AVALIAÇÃO GENOTÓXICA EM CÉLULAS DA MUCOSA BUCAL DE TRABALHADORES EXPOSTOS A AGROTÓXICOS, EM UMA COMUNIDADE DE ERECHIM, RS.

June 25, 2017 | Autor: Jane Boeira | Categoria: Occupational Health, Genotoxicity, micronuclei (MNi, Agrotóxicos, Buccal mucose cells
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AVALIAÇÃO GENOTÓXICA EM CÉLULAS DA MUCOSA BUCAL DE TRABALHADORES EXPOSTOS A AGROTÓXICOS, EM UMA COMUNIDADE DE ERECHIM, RS. GENOTOXIC AVALIATION IN BUCCAL MUCOSE CELLS OF FARM WORKERS EXPOSED TO AGROTOXICS IN ERECHIM, RS

RAFAEL FRISON1, SANDRA MANOELA DIAS MACEDO1, JANE MARLEI BOEIRA1, 2

1. Laboratório de Toxicologia e Genética Molecular, Departamento de Ciências da Saúde, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, URI, Campus Erechim. 2. Correspondência para o autor: URI, Campus Erechim, Depto de Ciências da Saúde, Rua Sete de Setembro, 1621, Centro, Erechim, RS, CEP E-mail: [email protected]

Artigo publicado na Perspectiva, Erechim, v. 29, p. 127-135, março 2005

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RESUMO

A região de Erechim, RS, caracteriza-se pela produção de trigo e soja, nas quais grandes quantidades de agrotóxicos (inseticidas, fungicidas e herbicidas) são utilizadas. Para avaliar a atividade desses produtos em seres humanos, utilizou-se a técnica de micronúcleos, através de amostras de células da mucosa bucal de vinte trabalhadores expostos aos agrotóxicos e de vinte indivíduos controles não expostos. A freqüência de micronúcleos foi avaliada em 2000 células por indivíduo em ambos os grupos. Fatores como tabagismo, idade e tempo de exposição foram avaliados. A análise estatística revelou números significativamente mais elevados de micronúcleos em indivíduos expostos do que em não expostos, indicando que o teste de micronúcleos é um ensaio biológico eficiente para monitorar populações expostas aos agrotóxicos.

Palavras-chave: Micronúcleos, Células da mucosa bucal, Genotoxicidade, Saúde ocupacional, Agrotóxico.

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ABSTRACT

Erechim, in the State of Rio Grande do Sul, is a region where the major share of the grain farming is wheat and soybeans. Large amounts of agrotoxics (insecticides, fungicides and herbicides) are used for crop pest control. To evaluate the genotocicity of these products the micronucleus test was performed in farm workers exposed to these products. Samples of buccal mucose cells were colleted from 20 exposed workers and 20 nonexposed controls. Micronuclei frequency was evaluated by counting 2 000 cells per individual in both groups. Smoking habits, age and time of exposure duration were evaluated in both groups. Statistical analysis showed significantly higher mean numbers of cells with micronucleus in exposed individuals as compared to controls, indicating that the micronucleus test is an efficient biological assay to monitoring population exposure to agrotoxics.

Key words: Micronucleus test, Buccal mucose cells, Genotoxicity, Occupational health, Agrotoxics.

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1. Introdução

Os primeiros agrotóxicos chegaram ao mercado com pouca ou nenhuma pesquisa prévia sobre seu efeito no solo, na água, em animais ou sobre o próprio homem. Estes chegaram a ser usados como armas na Guerra do Vietnã, com efeitos catastróficos para todos os seres vivos (PAUMGARTTEN, 1998). Fatos como este incentivaram a pesquisa toxicológica para verificar a letalidade para os indivíduos de forma aguda. Atualmente, a toxicologia já se preocupa com a letalidade crônica e com as alterações sobre o sistema nervoso, circulatório e excretor, entre outros, assim como alterações a nível celular (LARINI, 1997; 1999). Hoje se sabe que os agrotóxicos atuam como venenos sobre a membrana, o citoplasma ou sobre o núcleo da célula, podendo alterar suas reações, secreções e velocidade de reação, estimulando ou inibindo reações específicas (LARINI, 1999). Na área agronômica são encontrados produtos cancerígenos e/ou mutagênicos. A mutação cromossômica é um dado esperado, pois se sabe que os agrotóxicos contêm substâncias ativas as quais podem danificar o material genético. Este fato é agravado pela falta de informação e pela displicência com a qual são manejados estes produtos químicos. Por isso é preciso conhecê-los a fim de poder implementar esforços para o controle ou minimização de seus efeitos. A importância deste processo decorre diretamente do estabelecimento do bem estar do ser humano e do meio ambiente (PAUMGARTTEN, 1998). Em geral, os agrotóxicos podem apresentar características genotóxicas, ou seja, podem exercer ação sobre o núcleo celular causando danos no DNA e nos cromossomos, os quais podem levar ao desenvolvimento, em longo prazo, de sérias conseqüências para a saúde. O câncer, as anomalias congênitas e as doenças genéticas encontram-se entre as mais dramáticas. Essas agressões podem ser evitadas desde que sejam identificadas as

