AVALIAÇÃO E CURRÍCULO: SISTEMATIZANDO O DEBATE 1

May 25, 2017 | Autor: Adriana Bauer | Categoria: Curriculum, Avaliacao de desempenho
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AVALIAÇÃO E CURRÍCULO: SISTEMATIZANDO O DEBATE1 Adriana Bauer Resumo Com a expansão e consolidação de avaliações externas e em larga escala, a partir da década de 1990, com foco no desempenho de estudantes, diversos trabalhos acadêmicos são desenvolvidos com o objetivo de compreender as interações existentes entre avaliação e currículo no âmbito dessas políticas e muitos deles analisam suas implicações no cotidiano escolar. Tais estudos revelam diferentes posicionamentos da comunidade acadêmica e educacional no tocante às relações entre avaliação e currículo, que vão desde a crítica exacerbada ao uso das avaliações externas como mecanismo de gestão do currículo até o reconhecimento de sua contribuição para a especificação curricular. Este texto desenvolve-se a partir de dois eixos. Primeiramente, busca-se organizar os argumentos favoráveis e contrários às relações estabelecidas entre avaliação e currículo na literatura acadêmica para, em um segundo momento, analisar como gestores municipais de ensino percebem e justificam as conexões entre programas curriculares e propostas avaliativas. Para concretizar esses objetivos são utilizados dados obtidos em duas pesquisas coordenadas recentemente pela autora, uma com foco no levantamento bibliográfico de trabalhos que se debruçaram sobre a temática da avaliação em larga escala e outra que coletou informações em Secretarias Municipais de Educação sobre iniciativas de avaliação educacional e suas relações com propostas curriculares e práticas pedagógicas em âmbito municipal. Os dados obtidos permitem perceber que, cada vez mais, a avaliação deixa de ser uma etapa do desenvolvimento do currículo para se configurar como um instrumento de determinação do currículo a ser ensinado aos alunos, sendo que esta lógica é avaliada de diferentes formas pelo meio acadêmico e por gestores educacionais. Palavras-chave: avaliação; currículo, trabalhos acadêmicos, gestores

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Texto apresentado no XII Colóquio sobre Questões Curriculares/VIII Colóquio Luso-Brasileiro de Currículo/II Colóquio Luso-Afro-Brasileiro de Questões Curriculares, realizado nos dias 31 de agosto, 1 e 2 de setembro de 2016, na Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

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1. Relações avaliação e currículo na literatura acadêmica: da avaliação como etapa do currículo à avaliação como determinante do currículo

Reflexões sobre as relações entre avaliação e currículo são realizadas de forma mais sistemática, no campo da educação, a partir das contribuições de Ralph Tyler, conhecido por enfatizar a importância da definição dos objetivos educacionais no processo de desenvolvimento curricular. Baseado em sua experiência na construção de testes cognitivos, ele defendia que tais testes poderiam ser úteis para orientar o ensino, à medida que procurassem avaliar o alcance dos objetivos educacionais propostos. Sua contribuição está, assim, em ter definido com clareza a avaliação como uma das etapas do desenvolvimento do currículo. Tyler influenciou não somente o pensamento teórico sobre o currículo, mas também diversos modelos de avaliação curricular, bem como programas de avaliação externa e em larga escala, como o National Assessment of Education Progress (NAEP), proposto nos Estados Unidos desde 1969. Ainda que sua abordagem tenha influenciado sobremaneira a discussão educacional e curricular em diversos países, diversas críticas lhe foram feitas. Cronbach (1963), por exemplo, reafirma a relação entre o desenvolvimento das avaliações e o propósito de melhorar o currículo, defendida tanto por Tyler quanto por Joseph Rice. No entanto, ressalva que a avaliação baseada apenas em testes cognitivos nem sempre possibilita que os dados obtidos sejam utilizados para o desenvolvimento e a melhoria do currículo, devendo ser analisados outros aspectos, além do desenvolvimento cognitivo dos educandos. Para o autor, o crescente interesse nos testes cognitivos e sua larga adoção nos modelos avaliativos, a ponto de se poder confundir avaliação e medida cognitiva, obscureceram as preocupações existentes originalmente quanto à melhoria curricular, ressaltando a importância da diversificação de instrumentos avaliativos, do caráter processual da avaliação e da busca de informações ou evidências para subsidiar o julgamento sobre os cursos ou programas educacionais. As preocupações propaladas por Cronbach na década de 1960 são, ainda hoje, atuais. E, seus alertas sobre os limites do uso dos testes cognitivos nas avaliações, esquecidos. Com a expansão e consolidação de avaliações externas em larga escala em diversos países e nos diversos níveis da federação brasileira (federal, estadual e municipal), observa-se nova ênfase nos resultados de rendimento dos alunos em testes como foco de definição de processos curriculares, reavivando o debate já iniciado naquela época, em contexto internacional.

