com declarações de uma professora estadual entrevistada, foi muito importante a implantação desse projeto, “principalmente nas séries iniciais porque já vai formando o cidadão desde a primeira série”. Outra professora cita que os temas transversais, propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, já incluem essa discussão, mas não era trabalhado em classe. Agora, com a efetivação do projeto, o assunto será abordado não só em momentos específicos, mas fará parte da rotina nas escolas. A realização do Projeto São Paulo – com sua incorporação institu13 O projeto conta ainda com a participação, no processo de formulação e debate que lhe deu origem, do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo.

142

cionalizada via regionais de ensino, em seus momentos de capacitação, planejamento, supervisão e cobrança – mudou as expectativas das professoras entrevistadas em relação às possibilidades de sua multiplicação. Assim, elas declaram que “é uma proposta do curso e é também uma sistemática da Escola”. Uma professora ressalta que antes da implantação do projeto era “um engajamento pessoal ou uma opção individual”, mas agora é “um programa institucional, um programa da secretaria, um item do planejamento da escola e um ponto em que todos os professores devem trabalhar a questão étnico-racial como tema transversal”. Destacam ainda que a novidade seja a interdisciplinaridade, em que se trabalha mesclando as disciplinas e alertando sobre as desigualdades. A realização do Projeto São Paulo, sob os auspícios da lei 10.639/2003 do governo federal e do parecer 003/2004, do Conselho Nacional de Educação (Brasil, 2005), é o que sustenta a expectativa desses educadores. Entretanto, notou-se também que diferente da percepção dos gestores desse programa estadual – tomando a lei como um provocador que impulsiona todo esse dominó de políticas educacionais –, os professores beneficiários, mesmo anunciando a existência de algum marco legal e normativo nesse processo, não o identificam textualmente. Uma das professoras entrevistadas alega que não tem conhecimento sobre algum documento referente à obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Para ela deve-se investir e também cobrar a efetiva aplicação do projeto. Quando se aponta esse fato como uma expectativa de institucionalização é porque o projeto está em fase de implementação. Não que as orientações do curso – na linguagem dos professores beneficiários ou no jargão dos gestores – não tenham sido aproveitadas em sala de aula ainda em 2005. A novidade é a sua incorporação no planejamento institucional por parte da escola. No ano de 2006, os conteúdos apreendidos nesse novo contexto de planejamento institucional chegaram à sala de aula.14 Nesse sentido, a avaliação positiva dos beneficiários se dá mais em comparação à situação anterior do que diante dos reais impactos do atual projeto em implantação. Isso não significa que os ganhos já não possam ser identificados. Conforme relatado anteriormente, trata-se aqui apenas de identificar que não é uma avaliação de resultados efetivos, mas a expectativa de que, enfim, esse tipo de abordagem, antes a cargo do idealismo e da determinação de cada professor, será assumida institucionalmente pela escola. As principais queixas de gestores e beneficiários ficaram direcionadas ao processo de organização e validação do programa de capacitação: su14 O campo foi feito no início do período letivo, razão por que o planejamento estava em implantação.

143

gestões de conteúdo para os cursos; críticas ao desempenho dos monitores; universalização dos cursos para o conjunto de todos os professores; recebimento de certificados; entrega pontual de materiais; dificuldades com a liberação do professor para participar do curso no horário etc. O projeto em fase implantação gera uma situação que, paralelamente às boas expectativas de futuro, causa insegurança e temor em relação à capacidade de institucionalização dessas políticas. Entretanto, quando se inquiriu se o que estava em marcha poderia ser considerado um sistema articulado de políticas públicas de promoção da igualdade racial entre as diferentes esferas governamentais, os entrevistados – professores e gestores – se sentiram à vontade para avaliar. Novamente, a percepção de gestores e beneficiários foi divergente em alguns pontos. Enquanto os gestores se apressaram por confirmar a existência de um conjunto articulado de políticas, os professores ponderam sobre o processo de sua formulação. Os relatos dos gestores defendem a existência de um sistema. Nesse sentido, uma gestora reforça, dizendo: “é provável que isso seja reflexo do que esteja acontecendo em âmbito nacional. Eu acredito que a criação da Seppir causou um impacto bastante razoável na sociedade brasileira [...], isso vai refletir aqui no município”. Duas professoras da rede estadual de ensino debatem a importância dessa articulação. Uma delas acredita que as ações ou políticas “vêm de cima para baixo”, ou seja, ela afi rma que são pontuais, mas que falta um conhecimento prévio das necessidades da comunidade para preparar as ações. A outra, no entanto, utilizando-se da fala da colega, a contesta para afirmar que há, então, uma articulação, mas que depende também de suas próprias ações. Enquanto os gestores apontam para uma articulação real entre as diferentes instituições e instâncias que dão sustentação ao Projeto São Paulo (como a lei 10.639/2003 e o Parecer CNE 003/2004; o NEAB/UFSCar; Secretaria Estadual de Educação; e o Conselho da Comunidade Negra), os professores beneficiários, ao se verem de fora do processo de elaboração do projeto, apontam para uma possível desarticulação entre “o sistema de políticas” e “o sistema da escola”, e solicitam mais um nível de articulação. Para além da engenharia intra ou interinstitucionais, demandam por uma inversão do processo de sua formulação: o abandono do modelo topdown de elaboração de políticas públicas. Solicitam protagonizar e não somente serem alvos desse sistema em implantação.

144

Assessoria de educação étnico-racial da Assessoria de Planejamento Administrativo Educacional da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de São Carlos A Assessoria de Planejamento Administrativo Educacional da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de São Carlos atua, desde 2001, na implementação de políticas de educação inclusiva. O “Escola Inclusiva” conta hoje com cinco áreas de atuação: Educação Especial; Apoio à Criança e Adolescente em Situação de Vulnerabilidade Social; Educação Física e Recreação; Educação Ambiental; e Educação Étnico-Racial. Esta última área de atuação é que vai interessar aos fins deste relatório. É interessante notar que, a despeito do processo de institucionalização iniciado em 2001, a nomeação de assessores específicos para essas áreas não é identificada encontrada no organograma da Secretaria de Educação e Cultura (Prefeitura de São Carlos, 2005c). Entretanto, é possível encontrá-las nesse mesmo sítio, não na apresentação da estrutura organizacional da Secretaria – vinculadas a uma divisão, a uma seção, a um departamento ou a uma assessoria –, mas como um programa intitulado Escola Inclusiva. Diferença Sim, Indiferença Jamais!”. Isso também se repete no Relatório de Gestão (2001-2004) intitulado A Participação que Dá Certo (Prefeitura de São Carlos, 2005b). Novamente, o programa de metas da educação inclusiva não está relacionado como uma responsabilidade de estrutura municipal, nem mesmo aparece, como no sítio de internet, como uma ação. Das oito páginas dedicadas exclusivamente à Educação, o Escola Inclusiva é mencionado apenas em um pequeno box. Contudo, o programa é reduzido às ações inclusivas de portadores de necessidades especiais, reproduzindo o reducionismo anteriormente identificado em entrevista com os gestores. Conforme informações extraídas de documentos do próprio município, a educação inclusiva teve um aumento signifi cativo. De 64 alunos atendidos em 2001, passamos para 408 em 2004. Antes, apenas as defi ciências visual e auditiva recebiam acompanhamento. Hoje, é prestado atendimento às defi ciências múltiplas, mental leve e física, nas salas de recursos e salas inclusivas, e também aos autistas na APAE e na Acorde.

(Prefeitura de São Carlos, 2005b, p. 27) O estranhamento referente à pouca visibilidade institucional desses assessores e/ou de suas ações fica ainda mais patente em virtude do volume de trabalho

145

das inúmeras ações desenvolvidas pelas Assessorias de Planejamento Administrativo Educacional. Para uma melhor compreensão desse volume, sintetizamos em seis quadros as ações desenvolvidas pela Assessoria Étnico-Racial. O primeiro deles lista 23 orientações pedagógicas ocorridas entre os anos de 2001 a 2005. São atividades realizadas pela área de educação étnicoracial, principalmente junto aos professores, diretores e, em algumas oportunidades, aos alunos de creches e escolas municipais. Em quatro dessas orientações, houve a colaboração de uma pesquisadora do NEAB/UFSCar (uma vez) e da responsável pela Seção de Combate ao Racismo da Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social (três vezes). Dessas orientações, normalmente realizadas durante as horas de trabalhos pedagógicos (HTP), ao longo desse período participaram – conforme o relatório daquela assessoria – 59 diretores e 555 professores da rede. Os trabalhos consistiam em investimento na orientação pedagógica dos professores e diretores. A resistência inicial por parte desses profissionais, segundo a gestora municipal entrevistada, foi o primeiro obstáculo à sistematização de políticas na área educacional para o combate ao racismo. Para a gestora, isso é fruto de um não-reconhecimento de situações críticas na escola ou em sala de aula. Os argumentos apresentados por esses profissionais eram do tipo: “não é problema meu, é problema do outro”; “eu não vejo o problema na minha sala de aula”. Ainda, para essa gestora, essa resistência à adesão consistia numa apreensão equivocada da realidade escolar, concretizada pela negação da diferença. Sobre isso, uma gestora municipal alega que “no começo tinha muita resistência, diziam que não tinham problema em sala de aula, ‘porque lá todos são tratados de forma igual’, ignorando as diferenças raciais, de gênero, de região”. No entanto, ela admite que hoje as pessoas estejam mais atentas para olhar as diferenças. As sete atividades realizadas contaram com a parceria, principalmente, do NEAB/UFSCar, da Seção de Combate ao Racismo da Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social; também com a colaboração de um pesquisador da Universidade Estadual de São Paulo/UNESP/Bauru; bem como da Pastoral do Negro e da Secretaria Especial da Infância e Juventude. Nessas palestras e cursos foram atendidos diretamente 112 professores. Do material de apoio pedagógico solicitado pela Assessoria ÉtnicoRacial da Secretaria de Educação e Cultura de São Carlos a diferentes órgãos, destacam-se os materiais produzidos pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC). Essa secretaria do MEC produziu ou intermediou cinco dos oito produtos en146

viados para a Biblioteca do Professor do Município de São Carlos. Entre esse material de apoio pedagógico viabilizado pela Assessoria também figuraram textos produzidos por ONGs, a exemplo do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT). A Assessoria também apoiou e/ou participou da organização de eventos para mobilização em prol da causa negra, com destaque para o período de realização da Semana da Consciência Negra, por três edições (2002, 2003 e 2004). As atividades que receberam apoio dessa Assessoria ofereceram aos participantes palestras, homenagens a personalidades negras do município e exposição de trabalhos da rede municipal de ensino. Ocorreu em São Carlos, também com o apoio dessa Assessoria, o II Encontro de Assessores e Coordenadores Negros Anti-Racismo do Estado de São Paulo, destinado à sistematização de políticas e programas integrados dos municípios para a superação do racismo. Houve, ainda, o Seminário Técnico de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a I Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial, ambos em 2004. A Assessoria de Educação Étnico-Racial também apresentou como atividades decorrentes de suas ações (de formação e de apoio pedagógico) aquelas relacionadas à iniciativa dos professores. Essas atividades, ministradas durante o ano letivo, englobaram a utilização de recursos pedagógicos, tais como debates, jornais e revistas, vídeos, jogos, palestras, manifestações e atividades artísticas (música, fotografia, poesia e pinturas). Vários trabalhos foram premiados em concursos e eventos, cujo tema era a igualdade racial e a cidadania. Esses trabalhos contaram com a coordenação de professores e estavam vinculados a alguma escola municipal (EMEB, EMEI)15. Segundo a avaliação dessa Assessoria (Prefeitura de São Carlos 2005a), as ações são indicadoras do conhecimento disseminado e da mudança de postura dos profissionais da educação qualificados no decorrer dessas atividades/eventos/cursos. Isso resultou em conhecimento, porque ocasionou a elevação de auto-estima dos alunos negros, além do conhecimento e da aceitação da identidade negra e da ancestralidade. Segundo essa avaliação, não só diminuiu a utilização de apelidos pejorativos para com alunos negros, como também elevou o respeito às diferenças étnico-raciais. Assim, pode-se, de fato, falar em mudança de postura. É diante desse amplo quadro de atividades desenvolvidas de maneira articulada entre essa Assessoria e outros órgãos – principalmente municipais e federais – e dos resultados obtidos com os beneficiários diretos (professores 15 As atividades estão relacionadas no CD de encarte deste livro.

147

e diretores) e alunos que se pondera a pouca visibilidade institucional dada. Recorrendo-se às entrevistas realizadas com gestores e beneficiários das políticas de promoção da igualdade racial do município, será analisada a seguir a avaliação de todo o processo por esses atores.

A participação do movimento negro O Movimento Negro, diante do que se pôde apurar nas entrevistas, teve uma participação limitada nos projetos desenvolvidos na área de educação. A relação com esse movimento é referida como aquela que surge em parcerias ocasionais e com o qual se mantém uma comunicação precária. Entretanto, no passado, conforme aponta uma das professoras municipais entrevistadas, o Movimento Negro em São Carlos foi responsável por grandes conquistas, e algumas se encontram estabelecidas atualmente na cidade. Essa professora diz: “tudo que aconteceu especificamente na cidade de São Carlos é fruto do movimento social, é fruto de organização”. No que diz respeito à origem e aos responsáveis pela iniciativa dos cursos e outras estruturas de combate ao racismo, além de outras políticas de promoção da igualdade racial implantadas na cidade, a entrevistada não teve dúvidas em afi rmar: “com certeza é fruto do Movimento Negro”. Contudo, a professora ressalta que o Movimento já não é tão atuante como fora outrora. As professoras entrevistadas já alegam que o movimento está fragmentado e é dependente de uma só liderança. A fragmentação fica clara em um trecho de fala de uma delas: “no movimento negro, em São Carlos, há vários grupos em atrito, um acha que deve ser mais radical, outro acha que nem tanto”. Essa opinião também é externada por uma gestora municipal: “ele [o Movimento Negro em São Carlos] ficou sempre muito centrado numa única pessoa [...]; tinha a figura de uma pessoa, e tudo era revertido a ela. Essa pessoa era o Movimento Negro, que pensava e agilizava as ações”. O Movimento foi caracterizado pelas entrevistadas como desarticulado com relação às ações de promoção da igualdade racial desenvolvidas na área da educação. Conforme explica uma das entrevistadas – uma gestora municipal –, não há relação direta entre ele e as escolas, a não ser quando estas últimas o solicitam. Então, o que ocorre são parcerias ocasionais entre o Movimento Negro e os profissionais da educação. Isso, segundo uma das entrevistadas, decorre de diferenças político-administrativas na atual gestão municipal. Portanto, solicita-se um envolvimento maior do movimento social nesse processo, pois, principalmente para as professoras, ele incorporaria um 148

potencial de inserção e intervenção mais significativo junto à população, reforçando as discussões feitas na escola. Nesse contexto, ela cita como exemplo o pessoal da capoeira ligado ao Movimento Negro, os quais têm um contato mais direto com a comunidade.

