Avaliação do uso e funcionamento do Sistema Condominial de Esgoto em área periurbana de Salvador-Brasil

July 3, 2017 | Autor: L. Moraes | Categoria: Periurban Areas, Apropriated Technology, Sewerage System
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XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental

I-043 - AVALIAÇÃO DO USO E FUNCIONAMENTO DO SISTEMA CONDOMINIAL DE ESGOTOS EM ÁREA PERIURBANA DE SALVADOR - BRASIL Luiz Roberto Santos Moraes(1) Engenheiro Civil e Sanitarista. M.Sc. em Engenharia Sanitária. Ph.D. em Saúde Ambiental. Professor Titular do Departamento de Hidráulica e Saneamento. Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana e Coordenador do Curso de Engenharia Sanitária e Ambiental da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia. Patrícia Campos Borja Engenheira Sanitarista. M.Sc. em Urbanismo. Doutoranda em Urbanismo na Faculdade de Arquitetura da UFBA. Robert Ferreira dos Santos Graduando em Urbanismo na UNEB. Endereço(1): Rua Aristides Novis, 2 - Federação - Salvador - BA - CEP: 40210-630 - Brasil - Tel/Fax: (71) 245-6126 - e-mail: [email protected] RESUMO O trabalho apresenta os resultados da avaliação do uso e funcionamento do sistema condominial de esgoto implantado na Baixa do Camarajipe, assentamento periurbano da cidade do Salvador, com população de 4.000 habitantes. Esta localidade foi alvo de intervenções de saneamento ambiental, habitação e educação ambiental, no valor de U$ 1,5 milhões, executadas no âmbito do Programa Habitar Brasil. A metodologia utilizada na avaliação contemplou técnicas quantitativas e qualitativas, incluindo levantamentos sócioeconômicos e da condição de saneamento ambiental, estudo sobre a satisfação dos moradores, uso e funcionamento do ramal condominial e impacto na saúde da população do projeto implantado. Os levantamento foram realizados antes e após as intervenções que se deram ao longo de cinco anos. Os resultados da avaliação demonstraram que houve uma significativa melhoria na salubridade ambiental, o que repercutiu na redução das parasitoses intestinais, estado nutricional e diarréia infantil, indicadores consagrados para avaliação do impacto das ações de saneamento na saúde da população. Apesar do Poder Público não ter assumido a manutenção do ramal condominial, este funcionou satisfatoriamente. Não houve a melhoria esperada na qualidade da água consumida pela população. Os processos participativos contribuíram para a organização dos moradores e a população ficou satisfeita com os serviços implantados, apesar de alguns problemas de manutenção. Foram identificados conflitos na apropriação de espaços privados para implantação de obra de caráter público. Os espaços públicos, antes insalubres, passam a ser incorporados como espaços de convívio. O Sistema Condominial de Esgoto proporcionou modificações não só no meio físico, mas também no social., apesar de se constituir em um medida limitada na redução das desigualdades sociais, uma vez a população da Baixa ainda se mantém carente de uma série de serviços e direitos de cidadão. PALAVRAS-CHAVE: Sistema Condominial de Esgotos, Avaliação Pós-uso, Impacto na Saúde, Impacto de Projeto de Intervenções.

INTRODUÇÃO A situação de saneamento ambiental e de habitação da periferia urbana de Salvador tem sido objeto de investigação da Universidade Federal da Bahia, através dos Departamentos de Hidráulica e Saneamento e de Construção e Estruturas. O projeto intitulado AISAM - Avaliação do Impacto das Medidas de Saneamento Ambiental em Áreas Pauperizadas de Salvador, deu início a uma série de projetos que buscavam conhecer/reconhecer esta realidade de forma a identificar formas de modificá-la. Com o intuito de testar uma metodologia de intervenção em áreas periurbanas foi concebido e executado o projeto AISAM II - Ações Integradas de Saneamento Ambiental em Área Periurbana de Salvador, que se constituiu em uma pesquisaação.

