Avaliação e intervenção na deficiêncai visual cortical

June 8, 2017 | Autor: Lydia Marques | Categoria: Visual Impairment
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Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(105). Revisão Marques LC, Mendes EG. Avaliação e intervenção na deficiência visual cortical. Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(105):102-9. Artigo recebido em 14/01/2013. Aceito para publicação em 22/03/2013.

avaliação e intervenção na deficiência visual cortical lydia da cruz marques1 enicéia gonçalves mendes2

(1) Ortoptista, Mestre e Doutoranda em Educação Especial pela Universidade de São Carlos – UFSCar, São Carlos, SP. (2) Doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo, Docente da Universidade de São Carlos – UFSCar, São Carlos, SP. Programa de Pós-graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, São Carlos, SP. CORRESPONDÊNCIA Lydia da Cruz Marques [email protected].

RESUMO AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO NA DEFICIÊNCIA VISUAL CORTICAL: A deficiência visual devida a dano cerebral, denominada deficiência visual cortical (DVC), é cada vez mais prevalente em crianças com deficiência visual, especialmente naquelas com múltiplas desabilidades. Apresenta características distintas da deficiência visual causada por dano ocular ou às vias ópticas anteriores, no que diz respeito aos achados visuais e comportamentais, mas, especialmente, quanto às abordagens de intervenção. Este trabalho aborda os conceitos relativos à DVC, suas causas, e compila os achados relacionados às alterações visuais e motoras e as características comportamentais típicas na DVC, além de apresentar o modelo avaliativo de Roman-Lantzy, embasado em três fases possíveis de funcionamento visual de crianças e bebês com DVC. De acordo com cada fase, é prescrito o planejamento da intervenção, incluindo estratégias de atuação e considerações ambientais que propiciem o desenvolvimento potencial do funcionamento visual dessas crianças e bebês. Descritores: Deficiência visual, Pessoas com deficiência, Cegueira cortical, Intervenção precoce, Educação especial. ABSTRACT ASSESSMENT AND INTERVENTION IN CORTICAL VISUAL IMPAIRMENT: Visual impairment due to brain damage, called cortical visual impairment (CVI), increasingly prevalent in children with visual impairments, especially those with multiple disabilities, has different characteristics from visual impairment caused by eye or anterior visual pathways damage, with regard to the visual and behavioral findings, but especially regarding intervention approaches. Concepts related to CVI, causes, visual changes, and motor and behavioral characteristics typical of the CVI are discussed, and the evaluation model proposed by Roman-Lantzy, based on three possible phases of visual functioning in children and babies with CVI, is presented. According to each phase is proposed a planning of intervention strategies including performance and environmental considerations that favor the potential development of the visual functioning of these children and babies. Keywords: Visual disorders, Disabled persons, Cortical blindness, Early intervention, Special education.

Avanços na área médica nos últimos anos, que possibilitam que bebês e crianças em estado de saúde crítico sobrevivam, têm resultado em uma mudança significativa da prevalência de deficiência visual em crianças por patologias visuais isoladas para a prevalência cada vez mais significativa de crianças com deficiência visual de causas neurológicas, denominada deficiência visual cortical (DVC)¹. Atualmente, nos países desenvolvidos, a DVC é a 2-5 causa mais prevalente de deficiência visual . Esse quadro implica em uma população cada vez maior de crianças que apresentam deficiência visual de causa neurológica, cujas características são diferentes daquelas observadas na deficiência de origem ocular, além do que, em geral, está associada a outras deficiências ou doenças crônicas, impactando várias áreas de funcionamento. 102

Na atualidade, novos referenciais filosóficos que têm como premissa básica a perspectiva da inclusão escolar de todos os estudantes, aliados às políticas públicas que procuram assegurar direitos e normatizar ações que favoreçam a escolarização de crianças com deficiências, no 6,7 Brasil e no mundo , têm levado profissionais na área de saúde e da educação a se deparar com uma situação ainda desconhecida e desafiadora, que implica na necessidade de trabalho conjunto para identificar as alterações visuais encontradas na DVC, estabelecer estratégias de intervenção que possibilitem a melhoria do funcionamento visual e que supram as necessidades educacionais especiais dessas crianças.

Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(105).