A integração do(s) sistema(s) de promoção da igualdade racial Na avaliação de uma gestora municipal entrevistada, há integração entre os governos municipal, estadual e federal. Essa avaliação já aparece na sua fala inicial, quando ela cita o começo das ações educacionais de promoção da igualdade racial – uma meta da gestão do governo eleito em 2001. Para ela, quando o governo foi reeleito, “foram pensadas ações de promoção da igualdade racial para a educação e para a cidadania”. Um dos momentos reveladores do grau de sistematização municipal das políticas de promoção da igualdade racial – isto é, do nível de integração da Assessoria de Educação Étnico-Racial com as demais estruturas municipais – se deu quando os entrevistados foram questionados sobre os ganhos obtidos e as dificuldades enfrentadas no interior da prefeitura. Uma gestora municipal avaliou como ganho o fato de, em 2001, ter sido colocada uma meta educacional ao mesmo tempo em que se criava a Seção de Combate ao Racismo. A Secretaria de Cidadania, a Secretaria de Educação e Cultura e a Secretaria de Saúde são aquelas que mais se articulam na prefeitura de São Carlos. De acordo com a gestora entrevistada, o nível de integração entre as estruturas municipais e as estaduais já é baixo, embora ela reconheça que tenha condições de se efetivar de fato. Essas estruturas não se articulam institucionalmente. O que se tem, do ponto de vista da gestora municipal, são nomes com os quais se pode contar nas estruturas estaduais. O mesmo é dito sobre as estruturas federais. A Secad/MEC e a Seppir-PR são referências institucionais para o desenvolvimento de políticas para a promoção da igualdade racial, mas o contato é pessoal e não-institucional – via projetos, programas e/ou ações desenvolvidos em parcerias. Nesse sentido, a troca institucional é pessoalizada e acontece, geralmente, para a busca de informações. Nos cursos, encontros, seminários técnicos, principalmente aqueles intermediados pela UFSCar, é quando ocorre esse “conhecimento” entre os gestores dos diferentes níveis de governo. E mesmo nesse nível, essa gestora avalia que o fluxo de informações entre as diferentes 149

instâncias de governo é ainda um tanto precário. Segundo a gestora: “avanços têm e muitos, mas é difícil, às vezes, porque tem pouco acesso à informação, ela é ainda um pouco tímida”. Além do mais, muitas das orientações ou benefícios se perdem antes de chegarem ao âmbito municipal. Há um trecho da entrevista em que a gestora cita o caso de alguns livros enviados pelo governo federal, mas que não chegaram ao município. Ela diz ainda que os municípios, de certa forma, negligenciam politicamente a difusão da informação entres os governos (federal e estadual). Para ela, além de os materiais e as informações não chegarem, também diversos outros empreendimentos não têm realização informada aos municípios de forma efetiva. Nem mesmo a participação do NEAB/UFSCar – parceiro destacado dessa Assessoria Municipal em outras atividades e cursos – pôde garantir um bom fluxo de informações entre as diferentes esferas de poder. Perante tal ineficácia na difusão do material e da informação, a gestora sente a ausência de um mecanismo para a comunicação intergovernamental. A gestora municipal arremata afirmando que a única forma de se realizar uma ação conjunta é “cavando, ligando e mandando e-mail, perturbando [...]. Então, a crítica é essa: tem as ações, tem as idéias, mas fica faltando uma comunicação melhor estruturada”. Quando questionada sobre a possibilidade de se falar num todo articulado diante do conjunto dessas ações empreendidas pelos governos, ela avalia que em cada um dos níveis de governo, separadamente, há de fato uma coesão interna. Entretanto, não ocorre uma maior articulação entre os três níveis, formando um todo integrado, ou seja, um sistema. A gestora pondera – diante das ações intra-estaduais e intramunicipais – que a quebra no andamento do sistema ocorre na esfera estadual. Haveria ações nesse nível, mas ações independentes dos sistemas municipal e federal. Para ela, existe o Conselho Estadual de Combate ao Racismo, mas sem uma meta própria. Além disso, ela reconhece a dificuldade que o estado tem de estabelecer diálogo com todos os municípios, mas pensa que deveria haver “pelo menos uma orientação clara” sobre essas questões. As professoras municipais confi rmam a ação articulada da Assessoria de Educação Étnico-Racial com outras instâncias governamentais, principalmente com o governo federal. E, novamente, é a lei 10.639/2003 a peça principal dessa engrenagem. Para uma professora municipal entrevistada, os professores estão começando a trabalhar de fato com a lei, desenvolvendo atividades em sala de aula que exploram discussões acerca da cultura e da história da população negra. Mas, ressalta que, ainda assim, é a pessoalidade e a não-institucionalidade que possibilita essa integração. Dentre várias situações, a professora cita contatos e apoio que obteve com pessoas ligadas 150

tanto à escola quanto à Seção de Combate ao Racismo e a Discriminação, da Secretaria de Cidadania e Assistência Social e da Secretaria de Educação Municipal para desenvolver atividades com seus alunos. Ela conta também que participou de um concurso, enviando um projeto e, no estado de São Paulo, ela foi uma das cinco selecionadas. Porém, enfatiza que tudo só foi possível porque houve apoio da Secretaria Municipal. Diante desse contexto, no âmbito de políticas educacionais, pode ser inferido que há execução de políticas de promoção da igualdade racial, mas de forma dispersa e independente entre os diferentes níveis de governo. Há trocas de informações entre gestores e suporte técnico para docentes, mas pesa a informalidade dos contatos pessoais e a não-institucionalidade de acordos ou convênios. Conforme a fala de entrevistados, fica um temor de que mudanças políticas, nas esferas municipal e federal, tragam prejuízos ao que está sendo feito. Assim, pode-se dizer que todos – o federal, o estadual e o municipal configuram sistemas autônomos. Entretanto, uma integração desses sistemas em um sistema maior não ocorre em virtude das falhas de comunicação, no âmbito federal, e de impasses políticos, no âmbito estadual.

Saúde Nesta parte, pretende-se caracterizar a Secretaria de Saúde quanto à sua participação efetiva em ações de promoção da igualdade racial. A partir dos depoimentos de dois gestores e de oito agentes comunitários, entrevistados em conjunto, buscou-se levantar as ações que têm sido executadas, verificar como anda o planejamento da secretaria no que diz respeito à questão racial e como é sua articulação com as demais estruturas do governo municipal. De imediato, ao tratar da origem da implementação de políticas de promoção da igualdade racial, um dos gestores aponta o caráter inicial dos programas municipais citando a criação de uma seção na Secretaria de Cidadania – Seção de Combate ao Racismo. Segundo esse gestor, “a responsável por essa Seção tem feito reuniões, articulação com integrantes de outras secretarias da área de políticas públicas, mais fortemente com a educação e a saúde”. Com isso, as discussões têm contribuído para ampliar as possibilidades de implantação mais concreta de políticas específicas na área da saúde, “visando a inserção de uma forma mais consistente de ações programáticas que contemplem as especificidades da raça negra e do afrodescendente”. Mas, lembra que ainda é um processo recente, que está numa etapa de planejamento. Outro trecho de fala desse mesmo gestor resume a carência de um programa 151

estruturado, mas que já tem algo sendo feito em prol da saúde negra, embora não de forma sistemática e constante. Dentre as ações nesse campo, os entrevistados citam alguns exemplos: um seminário que está sendo programado, o qual prevê a participação de pessoas ligadas à questão racial e também aquelas ligadas à saúde da população negra; ações ligadas à saúde da mulher, abordando particularmente o mioma e a anemia falciforme; e um curso de qualificação para agentes comunitários. Os agentes comunitários de saúde alegam que não houve no curso de formação um esclarecimento ou um debate prévio sobre esse segmento atendido pela Secretaria Municipal de Saúde – pelo menos até o momento. O atendimento às famílias é feito de forma homogênea, sem atentar para peculiaridades étnico-raciais, embora haja o reconhecimento de que há “algumas patologias que acometem mais as pessoas negras, mas a gente não trabalha isso necessariamente em cada micro-área”. Isso evidencia que os poucos esclarecimentos que os agentes disseram receber não são decorrentes de uma iniciativa da Secretaria de Saúde, mas do próprio médico que compõe o Programa da Saúde da Família. Mesmo a ação que contempla o planejamento da Secretaria de Saúde, está ancorada no envolvimento pessoal do médico com sua área de formação, com a sua especialidade. Como já foi citado, um exemplo de ação integrada no município de São Carlos refere-se a algumas ações envolvendo o tratamento dado à anemia falciforme. De acordo com um gestor municipal, “as [pessoas] que têm anemia falciforme são atendidas porque existe um especialista, um hematologista [...]”. Então, o tratamento da anemia falciforme ocorre porque está no âmbito da especialidade, mas não porque é uma política de promoção da igualdade racial. O que se constata daí é que há algumas iniciativas em prol da igualdade racial, mas dispersas, pontuais e de iniciativa pessoal. Não há ainda uma diretriz oriunda da Secretaria de Saúde. Por isso, o trabalho não possui continuidade ou aprofundamento. Comparando a atuação dos diferentes níveis de governo, um dos gestores aponta para uma defasagem do governo municipal em relação ao governo federal: “o governo municipal ainda caminha muito timidamente nessa proposta, [...] o governo federal fomenta a inserção de saúde da família, [...] mas, se não tivesse essa discussão no governo federal, seguramente seria ainda mais difícil”. Nota-se que o gestor reconhece as condições favoráveis à estruturação de políticas de promoção da igualdade racial, visto que o governo federal já dispõe de uma estrutura pronta e fomenta políticas de promoção da igualdade racial. Além disso, há pessoas com vontade política dentro da secretaria municipal, 152

apesar da patente dificuldade de, no âmbito municipal, transformar ou encampar essa vontade política manifesta em ações sistemáticas e integradas. Com a estrutura estadual, parece também não haver integração. Por exemplo, quando o entrevistador pergunta para os agentes de saúde se há uma integração, um trabalho conjunto dessas esferas (a municipal, a estadual e a federal) na troca de informações e no treinamento, um deles responde, encerrando a discussão: “não, nenhuma”. As ações e o planejamento integrado dessas políticas entre as diferentes áreas do governo municipal com a área da saúde, apontados pelos diferentes gestores municipais, não foram percebidos pelos beneficiários entrevistados. Esse nível de integração só é relatado pelos gestores municipais e, mesmo assim, conforme esclarece uma gestora, seriam ações pontuais: “é claro que existe a preocupação vinda do governo federal e de várias áreas, inclusive a saúde, com a criação da rede de atendimento a doenças específicas”. No entanto, ela ressalta que falta preparo para lidar com a discriminação. Parece não haver ainda uma preparação para lidar com essa questão da área da saúde. Dado o reconhecimento do problema da discriminação, o que há é um contexto em que se admite a necessidade de tal preparo. No atual momento, deseja-se empreender uma capacitação para enfrentar o problema. Tal constatação reafirma o caráter embrionário de implantação e de articulação das ações de promoção da desigualdade racial na Secretaria de Saúde de São Carlos. Na Secretaria de Saúde ocorre um movimento que visa iniciar, em um futuro próximo, alguma implementação. Ainda não foram implantadas diretrizes específicas no trato ou na orientação de agentes municipais de saúde para que dêem a devida atenção às peculiaridades da saúde da população negra. Na área da saúde em São Carlos, portanto, o que se pode verificar em relação à igualdade racial foram atitudes pró-ativas de alguns atores individuais e a sensibilidade política de seus gestores. De uma forma geral, foi a atuação intragovernamental de outras estruturas municipais, particularmente da Seção de Combate ao Racismo e à Discriminação, que sensibilizaram os gestores da saúde a incluírem em seu planejamento as preocupações étnico-raciais. Um dos gestores cita que “[...] a Secretaria de Cidadania e a Seção de Combate ao Racismo têm um papel fundamental para facilitar esses contatos, [...] então, é um apoio fundamental”. Mais do que oferecer resultados aos beneficiários, a Secretaria de Saúde é um bom exemplo dos limites e das dificuldades de transversalizar e sensibilizar a máquina administrativa brasileira em relação às políticas de promoção da igualdade racial.

153

Combate ao racismo e à discriminação A Seção de Combate ao Racismo e à Discriminação foi criada em 2001 no interior da Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social com o intuito “de elaborar políticas afirmativas que promovam a consciência ética, resgatando, por meio de programas sociais, a cultura afro-brasileira e implementando no município políticas públicas contra o racismo e a discriminação racial” (Prefeitura de São Carlos, p. 2). Na busca de concretizar tais objetivos, essa Seção desenvolveu atividades conjuntas com entidades como a OAB, o governo federal, a UFSCar, a USP, a Associação dos Pensadores Negros de São Carlos (APENSC), entre outras entidades do Movimento Negro. São exemplos desse esforço o lançamento da cartilha Direito racial e cidadania, a Semana da Consciência Negra (anual), palestras e material impresso sobre a prevenção da anemia falciforme. Além dessas realizações, a Seção foi parceira da Assessoria de Educação Étnico-Racial no desenvolvimento de uma nova proposta educacional que compôs o projeto Educação Inclusiva, da Secretaria de Educação (Prefeitura de São Carlos, 2005b, p. 50). Essa proposta prevê a articulação de cursos de capacitação de professores da rede municipal de ensino e a aquisição de bonecas e fantoches negros, usados nas escolas municipais. E ainda, os quesitos cor e raça também passaram a figurar na educação infantil e no Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA). O que iniciou de modo informal, via conhecimento pessoal e por identidade racial, foi tomando corpo a tal ponto que, hoje, no interior da administração de São Carlos, quando se fala de políticas de promoção da igualdade racial, a principal referência institucional dessa agenda – como se pode notar nas falas dos gestores municipais da saúde e da educação – é o setor de Combate ao Racismo e à Discriminação. Uma evidência desse reconhecimento institucional está na publicação que relata as principais realizações do primeiro mandato do prefeito Newton Lima Neto (Prefeitura de São Carlos, 2005b, p. 50). Naquela publicação, a Seção ganhou uma página destacando suas realizações e parcerias, enquanto, por exemplo, a Assessoria de Educação ÉtnicoRacial da mesma administração sequer é citada. Aliás, parte das ações levadas a cabo é creditada como da alçada da Seção, sua parceira nessas ações. Para além da visibilidade institucional obtida pelas atividades e pelos projetos desenvolvidos e/ou apoiados por essa Seção no interior da máquina pública municipal, foi sua história de criação que parece tê-la colocado no centro do debate público são-carlense sobre políticas de promoção da igualdade racial. Ao que tudo indica, foi um processo de mobilização da sociedade civil local em torno de sua criação, ou melhor, da criação de uma Secretaria Municipal do 154

Negro ainda no primeiro mandato do atual prefeito – que ainda hoje mobiliza a avaliação da sociedade civil local. A gestora admite que, na criação dessa Seção, o Movimento Negro foi fundamental, embora ele desejasse algo maior. Entretanto, o que é lido de forma positiva no interior da administração municipal aparece como desilusão e/ou limitação para a sociedade civil – a criação da Seção, a sua capacidade de sensibilização, de articulação e de dar relevo e visibilidade intragovernamental à questão racial. Alguns militantes entrevistados do Movimento Negro local reagiram quando foi perguntado sobre quais estruturas governamentais existiam antes da criação da Seção de Combate ao Racismo e à Discriminação. Um deles alegou que o prefeito não teve outra saída porque fizeram certa pressão. Então, mesmo que a expectativa fosse a criação de uma Secretaria, o prefeito foi obrigado a criar a Seção. Mas lamentam o fato de ter-se criado a Seção enquanto reivindicavam uma Secretaria. Para a gestora, o que a Seção se propunha a fazer, na relação com o movimento social, era “uma capacitação dessas entidades para buscar recurso”. No entendimento dessa gestora, o Movimento Negro reivindicava recurso para programar e realizar suas ações. Porém, para ela isso não condizia com a proposta e com os limites legais da Seção e da administração pública, citando, por exemplo, a lei de responsabilidade fiscal como um agravante para a liberação de verbas para a realização de eventos. A gestora sente que há resistência de algumas pessoas do Movimento em entender isso. Então, ressalta que deve haver planejamento por parte dos realizadores dos eventos para que as solicitações sejam atendidas. Segundo a concepção da gestora, a função que cabe de fato ao Movimento Negro é a de agente para mobilizar a população. O ideal seria, então, uma divisão do trabalho entre universidade, governo e Movimento Negro, ressalta a gestora. Dessa forma, ela cita que “a universidade vem para fornecer os dados, o governo transforma esses dados em ações, e o Movimento Negro vem para somar essas ações”. De acordo com suas declarações, “se não ficar claro quanto a esses três papéis, vai ficar complicado”. Outras críticas dirigidas ao Movimento Negro são a falta de planejamento e o despreparo para eventos já institucionalizados: “todo mundo sabe que agora virou mês da Consciência Negra [...], mas nenhuma entidade, até então, me apresentou qualquer proposta para o dia 20 de novembro”. O que ocorre, no entendimento dela, é uma participação inadequada, pois as ações propostas são desarticuladas e não-prioritárias. Além dessa falta de planejamento, a gestora também se queixa do não-reconhecimento dos trâmites burocráticos e institucionais do setor. Para 155

ela, o que ocorre é que algumas lideranças insistem em negociar, negligenciando os aspectos institucionais da Seção na implementação de qualquer medida. Diante dessa falta de conhecimento, a não-execução de uma proposta ou demanda é atribuída à falta de vontade política dos envolvidos e, principalmente da Seção, sendo que, na verdade, seria uma questão de responsabilidade fiscal e de planejamento. Por sua vez, o Movimento Negro expõe as suas críticas. Citam empecilhos da relação com governo municipal os entraves burocráticos, o personalismo dos gestores, a dificuldade de dar respostas ou de cumprir os acordos, a falta de estrutura da Seção de Combate ao Racismo e à Discriminação e a resistência institucional para tratar a questão racial. Para esses entrevistados, “eles são muito burocráticos, muito teóricos, e pouco práticos para provocar a revolução dos problemas da cidade”. No que diz respeito às solicitações que fazem, declaram que a administração demora a dar as respostas. Um militante pede para registrar suas palavras de protesto: “reveladoras de desapontamento com o tratamento que o poder público municipal tem dispensado à comunidade de afrodescendentes desta cidade”. O processo de mobilização forçou a criação de uma estrutura municipal para atender a comunidade negra, mas o resultado ficou aquém do solicitado: uma seção de terceiro escalão e não uma secretaria. O Fórum que deflagrou o movimento não se viu representado com a nomeação da titular da Seção. Mais ainda, toda a estrutura de combate ao racismo e à discriminação, em cinco anos de atuação, resume-se a uma pessoa sem qualquer estrutura de apoio. Trata-se de situação que contamina a avaliação sobre o grau de integração entre os três níveis de governo (municipal, estadual e federal) no fomento de políticas de promoção da igualdade racial. No entanto, uma gestora municipal entrevistada afi rma – quando foi questionada sobre o relacionamento institucional da Seção com os parceiros – que existe articulação entre os níveis de governo. A gestora admite, contudo, não ter havido ainda tempo suficiente para fazer essa avaliação de forma precisa e até aponta contingências às quais o funcionamento integrado dos três níveis de governo está submetido, como a questão pessoal implicada nas decisões políticas, a falta de conhecimento prévio dos empreendimentos e projetos de referência para a área e a vontade política de certos dirigentes. Entretanto, tendo como referência os programas e atividades do governo federal e do estadual, a referida gestora afirma que os três níveis de governo atuam conjuntamente e, portanto, pode-se pensá-los como um sistema articulado na implementação dessas políticas. 156