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XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental O AISAM II foi desenvolvido entre os anos de 1993 a 1997 na localidade da Baixa do Camurujipe com população de 4.000 habitantes, tendo como princípios básicos a integração das ações de saneamento ambiental e habitação, a busca da integração interinstitucional e a participação popular. Com financiamento do extinto Ministério do Bem-Estar Social, no valor de US$ 1,5 milhão, foram implementadas obras de pavimentação, abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem de águas pluviais, limpeza urbana e construção de moradias, além de ações de educação sanitária e ambiental. O presente trabalho visa apresentar os resultados da avaliação realizada sobre o uso e funcionamento do sistema condominial de esgotos implantado nesta localidade.

O SISTEMA CONDOMINIAL DE ESGOTO COMO TECNOLOGIA APROPRIADA PARA A BAIXA DO CAMURUJIPE

CONSIDERAÇÕES GERAIS Em face da situação de esgotamento sanitário da Baixa do Camurujipe, responsável em grande medida por baixos níveis de saúde da população, principalmente da infantil, e diante das diretrizes do Projeto AISAM II em adotar tecnologias apropriadas à realidade local, optou-se pela implantação do sistema condominial de esgotos, após discussões com a população local sobre as diversas tecnologias de destino dos esgotos. Segundo ALVA (1984) “a definição de tecnologias apropriadas tem sentido prático só enquanto relacionada a um conjunto de circunstâncias específicas de tempo, lugar e culturas”, sendo que tais circunstâncias são essencialmente locais. Uma tecnologia, neste contexto, pode ser ideal para uma sociedade, mas imprópria para outra. Contudo, observa-se uma adaptação ou variação de uma mesma tecnologia de uma cultura para outra. Muitas vezes uma tecnologia é a solução para uma realidade, mas a falta de critérios técnicos compromete o resultado final esperado. A tecnologia apropriada nasce, desenvolve-se e se reproduz numa sociedade caso o ambiente favoreça. Assim, a escolha de uma tecnologia não depende exclusivamente dos técnicos, mas sim é produto de processos sociais que supõem a intervenção de um grande número de agentes. Os diferentes grupos sócioculturais terão tecnologias apropriadas somente se existir uma vontade política neste sentido (ALVA, 1984). O sistema condominial de esgoto - SCE vem sendo considerado no Brasil como uma tecnologia apropriada a realidade brasileira, em face ao seu baixo custo de implantação, sua adequação à tipologia habitacional e ocupacional, marcada por alta densidade populacional e topografia acidentada. O SCE surge como alternativa para o sistema convencional, determinando o barateamento dos custos de implantação, operação e manutenção de sistemas de esgotamento sanitário. O sistema convencional tem custos de implantação, operação e manutenção elevados, exige equipamentos de energia, estações elevatórias ao longo do percurso e escavações mais profundas para assentamento da rede. É empregado, mais freqüentemente, em um partido urbanístico que obedeça uma geometria, com quadras delimitadas e com algum tipo de alinhamento. No sistema convencional “a rede coletora acompanha o traçado das ruas contornando todas as quadras e cada residência liga-se individualmente a essa rede” (FSESP,1987). O SCE, ao contrário, busca o esgoto na fonte, onde é gerado: pelo fundo do lote, na frente do lote ou na calçada (V. Figura 1). Em áreas de topografia acidentada, de alta densidade populacional e de ocupação “desordenada”1, o SCE torna-se uma solução indicada. Este sistema tem como características básicas: menor custo; adequação à realidade socioambiental das populações; participação popular em todas as etapas do projeto (planejamento, execução, operação e manutenção). Ressalta-se que o SCE não se refere apenas a uma obra física, a uma rede de esgoto, e sim a todo um processo participativo. 1

Refere-se à uma ocupação não planejada pelo Poder Público, cujos lotes são dispostos segundo lógicas intrínsecas ao processo de ocupação.