O que é a deficiência visual cortical e como se manifesta As condições patológicas que causam deficiência visual podem ser classificadas de acordo com o local da lesão em: (1) as que afetam o segmento anterior ocular, anexos oculares e as vias ópticas anteriores (retina, nervo óptico, quiasma óptico e trato óptico); e (2) aquelas que afetam as vias ópticas posteriores e/ou córtex visual e suas vias de associ1,8 ação, chamada de deficiência visual cortical (Figura 1).

ças nascidas a termo) e a leucomalácia periventricular (em crianças prematuras). Outras causas são: dano cerebral traumático ocasionado pela síndrome do bebê sacudido; acidentes; hipoglicemia neonatal; infecções congênitas (meningite, encefalite); epilepsia; alterações metabólicas; uso de drogas ilícitas pela mãe no período pré-natal; alteração cardíaca; gravidez gemelar; e alteração no desenvolvimento do sistema nervoso central. Acompanhando a DVC, tem-se, mais comumente, paralisia cerebral ou atra1,5,11 sos importantes do desenvolvimento . Uma vez que a DVC é resultado de lesão no cérebro, a natureza da alteração visual está relacionada à localização e à extensão dessa lesão nas vias ópticas, no córtex visual e nas vias do processamento visual alto. Essas últimas vão do córtex visual para outras áreas do cérebro e correspondem a fluxo ventral e a fluxo dorsal (Figura 2). Há, também, algumas fibras nervosas do nervo óptico que vão para outras áreas, sem mesmo alcançar o córtex visual. Em razão dessa complexidade, o dano cerebral pode causar grande variabilidade de alterações visuais e de 12 comportamentos visuais anormais .

Figura 1. Representação esquemática das vias ópticas. (Baseado em Hyvarinen, L. Disponível em: www.lea-test.fi)

O primeiro termo empregado para designar cegueira ocasionada por lesão cerebral em adultos, antes da década de 1980, foi “cegueira cortical”. Uma vez que crianças que apresentam lesões neurológicas severas raramente são cegas, e há possibilidade de alguma recuperação da visão, o termo considerado mais adequado, a partir da década de 1,8 1980, foi “deficiência visual cortical” . Naquela época, a redução na acuidade visual, apesar de os olhos estarem normais, era a característica principal atribuída à DVC. Posteriormente, avanços significativos no conhecimento das funções cerebrais relacionadas à visão levaram a uma compreensão melhor da variabilidade e da complexidade de comprometimentos visuais possíveis na DVC, como alterações da percepção visual, do comportamento visual e problemas visuomotores. Em razão das lesões não serem circunscritas apenas às áreas corticais, mas também ao dano subcortical, ou mesmo na ausência de lesões anatômicas (em decorrência de convulsões e de alterações metabólicas), o termo preferível para alguns autores é “defici8-10 ência visual cerebral” . O que se observa é que não há consenso, atualmente, sobre a terminologia. Neste estudo, optou-se por usar deficiência visual cortical.

O fluxo ventral, occipitotemporal, denominado de sistema “o quê” (“what”) é responsável pela percepção visual. É através desse sistema que é possível identificar ou reconhecer o mundo visual, atribuir significados e estabelecer relações causais. O sistema “o quê” está ligado a sistemas cognitivos subordinados à memória, à semântica, 13 ao planejamento e à comunicação .

Os acometimentos mais comuns que causam DVC na infância são a encefalopatia hipóxico-isquêmica (em crian-

O fluxo dorsal, occipitoparietal, chamado de sistema “como” (“how”), é responsável pela execução de nossas

Figura 2. Representação esquemática dos dois fluxos de processamento visual do córtex cerebral humano. NO: nervo óptico; TO: trato óptico; CGL: corpo geniculado lateral; RO: radiação óptica. (Baseado em Hyvarinen, L. Disponível em: www.lea-test.fi)