Já o movimento social não consegue perceber os resultados concretos. Simplesmente, não são conhecidas ações ou possível articulação entre as diferentes instâncias governamentais. Sobre esse aspecto, militantes do Movimento Negro justificam que “ações concretas existem, mas acho que com a burocracia as coisas acabam não acontecendo”. A alegação é de que falta divulgação do que está acontecendo nessa área. O questionamento sobre a existência de um conjunto articulado de políticas de promoção da igualdade racial, entre os diferentes níveis de governo, leva os militantes a indagarem sobre a efetividade, eficiência e eficácia dessas ações no cumprimento de suas metas, e não sobre o seu funcionamento sistemático, isto é, como fluxo de trabalho intra ou intergovernamental. Esse é um ponto importante para o gestor. Porém, para os militantes e para os professores capacitados para atender a lei 10.639/2003 o que interessa são os resultados para a população. Finalizando, o que se pode perceber é que a Seção de Combate ao Racismo e à Discriminação é a instância governamental com maior visibilidade institucional em São Carlos. Essa Seção desempenha um papel estratégico no interior da máquina governamental local, pois se encarrega, ao mesmo tempo, da transversalização das políticas de promoção da igualdade racial, junto aos demais órgãos e secretarias municipais, como também das demandas da sociedade civil local na luta contra o racismo e a discriminação. Em contraste com essa visibilidade institucional e social, a falta de estrutura material (salas, veículo), de pessoal (não há servidores vinculados a ela) e financeira (dotação orçamentária) da Seção, combinada com a dificuldade de interlocução com o movimento social, promoveu em cinco anos de atuação um desgaste continuado e persistente junto ao Movimento Negro.

Conclusão Diante dos principais resultados do trabalho de campo, cabe responder de forma direta à pergunta sobre a existência e/ou eficácia, no município de São Carlos, de um sistema de promoção de políticas de igualdade racial preconizado pela Seppir e pelo Fipir. O que se constatou em São Carlos, portanto, foram diferentes níveis de implementação dessas políticas nas várias áreas de atuação e instâncias governamentais. Os avanços mais significativos daquilo que se pode chamar de sistema estão localizados no âmbito educacional. Entretanto, quanto às suas respectivas esferas governamentais, o sistema ainda é restrito, com pouca comunica157

ção (entre a esfera municipal ou estadual e a esfera federal) ou quase nenhuma (entre as esferas estadual e municipal) e/ou articulação intergovernamental. Diante da escassez de recursos, da dimensão das demandas e áreas de atuação e dos constrangimentos administrativos, a articulação da instância municipal com a esfera federal pode ser tomada mais como um espaço de legitimação política (participação no Fipir, visita da ministra a São Carlos) do que de efetiva articulação e implementação de políticas afirmativas que promovam a consciência ética. No que se refere à saúde, por mais que se trabalhe sob a sistemática do SUS, não há, em São Carlos – para além da sensibilização dos gestores da área e da tomada de consciência de sua importância e necessidade –, a incorporação de ações e políticas sistemáticas de promoção da igualdade racial.

158

A IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NO MUNICÍPIO DE VIAMÃO (RS)1 Dijaci David de Oliveira

Introdução Na primeira parte deste trabalho procuramos construir um breve perfi l do município de Viamão (RS), dando ênfase à distribuição de renda e ao panorama educacional. Para tanto, trabalhamos com informações extraídas da base de dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobretudo do Censo de 2000, do IBGE Cidades, do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Dedicamos a segunda parte às reflexões sobre as iniciativas no âmbito do legislativo e do executivo municipal, objetivando a implantação de políticas para a igualdade racial. Para realizar essa análise, baseamo-nos em artigos jornalísticos e nas leis que foram criadas ou que ainda estão em discussão no município. Na terceira parte, procuramos analisar a prática do processo de implementação de uma política de igualdade racial. Quando nos referimos ao processo, estamos pensando nas diferentes interações, embates, proposições e interpretações dos caminhos percorridos pelos diversos atores ao longo da história de implantação dessas políticas. Na última parte, apresentamos de forma sintética as conclusões que julgamos significativas sobre a constituição – a partir da criação da Seppir – de uma teia de relações que contribuíram para o aprofundamento do que poderia ser o embrião de um sistema para a promoção da igualdade racial em âmbito nacional.

Uma visão sobre o município de Viamão O município de Viamão foi fundado em 1880, oito anos antes da conhecida lei da abolição da escravatura. Segundo o Censo 2000, o município conta com 227.429 habitantes. As estimativas para o ano de 2002 indicam uma população de 237.262 habitantes, implicando um incremento de 9.833 novos habitantes. Para o ano de 2005, as projeções indicam uma população 1 Gostaria de agradecer ao professor Sadi Dal Rosso pelo convite e desafio para realizar a análise dos dados coletados pela sua equipe de pesquisa, e por suas leituras críticas. Também ao sociólogo Sales Augusto dos Santos pela realização do trabalho de campo (en159 trevistas e coleta de dados). Suas leituras e numerosas anotações foram fundamentais para dar mais consistência ao texto fi nal.

de 256.709 habitantes, o que significa mais 29.280 habitantes em relação ao indicado no Censo de 20002 e um aumento anual em torno de 5.856 pessoas. Por essas projeções, o município de Viamão possui um crescimento populacional por ano de aproximadamente 2,5%. Com essa população, Viamão se afi rma como um dos maiores municípios do estado do Rio Grande do Sul. De acordo com os dados do Censo de 2000, a cidade possui 181.868 habitantes (93.543 do sexo feminino e 88.325 do sexo masculino) com 10 anos ou mais de idade. A população do município é eminentemente urbana (93%), com apenas 7% vivendo na zona rural. De acordo com os dados do IBGE, o município possui uma taxa média de crescimento da população de 2,61% ao ano. A mortalidade infantil atinge 18 para cada mil nascimentos e a expectativa de vida é de 75 anos. Com relação aos dados sobre educação, em especial sobre analfabetos com mais de 15 anos, o município apresenta um quadro mais satisfatório (6,36%) que o estado (6,65%), assim como em relação à União (13,63%). Em relação às condições dos domicílios urbanos, o município possui 93,4% deles com atendimento de água, 76,5% são beneficiados com esgoto sanitário e 97,6% são atendidos com de coleta de lixo. O IDH3 do município tem apresentado substanciais melhoras nas últimas décadas. Em 1970, o IDH médio era de 0,473 e, em 1980, deu salto extraordinário para 0,714. Na década seguinte (1991), subiu para 0,737 e, finalmente em 2000, registrou um novo salto, passando para 0,808. Tal melhora o colocou acima da média nacional (0,757) e abaixo apenas um centésimo de milésimo da média estadual (0,809). Se o IDH apresenta uma projeção satisfatória, o PIB per capita está bem abaixo da média estadual e nacional. De acordo com os dados do BNDES, o município de Viamão possui um PIB de R$ 312,65 milhões, o que representa uma média per capita de R$ 1.589,60 por habitante (a média nacional é de R$ 4.958,85 e a estadual é de R$ 4.991,79, acima da média nacional). Apesar de contar com apenas 7% de sua população na área rural, o setor corresponde a 17,3% do PIB municipal, o que o coloca acima da participação da indústria, 2 Apesar de indicarmos as projeções dos anos subseqüentes, optamos por trabalhar sempre com os dados oficiais produzidos pelo IBGE relativos ao Censo de 2000. 3 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – analisa o nível de atendimento das necessidades humanas básicas numa região qualquer. O IDH é constituído a partir de três outros dados: saúde, educação e renda. O índice varia de 0 até 1. Quanto mais próximo a 1, melhores são as condições humanas. Assim, o PNUD estabeleceu três principais categorias: entre 0 e 0,5 – situação de “baixo desenvolvimento humano”; de 0,5 até 0,8 – situação de “médio desenvolvimento humano” e de 0,8 até 1 situação de “alto desenvolvimento humano”. Além do IDH, o PNUD criou o IDH-M, com o objetivo de medir o desenvolvimento humano de municípios (PNUD, 1998).

160

com 15,7% do PIB. O forte do município, no entanto, é o setor de serviços, que corresponde a 67% do PIB municipal.

Renda No município, há 71.727 habitantes sem renda, com 10 anos ou mais de idade (39,44% do total) – portanto mais de um terço da população economicamente ativa (PEA). Os que possuem renda correspondem a 110.141 pessoas (62.052 homens e 48.089 mulheres). A renda média mensal no município é de R$ 522,93, sendo a dos homens é de R$ 629,23 e a das mulheres é de R$ 385,76. Por esses dados se verifica uma forte desigualdade de renda (38,7%) entre homens e mulheres. Ainda que a tendência nacional revele uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho e na distribuição de renda (Hoffmann e Leone, 2004; Scorzafave e Meneses Filho, 2005 e 2006), a desigualdade de distribuição de renda demonstra fortes obstáculos para a construção de uma política efetiva de eqüidade de gênero. Todavia a situação se agrava quando se trata de estabelecer as diferenças na distribuição de renda entre brancos e negros e mais ainda quando a abordagem se desdobra por meio dos cruzamentos entre brancos e negros, e gênero. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), “enquanto as mulheres brancas ganham, em média, 63% do que ganham homens brancos, as mulheres negras ganham 66% do que homens do mesmo grupo racial, e apenas 32% do rendimento médio de homens brancos” (IPEA, 2008, p. 13).

Educação Apesar de Viamão possuir 10.244 pessoas (4,5%), com 10 anos ou mais de idade, sem instrução ou com menos de um ano de escolaridade, tal situação está bem abaixo da média nacional (13,63%). Ainda assim, os dados sobre educação do município – indicados pelo IBGE e pelo IDH – não são inteiramente satisfatórios. A despeito da melhora desse indicador entre 1991 e 2000, saltando de 0,818 para 0,892, a média municipal ainda se apresenta abaixo da média estadual (0,904). O número de habitantes com até sete anos de estudo, dentre aqueles com 10 anos ou mais de idade, e de 112.600, ou seja, 49,5% de toda a população. 161

Portanto, praticamente metade da população não completou o ensino básico. Esses dados nos permitem afirmar que expressiva parcela da população de Viamão (45%) possui no máximo o ensino fundamental concluído. Se somarmos ao porcentual daqueles que informaram possuir de oito a dez anos de estudo, ou seja, o equivalente ao ensino médio incompleto, o porcentual subiria para 61,02%.4 Porém, se verificarmos a distribuição racial pelos anos de estudos – conforme os dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs) –, perceberemos que o cenário indicado para a população negra (preta e parda) no Brasil é ainda mais complexo: a média dos anos de estudos para os negros se restringe a 5,2 em 2004 (insuficiente para a conclusão do ensino fundamental), sem contar com o índice de 16,2% de analfabetismo entre os negros. Se tomarmos os anos necessários (em média, onze) para a conclusão do ensino médio, os dados de 2004 apresentam um avanço: saltam de 7,5% em 1992 para 15,5% em 2004. Devemos lembrar, no entanto, que apenas 15,5% dos negros concluem o ensino médio (isso se descontarmos o fenômeno da repetência, tão expressivo na sociedade brasileira, em especial nas populações de baixa renda). Outro traço importante da cidade é o relativo equilíbrio entre pessoas adultas e jovens. O número de pessoas acima dos 60 anos de idade (18.999), ou 8,35%, é praticamente equivalente ao número de crianças com até três anos de idade (18.631). Isso significa que, ao longo de uma a duas décadas, haverá uma significativa população de pessoas adultas em contrapartida a uma baixa população jovem, se considerarmos que a tendência de diminuição do número de filhos observada no Brasil, por família, também ocorra no município.

Iniciativas pela Igualdade Racial De acordo com os dados dos militantes e gestores, Viamão possui seguramente mais de 44% da população formada por negros (pretos e pardos). Os dados do IBGE, porém, indicam uma representação muito menor para a população negra. A despeito das controvérsias quanto ao número correto de participação de negros no município, as políticas para promoção da igualdade racial utilizam-se dos dados fornecidos pelos gestores e militantes. É com base na informação de que a população negra corresponde a 44% que a Câmara Municipal se orientou para criar diversas leis municipais, com o objetivo de ampliar o processo de igualdade racial em Viamão. De acordo com Fontoura (2004), o executivo e o legislativo local têm desenvolvido significativos esforços para assegurar o acesso dos pretos 4 Porcentual dado desconsiderando os casos de repetência e anos em creches escolares.

162

e pardos aos mais variados espaços sociais. Nesse sentido, Viamão “é hoje uma referência nacional em relação às políticas de promoção da igualdade racial, estando na vanguarda em políticas de ação afi rmativa” (Fontoura, 2004, p. 3). Segundo ele, o tema sobre a igualdade racial ganhou força a partir de 2003, ano em que foi criado por decreto executivo municipal o Grupo de Trabalho Anti-Racismo (GTA). Após a constituição do GTA surgiram diversas outras medidas concretas. Dentre os trabalhos que permitem explicitar os resultados concretos, assegurando o acesso dos negros a um programa de igualdade racial, podemos citar a criação das seguintes leis municipais, pela ordem cronológica de aprovação (Quadra 1).

Quadra 1. Leis municipais sobre políticas de igualdade racial Instrumento Decreto executivo 072/2003

Decreto executivo 088/2003 Lei Municipal 2.277/2004

Lei Municipal 3.197/2003

Lei Municipal 3.210/2004

Lei Municipal 3.217/2004

Sumário Institui o Grupo de Trabalho Antiracismo, intersecretarias para elaborar políticas públicas destinadas a garantir igualdade de oportunidade e de direitos entre todos, de forma a assegurar à população discriminada o pleno exercício de sua cidadania. Regulamenta as atividades e a programação a serem realizadas na Semana Municipal de Estudos da Consciência Negra. Estabelece a identificação de raça e etnia nos dados cadastrais da administração Estabelece critérios para admissão, em estágio remunerado, de estudantes de estabelecimentos de ensino superior, profissionalizante e médio, e dá outras providências. Dispõe sobre a reserva de vagas para afro-brasileiros em concursos públicos, para provimento de cargos efetivos, e dá outras providências. Modifica a Lei Municipal 3.210/2004, promulgando o artigo 6º.

Objetivo Cria o Grupo de Trabalho AntiRacismo

Criação da Semana da Consciência Negra Presença do quesito raça/etnia em documentos oficiais. Reserva 20% de vagas para estudantes afrodescendentes Reserva 44% de vagas em concurso público municipal para afrodescendentes Reserva 44% de vagas para admissão em cargos de confiança, para afrodescendentes.

Fonte: Prefeitura Municipal de Viamão – RS, 2005.