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XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental Figura 1 - Esquemas dos sistemas convencionais de esgoto e condominial.

Fonte: COSTA, MIRANDA & FONTES. Revista ECOS, n. 3, jan. 1995. O SCE tem suas origens no início do século XX com os trabalhos do engenheiro sanitarista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, que propôs os “quarteirões salubres” para o plano de saneamento da cidade paulista de Santos. Os quarteirões salubres (V. Figura 2), eram “atravessados por vielas sanitárias e ruas particulares, com ou sem parques interiores gramados e arborizados” criando uma morfologia urbana original (ANDRADE, 1991). Foi, no entanto, MELO (1985), provavelmente baseado nas idéias de Saturnino de Brito2, que desenvolveu e disseminou no Brasil e para o mundo o Sistema Condominial de Esgoto, implantado inicialmente em Natal na década de 80. Hoje, esta tecnologia é tão aceita que faz parte de manuais elaborados e editados por programas da Organização das Nações Unidas (UNCHS, 1986; MDU, 1986). Segundo AZEVEDO NETO (1992), a “(...) palavra condomínio significa um sistema de conexões em regime de propriedade horizontal das conexões dentro de cada quadra. Cada casa da quadra está conectada com a rede coletiva através de uma pequena caixa de inspeção". ANDRADE NETO (1994) afirma que o sistema condominial é “tomado como padrão de serviço para a coleta dos esgotos em nível das quadras urbanas (...) não é obrigatório ou exclusivo, é permitida a livre opção de cada usuário quanto à forma de seu ingresso no serviço, cabendo-lhe o ônus pelo acréscimo de custo decorrente dessa opção, (...) o fundamental é a formação do condomínio. O traçado, o mais racional possível, é discutido com os usuários e apresentado como padrão de serviços (...) tem também, como instrumento físico, rede coletora simplificada, que recebe as contribuições dos ramais-condomínios e, conseqüentemente, tem extensão reduzida e baixa profundidade". A FSESP (1987) estabelece que um conjunto de residências unifamiliares forma um condomínio. “(...) Através de uma rede interna, interliga-se sucessivamente um conjunto de casas (uma quadra) e esse conjunto chegará à rede pública em um ponto apenas".

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Os trabalhos do Engo. José Carlos Rodrigues de Melo não deixam claras as origens do sistema condominial de esgoto.

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XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental Figura. 2 - Quarteirões salubres e as vielas sanitárias propostos por Saturnino de Brito.

Como dito anteriormente, o SCE foi implantado pela primeira vez no Brasil na cidade de Natal, estado do Rio Grande do Norte, na década de 80. A partir daí, serviu de exemplo para outras cidades nordestinas a exemplo de Ilha de Santana em Olinda, Pernambuco (1985); Juazeiro, Bahia (1987); Camaçari, Bahia (1987); Itabuna, Bahia (1994) e Distrito Federal (1991). A experiência de Pernambuco teve como objetivo ampliar a cobertura da população com esgotamento sanitário. A alternativa encontrada foi o SCE, que se desenvolvia a partir da idéia de microssistemas. Estes sistemas eram compostos das instalações sanitárias domiciliares, do ramal condominial, da rede básica e de estações de tratamento, instaladas junto à área de produção, ou seja: coletava-se e tratava-se esgoto de pequenas bacias, com um volume menor destes efluentes. Esta concepção colocou uma alternativa à tendência de coleta, afastamento, tratamento e disposição final de esgotos envolvendo grandes bacias e volumes de esgoto, o que onera os custos de implantação e operação dos sistemas. Em Pernambuco, os ramais condominiais foram construídos no fundo dos lotes, recebendo o esgoto de cada casa e a rede básica foi construída nas calçadas ou ruas, substituindo a rede coletora do sistema convencional de esgotos. A tarefa de operação e manutenção das instalações domiciliares e o ramal condominial ficou sob a responsabilidade da população atendida, distribuída através de vários condomínios. A operação e manutenção da rede básica e da estação de tratamento de esgoto ficaram sob responsabilidade do Poder Público. A experiência de Ilha de Santana - Olinda (PE), teve início em 1985, seguiu a mesma concepção referida anteriormente. No entanto, houve grande dificuldade construtiva na execução do ramal, devido ao elevado nível do lençol freático da região, gerando problemas de operação após as obras. O SCE de Itabuna (BA) foi implantado pela Empresa Municipal de Águas e Saneamento EMASA em 1993, tendo as seguintes características: −