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Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(105). ações que são visualmente guiadas. Atende às demandas visuoespaciais e nos fornece a nossa localização egocêntrica e alocêntrica. O sistema “como” foi anteriormente 13 denominado “onde” (“where”) . Embora independentes, com substratos anatômicos e funcionais distintos, esses dois sistemas, o ventral e o dorsal, estabelecem relações entre si, de maneira que a execução de uma ação depende do controle do sistema “como”, mas a seleção apropriada dos objetivos da ação a ser realizada depende do mecanismo perceptual do siste10,13 ma “o quê” . Funções visuais mais elementares como a acuidade visual, que é a capacidade de o nosso sistema visual discriminar formas, podem estar comprometidas. O campo visual pode também apresentar perdas, especialmente as laterais dos dois olhos para o mesmo lado (hemianopsias) e as perdas do campo visual inferior. São comuns também distúrbios no controle da estática ocular e dos movimentos oculares entre crianças com DVC, como estrabismo, nistagmo, fixação instável, movimentos rápidos e lentos imprecisos, desvios do olhar em uma direção. O dano cerebral pode causar, ainda, inabilidade para acomodar (manter o foco óptico da imagem na visão próxima), que causará, principalmente na criança hipermétrope, uma imagem 10,14 retiniana constantemente borrada . Podem existir, ainda, déficits da percepção visual que são causados por distúrbios na habilidade comprometida de processar a informação visual, em decorrência de danos ao fluxo ventral ou dorsal. Danos ao fluxo ventral (em direção ao lobo temporal) e ao fluxo dorsal (em direção ao lobo parietal) causam alterações visuais com características distintas. Muitos autores chamam esses déficits perceptuais de disfunções cognitivas visuais, ou distúrbios 10,15 das funções visuais cognitivas , e outros, ainda, de 4 déficits visuais perceptivos . Alterações no fluxo dorsal podem comprometer a habilidade da criança em lidar com cenas visuais complexas e que contenham muitas informações visuais simultâneas; a capacidade de julgamento de profundidade; a locomoção segura e precisa nos ambientes; a habilidade de olhar e realizar uma função motora de maneira simultânea. Em razão dessa inabilidade de compartilhar atenção entre várias funções, algumas crianças não conseguem enxergar enquanto andam, ou, se prestam atenção visual, não conseguem ouvir; se manipulam um objeto, não podem 16 vê-lo. Segundo Hyvarinen , esses problemas da atenção são comuns e não muito bem compreendidos. Comprometimentos motores visuais como mover os olhos para dirigir atenção visual a um objeto de interesse ou mudar a fixação de um objeto ao outro também estão associados às lesões no fluxo dorsal e suas outras cone10 xões cerebrais . 104

Os distúrbios perceptuais visuais, como discriminação, reconhecimento e integração das imagens visuais e de objetos estão associados às lesões no fluxo ventral. As alterações muitas vezes são seletivas, por categorias, de maneira que pode haver comprometimento do reconhecimento de faces, de expressões faciais (que compromete a 10 comunicação e a socialização), de objetos ou de símbolos . 17

Roman-Lantzy , a partir de vários estudos da literatura e de suas experiências, ressalta dez características comportamentais típicas da DVC: (1) forte preferência por uma cor (especialmente o vermelho e o amarelo); (2) necessidade de que o objeto visualizado tenha movimento ou ilusão do movimento como, por exemplo, brilho; (3) grandes períodos de latência para a resposta visual; (4) preferência por uma área do campo visual; (5) dificuldades com complexidade visual, em função das características do próprio objeto, da complexidade do meio visual ao redor, e da complexidade sensorial do meio; (6) atração por luzes (light-gazing), assim como olhar sem intencionalidade; (7) dificuldade em olhar à distância; (8) resposta reflexa visual de piscada anormal com a aproximação; (8) preferência por objetos familiares em vez de objetos novos; (9) ausência do alcance visualmente guiado, ou seja, impossibilidade de olhar e pegar um objeto como uma atividade única.

Avaliação e planejamento da intervenção A tarefa de avaliar uma criança ou bebê com DVC é um grande desafio em razão da complexidade de achados possíveis na DVC, que podem variar desde comprometimentos profundos até déficits sutis em funções visuais específicas. Em geral, a lesão neurológica não é focal, há comorbidade de múltiplas inabilidades neuropsicológicas, o que, além de dificultar as possibilidades de resposta aos testes padronizados, prejudica o estabelecimento da cau18 sa de um comprometimento em particular , pois um déficit em tarefas perceptuais visuais pode se dar por uma alteração ocular ou por problemas cognitivos (entre outros). Pode, ainda, existir intermediação entre as funções visuais básicas (campo visual, acuidade visual, sensibilidade aos contrastes e outras) e habilidades visuais cognitivas. Outro desafio, na avaliação dessas crianças, refere-se à questão de que uma habilidade visual geralmente é

Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(105). demonstrada por outro tipo de habilidade, que depende de comportamentos funcionais que possam ser realizados fisicamente. Soma-se a ausência de ferramentas científicas robustas para avaliar a visão funcional e o desenvolvimento geral em crianças com deficiência visual, especialmente aquelas com múltipla deficiência, o que torna o diagnóstico do comprometimento visual e intelectual muito 19 mais desafiador e dependente de julgamentos clínicos . A melhor abordagem, portanto, diante de um desafio tão grande, deve envolver o esforço conjunto de muitos profissionais, tanto da área médica como da educação especial, em uma prática colaborativa. Para tanto, profissionais de diferentes áreas devem estar aptos a combinar seus saberes e aprender a trabalhar em conjunto, ao mesmo tempo em que deve haver respeito às competên15,20 cias de cada membro da equipe . As informações obtidas com os pais são parte fundamental da abordagem avaliativa. A literatura já nos apresenta alguns inventários sobre o comportamento visual da criança que são dirigidos aos pais. Eles trazem questões baseadas nas características principais do comportamento visual de crianças com DVC, para que seja possível obter informações sobre o funcionamento visual da criança no seu dia a dia. Assim, a partir de uma história estruturada é possível caracterizar possíveis disfunções visuais perceptuais, iniciar o delineamento do padrão de inabilidade visual e, dessa forma, complementar os resultados das medi17,21 das das funções visuais e da avaliação da criança . Clinicamente, para avaliar o grau e o impacto da DVC, utilizam-se testes padronizados que estimem os parâmetros básicos da visão, como acuidade, campo visual, entre outros, e, também, da realização da avaliação da visão funcional para se conhecer como a criança usa sua visão nas atividades do dia a dia. A medida ou a estimativa da acuidade visual, ou seja, da capacidade de discriminação de formas do sistema visual, ou da sensibilidade aos contrates podem ser realizadas por meio de métodos psicofísicos desenvolvidos para população pediátrica, com diferentes níveis de complexidade quanto ao tipo de discriminação visual avaliado 22 e quanto às exigências de resposta e ação . Exames eletrofisiológicos são usados para estimar a acuidade 23 visual dessa população . Para estimar se há alteração significativa do campo visual ou da visão periférica, quando não é possível utilizar os exames padronizados, emprega-se o método de confrontação: chama-se a atenção visual da criança para um brinquedo, enquanto outra mira (bola ou outro brinquedo), por detrás da criança, é apresentada nos quatro quadrantes; observa-se se há a reação visual de virar a cabeça em direção à mira que aparece no seu campo de visão, o que indica que a mira foi percebida.

Avaliação dos distúrbios visuomotores é feita por meio do exame ortóptico, com o intuito de detectar estrabismo, nistagmo e paralisias do olhar. Examina-se também a capacidade de localização, fixação, acompanhamento de miras (movimentos lentos), dos movimentos sacádicos (movimentos rápidos) reflexos e voluntários em direção a miras visuais, e de mudança de fixação entre duas miras ou mais. Para o entendimento da natureza de problemas no processamento visual que a criança possa apresentar, após o inventário de questões formuladas aos pais é importante obter informações sobre a observação dos diferentes profissionais que acompanham a criança e realizar a avaliação da visão funcional e, quando possível, testes 18,23 perceptuais visuais . 17

Roman-Lantzy propõe um processo avaliativo, dirigido principalmente aos professores, para determinar os impactos da DVC no funcionamento visual de bebês e de crianças, de maneira a identificar o que é possível ver e o que interessa ver. A partir desse processo, a autora indica como planejar um programa de intervenção que forneça o máximo possível de oportunidades de ver, integrando atividades que sejam motivadoras com objetos de vida diária que possam ser vistos. 17

O processo de avaliação de Roman-Lantzy parte do continuum de possíveis achados dos dez comportamentos visuais típicos das crianças com DVC, que ela descreve para estabelecer uma avaliação classificatória em três fases. Cada uma das características comportamentais da DVC é observada quanto à sua presença e como se manifesta, compondo o protocolo de avaliação de RomanLantzy: CVI Range: Cover Ssheet and Across – CVI Cha17 racteristics Assessment Method Form . Os comportamentos a serem observados e as sugestões de como proceder, segundo Roman-Lantzy, são os seguintes: • Preferência por cor: apresentar materiais da cor preferida da criança e, então, comparar a resposta comportamental quando objetos de outras cores são apresentados. • Necessidade por movimento: apresentar objetos simples da cor preferida em uma superfície estável e comparar a resposta visual do aluno com a resposta para o mesmo objeto quando está em movimento no espaço, como abrir os olhos (às vezes a boca), virar-se em direção ao objeto ou manter contato olho-objeto. Se a criança mostra atenção visual baixa ou mesmo ausente ao objeto em movimento, deve-se apresentar outro objeto que tenha superfície com brilho ou reflexiva, tal como uma peruca de acetato ou bolas de natal. • Latência visual: observar quanto tempo a criança leva para dar uma resposta que indique que visualizou um objeto apresentado; inicialmente um objeto conhecido, da cor preferida, e, então, um novo objeto. Também é importante observar quando a latência, ou o atraso em respon105

Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(105). der, ocorre na sessão e quais as condições ambientais, posturais ou dos objetos estão associadas com a latência ou com seu aumento. • Preferências do campo visual: apresentar um objeto em movimento no campo direito, esquerdo, superior e inferior. Observar, também, se vira ou posiciona sua cabeça, ou alinha o olho esquerdo ou o direito, a fim de identificar ou examinar detalhes de um objeto. • Dificuldades com complexidade visual: apresentar objetos de uma só cor (usando inicialmente a cor preferida quando ela é conhecida), depois objetos que têm duas cores, depois três cores, e, finalmente, objetos com padrões de complexidade crescente de detalhes. • Atração por luzes (light-gazing) e olhar sem intencionalidade: posicionar a criança perto de fontes primárias de luz natural e artificial. Comparar o comportamento potencial de atração por luzes em condições de alta iluminação e em condições de luz indireta ou reduzida. Em muitos casos, é possível identificar que pode requerer baixa iluminação no ambiente durante a avaliação para que consiga ter atenção visual no objeto-mira. • Dificuldade na visão à distância: colocar um objeto que é familiar em um fundo de uma única cor. Se a criança pode localizar visualmente ou fixar esse objeto, aumentar a complexidade do fundo e diminuir o tamanho do objeto-mira. • Reflexos visuais atípicos: observar se há piscada reflexa visual ao toque e à ameaça visual (aproximação de um objeto, como mão, brinquedo da cor preferida), várias vezes em uma sequência – talvez duas ou três vezes, e várias vezes durante a sessão de avaliação. É possível haver habituação, isto é, a resposta da criança de piscada pode diminuir. • Dificuldades com novidades visuais: apresentar alguns objetos que são familiares e alguns que são novos. Use objetos visualmente simples para essa tarefa. • Ausência de alcance e do pegar objetos visualmente guiados: observar se a criança pode alcançar algo longe de seu corpo; colocar um objeto familiar e depois um menos familiar em um fundo simples e observar o tipo de olhar da criança e como seu alcance é realizado. Repita essa atividade com o objeto-mira em um fundo mais complexo. A partir da observação de como esses comportamentos se manifestam, a autora estabelece três fases da DVC: - Fase I, da construção do comportamento visual; - Fase II, do início da integração da visão com função; - e Fase III, da superação das características da DVC. A partir daí orienta um programa de intervenções para a criança cujas diretrizes principais são:

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Fase I As características dessa fase são: dominância da cor preferida; interesse por objetos com movimento ou brilho; objetos complexos (vários detalhes) ou em fundos com vários padrões são ignorados; tempo de resposta longo mesmo a objetos familiares; reconhecimento de objetos familiares mais prontamente do que de novos. O foco da intervenção está na construção do funcionamento visual. Para tanto, são sugeridas atividades para ajudar a criança a ter mais atenção visual, e a ter um olhar mais consistente, mesmo que seja para um pequeno repertório de objetos específicos. São exemplos de objetos que, em geral, chamam a atenção visual nessa fase: pompom ou peruca de acetato da cor preferida; bola iluminada da cor preferida; alguns objetos da vida diária (xícaras, escova de dente, pente) revestidos com material brilhante da cor preferida contra um fundo contrastante e uniforme, preferencialmente preto; catavento; biruta; móbile feito de metais. Deve-se evitar usar luzes como intervenção isolada. As respostas iniciais são de localizações breves (virarse na direção do objeto) e ocasionais, contato olho-objeto ou fixação direta no objeto. Essa fase se caracteriza pela necessidade de controle absoluto dos impulsos sensoriais do ambiente. Deve ser dada ampla oportunidade de práticas repetidas de exposição aos objetos selecionados sob condições apropriadas do ambiente. Questões referentes à latência de resposta visual ou de preferências do campo visual devem ser observadas cuidadosamente; do contrário, cria-se frustração e irritação no bebê ou na criança. Outro aspecto muito importante nessa fase diz respeito ao posicionamento, pois, se a manutenção da postura exige da criança muito gasto de energia, provavelmente não conseguirá prestar atenção aos estímulos visuais. Deve-se ter cuidadosa atenção aos sinais de estresse ou fadiga, que prejudicam o desempenho visual e, portanto, a evolução do quadro. São exemplos desses sinais: soluços, bocejo, fuga do olhar, ser atraído por luz, manter os olhos fechados ou frequentes períodos de sono, caretas, tensão nas mãos, risada reflexa, vocalização frequente. Fase II Nessa fase, as crianças já demonstram contato olhoobjeto mais consistente com aqueles objetos de sua cor favorita e inicia o olhar para objetos de uma ou duas cores ou para padrões simples. O período de latência da resposta visual tende a ser menor. O objetivo da intervenção é integrar visão com função. São sugeridas atividades que possam integrar visão para manipulação, ou seja, para fazer algo acontecer. Pode-se combinar a visão para ativar o funcionamento de um brinquedo, ou objeto da vida diária, com toque, pancada, al-

Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(105). cance, pega, ou mesmo um olhar, quando a criança tem graves comprometimentos motores, a fim de realizar uma escolha. As tarefas podem ser do tipo: fazer uma escolha, rotina de autocuidados, tarefas para desenvolvimento motor fino, tarefas cognitivas, brincar. Nessa fase, há aumento da habilidade de manter contato visual com pessoas e objetos, mesmo quando há níveis de sons baixos e familiares ao fundo, ou quando já é capaz de realizar e/ou sentir o toque enquanto o olhar é mantido. Há maior tolerância por maior complexidade em objetos tridimensionais. No final da fase já é possível usar imagens bidimensionais. Para melhorar a atenção visual em objetos e imagens bidimensionais, pode-se usar o recurso da transiluminação através de uma caixa de luz. O alcance visualmente guiado pode ser estimulado colocando objetos em fundo preto e uniforme, ou, ainda, com a caixa de luz. A introdução de novos objetos baseada nas características dos objetos familiares ou que são favoritos ajuda no interesse por eles. Observar resposta de fadiga ou hiperestimulação, como, por exemplo, aumento do tempo de latência da resposta. Fase III Nessa fase há tendência a apresentar dificuldades com materiais bidimensionais com complexidade de informações visuais; em olhar à distância em ambientes não familiares, tanto internos como externos; em áreas específicas do campo visual, mais comumente campos visuais inferio10 res ; e em alcance visualmente guiado, quando o objeto é muito pequeno ou colocado contra um fundo complexo e estampado. O objetivo nessa fase é facilitar a resolução das características remanescentes da DVC. As atividades são planejadas com a utilização de materiais bidimensionais, dando ênfase aos seus detalhes (imagens, fotografias, impressos e símbolos), que vão sendo apresentados gradativamente com discretos aumentos de complexidade até a criança conseguir encontrar características ou detalhes em uma apresentação tradicional ou não adaptada. Se for necessário reduzir informações visuais quando em materiais bidimensionais, pode ser indicado o uso de “janelas” ou contornos fortes que evidenciem as características das figuras ou símbolos apresentados. A complexidade crescente deve ser adicionada também em relação ao ambiente. A criança deve estar apta a localizar características importantes em ambientes não familiares internos ou externos. Podem ser usadas marcas nos objetos que fazem parte do ambiente para, mais tarde, serem retiradas. A criança pode ter dificuldade em observar degraus descendentes, mudanças de superfície, necessitando, ainda, do auxílio de profissionais de orientação e mobilidade. A intervenção deve objetivar a discriminação das características dos objetos para que, a partir de esquemas

cognitivos e visuais, a criança tenha entendimento do mundo. A intervenção nessa fase deve ter como meta também o ensino de habilidades de classificação, com respeito a conceitos de igual e diferente, dando suporte para que a criança possa analisar informações novas ou complexas, e incorporando linguagem comparativa nas interações e instruções.