163

Além dessas leis, o executivo municipal discutia, em 2005, pelo menos duas outras. A primeira versava sobre a criação de mecanismos, objetivando assegurar a lisura das leis para a igualdade racial. Para tanto, discutiu-se a necessidade de um decreto, propondo a instituição de uma comissão de acompanhamento de ingresso de afro-brasileiros no serviço público e estágios remunerados na prefeitura municipal de Viamão. A segunda dispunha sobre a inclusão de pessoas da raça/etnia negra nas peças publicitárias da prefeitura municipal de Viamão, para não só assegurar a representatividade dos grupos étnico-raciais, mas também proibir a veiculação depreciativa de qualquer grupo. Apesar da criação da lei municipal garantindo o acesso dos negros em serviços públicos, existe um relativo consenso entre os entrevistados de que, na prática, o funcionamento dos dispositivos legais constituídos para estimular a igualdade racial tem sido muito precário. Uma liderança municipal declara em entrevista que o sistema de cotas ainda não funciona no município, o que é motivo de preocupação, sobretudo porque, para muitos dos entrevistados, isso pode significar um desgaste para as políticas de igualdade racial. Deve ficar claro que o funcionamento precário das leis, no entanto, não é visto como um indicativo de que tais programas foram equivocados, mas que, pelo contrário, continuam sendo necessários. Assim, um gestor municipal entrevistado declara que existem cotas para cargos de confiança e para estágio, mas não são preenchidas. Ao que parece, existe há um ambiente propício para esse tipo de política dentro do legislativo local, tanto é que a proposta original que reservava cotas para negros nos concursos era de apenas 22%. Alguns dos entrevistados sequer acreditavam em um número mais expressivo. Na Câmara Municipal, essa proposta foi alterada para 44% e, mais tarde, foi modificada por uma emenda dentro do legislativo, acrescentando um artigo específico com igual exigência para os chamados “cargos comissionados”. No executivo, entretanto, não é visível tal disposição. Isso pode ser evidenciado pelo veto do prefeito à proposta de cotas nos concursos e pelo descompromisso com as políticas de igualdade racial estabelecidas no município.

O processo de implantação de uma política de igualdade racial em Viamão (RS) Como vimos anteriormente, um dos aspectos negativos da constituição de políticas afirmativas está na ausência de mecanismos que as torne efetivas. A relação entre as demandas dos negros e a prática política estabelecida 164

pelo prefeito da cidade tem criado um clima de insatisfação com forte repercussão entre os militantes do Movimento Negro. Procuraremos agora, a partir de seis tópicos seguintes refletir sobre questionamentos produzidos pelos gestores e beneficiários das políticas de igualdade racial, com base em suas trajetórias nas discussões e acompanhamento dos programas de implantação dessas políticas: 1) a falta de uma infraestrutura adequada para o GTA; 2) a ausência de uma prática política de regulamentação das leis constituídas; 3) a interação entre as esferas local, estadual e federal; 4) os discursos que envolvem a trajetória pessoal dos entrevistados; 5) a participação do Movimento Negro, a partir das falas dos entrevistados; 6) imagens criadas sobre a Seppir e sobre os eixos prioritários de trabalho escolhidos por ela.

A ausência de infra-estrutura para o funcionamento do Grupo de Trabalho Anti-Racismo e do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra Discorremos aqui sobre as duas instituições – a municipal e a estadual – por entender que, de acordo com as entrevistas, a situação de ambas é bastante similar. Entre os elementos indicados como carências efetivas de infra-estrutura para viabilizar o trabalho foram citados: ausência de dotação orçamentária própria, de espaço físico, de um quadro efetivo de pessoal e a falta de condições adequadas para a atuação dos conselheiros. Segundo uma liderança municipal entrevistada, “a denúncia é sobre sucateamento”. Essa fala poderia muito bem ser complementada por outra, quando o entrevistado afirma: “Eles não sentem o GTA como algo primordial, dentro de uma Secretaria. Eles não vêem como algo atuante, como algo necessário.” Essas falas podem ser consideradas emblemáticas porque indicam tanto a ausência efetiva de infra-estrutura para atuar quanto a razão pela qual tais organismos não possuem as condições adequadas. Ainda de acordo com os entrevistados, a Codene – que é estadual – já esteve vinculada a diversas outras estruturas administrativas do estado. No caso específico do GTA, não há sequer um espaço físico onde se possa manter memória das atividades realizadas.

165

A falta de uma prática política de regulamentação das leis Os programas de cotas implantados pelos gestores municipais já são reconhecidos como importantes por grande parte de seus beneficiários. Porém, conforme afirma uma das entrevistadas, alguns deles ainda desconhecem a razão dessas políticas, alegando ser “totalmente por fora dessas coisas”. Outro beneficiário, além de apontar a importância dessa política, afirmou que a existência dela se deve à pressão do movimento social. Nesse sentido, ele comenta que ficou “mais contente em saber que existe uma política pública em defesa da raça negra. [...] conseguimos uma coisa muito concreta: encaminhar normas públicas que regulamentassem isso.” No entanto, considerando um discurso favorável e a fala dos entrevistados, ainda falta muito para que o pressuposto da “regulamentação” seja consolidado de fato. Quando falamos de ausência de uma prática política de regulamentação, estamos nos referindo às reflexões e à constituição de mecanismos de efetivação e fiscalização como, por exemplo, a devida dotação orçamentária que permita sua execução, bem como uma designação efetiva do quadro responsável pela execução e pelos procedimentos de fiscalização. Isso tem sido um dos aspectos mais problemáticos na cultura política brasileira: convivemos com um mar de leis aprovadas para os mais variados fins, mas pouco é feito para que seja efetivada em prática diária e continuada. Não é um fato que compromete o fim para o qual foi criada, mas permite a construção de um discurso contrário à política implantada, como se o desvirtuamento da proposta fosse uma responsabilidade de sua própria existência. Esse problema poderia ser sanado com maior envolvimento político dos governos municipal, estadual e federal, segundo os entrevistados.

Ausência de interação sistemática entre as esferas local, estadual e federal Os entrevistados – tanto os vinculados à esfera estadual quanto aqueles vinculados à esfera municipal – são unânimes em afirmar que não existe uma efetiva interação entre os dois níveis de governo e entre estes e a esfera federal. Quando o questionamento se referia às relações entre município e estado, alguns entrevistados reagiam de forma contundente, afi rmando que nem uma nem outra instância possuíam representatividade. Um dos gestores 166

entrevistados, ao se reportar ao papel da Codene – que é o organismo estadual –, declara o seguinte: “nossa Codene não funciona, não funcionou. Funcionou, mas na outra gestão.” Apesar de não existir uma interação efetiva entre os órgãos das três esferas, os gestores entrevistados alegam que uma relação de proximidade poderia ser satisfatória para a implantação e o aprofundamento das políticas de igualdade racial. Muitos deles ressaltaram a importância disso para que as medidas aprovadas tivessem peso político. De acordo com um militante estadual entrevistado, “existe um programa e uma tentativa de articulação, mas também existe uma resistência do estado e do município” para essa implementação. Para esse militante, a Seppir tenta, e até cita que ela encaminhou uma verba ao município, mas não foi direcionada devido a essas resistências por parte de algumas esferas do governo. Nesse aspecto, o entrevistado afirma que seria necessária uma intervenção mais sistemática da Seppir para realizar um programa mais consistente de interlocuções. Nas palavras do entrevistado, “se existisse uma pressão, eles [os organismos municipal e estadual] teriam obrigação de implementar e de realizar as coisas como determinado”. E, ao complementar, alega que há certa ausência da Seppir para cobrar as ações do município: “porque eu não vejo a ministra aqui. É muito raro, só em ocasiões políticas [como] na época da organização da Conferência [...] Ela participou, mas não é só isso.” Como podemos observar, muitos gestores demonstram um sentimento de que, embora o trabalho pela igualdade racial conte com representações estaduais e nacionais, boa parte de sua política é construída sem uma interação que produza uma sinergia dos esforços despendidos, ou seja, confluências de vontades, de iniciativas, que, juntas, poderiam obter mais eficácia na estruturação das ações. Obviamente, isso implica um estágio de aprofundamento de um modelo administrativo, sobre o qual sequer ainda existe clareza em âmbito nacional, estadual e mesmo municipal.

Trajetória pessoal: o papel da militância Outro aspecto relevante diz respeito ao envolvimento do Movimento Negro nas políticas de igualdade racial produzidas pelo município. Para refletirmos sobre esse aspecto é bom lembrar que praticamente todos os nossos entrevistados seguram, ou ainda seguem, uma trajetória em sintonia com o Movimento Negro. Porém, podemos desde já indicar dois grupos predominantes: 1) os que são militantes há muito tempo; 2) os que só recentemente militam o movimento. 167

Esse segundo grupo é alvo de críticas de alguns dos entrevistados, por mostrarem baixa inserção no tema. Alegam que tais militantes podem até desfavorecer os programas de igualdade racial, já que não possuem a competência necessária para assumir os programas e defendê-los. Esse discurso está expresso, por exemplo, em uma afirmação de um gestor estadual: “há também, muitas vezes, infelizmente, negros totalmente desinformados, [...] desinteressados. Mas, ao serem solicitados pelo seu secretário, atendem prontamente com o objetivo de aumentar seu currículo”. Esse fato se confirmou também na pesquisa, em especial quando alguns desses gestores foram indagados sobre as especificidades de certos programas. As respostas dadas não revelaram domínio sobre as políticas para cuja efetivação eles próprios contribuem. No entanto, o fato de serem militantes pode ser apontado como um diferencial importante para as práticas das políticas de igualdade racial, tanto no estado quanto no município. Os entrevistados, de modo geral, destacam a trajetória pessoal do gestor como um fato determinante para a construção do discurso sobre a necessidade das políticas afi rmativas. Mais que construir um discurso burocrático de obediência às deliberações da instância pública, o discurso daqueles que passaram pelo movimento social – em especial pelo Movimento Negro – se estrutura como objetivo de vida, como uma ideologia. Assim, muitos gestores atuam não apenas com base na ética da responsabilidade – conforme o que as regras definem –, mas também de acordo com a ética da convicção, em que se dispõe a ir além daquilo que lhes foi solicitado. Nesse sentido, estão ali para defender uma causa. Para um dos entrevistados, “as pessoas que estão no Grupo [GTA] têm a intenção de trabalhar com essa política, é o interesse também. Foi mais por iniciativa pessoal”.

Participação do Movimento Negro Segundo o coordenador do Codene, hoje o órgão espera atrair um número significativo de entidades do movimento social não apenas para participar do processo de escolha dos novos dirigentes da sociedade civil, mas também para dar mais legitimidade à instituição: “queremos trazer mais de quinhentas entidades, o máximo possível para o processo eleitoral. Ou seja, hoje o Conselho consegue dar um passo importantíssimo para a sua ampliação junto às ONGs, entidades [do Movimento Negro] e, ainda mais, junto ao cidadão.” Outros entrevistados, no entanto, deixam claro que a relação com o Movimento Negro anda bastante desgastada, afirmando haver uma significativa distância entre esse movimento GTA. Esse pensamento foi partilhado por 168

muitos dos entrevistados. O processo de afastamento do Movimento Negro tem sido gradativo, não apenas em relação às atividades do GTA como também às do Codene. Para os entrevistados, isso tem se dado por uma série de fatores: discordâncias político-partidárias, falta de diálogo e ausência de interação entre as esferas municipal, estadual e nacional. Enfim, conclui-se que ainda não existe uma política universalizada para a promoção da igualdade racial.

Observações sobre a Seppir na articulação de uma política nacional pela igualdade racial Ao analisarmos as narrativas dos entrevistados, percebemos claramente que, se por um lado existe uma razoável expectativa sobre o papel da Seppir na articulação de uma política nacional pela igualdade racial, por outro, há várias críticas. Uma parte significativa delas recai sobre a falta de articulação, de orientação e de apoio durante o processo de implantação das políticas que foram aprovadas nos estados e nos municípios. Questionada se existe uma interação entre os diferentes órgãos, e se tal prática se configura em um sistema de políticas para a promoção da igualdade racial, uma liderança estadual entrevistada se pronunciou da seguinte forma: “é necessário que [...] o governo apresente para a sociedade e para o Movimento Negro dados concretos desse engajamento, mesmo com dificuldade de implementação”. E conclui: “desconheço no estado políticas efetivas, mas não descarto [a possibilidade de] que a Seppir possa apresentar os dados dessa efetividade.” Portanto, pelo menos no que se refere ao município de Viamão, o órgão da cidade não é visto como participante de uma rede mais abrangente em nível nacional. Um entrevistado acredita que a Seppir tenha se constituído como um sistema, porém ele não vê dessa forma em Viamão ou no Rio Grande de Sul. Nesse sentido, um gestor municipal declara: “não é que não exista, mas dentro do Fórum da Seppir, com certeza, a gente traz muita coisa. Muita coisa aplicamos no município [...] sem nenhum apoio ou suporte técnico ou financeiro pra isso.” Como podemos perceber, há quem afirme desconhecer o sistema, mas não nega sua possível existência. Além disso, há quem indique o reconhecimento de atividades que possam se configurar em um sistema, como, por exemplo, a constituição do Fórum Intermunicipal para Promoção da Igualdade Racial. As atividades, tais como os debates promovidos e as realizações periódicas dos encontros, têm um potencial para se consolidar em sistema, porém, falta um diálogo mais ativo entre a União, os estados e os municípios capaz de assegurar a concretização das atividades planejadas durante esses encontros. 169

Um sistema para promoção da igualdade racial Não nos cabe aqui desenvolver uma pesquisa em profundidade sobre o que seja um sistema para a promoção da igualdade racial e nem qual seja o melhor modelo para sua execução. No entanto, a partir das narrativas dos entrevistados, podemos indicar como eles visualizam, nas entrelinhas, um sistema para a promoção da igualdade racial. Um dos questionamentos apontados pelos gestores diz respeito à necessidade de empoderamento dos organismos de promoção da igualdade racial. Isso poderia ser feito por duas vias: 1) pelo estímulo a uma maior autonomia dos órgãos, do ponto de vista financeiro e da infra-estrutura (salas, equipamentos e quadro de pessoal); 2) pelo acesso à informação. Existe hoje uma ruptura entre as distintas esferas – e entre elas e o movimento social – que criam organismos isolados que não interagem e, portanto, não partilham informações. Sem uma maior interação não é possível garantir a existência de um sistema. Outro aspecto importante ressaltado foi quanto à descentralização que, da forma como está sendo implantada, tem se configurado não como um sistema, mas como uma série de organismos isolados.

Observações sobre os programas prioritários da seppir Independente desses problemas de coordenação de um programa nacional de políticas de promoção da igualdade racial, podemos visualizar a presença de atividades de pelo menos três dos quatro eixos prioritários definidos pela Seppir – Quilombolas; Lei 10.639/2003; Empreendedorismo e Saúde da População Negra. Destes, apenas as ações desse último exeino não foram indicadas nas falas dos entrevistados. O primeiro eixo diz respeito às políticas para os quilombolas. A publicidade em torno da necessidade de se constitui políticas públicas para atender aos princípios da igualdade racial e, mais precisamente, sobre a necessidade de uma inserção no universo dos quilombolas, certamente tem sido cumprida, ainda que carregada de dificuldades logísticas. O segundo eixo dentro das atividades promovidas pelos órgãos estabelecidos no estado e no município é o da saúde da população negra. Como em todas as outras iniciativas, ela ocorre, primeiramente, por meio de um sistemático processo de formação quanto à necessidade de um olhar específico

170

sobre a população negra, principalmente em relação às doenças que incidem com mais freqüência nesse grupo. Por fim, outro eixo que tem sido destacado – e, talvez, seja um dos mais disseminados – diz respeito à universalização da lei federal 10.639/2003. Ainda que tenha como base o pressuposto dos críticos que negam valor às ações estatais, afirmando que elas são questionáveis quanto à eficácia, os debates e seminários têm gerado algumas modificações importantes no universo municipal. Como observamos, após a realização de um curso de capacitação promovido pelo GTA, uma entrevistada passou a se perceber como sujeito situado e capaz de agir. Assumiu o olhar promovido pelo curso, não apenas como mais um dado da formação curricular, mas como uma nova visão de mundo pela qual ela deve lutar para construir. Isso marca, portanto, um processo de ruptura na vida das pessoas, que, no entanto, não ocorre com facilidade. Mesmo aqueles encarregados de trabalhar com o tema apresentam resistências para aceitar uma leitura diferenciada da sociedade, em que não prevaleça a velha crença da democracia racial, conforme o senso comum compreende.