Participação popular - Este item envolvia a realização de campanhas para a divulgar o SCE; de reuniões com a comunidade; de visitas a todas as casas, tanto pelos agentes comunitários quanto pelos técnicos, para dar esclarecimentos; assinatura do termo de adesão - morador e responsável pelo órgão gestor do serviço, todas estas ações contavam com a inserção da imprensa local. Nas reuniões de adesão os moradores elegiam o líder de cada quadra, cuja função era colher assinaturas ao termo de adesão, servir de interlocutor entre os moradores e a EMASA e esclarecer dúvidas. Era estimulada as competição entre as quadras, ao se definir que quanto maior a participação mais rápido a rede seria executada.

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− −

Operação - A responsabilidade da operação era compartilhada entre o Poder Público (EMASA) e a população beneficiada. A operação da rede pública e ramais situados nas calçadas ficou a cargo da EMASA, enquanto as redes localizadas nos fundos dos lotes ficaram sob a responsabilidade dos proprietários. Tarifas - As tarifas foram definidas em função da localização da rede implantada. Para as ligações cujos ramais estavam situados no fundo do lote a tarifa estabelecida foi de 25% da conta de água, 35% na frente da casa e dentro do lote e 45% nas calçadas. Cobertura - A meta foi atender a toda a população das áreas alvo dos SCE. Para atendimento desta meta a EMASA fornecia o material para a execução dos ramais, sendo que as populações de alta renda contratavam o pessoal para implantá-lo e as de menor realizavam este serviço diretamente ou em regime de mutirão (MIRANDA & COSTA, 1996).

No Distrito Federal, em 1991, teve início a implantação do SCE, que hoje atende a mais de 340 mil pessoas dos mais diversos estratos sociais, inclusive aquelas que residem nas margens da Lago Paranoá, área tipicamente ocupada por população de faixa de renda alta (NAZARETH, 1997). Na Bahia, a primeira experiência em SCE foi implantada em Camaçari no final da década de 80, com a implantação de melhorias sanitárias intradomiciliares, redes condominiais seguidas de pequenas estações de tratamento, executados em alguns bairros da cidade e contando com a participação da população local. Neste mesmo período a cidade de Juazeiro foi alvo de implantação de SCE. O primeiro SCE da capital, Salvador, foi implantado em 1995 na Baixa do Camurujipe, no âmbito do Projeto AISAM II ora em avaliação. Posteriormente, o Programa Bahia Azul, do governo do estado da Bahia, adotou esta alternativa como solução para a problemática do esgotamento sanitário da cidade do Salvador, principalmente da periferia urbana, apesar desta tecnologia não ter sido contemplada na Revisão e Atualização do Plano Diretor de Esgotos de Salvador (BAHIA, 1995). Mesmo com o menor custo de implantação do SCE em relação ao sistema convencional e da sua adequação à realidade de ocupação das periferias urbanas brasileiras, existem restrições para a sua implantação, principalmente em larga escala. Como dito anteriormente, o SCE não diz respeito unicamente a execução de uma obra física, e sim a uma obra social que deve ser planejada, executada e mantida a partir de acordos, pactos que envolvem o Poder Público, as populações beneficiadas e as lideranças locais. Para tanto, um programa de educação sanitária e ambiental deve acompanhar a implementação de SCE, para que haja um processo de discussão intenso com as populações alvo. Pode-se citar três pontos que tornam o SCE vulnerável: a) uso de coletores de pequenos diâmetros (100mm), gerando resistências para a “nova”3 tecnologia, devido às dúvidas da população quanto à sua adequação para a coleta de esgotos de vários domicílios; b) uso de espaços privados e semiprivados para a sua implantação, podendo gerar conflitos de vizinhança; c) baixa capacidade de mobilização popular e pequeno número de entidades de bairro organizadas, exigindo um grande esforço por parte do Poder Público em promover discussões com as populações para o entendimento do SCE, para a tomada de decisão e divisão de tarefas e responsabilidades.