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Diversos estudos têm buscado iluminar esse debate (Brooke et al, 2011; Sousa e Oliveira, 2007; Silva et al, 2013, entre outros). Ora denunciando a existência de íntimas relações entre a proposição curricular e as avaliações externas, o que levaria a um reducionismo curricular, à falta de autonomia do trabalho docente e à padronização ou homogeneização do trabalho pedagógico, ora apontando a organização do trabalho a ser realizado, a influência no ensino de conteúdos geralmente esquecidos e ao estímulo à formação continuada, os trabalhos assumem posicionamento muito diferenciado. Polêmicas são levantadas no que se refere aos aspectos positivos e negativos envolvidos nas relações que se estabelecem entre avaliação e currículo a partir da expansão e consolidação das iniciativas avaliativas em curso nos vários entes federados. Estariam as avaliações externas cerceando o papel do professor e sua autonomia para decidir o que e como trabalhar com os alunos? As matrizes de avaliação estariam definindo uma base curricular nacional comum para todas as escolas? Se sim, a seleção de conteúdos, competências e habilidades que estaria embasando as avaliações estaria adequada ao que se espera desenvolver em um aluno da Educação Básica? Ou o currículo, em seu entendimento mais amplo, estaria ficando limitado, prejudicando inclusive as concepções de currículo presentes na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação? A próxima seção do artigo dedica-se a compreender as respostas dadas por trabalhos acadêmicos que tratam da temática de avaliação de sistemas educacionais, a essas questões.

2. O que dizem os estudos acadêmicos

O levantamento dos estudos utilizados nessa seção originou-se da pesquisa “Balanço da produção teórica sobre avaliação de sistemas educacionais no Brasil: 19872011”2, que contemplou trabalhos produzidos no disponíveis no Banco de Teses e

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O levantamento inicial dos trabalhos utilizados nesse texto ocorreu no âmbito da pesquisa “Balanço da produção teórica sobre avaliação de sistemas educacionais no Brasil: 1987-2011”, realizada entre 2012 e 2013 na Fundação Carlos Chagas, coordenada por Adriana Bauer. O recorte temporal da pesquisa buscou abranger todos os estudos produzidos na temática de avaliação de sistemas educacionais no Brasil desde a primeira iniciativa conhecida, o SAEP, até os estudos produzidos no ano do levantamento, 2012. No entanto, até a fase de conclusão do levantamento, em julho de 2012, a base CAPES só disponibilizava os trabalho finalizados até dezembro de 2011, não tendo sido possível, assim, contemplar as produções de 2012. Este estudo foi atualizado para incorporar os trabalhos mais atuais, para a produção do presente texto.

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Dissertações da Capes no período estabelecido, selecionados a partir de busca realizada no campo “assunto”, a partir de descritores pré-definidos3. A busca realizada na Base Capes foi do tipo denominado “por expressão exata”, sendo que não retornou resultados para alguns dos descritores de pesquisa. Os trabalhos que se repetiam foram desconsiderados e procedeu-se a um refinamento da pesquisa, a partir da leitura dos títulos e resumos de todos os trabalhos. Após essa triagem, foram obtidos 294 estudos que compuseram a base de dados organizada com o auxílio do software Access. Para a produção do presente texto selecionou-se dessa base de dados os trabalhos nos quais constavam nos campos título, resumo e/ou palavras-chave os seguintes termos: currículo/curricular, proposta curricular, conteúdos, diretrizes curriculares, matrizes curriculares, habilidades e competências, práticas curriculares e práticas pedagógicas. Foram, assim, elegidos 69 trabalhos, sendo 9 doutorados, 53 mestrados acadêmicos e 7 mestrados profissionalizantes. Tais produções estão distribuídas ao longo dos anos de 1999 e 2011, conforme ilustra o Gráfico 1:

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20 15 9

10 6 5

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4 2

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4 2

4 2

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0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Gráfico 1: Distribuição temporal dos trabalhos Fonte: Elaboração da autora a partir de levantamento de dados na Base Capes.