Conclusão Viamão, sem dúvida, é um município emblemático para refletirmos sobre as políticas de igualdade racial. Impulsionado pela criação da Seppir, o governo municipal instituiu por meio de um decreto o Grupo de Trabalho AntiRacismo (GTA), em 3 de março de 2004, para refletir sobre as políticas da diferença. Depois da criação desse organismo, o município ganhou vários outros mecanismos que procuraram criar, manter e acompanhar todas as iniciativas de acesso e permanência dos negros no espaço público e privado de Viamão. Um destaque a ser feito diz respeito a diálogos muito fragmentados com os órgãos estaduais e federais. De acordo com as entrevistas realizadas no trabalho de campo, apesar de algumas atividades pontuais ocorrerem com a participação de uma das esferas – estadual ou federal –, nada indica que exista uma interação sistemática entre os respectivos organismos. No que se refere à autonomia do órgão constituído para a promoção da igualdade racial no município de Viamão, algumas atividades estão sendo executadas e merecem ser destacadas. Para os entrevistados, as proposições apresentadas pelo GTA têm obtido significativo respaldo na Câmara Municipal, chegando até mesmo a derrubar o veto do prefeito contra algumas medidas pela igualdade racial. 171

Devemos também, realçar que, na contramão do apoio para as proposições do GTA no legislativo, o executivo local tem se mostrado indiferente ou omisso diante das medidas aprovadas em âmbito municipal. Entre elas está a obrigatoriedade de um porcentual fixo de negros para os cargos comissionados no município. Outra observação importante feita por diversos entrevistados diz respeito à oportunidade e necessidade de algum tipo de autonomia financeira para o GTA. A ausência dessa relativa autonomia tem impedido que ele atue com mais determinação, tanto para ampliar seu leque de inserção como para assumir e propor novas iniciativas para a igualdade racial. É importante ressaltar ainda que grande parte dos trabalhos realizados no município de Viamão foi feita com pessoas que têm alguma trajetória na questão racial. Esse dado tem sido expressivo porque, mesmo diante da ausência de equipamentos para apoio aos trabalhos do GTA, há uma sistemática realização de atividades e iniciativas no município. Uma leitura oportuna está no fato de que muitas dessas pessoas – para além da ética da responsabilidade – trabalham, sobretudo, com a ética da convicção. São pessoas que estão ali em um órgão governamental, mas certas de realizar um projeto ideológico, cujo pano de fundo é a igualdade racial. Por fim, devemos considerar também o propósito da Seppir de consolidar um campo de atuação em âmbito federal, ou seja, de constituir um sistema nacional para a promoção da igualdade racial. Apesar de a Seppir representar uma composição nacional, não poderíamos afi rmar que há um sistema de promoção da igualdade racial já consolidado. Partimos do princípio de que é necessário um pacto federativo em que a União, os estados e os municípios realizassem uma divisão de responsabilidades e competências, definindo os mecanismos de participação e o porcentual de investimentos financeiros atribuídos a cada um. No entanto, é preciso reconhecer a importância estratégica da Seppir e levar em conta uma particularidade da Seppir desde a sua gênese. Contrariamente ao princípio de responsabilidades específicas, a Seppir nasce na condição de ministério com o objetivo de construir um novo paradigma de discussão e de formulação de políticas públicas. A partir da premissa da transversalidade, deve pensar em mecanismos que superem a individualização das responsabilidades, passando para uma universalização das competências. Isto é, ao invés de cada esfera ter uma responsabilidade específica (individualização), todas deveriam pensar numa forma de incorporar a questão racial dentro dos programas existentes (universalização da competência). Portanto, não caberia a ela decidir sobre os recursos financeiros investidos, mas julgar em quais iniciativas houve uma incorporação da temática racial. 172

Nesse contexto, estados e municípios criam seus organismos para a promoção da igualdade racial, com a existência de fortes pólos que mantêm esse debate no ar. É importante reconhecer, contudo, que tais práticas não seriam possíveis há dez anos. Além disso, existe um intenso debate sobre as cotas para negros nas universidades, com uma forte resistência para os discursos contrários às políticas afirmativas. Devemos compreender, então, que a Seppir conseguiu enraizar aí o embrião de um sistema nacional para a promoção da igualdade racial. Para tanto, é inevitável discutir formas mais eficientes de descentralização das políticas e dos procedimentos de responsabilidade no campo do combate às desigualdades raciais. Da mesma forma, deve-se repensar o atual modelo de coordenação exercido pela Seppir, criticado por muitos dos entrevistados.

173

174

AS POLÍTICAS PÚBLICAS COM UM SISTEMA1 Sadi Dal Rosso Dijaci David de Oliveira

Premissas da idéia de sistema Segundo Sandroni (2000, p. 560), sistema é um “conjunto de elementos unidos por alguma forma de interação ou interdependência”. Essa definição, porém, é muito ampla. De acordo com esse conceito, o simples fato de um grupo de elementos manter algum tipo de ligação já é suficiente para afi rmarmos que estamos diante de um sistema. Na mesma linha de raciocínio, Johnson (1997, p. 208-209) indica que “um sistema social é qualquer conjunto interdependente de elementos culturais e estruturais que podem ser considerados uma unidade”. As diferenças entre os autores são sutis, mas suficientes para concluirmos que eles não falam a mesma linguagem. Se Sandroni usa o termo “unidos”, Johnson propõe o termo “unidade”. Enquanto Sandroni considera que há um sistema a partir da presença de “interação ou interdependência”, Johnson se limita ao pressuposto da “interdependência”. Portanto, se para Sandroni é possível imaginar um sistema a partir de interações inteiramente flexíveis, para Johnson o sistema se constitui a partir de estruturas que apresentam um mínimo de consistência de laços. Assim, de acordo com Johnson, tendo como base as premissas de “unidade” e de “interdependência”, a teoria propõe que se observe a forma como determinado sistema está organizado, como está adaptado e como os interesses dos subsistemas se encaixam ou colidem entre si. Essas características não são suficientes para distinguirem o modelo proposto por Johnson daquele indicado por Sandroni, porém nos orientam para alguns parâmetros analíticos – quando falamos de sistema, “para onde olhar?” ou “o que analisar?”. Neste aspecto, Johnson não se baseia na teoria funcionalista – de longe uma das mais importantes desse ramo de conhecimento –, mas considera apenas a perspectiva de racionalizar nosso olhar diante dos sistemas. Dentro dessa mesma perspectiva apontada por Johnson, mas com uma orientação mais complexa, Edgar (2003) afirma que um sistema deve 1  Agradecemos as sugestões de Sales Augusto dos Santos em versão anterior do texto.

175

ser analisado pelo grau de ordem que manifesta e pelas relações que ele reforça. De acordo com o autor, pode-se argumentar que qualquer sistema deve satisfazer uma combinação de condições abstratas para permanecer estável e vital. Isso inclui a adaptação ao ambiente externo, a integração interna e a motivação para perceber os objetivos do sistema como um todo.

(Edgar, 2003, p. 348) Ainda segundo o autor, o sistema não coordena pessoas, mas suas ações; portanto, objetiva orientar determinadas práticas ou valores. Se Johnson indica como atributos fundamentais do sistema a organização, a adaptação e a integração, Edgar retém os dois últimos pressupostos básicos (adaptação e integração) e substitui organização por motivação. Para Edgar, uma vez que o sistema objetiva orientar práticas na sociedade, mais do que se constituir como organização estável e consolidada, ele deve se preocupar com a dinâmica e com a complexidade do meio externo. Diferente dos autores citados (Sandroni e Johnson, que não enfatizaram a complexidade externa ao sistema, e Edgar, que reconhece essa complexidade), Brunkhorst toma a idéia de complexidade e a considera também como uma característica do próprio sistema. Para ele, “os sistemas são complexos de elementos e relações, separados por fronteiras dos seus respectivos meios ambientes, os quais são sempre mais complexos que os próprios sistemas” (Brunkhorst, 1996, p. 692). Essa proposição de Brunkhorst nos fornece uma perspectiva diferenciada daquela que poderíamos imaginar, ou seja, de um sistema como algo manipulável ao nosso bel prazer. Os sistemas, segundo ele, não se resumem a estruturas ou pessoas mas, podem ser interações, organizações ou sociedades inteiras. Os sistemas sociais, à semelhança dos sistemas psicológicos, podem caracterizar-se pelo seu uso do significado. Seus elementos, porém, não são pessoas, seres humanos ou sujeitos, mas ações intersubjetivas ou comunicativas.

(Brunkhorst, 1996, p. 692) Observando o pressuposto do autor, ao procurar definir o que deve ser um sistema, somos obrigados a relembrar a perspectiva de Morin (1986). Segundo esse estudioso, se quisermos adquirir algum grau de compreensão da sociedade no mundo contemporâneo, devemos superar nossas heranças positivistas. Sempre que olhamos para a sociedade como cientistas sociais, procuramos respostas simples para problemas complexos. Sempre acredita176

mos que o caminho mais curto é o melhor. E, em conseqüência dessas práticas, acreditamos que o mundo pode ser simplificado e representado em breves respostas. Porém, Brunkhorst (1996) nos orienta para um novo olhar sobre a análise dos sistemas, que deve superar uma perspectiva matemática e calculista, típica da sociedade moderna denunciada por Simmel (1979).

“Com quantos paus se faz um sistema?” Essa pergunta, além de geradora, é também provocadora. Dessa forma, queremos afirmar que um sistema não é manipulável como um objeto e nem é facilmente controlável segundo critérios estabelecidos a priori. Se tomarmos as idéias de Sandroni e Johnson, duas unidades em pontos distintos e com algum tipo de contato poderiam estabelecer um sistema. Portanto, não teríamos dúvidas em afirmar que a Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial (Seppir) constituiu um sistema ao longo do seu trabalho. Porém, sabemos que as respostas dos autores não são parâmetros para analisarmos satisfatoriamente o papel da Seppir na criação de uma rede de relações que compõem ou não um sistema para a promoção da igualdade racial. Partindo então das premissas apontadas por Edgar e sofisticadas por Brunkhorst, compreendemos que um sistema é uma estrutura complexa em sua composição interna, inserida em um meio ainda mais complexo. Se pensarmos especificamente no propósito da Seppir – uma agência federal que atua conjuntamente com os organismos estaduais e mais uma grande quantidade de outras organizações municipais –, não teríamos dúvidas em afirmar que estamos diante de uma estrutura complexa. Essa resposta, obviamente, não satisfaz os cidadãos, as organizações da sociedade civil e os gestores. Porque, ao falarmos de políticas públicas, temos uma forte tendência em imaginarmos o entrelaçamento de dois pressupostos como indicadores inseparáveis: resultados quantificáveis e controle das ações. A partir dos resultados quantificáveis recuperamos a alma da sociedade moderna simmeliana, que só é compreendida por valores mensuráveis e que tem uma razão de ser para a pesquisa – uma vez que as diferenças sociais também são quantitativas, a exemplo da desigualdade de renda e de anos de estudos entre grupos sociais de fundo étnico e de cor da pele. Daí, surgem questionamentos: quantos estados e municípios aderiram aos programas? Qual a quantidade de recursos investidos? Quantas pessoas foram atendidas? Quanto de satisfação demonstraram? 177

As ações seriam controladoras se as pessoas envolvidas em um determinado sistema falassem a mesma linguagem, já que elas estão unidas pelo mesmo propósito. Assim, todos os possíveis “desvios” são demonstrações claras de que, por exemplo, os dirigentes de uma organização não agiram com competência suficiente ou não souberam gerenciar.

As políticas do governo federal, estados e municípios como sistema. A Seppir, criada em 2003, executa quatro grandes ações políticas: a implementação das diretrizes curriculares da lei 10.639/2003; o programa Brasil Quilombola; o desenvolvimento socioeconômico da população negra nos eixos do empreendedorismo, trabalho, geração de renda e qualificação profissional; e a política nacional de saúde da população negra. Essas ações são conduzidas mediante articulação, parceria e integração com os ministérios e outras estruturas governamentais, materializadas pela atuação da Seppir, envolvendo também estados e municípios. A noção de sistema das ações políticas requer um trabalho integrado entre os governos municipal, estadual e federal. O levantamento realizado por região resulta no seguinte quadro complexo: o trabalho de campo nos estados do Amapá e da Bahia aponta para a inexistência de integração entre essas esferas; as bases sociais desconhecem ações desenvolvidas no âmbito municipal; e as iniciativas desenvolvidas pelo Estado não encontram penetração nos municípios. Já em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, os estudos de casos apontam para uma maior integração entre os municípios, os estados e a União. É inegável que a criação da Seppir provocou o surgimento de órgãos gestores nos estados e nos municípios, com cartas de intenções para desenvolver ações visando à igualdade racial. Como se viu antes, alguns organismos estaduais, municipais e federais foram constituídos antes mesmo da criação da Seppir. Entretanto, a criação da Secretaria eleva as ações para um novo patamar, representando uma resposta administrativa para as reivindicações políticas dos movimentos negros. A Seppir é uma secretaria especial com status de ministério; uma estrutura que articula ações-fim com os diversos ministérios e agências do governo, e com os governos estaduais e municipais. Antes de 2003, quando a Secretaria foi criada, havia apenas órgãos públicos (federais, estaduais e municipais) organizados para responder a algumas demandas dos movimentos sociais negros. Hoje, os organismos estaduais co178

brem quase todo o território nacional, com exceção apenas de dois estados. Assim, é real afirmar a existência de uma rede nacional de instituições, sem negar o fato de serem agências novas, ainda não consolidadas e que não conseguem penetrar na realidade dos municípios. O levantamento de campo examinou o fluxo de informações entre os três níveis de governo e concluiu que o conhecimento das prioridades das quatro ações é generalizado. Mas, essa mesma afi rmação não é válida em relação às iniciativas específicas realizadas por municípios e estados. A criação do Fórum de Promoção da Igualdade Racial (Fipir) aponta para um avanço democrático nas relações entre a União, os estados e os municípios, voltadas para o objetivo específico de promover a igualdade racial, mantendo diálogo e articulação. No conjunto das linhas prioritárias de ações implementadas, tem-se a articulação entre as esferas de governo, a institucionalidade das estruturas criadas nos estados e municípios, o fluxo de informações e a criação de uma instância consultiva entre órgãos executores e a Seppir. Essas ações representam iniciativas importantes e oportunas, embora o sistema ainda esteja em estágio inicial de construção. Em alguns municípios e estados ele é quase embrionário, por ser um conjunto parcial de ações e atingir somente alguns pontos do problema. Na maioria dos municípios, nem pode se dizer que o sistema é embrionário, pois não existe qualquer estrutura municipal ou local de atuação para intervir sobre a questão racial. Não parece possível fugir desse paradoxo: existe um sistema em construção, mas ainda muito incompleto e sem presença efetiva na maioria dos municípios brasileiros. Existe uma proposta de sistema sim, mas que não está nem consolidada, nem desenvolvida na dimensão necessária e que não age sobre as causas que podem produzir efeitos significativos e duradouros sobre as desigualdades raciais no país.