METODOLOGIA O estudo foi realizado na Baixa do Camurujipe, assentamento humano de 4.000 habitantes localizado na periferia da cidade de Salvador, Bahia, Brasil, no âmbito do Projeto AISAM II. Diversos levantamentos foram desenvolvidos visando fornecer informações para a avaliação do uso e funcionamento do SCE, a saber: • Estudo sobre condições sócio-econômicas e de saneamento ambiental através da aplicação de questionário domiciliar; • Estudo sobre a satisfação dos moradores quanto ao SCE; 3

Na verdade, o uso de ramais de diâmetro de 100mm é uma solução utilizada pela população da periferia urbana de Salvador há vários anos. A dúvida se estabelece quando estas redes se conectam a outras do mesmo diâmetro. A crença é que deveria ser usado um diâmetro maior para interligar ramais de mesmo diâmetro. Daí, a importância do trabalho de educação sanitária no esclarecimento desta questão.

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XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental • Estudo sobre o uso e funcionamento do SCE através de questionário aplicado em todas as vias da localidade; • Estudo sobre a qualidade bacteriológica da água consumida pela população; • Estudo de prevalência de diarréia em crianças menores de cinco anos de idade; • Avaliação do estado nutricional de crianças menores de cinco anos de idade; • Avaliação da prevalência de parasitoses intestinais em crianças na faixa etária de 7-14 anos. RESULTADOS PROJETO E OBRA Várias discussões foram realizadas entre técnicos dos órgãos envolvidos com o Projeto AISAM II e a população local com vistas a selecionar a tecnologia a ser utilizada para o destino dos esgotos, definindo-se pelo SCE. Tal escolha foi pautada na sua adequação à topografia local; na tipologia da ocupação, marcada por lotes dispostos com pouco disciplinamento e em sua maioria em encostas íngremes, e, por fim, no menor custo de implantação e operação. Maquetes, mapas seriados e reuniões por rua foram realizadas visando promover ampla discussão com a população local sobre as características do SCE, seu funcionamento e formas de operação e manutenção. Discutiu-se a importância da criação dos condomínios por quadra e a necessidade de eleição dos síndicos que seriam responsáveis por fiscalizar o SCE; da promoção das manutenções necessárias em conjunto com os moradores; da resolução de prováveis conflitos entre os vizinhos e como entrar em contato com o Poder Público responsável pela operação da rede básica. No total foram implantados 1.848m de ramal condominial em meio a uma série de conflitos entre o Comitê Gestor do Projeto AISAM II, o órgão contratante, no caso a Prefeitura Municipal de Salvador - PMS, a empresa executora e a população local, diante da discordância de encaminhamentos. A fiscalização da obra também foi muito criticada, devido a qualidade dos materiais e das obras e da relação escravista da empreiteira com os operários. Em face da indefinição entre a Prefeitura e a concessionária estadual de águas e esgotos-EMBASA quanto à responsabilidade da operação e manutenção do SCE, a população local, diante dos problemas de manutenção, passou a realizar limpezas das tubulações, de caixas de passagem, substituição de tampas de caixas etc. Após seguidas reivindicações da população a concessionária estadual passou a operar o SCE, cobrando como tarifa de esgotos 45% do valor da tarifa de água.