A análise dos dados organizados no gráfico permite perceber dois movimentos. O primeiro, que já havia sido destacado por Bauer e Reis (2013), refere-se a uma 3

Para a definição desses descritores realizou-se, inicialmente, um levantamento de termos comumente utilizados em diversos artigos científicos sobre os sistemas de avaliação da educação, gerando uma listagem com as expressões mais utilizadas nos artigos pesquisados e os nomes dos sistemas estaduais de avaliação existentes identificados. Maiores informações podem ser obtidas em Bauer e Reis (2013).

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demora da academia para tratar da temática da avaliação de sistemas educacionais, que passou a ser objeto de análise apenas no final dos anos de 1990. Com a expansão dos estudos sobre as avaliações externas, percebe-se também uma crescente preocupação com as implicações das avaliações nos currículos e práticas pedagógicas. Se as discussões iniciais, realizadas no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 tendiam a ser debruçar sobre o desenho avaliativo, sobre as matrizes curriculares (o que havia sido escolhido para ser avaliado), as análises da segunda metade dos anos 2000 em diante passam a se preocupar mais com as influências dessas avaliações no currículo e no trabalho dos professores, como será visto posteriormente. Por hipótese, tal interesse pode estar relacionado ao fato das avaliações terem se tornado censitárias, na esteira, inclusive, da proposição da Prova Brasil, e diversas políticas passaram a se apoiar em seus resultados, gerando ações que incidem mais sobre o trabalho das escolas. Em relação aos focos de análise, maioria dos trabalhos (21)4 apresentou forte interesse na discussão das matrizes curriculares, dos seus processos constituintes, de seus princípios e da sua composição; e/ou na análise dos instrumentos avaliativos e sua adequação a essas matrizes ou, ainda, na relação entre os conteúdos presentes nessas matrizes e os documentos curriculares oficiais existentes e as práticas pedagógicas vigentes ou necessidades dos alunos. Neste grupo, são treze (13) os trabalhos que propõem análises psicométricas dos itens das diversas avaliações e sua adequação para mensurar as habilidades pretendidas ou delineadas nas propostas curriculares oficiais, propondo também análise de fatores associados à aprendizagem. Outro grupo de dissertações, composto por 18 trabalhos, interessa-se claramente pela análise das implicações das avaliações externas no currículo, no trabalho e formação docentes, nas práticas pedagógicas e de ensino. O objeto dos trabalhos é, majoritariamente, os componentes curriculares de Língua Portuguesa e de Matemática. Apenas dois deles tratam de outras disciplinas: História e Ciências. A preocupação com a discussão da política de avaliação propriamente dita também está presente em parte dos trabalhos, aos quais perpassam reflexões sobre o currículo e as matrizes curriculares, bem como sobre habilidades, competências e

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Devido ao limite de caracteres do artigo, não são citados todos os 69 trabalhos consultados, sendo feitas referências a apenas alguns cujos resultados são considerados ilustrativos das relações que têm se estabelecido entre avaliação e currículo no âmbito das escolas e sistemas de ensino. Omitem-se, portanto, as referências.