179

180

INSTITUCIONALIDADE DAS POLÍTICAS DE PROMOÇÃODE IGUALDADE RACIAL

Sadi Dal Rosso A análise dos organismos criados para implementar as políticas de promoção da igualdade racial permite avaliar, entre outras coisas, o grau de permanência e continuidade das ações públicas. Esperava-se que a União, os estados e os municípios – que constituíram organismos de promoção de igualdade racial sob a forma de secretarias, departamentos, divisões e diretorias – pudessem oferecer uma probabilidade maior de permanência e continuidade das políticas das unidades estruturadas sob a forma de coordenadorias, assessorias, comissões, grupos de trabalho e outros tipos de organismos semelhantes. Porém, não existe garantia total de que as estruturas rígidas das administrações (secretarias, departamentos, divisões, diretorias) sejam permanentes e eficazes. Tudo pode mudar com a alteração de governos, com as reformas políticas e institucionais e com as crises. A promoção de igualdade racial por meio de estruturas rígidas indica uma decisão política firme, com destinação de recursos monetários e humanos, de infra-estrutura física, de equipamentos e serviços. A organização dessas políticas mediante estruturas que chamamos de fluidas (coordenadorias, assessorias, comissões, grupos de trabalho) parece não oferecer o mesmo grau de segurança e continuidade, em virtude das mudanças nas administrações. Tal divisão entre estruturas duradouras e fluidas tem fins analíticos e vai ser empregada para examinar a natureza e a eficácia do sistema de promoção da igualdade racial que está sendo construído no Brasil. A Seppir, organismo nacional de promoção da igualdade racial, é uma secretaria especial com status de ministério, vinculada diretamente ao Palácio do Planalto. Se ela tem, por um lado, espaço físico, infra-estrutura, recursos humanos, equipamentos e sistemas de comunicação, por outro não possui orçamento nem estatuto jurídico para implementar políticas próprias. Sendo assim, a Seppir atua principalmente no campo da negociação com os demais ministérios, que têm sob suas responsabilidades ações fi nalísticas. Na época em que os dados desta pesquisa foram levantados – fevereiro de 2006 –, existiam 145 organismos municipais e estaduais de promoção da igualdade racial e 403 unidades que assinaram convênios com a Seppir, num total de 27 estados e mais de 5.560 municípios. A intenção da investigação era demarcar as estruturas políticas constituídas nos estados e municípios, bem

181

como sua natureza, sua distribuição regional e o grau de cobertura do território nacional por agências estaduais e municipais de implementação de políticas de igualdade racial. O objetivo era também identificar os problemas que poderiam ser detectados a partir da análise da distribuição regional de organismos de promoção da igualdade racial. Esses dados, agregados, demonstram sem equívocos como era o esforço inicial de implantação das políticas, diante da ambição de construir um sistema de promoção de igualdade racial que cobrisse todo o território brasileiro, e quão gigantesca era a tarefa a ser executada. O fato de a Seppir ter o formato de secretaria e atuar na negociação e na coordenação política transversal entre os ministérios finalísticos pode ter servido de referência aos estados e municípios na constituição de suas próprias estruturas. A Seppir não sugere aos estados e municípios a constituição de determinado tipo de organismo; essa decisão cabe totalmente ao executivo estadual e/ou municipal, que adota um tipo de organização a partir de critérios políticos e ante a ação das forças de pressão dos movimentos étnicos e raciais. Verificou-se um predomínio de estruturas fluidas ou flexíveis (67,3%) – distribuídas entre coordenadorias (52,4%), assessorias (12,4%), comissões (2,1%), grupos de trabalho (0,2%) e núcleos (0,2%) – sobre as estruturas duradouras. A flexibilidade estrutural do sistema de promoção da igualdade racial (implantado até 2006) tanto pode se justificar pelo estágio inicial de implantação, como pode significar fragilidade, transitoriedade, deficiência na dotação de recursos humanos, financeiros, infra-estrutura e outras condições necessárias a um órgão que promova esse tipo de política. É preocupante a possibilidade de essa flexibilidade estrutural remeter à transitoriedade de políticas. Então, restaria apenas como garantia a ação dos movimentos sociais existentes nas bases municipais e estaduais. Já as estruturas estaduais e municipais consideradas rígidas perfazem um total de 22,2% e se distribuem na forma de secretarias (12,4%), departamentos (6,2%), divisões (3,4%) e setores (0,2%). Ou seja, apenas um quinto as estruturas corresponde a um padrão institucional que pressupõe durabilidade, permanência e, conseqüentemente, eficácia. A estruturação regional dos organismos de promoção da igualdade racial não acompanha exatamente o quadro nacional. O fato de a região Norte ser a única na qual prevalecem estruturas rígidas é digno de menção. Dos nove organismos existentes, cinco são secretarias (55%). De forma contundente, essa região estaria mais protegida contra as turbulências político-partidárias e conjunturais. Nas demais regiões do país prevalecem organismos flexíveis ou fluidos. A região Sul apresenta a maior porcentagem de estruturas flexíveis entre as 182

demais, com um total de 89%. Seguem-se duas regiões com porcentagens muito próximas: Nordeste, com 70% dos municípios e Sudeste, com 75%. Já a região Centro-Oeste apresenta índices um pouco menores, com 56% dos casos. A distribuição regional dos organismos de promoção da igualdade racial apresenta algumas peculiaridades que merecem destaque. A região Norte e a Centro-Oeste possuem estruturas rígidas de organismos. Já a região Sul, seguida das regiões Sudeste e Nordeste, organiza-se majoritariamente com estruturas flexíveis. Uma explicação plausível para a diversidade regional de órgãos deve ir além da influência da estrutura do organismo nacional. Devem ser considerados o peso regional dos movimentos sociais e as diversas fi losofias políticas dos governos entre outros fatores.

Diversidade regional A análise da distribuição dos organismos de promoção de igualdade racial por regiões pode ser feita também por meio do critério geográficoadministrativo-político, além daquele empregado anteriormente e que levou em conta apenas a divisão das estruturas em rígidas e flexíveis. A região Nordeste concentra, conforme dados de 2006, praticamente metade (48,3%) dos organismos de promoção da igualdade racial, seguida da região Sudeste com 28,3%, a região Centro-Oeste com 11% e as regiões Norte e Sul, ambas com 6,2% dos órgãos. Entre as regiões do país o Nordeste, indiscutivelmente, possui a maior porcentagem de pessoas negras. Constitui um fato animador que nessa região tenham sido criados mais organismos com o objetivo de reduzir o fosso racial. No entanto, regiões com grandes contingentes populacionais ainda não despertaram para a importância de se criarem estruturas estaduais e municipais de promoção da igualdade racial. Alguns estados se destacam pelo número de termos de adesão assinados e pela constituição de organismos de ação. O caso mais saliente é o do Maranhão, que concentra uma grande população quilombola e de negros. Esse estado possui mais de um terço de todos os organismos municipais do país, dando a entender a existência de uma vontade generalizada de empreender ações reparadoras dos problemas da desigualdade social relacionados com a raça e a cor ou que os governos locais se anteciparam para evitar pressões fora de controle. Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás também apresentam números significativos de municípios com algum tipo de estrutura administrativa destinada à promoção da igualdade racial. A criação de agências estaduais significa que políticas voltadas para a 183

saúde, educação, qualificação profissional e atuações em favor das comunidades remanescentes de quilombos, nos níveis de suas respectivas competências, podem atingir o total do território nacional, ainda que nem todos os municípios tenham organizado suas estruturas locais. A existência de agências em praticamente todos os estados brasileiros constitui um poderoso argumento em favor de um sistema de políticas de promoção da igualdade racial. Por mais sérias que sejam, as ações de promoção da igualdade racial não realizam ainda uma cobertura efetiva de todo o território nacional. O mais grave é a falta de organismos estaduais e municipais de atuação, pois as intervenções passam necessariamente pelas ações locais. Parece inverossímil presumir que o reduzido número de agências municipais e estaduais e a efemeridade de suas estruturas primordialmente flexíveis e fluidas não devam ser tomados como indicadores da acentuada fragilidade estrutural dessas políticas.

184

QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL Sadi Dal Rosso Ações no campo do trabalho, do emprego e da qualificação profissional têm significação relevante na conquista da cidadania, pois é através delas que as pessoas têm acesso à renda e, por conseguinte, aos bens materiais e aos serviços indispensáveis para uma vida digna. O trabalho é o critério mais elementar de inclusão social. Se o indivíduo tem trabalho, e dele deriva remuneração adequada, terá, portanto, de onde retirar seu sustento e de seus dependentes. Sem ocupação, ou com ocupação de muito baixo rendimento, a pessoa aproxima-se da área de risco de pertença social. Políticas de geração de emprego, ocupação, trabalho, renda e qualificação profissional, voltadas para grupos que historicamente foram colocados à margem da linha de inclusão social, podem significar a esperança de conquistar as condições necessárias para o rompimento do núcleo duro da desigualdade – apesar de o capitalismo ser um sistema de renovadas exclusões. As desigualdades sociais variam significativamente de país para país, em consonância com o passado de lutas sociais e com a adoção de políticas de inclusão e de universalização da cidadania. A qualificação profissional dirige-se, primeiramente, ao desenvolvimento individual do sujeito. Mas, as políticas de qualificação profissional estão voltadas tanto para a melhoria do desempenho no trabalho e para a elevação do rendimento daqueles que têm uma ocupação, quanto para a obtenção de empregos para aqueles que estão sem trabalho. Quando a qualificação profissional resulta em obtenção de empregos, criação de ocupações ou elevação de renda, contribui inequivocamente para a inclusão social e para a construção da cidadania. Por isso, as políticas de qualificação profissional, em termos gerais, são relevantes para a promoção da igualdade racial, particularmente se tais políticas tiverem por alvo os grupos sociais e étnicos excluídos. Entretanto, a qualificação profissional não resulta necessariamente em criação de postos de trabalho, empregos e elevação da renda, ou seja, essas ações não vão resultar necessariamente em pessoas qualificadas e empregadas. Essa contradição está presente na relação que vincula qualificação profissional ao mundo dos empregos, trabalhos e renda em economias capitalistas de desenvolvimento tardio, como o Brasil. Cabe a esta pesquisa investigar se a formação profissional atinge, além dos grupos economicamente mais desprotegidos, também aqueles que são excluídos em função da cor de sua pele. Moraes (2005) apresenta resulta185

dos dos planos de qualificação profissional dos anos de 2003 e 2004 no Brasil. Tanto para o ano de 2003 quanto para o ano de 2004, os concluintes de cursos de curta duração, de pele branca, ocuparam 41,7% das vagas. Os concluintes que se identificaram como pretos, pardos e indígenas corresponderam a 55,6% do total, com declarações conhecidas em 2003 e com quase igual proporção em 2004. Isso indica que ocuparam espaço além do que seria a participação média da população economicamente ativa, que está em 43,4%. Esses indicadores gerais para os dois anos analisados conduzem à conclusão inicial de que a qualificação profissional, levada a termo pelo Plano Nacional de Qualificação (PNQ), constitui uma ação afi rmativa a favor de pretos, pardos e indígenas, dependendo entretanto da qualidade dessa formação. No entanto, as não-declarações de cor e raça dos concluintes se situam entre 25,9%, em 2004, e 33,1% em 2003 – valores tão elevados que poderiam alterar completamente o significado do PNQ como ação afi rmativa. Isso poderia, portanto, inverter seu significado, podendo levar à conclusão de que não existe ação afirmativa no terreno da qualificação profissional. As razões que explicam tão elevado percentual de não-declaração não são imediatamente perceptíveis, é possível que estejam relacionadas à forma de coleta das informações e à maneira como foram classificadas essas categorias identificadoras da cor da pele. Nesse contexto, não aparece, por exemplo, a categoria “negro”; são empregadas tão somente as classificações “preto” e “pardo”. A autoclassificação de uma pessoa como “negro” está muito distante daquela que se autoclassifica como “preto”, isso pela carga emocional e simbólica que envolve essas classificações. Os instrumentos utilizados para identificar a cor dos concluintes de cursos de formação profissional provavelmente não previam a autoclassificação dos respondentes. Com isso, os resultados do PNQ como ação afi rmativa para grupos atingidos pela desigualdade racial ficaram afetados. Nem mesmo uma análise mais detalhada das informações por estados pode lançar luz sobre o caso. Entre os cinco estados listados, o Rio Grande do Sul é o que apresenta maior percentual de não-resposta para o quesito cor da pele – 38,7% –, seguido do Mato Grosso do Sul, com percentual praticamente idêntico – 38,4%. O Rio Grande do Sul tem uma proporção de população negra menor que outros estados, mas é um local de fortes tensões raciais, o que ajudaria a explicar o elevado grau de não-declaração. Portanto, existe a possibilidade de a maioria dos não-declarantes ter algum traço de negritude. Ainda assim, isso não passa de uma suposição. Não havendo meios de resolver, nos dados que consultamos, o problema dos casos “sem declaração” quanto à cor, resta ainda a alternativa de analisar o agregado dos concluintes “com declaração” por estado. Em três dos 186

cinco estados incluídos nesta pesquisa – Mato Grosso do Sul, Bahia e Amapá –, a participação de negros e pardos nos cursos de formação profissional de curta duração é superior à de brancos nos indicando que esses cursos estão sendo dirigidos para a população-alvo e que, portanto, a política de qualificação profissional pode assumir um papel de ação afi rmativa para a promoção da igualdade racial. Restaria, ainda, analisar se a proporção de negros e brancos concluintes, nesses estados, corresponde minimamente à proporção de negros na população em geral do respectivo estado. A partir dos dados disponíveis, pode-se concluir que existe uma política de formação profissional focada na população-alvo. O relatório da Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o trabalho (UNITRABALHO), de avaliação do Plano Nacional de Qualificação 2004 (PNQ) também permite concluir que há uma predominância de não-brancos (pela agregação de pardos, mulatos e negros, indígenas e orientais) sobre brancos nos cursos de formação profissional: Do ponto de vista da etnia, duas apresentaram-se como predominantes entre os educandos: parda/mulata (41,1%) e branca (38,4%). Os negros constituíam 17,6% dos educandos da população estudada; há evidências de porcentagens muito pequenas para os indígenas (2,0%) e para os orientais (0,6%).

(Saul et al., 2005, p. 41) O relatório faz uma separação, no mínimo questionável, senão completamente descabida, entre pardos/mulatos e negros, como se fossem duas categorias separadas sob o ponto de vista identitário. Tal procedimento retira o poder analítico da identidade pela cor da pele que une negros, pardos e mulatos, reduzindo a capacidade de explicação da qualificação profissional como ação afi rmativa focada para as populações excluídas. Educadores brancos predominam nos cursos de qualificação profissional com 56,4% dos casos; educadores negros, pardos e mulatos perfazem 43,2% do total. Inverte-se a tendência de prevalência de negros, pardos e mulatos entre os concluintes (Saul et al., 2005, p. 51-52). A noção de cursos de qualificação profissional como ação afirmativa não prevalece entre os educadores. As pessoas qualificadas pelo PNQ não vão além de 139.207 indivíduos em 2003 e 137.215 em 2004, números muito pequenos diante das taxas de desemprego e de desocupação vigentes no país. A proporção dos concluintes que eram desocupados variou entre 70% e 90%. A transformação dos cursos de curta duração em empregos permanentes é uma realidade que atinge um número relativamente pequeno dos concluintes. Assim, progressão na carreira, progressão salarial e conquista de empregos acontecem efetivamente, mas não na dimensão esperada, nem desejada. Dessa forma, se a qualificação 187

profissional volta-se para as populações-alvo – entre elas as maiorias étnicoraciais, pobres e excluídas –, a capacidade de impacto será reduzida por promover poucos empregos e gerar poucas novas ocupações ou poucas ascensões nas carreiras e nos salários. O fato de o PNQ promover uma formação profissional de curta duração não é o único fator explicativo para a baixa absorção de concluintes pelo mercado de trabalho. A absorção de mão-de-obra depende de um conjunto de condições parcialmente conhecidas por economistas, sociólogos, psicólogos do trabalho e administradores. A taxa de crescimento econômico é fator indispensável, ainda que insuficiente, porque depende da substituição de mão-de-obra por inovações tecnológicas. A reestruturação da economia brasileira nos últimos vinte anos acabou com milhões de empregos. Nesse mesmo intervalo, nos anos de maior crescimento econômico, a taxa de desemprego jamais despencou a um nível próximo do pleno emprego, mantendo-se praticamente acima dos 10%. Portanto, está-se perante uma incapacidade estrutural da economia de gerar postos de trabalho conforme as necessidades e as exigências da população brasileira. Diante de tal dilema, os próprios trabalhadores corporificaram a “outra economia” na recuperação de empresas falidas e organizadas sob a forma institucional de autogestão, bem como nas cooperativas, nos grupos de trabalho e de produção, nas associações, nas sociedades, operando tanto no espaço urbano como no espaço rural, aparecendo como apelo e como alternativa.