USO E FUNCIONAMENTO DO SCE Com a implantação do SCE a situação do destino dos dejetos nesta localidade foi significativamente modificada. Atualmente cerca de 96,9% das vias da Baixa dispõem de alguma solução para o destino dos esgotos sanitários, sendo que 25% das vias contam com rede condominial de esgotos. Em 54,4% das vias uma parte dos moradores lança seus 4 esgotos na rede condominial e a outra na rede de drenagem e em 3,1% os mesmos vão para a rede de drenagem. Ao longo do tempo ocorreram modificações no lançamento dos esgotos domésticos, em face aos problemas de manutenção (V. Figura 3).

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Alguns moradores na época das obras se recusaram a lançar seus esgotos no SCE, uma vez que já dispunham de outra solução.

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Em percentuais de vias

Figura 3 - Disposição dos esgotos na Baixa do Camarajipe. Salvador, 1997/1998.

100% 80% 60% 40% 20% 0%

Ago/97 Nov/97 Mar/98 Jun/98 Dez/98

A céu aberto/outro

3,0

3,0

3,0

9,1

3,1

drenagem/rede de esgoto

54,5

60,6

60,6

63,6

68,8

Rede de esgoto

36,4

30,3

30,3

24,2

25,0

Rede de drenagem

6,1

6,1

6,1

3,0

3,1

Cerca de 67% da rede de esgoto foi implantada na calçada, ou na frente do lote. Esta situação foi se alterando ao longo do tempo em face da retirada das ligações da rede, devido aos problemas de manutenção, inclusive todas as ligações realizadas no fundo do lote foram desfeitas. Segundo os levantamentos realizados, apesar dos problemas de manutenção, o SCE se manteve funcionando durante o período estudado - dois anos. O mês de junho de 1998 foi o que apresentou a situação mais crítica: cerca de 20% da rede estava fora de operação. Exatamente após esta rodada de verificação, em dezembro de 1998, a EMBASA iniciou a operação da rede e realizou serviços de manutenção, o que determinou a resolução de praticamente todos os problemas. No período observado, o percentual de vias com rede de esgoto em bom estado variou de 53,3% para 87,1%. As obstruções na rede se constituíram nos maiores problemas verificados, seguidos dos vazamentos. Até a EMBASA iniciar a manutenção/operação da rede, este serviço foi executado pela própria população - por cada morador ou de forma coletiva. Inclusive, em novembro de 1997, obteve-se um percentual de vias em bom estado próximo ao obtido após as obras de manutenção da EMBASA (V. Figuras 4 e 5).

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Figura 4 - Estado da rede de esgoto da Baixa do Camurujipe. Salvador, 1997 - 1998.

100,0 Em percentuais de vias

90,0 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 Presença de vazamentos

Ago/97

Nov/97

Mar/98

Jun/98

Dez/98

3,3

0,0

0,0

0,0

3,2

Aflorando no pavimento

6,7

3,3

6,7

0,0

9,7

Parcialmente obstruída

23,3

3,3

10,0

6,7

0,0

Rede obstruída

3,3

0,0

0,0

13,3

0,0

Em aparente bom estado

53,3

86,7

73,3

70,0

87,1

Aflorando e obstruídas

0,0

0,0

6,7

10,0

0,0

Presença de vazamentos/outros

6,7

6,7

3,3

0,0

0,0

Figura 5 - Condições de funcionamento da rede de esgoto. Salvador, 1997/1998.