Considerações Considerações sobre o meio ambiente Crianças com DVC que têm dificuldade com simultaneidade de estímulos ficam impossibilitadas de usar sua visão em situações ambientais com sobrecarga de estímulos visuais ou mesmo de outro tipo. Basicamente, o ambiente deve proporcionar condições para que seja possível ter atenção ao estímulo visual. As necessidades quanto à adaptação do meio ambiente estão fortemente ligadas, também, aos níveis de funcionamento visual que são ob17 servados nas diferentes fases da DVC . Embora não estejam somente relacionadas à sobrecarga de estímulos, mas também à sobrecarga de demanda de funções, pode acontecer que a criança não consiga controlar o corpo e a cabeça, dificultando ainda mais, ou tornando impossível, o uso da visão. É necessário estabelecer, junto com o terapeuta ocupacional ou o fisioterapeuta, as melhores condições ergonômicas visuais, especialmente nos casos de paralisia cerebral, de maneira que seja possível a concen24 tração visual . 17

Na fase caracterizada como I por Roman-Lantzy , na qual o funcionamento visual está sendo construído, em geral só é possível obter atenção visual quando outros estímulos sensoriais são cuidadosamente controlados, a fim de evitar distrações. Em geral, indica-se que o ambiente deva ser silencioso, e que os estímulos visuais sejam apresentados contra um fundo que não traga nenhum estímulo visual concorrente. Exemplos dessas adaptações são: circundar com um fundo preto o estímulo; uso de mesas com três laterais; uso de caixa de luz, sobre a qual 25 o estímulo é colocado em uma sala escurecida . Em níveis melhores de funcionamento visual, como a fase II, caracterizada pelo início da integração entre visão e função, já é possível ir gradativamente acrescendo simultaneidade de estímulos sensoriais, ou mesmo mais de um estímulo visual, porém ainda com restrições quanto à complexidade dos estímulos e à sobrecarga visual e sonora do ambiente. Na fase III, na qual as características da DVC estão sendo superadas, há maior tolerância aos ambientes típicos, ou seja, as crianças conseguem manter a atenção visual apesar da complexidade, mas, muitas vezes, são necessárias, ainda, algumas adaptações simples, como aumentar o contraste, ou reduzir grandes quantidades de 107

Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(105). informação, especialmente em livros ou mesmo em objetos tridimensionais.

Princípios e fundamentos do programa de intervenção em DVC Quando se aborda como proceder para a melhora da eficiência visual de adultos e crianças com deficiência visual de causa ocular ou de vias ópticas anteriores, os programas planejados buscam o máximo uso da visão funcional e o ensino de técnicas alternativas e de adaptações de materiais e ambientais para que essas pessoas realizem atividades da vida em geral utilizando a visão. No entanto, quando a deficiência visual é causada por lesões das vias ópticas posteriores, córtex visual e vias de associação, como é o caso da DVC, outra dimensão deve en17 trar em jogo . Embora não haja consenso sobre a probabilidade de melhora na visão na DVC, em razão da plasticidade do cérebro e da possibilidade de crescimento neuronal e de 26 novas especializações , é possível observar melhoras, em geral, no funcionamento visual. Segundo Schwartz e 17 Begley (apud Roman-Lantzy ), quando um dano interfere na possibilidade de o cérebro processar a informação visual nos centros e vias normalmente responsáveis por essa função, é possível que haja o desenvolvimento de novas sinapses para que essas funções visuais sejam realizadas. Para que novas sinapses sejam criadas é preciso possibilitar à criança que olhe, e motivá-la a olhar a partir de repetidas experiências de olhar. Portanto, o objetivo primordial na intervenção na DVC é a melhora progressiva da visão funcional, mais do que facilitar o uso máximo da visão existente.

Essencialmente, deve ser apresentado à criança ou ao bebê aquilo para que estejam aptos a olhar. As intervenções devem ser planejadas para ir ao encontro do, e não exceder o nível de funcionamento visual observado na avaliação. À medida que progressos vão sendo percebidos, faz-se nova avaliação, mantendo sempre uma abordagem sistemática baseada nos níveis das características da DVC. Em geral, as melhoras são observadas em blocos. 17