188

CONCLUSÃO No momento da apresentação deste livro ao público, comemoram-se 50 anos do Projeto Unesco sobre as relações raciais no Brasil. Esse projeto mobilizou um número expressivo de pesquisadores, renomados e engajados intelectuais em diversos estados do país para examinar as relações raciais. Nesse sentido, nosso livro homenageia o cinqüentenário do Projeto Unesco e seus ilustres participantes, e constata que alguns dos diagnósticos efetivados na época da pesquisa não foram transformados em políticas concretas. Verifica-se, então, a frustração de boa parte das expectativas que repousavam sobre a capacidade da modernidade brasileira de reduzir o fosso das desigualdades entre negros e brancos, bem como ampliar a inclusão social dos primeiros. Talvez, essa constatação exageradamente otimista tenha oferecido um precioso argumento para os movimentos negros reivindicarem e exigirem uma atuação mais decisiva do Estado e dos governos em relação aos problemas vivenciados nas relações raciais. Nesse contexto, surge a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir-PR) como resultado do clamor dos movimentos negros para que o Estado deixasse de pautar sua conduta por uma postura liberal de suposta neutralidade perante as desigualdades de raça e/ou cor, construídas historicamente no Brasil. A Seppir solicitou pesquisa com o objetivo de responder às seguintes questões: 1) se as políticas atualmente implementadas por ela formam um conjunto sistematicamente estruturado; 2) se esse conjunto tem potencial para atender ao objetivo central que é promover a igualdade racial; 3) se as políticas estão efetivamente sendo implementadas pelos municípios, estados e União. As questões são de natureza diversa e a busca de respostas passa tanto pela análise teórica e de implementação de políticas públicas quanto pela pesquisa de campo. A Seppir desenvolve quatro grandes ações políticas: 1) implementação das diretrizes curriculares da lei 10.639/2003; 2) Programa Brasil Quilombola; 3) desenvolvimento socioeconômico da população negra nos eixos de empreendedorismo, trabalho, emprego e geração de renda; 4) Política Nacional de Saúde da População Negra. As ações em curso correspondem a quatro áreas importantes para a cidadania: educação, saúde, trabalho e reconhecimento e titulação das terras remanescentes de quilombos. No terreno educacional, o esforço está concentrado sobre o cumprimento da lei 10.639/2003, que tem por objetivo recuperar o papel e a imagem da colaboração negra para a história brasileira, permitindo que seja feita uma avaliação mais realista sobre o que representaram as contribuições européia e africana. 189

Isso favorece a reparação no terreno da memória histórica e no campo simbólico das relações raciais no país, constituindo-se num mecanismo importante que age em relação às idéias e às concepções dos grupos racialmente distintos, e que pode ter um efeito em longo prazo de redução da discriminação. A ação política de cumprimento dessa lei significa um ponto de partida, mas não esgota as possibilidades que a esfera educacional pode oferecer para a democratização das relações raciais em nosso país. Se, de um lado, a lei atua no nível simbólico e da formação das idéias e das representações, por outro, não apresenta potencialidade direta para agir sobre outras fontes de desigualdades nas relações raciais, como a exclusão escolar dos afrodescendentes, os diferenciais educacionais entre negros e brancos expressos em anos de escolaridade e o acesso diferenciado a instituições de formação para a obtenção de credenciais educacionais. Já na esfera da saúde, a ação principal é representada pelo combate à anemia falciforme, problema que atinge majoritariamente a população negra. Entretanto, essa ação não se estende sobre muitos outros aspectos da saúde dos indivíduos e dos grupos, sendo, portanto, parcial. No terreno do trabalho, a ação fundamental converge para elevar a participação de negros e outros grupos sociais discriminados na formação profissional. Isso também apresenta limites, ainda que a formação profissional seja um mecanismo relevante para o ingresso a empregos, favorecendo o acesso à renda e constituindo fator potencial para a inclusão social. Mas, os problemas de trabalho enfrentados pela comunidade negra, representando o cerne das desigualdades, situam-se além dos limites da formação profissional. Essa ação política de formação profissional, porém, não contribui para a redução da desigualdade de remuneração entre negros e brancos no trabalho. Pode acontecer em parte, mas não totalmente, uma vez que os fundamentos da desigualdade de salários e remunerações entre negros e brancos não dependem exclusivamente de credenciais educacionais apresentadas pelos respectivos grupos de cor. Ademais, a formação profissional que está sendo realizada pelo governo tem um alcance bastante limitado se considerarmos o número de pessoas beneficiárias e a qualidade das atividades. A questão do trabalho permite um argumento mais claro. O trabalho é o mecanismo por excelência de distribuição do produto social e critério fundamental de inclusão e de exclusão social. O objetivo de promover a igualdade racial supõe que negros e brancos venham a desfrutar de condições eqüitativas de remuneração e trabalho, o que requer a superação das profundas desigualdades historicamente constituídas. Para atingir essa meta está sendo implementada a qualificação profissional e de inclusão em empreendimentos 190

de economia solidária. Ora, a formação profissional e a participação em empreendimentos de economia solidária, ainda que meritórias e compreensíveis como partida de um processo, não detêm a potencialidade de promover a igualdade de rendimentos entre negros e brancos, o que implicaria agir sobre os duros mecanismos de distribuição de renda que extrapolam aquelas formas aceitas pelo mercado. O pressuposto de que as diferenças de remuneração baseiam-se principalmente sobre os recursos educacionais e de qualificação profissional, apropriados por cada grupo social de cor/raça, levaria a assumir que não existe um mecanismo discriminatório de renda específico. Em seu conjunto, as ações políticas implementadas pela Seppir para a promoção da igualdade racial mostram uma face dupla. Por um lado, são ações que atuam sobre fatores importantes – educação, saúde, trabalho, reconhecimento e titulação das terras quilombolas, simbologia, memória histórica –, reduzindo as desigualdades raciais, mas, por outro, são ações em estágio absolutamente inicial, embrionário, opecionalizadas com uma estrutura limitada e com recursos escassos. Assim, elas apontam para seus próprios limites, já que possuem abrangência restrita e potencial efetivo bastante limitado para atingir o objetivo fundamental de promover a igualdade racial num período de tempo razoável. Por isso, devem ser urgentemente complementadas por outras ações igualmente ou mais relevantes. A questão do trabalho oferece um quadro mais claro do argumento, pois é um mecanismo por excelência de distribuição do produto social e do critério fundamental da inclusão ou da exclusão social. O objetivo de promover a igualdade racial faz supor que negros e brancos desfrutem de condições eqüitativas de remuneração e empregabilidade, o que requer a superação das profundas desigualdades historicamente constituídas. Para atingir essa meta de redução da desigualdade de renda entre negros e brancos, está sendo implementada a ação de qualificação profissional e de inclusão em empreendimentos de economia solidária. No entanto, essa atuação – embora meritória e compreensível como partida de um processo – promove, por si só, a igualdade de rendimentos entre negros e brancos, o que implica agir sobre os mecanismos de distribuição de renda e de acesso a empregos formais. O pressuposto de que as diferenças de remuneração baseiam-se principalmente sobre os recursos educacionais e de qualificação profissional apropriados por cada grupo social de cor implicaria assumir que não existe um mecanismo discriminatório de renda específico por cor. A noção de sistema dessas ações políticas sugere, portanto, uma articulação de trabalho entre as três esferas – municipal, estadual e federal. O levantamento realizado por regiões resulta em um quadro complexo, como por exemplo no estado do Amapá, onde os dados apontam para 191

a não-existência de integração entre as esferas, pois as bases desconhecem as ações desenvolvidas em Macapá e as iniciativas desenvolvidas pelo estado não penetram nos municípios. Sobre isso, existe reclamação da atuação da Seppir por parte da agência estadual que, diretamente ligada aos programas para remanescentes de quilombos, não possui articulação com o estado e, dessa forma, deslegitima sua presença. No estado do Rio Grande do Sul, mais especificamente no município de Viamão, notou-se em diversas entrevistas com lideranças municipais e estaduais um discurso que nos permite reconhecer a existência de um precário sistema para a promoção da igualdade racial. Porém, os discursos são marcadamente críticos ao apontarem as falhas no processo de comunicação entre município, estado, movimento social e governo federal, o que tem contribuído decisivamente para a inexistência de sinergia nos esforços de capacitação e implantação de programas de redução da desigualdade racial. Tal fato indica que o sistema ainda está em fase inicial nessa região. O trabalho de campo realizado em Vitória da Conquista, no estado da Bahia, aponta para uma distinção entre o que se configura como política de estado, por um lado, e política de governo, por outro. Se existe a percepção da conquista de alguns espaços de poder ao longo dos últimos anos, também permanece evidente que ocorreram poucas mudanças materiais, ou seja, pouco acesso à saúde, educação, direitos humanos e mercado de trabalho. O que se nota é uma precária relação intragovernamental, confi rmando a inexistência de um pacto federativo para a real constituição de um sistema para a promoção da igualdade racial. No município de Corguinhos, estado do Mato Grosso do Sul, verificase a compreensão da importância das estruturas montadas para a promoção da igualdade racial. Esse reconhecimento, no entanto, é acompanhado por uma postura crítica com relação à implantação das políticas propostas pelos organismos. As críticas recaem, sobretudo, na esfera do intercâmbio e da interdependência entre as instâncias municipal, estadual e federal. A leitura do processo permite afi rmar, então, que a implantação de um sistema para a promoção da igualdade racial está em fase embrionária e que precisa encontrar meios e caminhos adequados para a sua implantação efetiva. O município de São Carlos, no estado de São Paulo, é reconhecido como berço de um longo processo histórico de organização social no combate ao racismo. Esse protagonismo permitiu a criação de estruturas municipais que antecedem a criação da Seppir no âmbito federal. Porém, a articulação entre as esferas ainda se mostra pouco expressiva, demonstrando uma dispersão dos esforços das políticas implementadas. Portanto, também nessa região 192

prevalece a leitura de que a constituição de um sistema para a promoção da igualdade racial encontra-se ainda incipiente e em processo. É inegável que a criação da Seppir provocou uma explosão no surgimento de órgãos gestores nos estados e nos municípios, além de um grande aumento de cartas de intenções para desenvolver ações visando a igualdade racial. Como demonstramos no capítulo histórico sobre a intervenção do estado na questão racial, organismos estaduais, municipais e federais já foram constituídos antes da criação da Seppir. Entretanto, a criação desse órgão promoveu as ações para um novo patamar: uma resposta administrativa para as reivindicações políticas dos movimentos negros; é uma secretaria especial com status de ministério; é uma estrutura que articula ações-fim com os diversos ministérios e agências do governo, com os governos dos estados e dos municípios. É importante lembrar que em março de 2006 contaram-se 145 organismos estaduais e municipais criados para implementar a promoção da igualdade racial. Além disso, foram assinados 408 termos de adesão ao Fipir, assim distribuídos: 34 em 2004, 369 em 2005 e 5 em 2006. Os organismos cobrem todo o território nacional – à exceção apenas de dois estados – e é possível falar-se na existência de uma rede nacional de instituições. Daí, pode-se supor, mas não sem uma grande margem de dúvida, que as dificuldades resultam do fato de serem agências novas e ainda não consolidadas, e que a estruturação dessa rede nacional de organismos voltados para a promoção da igualdade racial apresenta perspectivas favoráveis de institucionalização e de permanência. Examinando-se os dados referentes à institucionalidade dos organismos criados, percebem-se os limites dessa rede, pois as estruturas, na maioria, são as chamadas fluidas ou flexíveis (representadas por coordenadorias, assessorias, comissões e grupos de trabalho). A prevalência das estruturas flexíveis sobre as rígidas aponta para um caráter provisório das agências, já que estas não dispõem de orçamento, estrutura de pessoal, infra-estrutura de equipamentos e meios; ou indica apenas o caráter incipiente, embrionário das ações, com uma existência oficial, mas não real. O levantamento de campo examinou o fluxo de informações entre união, estados e municípios e indica certa generalização nas prioridades das quatro ações. Mas, essa mesma afi rmação não é válida em relação às iniciativas específicas tomadas por municípios e estados para desenvolver as quatro linhas de prioridades. A criação do Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (Fipir) aponta para um avanço democrático nas relações entre as três esferas públicas, que se voltam para o objetivo específico de promover a igualdade racial, com o esforço de manter o diálogo e a articulação. 193

Por meio da observação do conjunto das linhas prioritárias de ações implementadas – a articulação entre essas esferas, a institucionalidade das estruturas criadas nos estados e municípios, o fluxo de informações e a criação de uma instância consultiva entre órgãos executores e a Seppir –, conclui-se que estas representam iniciativas importantes e oportunas, mas em estágio inicial de construção. Além disso, é um conjunto parcial de ações articuladas para a promoção da igualdade racial em nosso país, isto é, que atinge apenas partes do problema. Isso deixa transparecer a incompletude do processo e a necessidade de se iniciar outras frentes de ação, cruciais para a construção da cidadania de todos os brasileiros e para a elevação das condições de vida da população negra. Não parece possível fugir dessa duplicidade de achados no resultado do trabalho de campo: existe um sistema em construção, mas incompleto e parcial, agindo em campos absolutamente vitais para a promoção de uma política efetiva de igualdade racial. Esse aspecto, portanto, pode ser observado na incapacidade de agir sobre os diferenciais entre negros e brancos em fase escolar, o rendimento derivado do trabalho, o acesso a empregos formais e de qualidade e o acesso a instituições de formação e de obtenção de credenciais educacionais. Então, é oportuno concluir que existe uma proposta de sistema, mas que ainda não está consolidada nem desenvolvida na dimensão necessária para produzir efeitos significativos sobre as desigualdades raciais.

194

REFERÊNCIAS ABRAMOWICZ, A.; SILVÉRIO, V. R. Afirmando diferenças. Campinas: Papinus, 1996a. ABRAMOWICZ, A.; SILVÉRIO, V. R.; BARBOSA, L. M. de. Educação como prática da diferença. Autores Associados, 1996b. AGUIAR, M. M. As organizações negras em São Carlos: política e identidade cultural. 1998. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 1998. AMAPÁ. Lei nº. 811, 25 de fev. 2004. BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. Viamão-RS: estatísticas sobre o município. Disponível em: . Acesso em: 1º maio 2006. BANDEIRA, L. M.; ALMEIDA, Tânia Mara Campos de. Políticas públicas e violência de gênero: uma discussão com base na rotina das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM) da Região Centro-Oeste. Cadernos Agende, Brasília, v. 5, dez., p. 35-50, 2005. BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971. BORGES, Rosana da Silva. Um fórum para a igualdade racial: articulação entre estados e municípios. São Paulo: Fundação Friedrich Ebert Stiftung, 2005. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 3. ed. (organização de Sérgio Miceli). Tradução de Sérgio Miceli et al. São Paulo: Perspectiva, 1992. BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília, 2005. BRASIL. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional por amostra de domicílios. Rio de Janeiro, 2004. BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado de Direitos Humanos. Relatório do comitê nacional para preparação da participação brasileira na III Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Brasília, 2001. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 4.886, de 20 de novembro de 2003. Institui a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR) e dá outras providências. 195

Brasília, 2003. BRASIL. Secretaria de Políticas Para Promoção da Igualdade Racial (Seppir)/Coletivo de Empreendedores Negros (Ceabra/SP). Fortalecimento Institucional para o Fipir – Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial. São Paulo, 2005. BRASIL. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Termo de adesão ao Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial que entre si celebram a Seppir da Presidência da República e o município de Macapá. Brasília, 2005. BRASIL. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Termo de cooperação técnica que entre si celebram a União, por intermédio da Seppir da Presidência da República, e o estado do Amapá, visando à elaboração do Plano Estadual de Promoção da Igualdade Racial. Brasília, 2005. BRASIL. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Disponível em: http:. Acesso em 10 abr. 2006. BRITO, Raimunda Luzia de. O movimento negro no Mato Grosso do Sul. Cadernos de Diálogos Pedagógicos: combatendo a intolerância e promovendo a igualdade racial na educação sul-mato-grossense. Campo Grande, MS: Secretaria de Educação do Estado do Mato Grosso do Sul, 2005. BRUNKHORST, Hauke. Teoria de sistemas. In: OUTHWAITE, Willian; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. p. 692-694. CÂMARA DE VEREADORES DE VIAMÃO. Proposta de Projeto de lei/2005. Dispõe sobre a inclusão de pessoas da raça/etnia negra nas peças publicitárias da Prefeitura Municipal de Viamão. Viamão, 2005 CATTANI, Antonio David. Dicionário crítico sobre trabalho e tecnologia. Porto Alegre: Editora da Universidade; Petrópolis: Vozes, 2002. CEABRA. Coletivo de empresários e empreendedores afro-brasileiros. Projeto de fortalecimento institucional para o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial. CEABRA, 2005. Mimeografado. CENTRO CULTURAL NEGRO. Discurso proferido na Câmara de Vereadores de São Carlos. São Carlos, s/d. Mimeografado. COORDENADORIA DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (CPPIR/MS). Histórico parcial e resumido da coordenadoria: início da gestão 2003 a 2006. Campo Grande, MS, 2003. Mimeografado. DECRETO EXECUTIVO nº 072/2003. Institui o Grupo de Trabalho Anti-racista intersecretarias. Viamão, 2003. 196