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conteúdos. A pouca falta de intervenção de política educacional, a partir dos resultados obtidos, é objeto de preocupação de alguns dos autores nesse grupo. Observam-se algumas lacunas nessa produção acadêmico-científica: poucos são os estudos que discutem as concepções de currículo, sua relação com a formação mais ampla do cidadão e relacionam essas discussões à proposição das matrizes curriculares. Em geral, os trabalhos não entram, também, na polêmica questão da definição de um núcleo curricular comum nacional, debate urgente, na opinião da autora, a ser realizado pelos interessados nas políticas curriculares e avaliativas. O enfrentamento dessas questões, muitas vezes levaria ao questionamento dos posicionamentos políticos que subjazem às escolhas realizadas em termos de definição de conteúdos ou habilidades. De todo modo, alguns dos trabalhos contribuem para elucidar as questões levantadas anteriormente sobre a natureza das relações que se estabelecem entre avaliação externa e currículo escolar. Gonçalves (1999), por exemplo, aponta, a partir de um referencial foucaultiano, os mecanismos de padronização curricular e de disciplinarização do trabalho escolar que identificou na implantação do Programa de Avaliação do Sistema Educacional do Paraná. Valente (2002) buscou compreender como os PCN’s e as avaliações em larga escala, em especial o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), estavam sendo apreendidos pelos professores e pelas equipes pedagógicas das escolas. A partir da análise de depoimentos dos atores entrevistados, a autora observou incoerência entre suas realidades cotidianas e o discurso oficial, expresso na documentação curricular e nas matrizes de referência das avaliações, ressaltando, ainda, a dificuldade de entendimento das propostas oficiais, tanto dos PCN’s quanto das matrizes de avaliação, e revelando um descompasso entre tais propostas e o cotidiano escolar, levando a que essas avaliações permanecessem na periferia do espaço escolar. Referindo-se especialmente ao SAEB, a falta de preparo dos professores e das equipes pedagógicas e suas precárias condições de trabalho seriam fatores dificultadores da análise dos relatórios e impediriam discussões e análises mais aprofundadas e, portanto, um aprimoramento do trabalho pedagógico e dos currículos a partir desses dados. Ainda sobre a influência do SAEB no currículo escolar, em sua tese de doutorado, Alicia Bonamino destaca elementos que contrariam as hipóteses e as expectativas de que o SAEB pudesse vir a ter uma influência decisiva no currículo da educação básica, pelo seu desenho amostral do sistema e o sigilo que garantia a não divulgação dos itens das provas. Segundo ela, “na sua forma atual, o SAEB não parece

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possuir o poder de influenciar o estilo cognitivo dos alunos e professores em cada disciplina escolar”. (2000, p. 247). Nota-se, contudo, que a partir do momento que o desenho se tornou censitário, com a Prova Brasil, a situação mudou e é amplamente debatida em diversos trabalhos. Jacobsen (2010), por exemplo, ao comparar os conteúdos de Língua Portuguesa contemplados na Prova Brasil com os previstos no plano de trabalho docente em seis escolas paranaenses, três com alto desempenho e três com baixo desempenho no teste, constata que tanto em escolas com alto desempenho, quanto nas de baixo desempenho, há um trabalho sistemático voltado para o ensino dos conteúdos que compõe a matriz de referência. Ainda assim, a autora considera que o trabalho intencional, visando à aquisição de um determinado conteúdo, é determinante do bom desempenho observado nas escolas investigadas. Vieira (2011) analisa a existência de uma padronização curricular a partir da implantação da Prova Brasil e identifica estratégias de formação para que os professores se apoderem dos conhecimentos cobrados na prova e possam preparar os alunos para o exame. Segundo ela, o que ocorre é uma simplificação dos saberes oferecidos aos alunos e um ataque à autonomia do professor. Já Santana (2011) busca compreender as relações existentes entre as ações de formação de professores e os conteúdos cobrados nas avaliações. Mas, diferentemente de Vieira, a autora nota um aumento da preocupação com a formação docente, ainda que seu desenho metodológico não lhe permita atribuir esse aumento às avaliações. Em sua pesquisa a autora não encontrou indício de preocupação dos gestores em adequar os programas de formação aos conteúdos da Prova Brasil. Diversos são, ainda, os trabalhos que apontam indução curricular e direcionamento de práticas pedagógicas dos professores orientadas pelas avaliações estaduais (Rahal, 2010; Santos, 2010; Clemente, 2011; Costa, 2011; Ferrarotto, 2011) Mas ainda que os trabalhos acima levantem críticas, pertinentes, às implicações dos sistemas de avaliação no currículo e nas práticas pedagógicas, há autores que assinalam aspectos positivos dessa relação. Oliveira (2002), por exemplo, ao buscar compreender o objetivo do Enem (se induzir a uma reformulação do Ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio ou avaliar o trabalho realizado nessa etapa de ensino), conclui que o Exame cumpre esse duplo objetivo e vê como positiva a indução realizada pela avaliação, visto que defende a necessidade de renovação do ensino dessa disciplina nesta etapa do ensino. Lopes (2009) reporta a reflexão didática e reorganização do