Roman-Lantzy destaca, ainda, alguns princípios norteadores do programa de intervenção: precisão, intencionalidade, reciprocidade, expectativa de mudança, atenção ao ambiente na sua totalidade. O princípio da precisão diz respeito à referência aos resultados da avaliação. O segundo princípio, da intencionalidade, refere-se às razões de escolha das intervenções e como são selecionadas. O terceiro princípio é sobre a expectativa de melhora da visão na DVC, que deve permear toda a abordagem e realização do trabalho. Tendo em mente a melhora na visão na DVC, em casos de estagnação se deve ter um olhar atento e crítico aos procedimentos de intervenção e a como estão sendo realizados. Além disso, deve-se estar alerta a fatores ligados às reações da criança ou do bebê (fadiga, estresse, hiperestimulação, muita novidade, saúde geral, fome, convulsões). 17 Segundo Roman-Lantzy , todos progridem até a fase II e, às vezes, alcançam um patamar no qual não se observam mais melhorias. Poucos superam completamente todas as características da DVC. Outro fator a ser levado em conta são os limites impostos por outros comprometimentos de origem ocular que podem coexistir com a DVC.

Considerações finais

Outro aspecto salientado por Roman-Lantzy diz respeito ao tipo, ou qualidade, do estímulo visual ao qual a criança será exposta. Na DVC os estímulos mais apropriados são aqueles que fazem parte do dia a dia, apresentados de maneira que possam ser visualizados e que sejam integrados à sua rotina de vida diária. Para que se possa obter atenção visual e haja processamento do impulso visual e integração sensorial, os impulsos sensoriais devem ser estritamente controlados e acrescidos de significado na vida da criança com DVC.

Neste artigo se buscou tecer algumas considerações sobre a DVC, cada vez mais presente em nosso meio, e ainda tão pouco conhecida e reconhecida, mesmo no que diz respeito à sua detecção. Os vários estudos dos principais pesquisadores do tema apontam para o grande desafio que é a identificação das alterações possíveis em crianças com dano cerebral, especialmente quando é generalizado, e na coocorrência de outras deficiências. Essa situação tem implicações que permeiam a avaliação clínica, o diagnóstico e as intervenções para o desenvolvimento e a habilitação dos bebês, crianças e jovens com DVC.

O processo de intervenção não deve ser olhado como um processo de reabilitação, mas como uma abordagem que deve fazer parte de toda a rotina do indivíduo, já que as estratégias devem ser integradas no dia a dia, nas atividades funcionais de aprendizagem, em autocuidados, nas atividades de lazer etc. As intervenções dependem das características da DVC e da fase, da idade, do nível de desenvolvimento, e, na escola, do funcionamento acadêmico ou pré-acadêmico da criança.

Algumas abordagens de avaliação têm sido propostas pelos estudiosos do tema. Embora, às vezes, muito diferentes entre si, todas elas concordam com a necessidade de colaboração entre profissionais de diversas áreas: pediatra, neuropediatra, neuropsicólogo, oftalmologista, ortoptista, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, professores de educação especial e professores do ensino regular. A colaboração permite integrar testes

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Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(105). clínicos e avaliações da visão funcional ou do comportamento visual em diferentes situações, de maneira que possamos ter algum grau de entendimento da percepção visual e do uso da visão na condução dos movimentos e da interação com o meio dessas crianças. Os autores também concordam com a importância do levantamento da história com questionário estruturado dirigido à família, tendo como base questões sobre as características do comportamento visual típicas da DVC, que podem ajudar a estabelecer uma ideia inicial de quais distúrbios visuais podem estar ocorrendo. A abordagem sistematizada proposta por Romam17 Lantzy , embora não esgote todas as facetas possíveis para avaliação da heterogeneidade de achados visuais, traz um protocolo de avaliação e observação que pode ser aplicado no próprio ambiente de intervenção precoce e/ou escolar, com materiais simples e de fácil acesso. A partir dessa avaliação é possível planejar um programa de intervenção, especialmente para as fases iniciais de desenvolvimento, que leve em conta arranjos ambientais necessários e estratégias de intervenção, cujos objetivos são, a princípio, facilitar a habilidade da criança em olhar e motivá-la a usar a sua visão possível. Utilizando objetos do dia a dia e métodos que possam ser integrados à sua vida diária, a partir de repetidas experiências em olhar, é possível promover o desenvolvimento do potencial de visão. Assim, há ainda um longo caminho a ser percorrido na área da DVC, mas todos apontam para a necessidade de abordagens colaborativas, em todas as fases desse caminho, especialmente quanto se trata da educação, que exige, necessariamente, um trabalho conjunto entre pais, professores e demais profissionais.

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