DECRETO EXECUTIVO nº 088/2002. Regulamenta as atividades e a programação a serem realizadas na Semana Municipal de Estudos da Consciência Negra. Viamão, 2002. DEGLER, Carl N. Nem preto nem branco: escravidão e relações raciais no Brasil e nos EUA. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976. DETALHAMENTO DAS ATIVIDADES em que a CPPIR esteve envolvida. Campo Grande, MS, 2003. Mimeografado. EDGAR, Andrew. Teoria de sistemas. In: EDGAR, Andrew; SEDGWICK, Peter. Teoria cultural de A a Z: conceitos-chave para entender o mundo contemporâneo. São Paulo: Contexto, 2003. p. 348-349. FONTOURA, Jader. Viamão avança com destaque nas políticas de promoção da igualdade racial. Viamão: Jornal MNU, 2004. FRANCO, Augusto de. Além da renda: a pobreza brasileira como insuficiência de desenvolvimento. Brasília: Instituto de Política, 2000. FRANCO, Augusto de. Capital social: leituras de Toqueville, Jacobs, Putnam, Fukuyama, Maturana, Castells e Levy. Brasília: Instituto de Política, 2001. FUNDAÇÃO INSTITUTO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Viamão-RS: informações estatísticas. Disponível em: http:. Acesso em 1º maio 2006. GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo: Perspectiva, 1987. GOVERNO DE SÃO PAULO. Coordenadoria de Ensino do Interior da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Disponível em: http: . Acesso em 5 maio 2006. GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1999. HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. Brasília/Rio de Janeiro: IPEA, 2001. (Texto para Discussão, 807). HOFFMANN, Rodolfo; LEONE, Eugênia Troncoso. Participação da mulher no mercado de trabalho e desigualdade da renda domiciliar per capita no Brasil: 1981-2002. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 14, n. 1, p. 35-58, 2004. IBGE. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD. 2004. População/ domicílios. Disponível em: http:. Acesso em 27 abr. 2006. IBGE. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2000. Censo Demográfico, 2000. Disponível em: http:. 197

INSTITUTO DE ESTUDOS DO TRABALHO E SOCIEDADE (IETS). Indicadores de domicílio, família, educação, mercado de trabalho e desigualdade e pobreza: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 19922004. Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2006. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Retrato das desigualdades de gênero e raça: análise preliminar dos dados. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, 2008. JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. LOPES, A. Escola, socialização e cidadania: um estudo da criança negra numa escola pública de São Carlos. São Carlos: EDUSFCar, 1995. MATO GROSSO DO SUL. Decreto E, n° 120, de 13 de dezembro de 2005. Cria Grupo de Trabalho Executivo para elaborar o Plano Estadual de Promoção da Igualdade Racial de Mato Grosso do Sul. MATO GROSSO DO SUL. Decreto n° 11.128, de 24 de fevereiro de 2003. Acrescenta e revoga dispositivos do Decreto nº 11.048, de 27 de dezembro de 2002, que estabelece a estrutura básica das Secretarias de Estado. MATO GROSSO DO SUL. Decreto n° 11.291, de 4 de julho de 2004. Aprova a estrutura básica da Secretaria de Estado de Trabalho, Assistência Social e Economia Solidária, e dá outras providências. MATO GROSSO DO SUL. Decreto n° 11.581, de 14 de abril de 2004. Altera e acrescenta dispositivos ao Decreto nº 11.048 de 27 de dezembro de 2002, que estabelece a estrutura básica das Secretarias de Estado, e dá outras providências. MATO GROSSO DO SUL. Decreto n° 11.813, 14 de março de 2005. Dispõe sobre a competência, composição e o funcionamento do Conselho dos Direitos do Negro/CEDINE-MS, e dá outras providências. MATO GROSSO DO SUL. Decreto nº 10.449, de 2 de agosto de 2001. Cria Grupo de Trabalho para elaboração do Programa de Superação da Exclusão Social Resultante das Desigualdades Raciais. MATO GROSSO DO SUL. Decreto nº 10.681, de 4 de março de 2002. Cria a Coordenadoria de Políticas de Combate ao Racismo, na estrutura administrativa da Secretaria de Estado de Governo, e dá outras providências. MATO GROSSO DO SUL. Lei Estadual nº 2.152, de 26 de outubro de 2000. Dispõe sobre a reorganização da estrutura básica do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso do Sul e dá outras providências. 198

MATO GROSSO DO SUL. Lei estadual nº 702, de 12 de março de 1987. Altera a estrutura básica da Administração Direta do Poder Executivo e dá outras providências. MATO GROSSO DO SUL. Lei nº. 2.598 de 26 de dezembro de 2002. Dispõe sobre a reorganização da estrutura básica do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso do Sul, e dá outras providências. MENEZES FILHO, N. A.; SCORZAFAVE, L. G. Impacto da participação das mulheres na evolução da distribuição de renda do trabalho no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 35, n. 2, p. 245-266, 2005. MENEZES FILHO, N. A.; SCORZAFAVE, Luiz Guilherme. Caracterização da participação feminina no mercado de trabalho: uma análise de decomposição. Revista de Economia Aplicada, v. 10, p. 41-55, 2006. MORAES, Eunice Lea. Relação gênero e raça na política pública de qualificação social e profissional. Brasília: MTE, SPPE, DEQ, 2005. MORIN, Edgar. Para sair do século XX. Tradução de Vera Azambuja Harvey. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO. 1978-1988: 10 anos de luta contra o racismo. São Paulo: Confraria do Livro, 1988. OLIVEIRA, Dijaci David; LIMA, Ricardo Barbosa de; SANTOS, Sales Augusto dos. A cor do medo: o medo da cor. In: OLIVEIRA, Dijaci David de et al. (Org.). A cor do medo: homicídio e relações raciais no Brasil. Brasília: Ed. UnB; Goiânia: Ed. UFG, 1998. (Série Violência em Manchete). OSÓRIO, Rafael G. O sistema classificatório de cor ou raça do IBGE. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2003. (Texto para Discussão, 996). PLANO NACIONAL DE QUALIFICAÇÃO. Relatórios estaduais selecionados (Amapá, Bahia, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio Grande do Sul). Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, Departamento de Qualificação, 2004. (Dados não publicados). PREFEITURA DE MACAPÁ. Decreto nº 440/2005 – PMM, de 13 de abril de 2005. PREFEITURA DE MACAPÁ. Lei nº 1.389/2004 – PMM, de 9 de julho de 2004. PREFEITURA DE SÃO CARLOS. Ações da secretaria municipal de educação e cultura para a implantação das diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana.: São Carlos: Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 2005a. p. 25. Mimeografado. PREFEITURA DE SÃO CARLOS. A participação que dá certo. Ges199

tão 2001-2004. São Carlos, 2005b. p. 146. PREFEITURA DE SÃO CARLOS. Conheça São Carlos. Disponível em: http:. Acesso em 10 abr. 2006a. PREFEITURA DE SÃO CARLOS. História do município. Disponível em: http:. Acesso em 10 abr. 2006b. PREFEITURA DE SÃO CARLOS. Folder com objetivos e áreas de atuação da Seção de Combate ao Racismo da Secretaria de Cidadania e Assistência Social. São Carlos, s/d. p. 4. PREFEITURA DE SÃO CARLOS. Secretaria de Educação e Cultura: estrutura organizacional. Disponível em: http:. Acesso em 10 abr. 2006c. PREFEITURA DE SÃO CARLOS. Plano de Ação da Seção de Combate ao Racismo da Secretaria de Cidadania e Assistência Social. São Carlos, 2006d. p. 59. PREFEITURA DE VIAMÃO-RS. População e domicílios – Censo 2000 com divisão territorial 2001: IBGE – Cidades. Disponível em: . Acesso em: 1º maio 2006. PREFEITURA DE VIAMÃO-RS. Produto interno bruto: IBGE – Cidades. Disponível em: . Acesso em: 1º maio 2006. PREFEITURA DE VIAMÃO. Proposta de Projeto de lei/2005. Institui a comissão de acompanhamento de ingresso de afro-brasileiros no serviço público e estágios remunerados na Prefeitura Municipal de Viamão. Viamão, Gabinete do Prefeito Alex Sander Boscaine, 2005. PREFEITURA DE VIAMÃO-RS. Serviços de saúde: IBGE – Cidades. Disponível em: . Acesso em: 1º maio 2006. PREFEITURA DE VIAMÃO-RS. Síntese: IBGE – Cidades. Disponível em: . Acesso em: 1º maio 2006. PREFEITURA DE VIAMÃO-RS: Ensino,matrícula, docentes e rede escolar 2004: IBGE – Cidades. Disponível em: . Acesso em: 1º maio 2006. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Desenvolvimento humano e condições de vida: indicadores brasileiros – Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/ Fundação João Pinheiro/Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasília/Rio de Janeiro/Belo Horizonte, 1998. PROGRAMA DE SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES RACIAIS (PSDR): versão 2003 a 2006. Campo Grande, MS, 2003. Cartilha. PROJETOS. Gestão de Processos em Educação para a Igualdade Ra200

cial/2006. Mato Grosso do Sul, MS, 2006. Mimeografado. QUEIROZ, Antônio Carlos. Politicamente correto & direitos humanos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2004. RELATÓRIO da I Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial: Estado e Sociedade Promovendo a Igualdade Racial. Campo Grande, MS, 2004. RESUMO DE ARTICULAÇÕES E PROJETOS DO SEMINÁRIO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO. Campo Grande, MS, 2004. Mimeografado. RIBEIRO, Matilde. Apresentação. In: SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (Seppir). Programa Brasil Quilombola. Brasília, 2005. ROSEMBERG, Fúlvia. O branco no IBGE continua branco na ação afirmativa? Estudos Avançados, São Paulo: Universidade de São Paulo, v. 18, n. 50, 2004. SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. São Paulo: Best Seller/Círculo do Livro, 2000. SANGER, Dircenara dos Santos (Org.). Educação sem discriminação: caminhando rumo à Lei Federal 10.639/2003. Viamão-RS: Prefeitura Municipal de Viamão/Secretaria de Educação/Grupo de Trabalho Anti-Racismo (GTA), 2006. Mimeografado. SANTOS, Sales Augusto dos. A lei nº. 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do movimento negro. In: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO E DIVERSIDADE (Org.). Educação anti-racista: caminhos abertos pela lei federal nº. 10.639/03. Brasília, 2005. SANTOS, Sales Augusto dos. Ação Afi rmativa e Mérito Individual. In: SANTOS, Renato Emerson; LOBATO, Fátima (Org.). Ações afirmativas: políticas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. SANTOS, Sales Augusto dos. Ação afi rmativa ou a utopia possível: o perfil dos professores e dos pós-graduandos e a opinião destes sobre ações afi rmativas para os negros ingressarem nos cursos de graduação da UnB. Brasília: ANPEd, 2002 (2° Concurso Negro e Educação. Relatório Final de Pesquisa.). SANTOS, Sales Augusto dos. Who is black in Brazil? A timely or a false question in brazilian race relations in the Era of affirmative action? Latin American Perspectives, v. 33, p. 30-48, July, 2006. SAUL, Ana Maria; FREITAS José Cleber de; PONTUAL, Pedro de Carvalho; KOYAMA, Sérgio Mikio; LUNA, Sérgio Vasconcelos de. Implementação do Sistema de Planejamento, Monitoramento e Avaliação das 201

ações de qualificação social e profissional do Plano Nacional de Qualificação (PNQ)/2004. Relatório Final. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2005. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. Cadernos de Diálogos Pedagógicos: combatendo a intolerância e promovendo a igualdade racial na educação sul-mato-grossense. Campo Grande, MS, 2005. SENA, Ana Lúcia da Silva. Mato Grosso do Sul: construindo uma política para a igualdade racial. In: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. Cadernos de Diálogos Pedagógicos: combatendo a intolerância e promovendo a igualdade racial na educação sulmato-grossense, Campo Grande, MS, 2005. SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio Guilherme (Org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. SOARES, Sergei Suarez Dillon. O perfi l da discriminação no mercado de trabalho: homens negros, mulheres brancas e mulheres negras. Brasília: IPEA, 2000. (Texto para Discussão, 769). TURRA, Cleusa; VENTURI, Gustavo (Org.). Racismo cordial: a mais completa análise sobre preconceito de cor no Brasil. São Paulo: Ática, 1995. PREFEITURA DE VIAMÃO. Lei municipal nº 3.197/2003. Estabelece critérios para admissão em estágio remunerado a estudantes de estabelecimentos de ensino superior, profissionalizante e médio e dá outras providências. Viamão, 2003. PREFEITURA DE VIAMÃO. Lei municipal nº 3.210/2004. Dispõe sobre a reserva de vagas para afro-brasileiros em concursos públicos para provimentos de cargos efetivos, e dá outras providências. Viamão, 2004. PREFEITURA DE VIAMÃO. Lei municipal nº 3.217/2004. Promulga o artigo 6º da Lei Municipal nº 3.210/2004. Viamão, 2004. PREFEITURA DE VIAMÃO. Lei municipal nº 3.277/2004. Estabelece identificação de raça e etnia nos dados cadastrais da administração. Viamão, 2004. WEBER, Max. A ciência como vocação. In: WRIGHT MILLS, C.; GERTH, H.H. (Orgs.). Ensaios de sociologia. 5. ed. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982.

202

SOBRE OS AUTORES Sadi Dal Rosso é professor titular da Universidade de Brasília e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Livros: Mais trabalho: a intensificação do labor na sociedade contemporânea (São Paulo: Boitempo); A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de Prometeu (São Paulo: LTr); O debate sobre a redução da jornada de trabalho (São Paulo: ABET); A intensificação do trabalho na sociedade contemporânea (no prelo); Violência e trabalho no Brasil (Goiânia: Ed. UFG e MNDH, em coautoria com José Fernando da Silva e Ricardo Barbosa de Lima); A regulação social do trabalho (Brasília: Paralelo 15, em co-autoria com Mário César Ferreira). Contato: [email protected] Dijaci David de Oliveira é sociólogo. Bolsista Internacional da Fundação Ford. Doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB. Foi co-organizador dos seguintes livros: Violência policial: tolerância zero? (2001), publicado pela Editora UFG; A cor do medo: homicídio e relações raciais no Brasil (1998), publicado pelas Editoras UnB e UFG, e co-autor de Cadê você: desaparecidos civis no Brasil (1999), publicado pelo MNDH. Contato: [email protected] Sales Augusto dos Santos é sociólogo. Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB (NEAB). Foi organizador do livro Ações afirmativas e combate ao racismo nas Américas (2005), publicado pela Secad/MEC. Também foi coorganizador, entre outros livros, de: Violência policial: tolerância zero? (2001), publicado pela Editora da UFG; A cor do medo: homicídio e relações raciais no Brasil (1998), publicado pelas Editoras UnB e UFG. Contato: [email protected] Nelson Fernando Inocêncio da Silva é mestre em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UnB). Professor do Instituto de Artes da UnB. Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB. Diretor da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN). É autor de Consciência negra em cartaz (2000), publicado pela Editora UnB. Contato: [email protected] Ricardo Barbosa Lima é cientista social, formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), com mestrado (Sociologia) e doutorado (Desenvolvimento Sustentável) realizados na Universidade de Brasília (UnB). Em 1991, iniciou sua carreira acadêmica na UFG, onde foi pesquisador do Museu Antropológico por treze anos. Hoje é professor adjunto da Faculdade de Direito/UFG e coordena o Programa de Direitos Humanos dessa mesma universidade. Atualmente, divide com a Profª. Vilma Machado (MA/UFG) a coordenação de grupo de pesquisa 203

“Memória, Cidadania e Direitos Humanos”, que desenvolve estudos sobre a relação entre desenvolvimento, conhecimento, direitos humanos e justiça ambiental. Desde 1990, atua no Instituto Brasil Central (IBRACE), entidade da sociedade civil que desenvolve trabalhos na área dos direitos humanos e da questão ambiental, da qual é diretor. Em 2002, passou a integrar a equipe de consultores da empresa Observatório Pesquisa de Comportamento, na qual presta assessoria em estudos de mercado e opinião pública. Foi editor da série Violência em Manchete (MNHD e Editora Vozes, UnB e UFG) e co-organizador dos seguintes livros: Violência e trabalho no Brasil (2001), publicado pela Editora UFG; A cor do medo: homicídio e relações raciais no Brasil (1998), publicado pelas Editoras UnB e UFG. Contato: [email protected]. Vilma de Fátima Machado é historiadora com especialização em Museologia pela Universidade Federal de Goiás (2002), mestrado em História das Sociedades Agrárias pela Universidade Federal de Goiás (1995) e doutorado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (2005). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal de Goiás. Contato: [email protected]. Thiago Antônio de Oliveira Sá é sociólogo formado pela Universidade Federal de Minas Gerais. Em 2005, foi bolsista do PID (Programa de Incentivo à Docência) daquela universidade; é mestrando em sociologia pela UFMG. Contato: [email protected].

204

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.