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trabalho pedagógico direcionado à aquisição da língua materna, a partir do processo de análise dos resultados da Provinha Brasil observado em seu estudo. Gonçalves (2004) também vê como positiva a influência do SAEPE sobre o trabalho dos professores de Matemática que passam a ensinar, de forma mais sistemática, os conteúdos de geometria. Para a autora, a falta de clareza da documentação curricular do estado de Pernambuco, aliada à dificuldade natural dos professores para trabalhar esse conteúdo, tem levado a que ele seja relegado a segundo plano. Com a avaliação de externa, os professores do município de Petrolina que foram investigados passaram a buscar trabalhar esse conteúdo. Rodrigues (2011) e Borelli (2011) apontam que as avaliações externas estão relacionadas a alterações nas práticas docentes e nos conteúdos ensinados. No entanto, ainda que vejam limites nessas relações, ressaltam as potencialidades da avaliação para a organização do trabalho educativo e para a garantia de acesso dos alunos a determinados conteúdos. Em síntese, a análise dos mestrados e doutorados que compõem o corpus desse trabalho revelou que as pesquisas identificam que tem havido uma forte influência das avaliações externas no currículo escolar e nas práticas pedagógicas. Mas e os dirigentes municipais de educação? Seriam críticos a essa tendência de pautar os currículos escolares pelas diversas avaliações? Relações entre avaliação e currículo ensejadas pelas secretarias municipais de educação são discutidas na próxima seção.

2. Relações entre avaliação e currículo: visões dos gestores municipais

Pesquisa realizada na Fundação Carlos Chagas, em parceria com o Inep, durante os anos de 2014 e 20155, buscou caracterizar iniciativas de avaliação educacional existentes nos municípios quanto aos seus princípios, pressupostos, abrangência e usos dos resultados para a formulação e implementação das políticas educacionais e para a gestão educacional6. O mapeamento, cujos resultados são comentados nesse artigo, deuse por meio da aplicação de survey a todos os municípios brasileiros, tendo sido obtidas respostas de 4.309 dirigentes municipais, dos 5.530 consultados.

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Os dados reportados neste trabalho estão disponíveis no banco de dados da pesquisa e no relatório técnico produzido, a serem disponibilizados no sítio da Fundação Carlos Chagas até o final do ano de 2016. 6 O detalhamento metodológico da pesquisa pode ser encontrado em Bauer et al (2015).

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Dentre os respondentes, 97% registraram sua adesão à Provinha Brasil e 90% afirmaram participar da Prova Brasil e da Avaliação Nacional da Avaliação. Além da participação nas avaliações federais, 67% dos municípios parecem aderir, também, às propostas de avaliação das redes estaduais existentes em seus estados. Finalmente, 37% dos respondentes atestam possuir iniciativas próprias de avaliação educacional, quer focada nos alunos, nos professores e gestores, ou na instituição como um todo, sendo que tais iniciativas incidem tanto no Ensino Fundamental quanto na Educação Infantil. A adesão às propostas de avaliação existentes nos diferentes níveis administrativos, segundo os dados evidenciam, é uma realidade na gestão dos diversos municípios. Cabe questionar, pois: como os gestores têm se apropriado dos resultados produzidos pelas diversas avaliações para a gestão curricular? Há indícios, nos depoimentos, de que as avaliações têm influenciado as proposições curriculares? Em que sentido? Uma das questões do questionário utilizado no survey indagava quais são os usos feitos dos resultados obtidos, pelo município, nas diferentes avaliações. A questão fechada trazia 20 alternativas de usos, selecionados por meio de análise de literatura acadêmica sobre avaliações externas, deixando uma alternativa para que fossem indicados outros usos, para além dos apontados. Os resultados obtidos permitiram classificar os usos mais frequentes em 5 tipos, a saber: implantar iniciativas que visam incidir no currículo e nas práticas pedagógicas; monitorar e avaliar a rede de ensino; apoiar a gestão de pessoal, implantar incentivos às escolas, alunos e/ou professores; divulgar resultados das avaliações para diferentes públicos. Para os fins deste trabalho, e considerando os limites de tamanho do presente texto, são comentados os usos relativos ao primeiro agrupamento, cujos resultados são reportados na Tabela 1.