Em percentuais de vias

100% 80% 60% 40% 20% 0%

Ago/97

Nov/97

Mar/98

Jun/98

Dez/98

Parcialmente funcionando

3,3

3,3

3,3

3,3

0,0

Fora de operação por dano

13,3

0,0

3,3

20,0

0,0

Em operação

83,3

96,7

93,3

76,7

100,0

*As ações da população para a manutenção da rede foram a todo o momento constatadas em campo, a exemplo da colocação de tampas improvisadas, a limpeza de caixas coletoras e da rede. Por outro lado, ao se verificar o tipo de material retirado, pôde-se perceber que a população ainda carecia de orientações quanto ao uso da tecnologia implantada. As freqüentes obstruções da rede em alguns trechos levavam a problemas entre a vizinhança e a descrença na nova tecnologia por parte de alguns moradores. Era comum se ouvir dizer que “não precisava ser engenheiro

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XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental para saber que esta rede não pode funcionar, pois o tubo é de 100mm”. Alguns afirmavam que “aquela rede só era implantada em bairro de pobre”. No entanto, a manutenção do funcionamento da rede por parte da população demonstrou que a mesma buscou alternativas para manejar a nova tecnologia. Se por um lado um pequeno percentual de moradores desfez as ligações da rede devido aos problemas de manutenção e a falta de crença no funcionamento da nova tecnologia, por outro, a maior parte, optou em realizar a manutenção. Além disso, as representações da população seguiram reivindicando as providências cabíveis para o Poder Público assumir o novo sistema. Neste ponto, é importante frisar que caso o trabalho de educação sanitária e ambiental fosse mantido, certamente os condomínios por quadra seriam formados, o que poderia potencializar as ações por vezes fragmentadas da população.

SATISFAÇÃO DA POPULAÇÃO Ao se verificar os resultados do diagrama de Paretto, que buscou medir o grau de satisfação de moradores5 da Baixa do Camurujipe, percebe-se que o abastecimento de água foi o componente do saneamento mais bem avaliado (nota atribuída: 7,43). Certamente, o aumento da cobertura e a melhoria da freqüência do abastecimento foram os fatores que contribuíram para esta avaliação. O esgotamento sanitário foi o segundo item melhor avaliado (7,19): se por um lado evidencia a melhoria da salubridade ambiental, por outro deixa evidente que não se atingiu uma situação ótima, certamente devido aos problemas localizados de manutenção. Considerando as avaliações segundo as zonas homogêneas, observa-se que o maior nível de insatisfação com os serviços se deu na rua Almir Araújo, onde havia um quadro crítico de saneamento (V. Figura 6).

Figura 6 - Diagrama de Paretto - Satisfação de moradores da Baixa de Camurujipe com a situação de saneamento. Salvador, set / 98.

7,43

ABASTECIMENTO DE ÁGUA

7,19

ESGOTAMENTO SANITÁRIO

7,09

COLETA DE LIXO PAVIMENTAÇÃO DAS RUAS

6,88

VETORES TRANSMISSORES DE DOENÇAS

6,73 6,54

DRENAGEM DAS ÁGUAS DE CHUVAS 0

5

10

5

A pesquisa sobre satisfação foi realizada com moradores das casas construídas em regime de mutirão e em nas casas auto-construídas amostradas para avaliação pós-uso.

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XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental A Tabela 1, também evidencia o fato referido anteriormente: apesar do bom nível de satisfação quanto às obras implantadas, dentre elas as de esgotamento sanitário, em torno de 17% dos entrevistados estavam insatisfeitos com a rede de esgoto. Tabela 1. Satisfação dos moradores quanto às obras. Baixa do Camurujipe, Salvador, 1998. % Respostas Boas/ótimas Boas, melhorou a saúde/as condições de vida/do bairro Gostou das obras de infra-estrutura Gostou das moradias e não da infra-estrutura Gostou, mas ainda faltam obras Não gostou da rede de esgoto Não gostou da rede de esgoto e outro Gostou em parte Outro Não soube responder

54,55 5,79 7,85 2,07 1,65 15,7 1,65 4,96 1,65 4,13

O IMPACTO NA SAÚDE DAS AÇÕES DE SANEAMENTO AMBIENTAL, INCLUINDO O SCE Avaliando-se a prevalência de diarréia entre os anos de 1993 a 1998, observou-se uma redução estatisticamente significante (p
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