Tabela 1 - Frequências observadas dos usos dos resultados das avaliações para implantar iniciativas que visam incidir sobre o currículo e as práticas pedagógica, conforme declaração dos municípios que responderam à pesquisa Usos dos resultados das avaliações

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Estimular as escolas a discutirem os resultados obtidos 3.793 Planejar a formação continuada dos profissionais da rede 3.623 Propor intervenções diferenciadas nas escolas 3.578 Reestruturar o currículo das escolas 3.134 Desenvolver material didático 2.760 Propor que as escolas produzam relatório explicativo dos resultados 2.026 obtidos Comprar material curricular estruturado e/ou apostilado 1.582

% 88,0 84,1 83,0 72,7 64,1 47,0 36,7

10 Fonte: Base de dados da pesquisa. Elaboração dos autores. 2015.

Nota-se, a partir dos dados, que 72,7% dos respondentes afirmam utilizar os dados para reestruturar o currículo das escolas, enquanto 64,1% declaram desenvolver material didático para apoiar o trabalho nelas realizado. O planejamento da formação continuada dos profissionais, visto por estudos citados anteriormente como forma de orientar o trabalho dos docentes para o tratamento de determinados conteúdos, é ação declarada por 84,1% dos respondentes. Além disso, 36,7% dos municípios afirmam que têm comprado material curricular estruturado ou apostilado, para servir de apoio e direcionamento do trabalho docente, a partir dos resultados obtidos nas avaliações. Aos municípios que afirmam possuir proposta própria de avaliação, questionouse quais são os documentos que baseiam as matrizes curriculares de referência das avaliações locais. Observa-se a influência das avaliações externas existentes também na proposição das iniciativas locais de avaliação. Ou seja, segundo os depoimentos, os municípios têm utilizado as avaliações nacionais e/ou estaduais, com destaque para a Prova Brasil, para selecionar os conteúdos e habilidades que serão avaliados no âmbito local e, portanto, devem ter sido trabalhados nas escolas. As respostas abaixo também ilustram esse movimento. “É fundamentada visando contemplar as habilidades e capacidades propostas pela Matriz Curricular do Estado de Minas Gerais e as particularidades da nossa região”. “São avaliados os descritores pautados nas avaliações do governo federal a fim de detectar quais as competências e habilidades de nossos alunos em Língua Portuguesa e Matemática, bem como para uma melhoria do IDEB”. “A avaliação é realizada mantendo o mesmo padrão de qualidade da Prova Brasil - Nacional e SPAECE - Estadual, obedecendo aos descritores de Língua Portuguesa e Matemática”.

Além de se apoiarem em Matrizes de Referência das provas nacionais e estaduais como documentos de suporte às propostas próprias de avaliação, os respondentes declararam também considerar documentos educacionais oficiais, como Matrizes Curriculares municipais e estaduais e Parâmetros e/ou Diretrizes Curriculares Nacionais, com destaque para os documentos locais, para a proposição dos conteúdos a serem avaliados.

Últimas palavras, à guisa de conclusão

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A análise dos depoimentos dos gestores educacionais, na pesquisa citada anteriormente, revela que seu discurso é altamente pautado pela preocupação com a qualidade de ensino, com a melhoria das aprendizagens dos alunos e com a melhoria dos indicadores educacionais de seu município. Para isso, parece que vêm se apropriando dos resultados das avaliações para pautar o gerenciamento da educação e a proposição de políticas educacionais, inclusive relacionadas ao currículo. O recurso à formação de professores, com base nos resultados obtidos pelos alunos, e a uma maior sistematização do currículo, quer via especificação de uma proposta curricular própria, quer via divulgação e análise de matrizes avaliativas utilizadas nas provas, é comum e não parece ser visto como uma estratégia reducionista por esses gestores, como é vista por parte dos representantes do meio acadêmico. Nota-se que tanto acadêmicos, quanto gestores, em seus discursos, preocupamse com a garantia dos direitos dos alunos, com a garantia do acesso ao conhecimento. Vislumbram, no entanto, formas muito diferentes para a consecução dessa garantia. Compreender melhor os condicionantes da ação dos gestores, quer das escolas, quer os dos níveis decisórios, impõem-se como um desafio à pesquisa educacional e como um requerimento ao diálogo entre esses dois grupos que, nos parece, imprescindível para a compreensão da nossa atual realidade educacional.

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