5 substâncias genotóxicas as quais o organismo está exposto (BERTRAM, 2001). Uma maneira de se estudar os efeitos genotóxicos, é através do monitoramento de uma população exposta utilizando-se ensaios citogenéticos que irão detectar os danos causados no DNA ou nos cromossomos (ALBERTINI et al., 2000; DUTRA, 2002). Para este fim, o teste de micronúcleos (MN) vem se destacando, entre os demais, como uma das técnicas de citogenética prática, simples, de baixo custo e também muito eficiente na detecção de danos no DNA. É um teste utilizado internacionalmente e aceito pela comunidade científica mundial (DUTRA, 2002; MARTINO-ROTH et al., 2003). Os micronúcleos surgem de fragmentos de cromossomos ou cromossomos inteiros que não são incorporados ao núcleo da célula filha por ocasião da divisão celular (HEDDLE et al., 1983; BELIEN et al., 1995). Vários pesquisadores utilizam o teste de micronúcleos para medir o dano citogenético em vários tipos de células, tanto in vivo quanto in vitro, causado por vários agentes (BELIEN et al., 1995; DIETZ et al., 2000; BLOCHING et al., 2000; MARTINO-ROTH et al., 2003). Como na região de Erechim, RS, os pesticidas são amplamente empregados em culturas de milho, trigo, soja, feijão e outras que necessitam o uso de agrotóxicos, torna-se importante o estudo dos efeitos que os mesmos causam nos trabalhadores expostos, devido ao uso inadequado e/ou pela falta de conhecimento sobre os danos que estes podem causar. Desta forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar as células da mucosa bucal de trabalhadores rurais expostos aos agrotóxicos, da região de Erechim, RS, através do teste de micronúcleos, visando contribuir para melhoria da qualidade de vida destes trabalhadores.

2. Materiais e Métodos

A população analisada fez parte do Projeto Social Atenção Farmacêutica às Doenças Ocupacionais. Todos os indivíduos forneceram informações relativas ao hábito tabagista, ingestão de bebidas alcoólicas, tempo de exposição aos agrotóxicos, estilo de

6 vida, hábitos alimentares e situação de saúde. Todos os voluntários assinaram um Termo de Consentimento para participar deste estudo. Foram coletadas amostras de células da mucosa bucal de indivíduos envolvidos no cultivo de soja e trigo, de uma Comunidade de Erechim, RS. Células da mucosa bucal de 20 indivíduos do sexo masculino expostos aos agrotóxicos foram colhidas com auxílio de uma espátula ou palito de madeira e espalhadas em lâminas para microscopia. Foram feitas duas lâminas para cada indivíduo. O ensaio foi realizado segundo procedimentos das Normas Internacionais (HEDDLE et al., 1983; HAYASHI et al., 1994; KIRSCH-VOLDERS et al., 2003). As lâminas foram coradas com uma mistura de giemsa (10%) em metanol. Após a coloração, as lâminas foram lavadas em água destilada, secas e guardadas em caixas apropriadas até a análise microscópica. Como grupo controle também foram obtidas amostras de 20 indivíduos também do sexo masculino, não expostos, seguindo-se os mesmos procedimentos de coleta e entrevista. Este grupo foi constituído por funcionários, estudantes ou professores da URI. Todos os indivíduos (expostos e não expostos) eram de origem caucasóide. Foram analisadas 2000 células (1000 por lâmina) de cada indivíduo exposto ou não exposto aos pesticidas. Para ambos os grupos, a análise microscópica foi realizada pelo modelo zig-zag para evitar o cruzamento de uma mesma área mais de uma vez, em aumento de 1000 vezes. A análise foi feita preferencialmente pelo mesmo analisador, com uma recontagem parcial “cega” pelo responsável pelo teste ou outro analisador. De cada indivíduo foram registrados a freqüência de micronúcleos em 2000 células analisadas. A análise estatística foi realizada para determinar a média de micronúcleos no grupo de expostos e no grupo controle, bem como para verificar se havia diferença entre elas e determinar o desvio padrão (dp). Foi utilizado o Teste t, bi-caudal, de Student com nível de significância de 0,05.

7 3. Resultados e Discussões

Os resultados obtidos a partir da contagem de células da mucosa bucal de trabalhadores expostos são apresentados na Tabela I e os referentes aos indivíduos do grupo controle na Tabela II.

Tabela I Dados referentes ao número de micronúcleos (MN) em 2000 células da mucosa bucal de trabalhadores expostos aos agrotóxicos, idade, tempo de exposição e período de tempo entre a última exposição dos indivíduos e a coleta. Indivíduos

Idade (anos)

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 Média DP*

41 41 30 43 51 49 46 57 49 53 35 40 38 42 37 36 31 42 29 32 41,1 7,71

Tempo de Período entre exposição (anos) exposição e coleta (dias) 25 20 25 18 25 10 25 60 35 15 30 12 25 120 35 150 35 15 30 90 20 30 25 150 30 20 30 150 25 180 25 120 15 140 20 20 10 20 15 20 25,25 68 6,6 59,76

MN/ 2000 células analisadas 3 4 3 3 3 5 6 5 4 4 4 5 4 3 3 3 3 2 2 1 3,5 1,15

Todos os indivíduos declararam ser ex-fumantes e não ingerir bebidas alcoólicas. *DP = Desvio Padrão

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Tabela II Dados referentes ao número de micronúcleos (MN) em 2000 células da mucosa bucal e idade de indivíduos não expostos aos agrotóxicos. Indivíduos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 Média DP*

Idade (anos) 58 36 29 36 22 49 35 49 34 57 45 28 26 37 29 48 28 28 30 75 38,95 13,15

Número de MN/2000 células analisadas 2 0 1 1 1 1 1 0 2 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0,55 0,66

Três indivíduos declararam ser fumantes e um ex-fumante. Nenhum indivíduo declarou ingerir bebidas alcoólicas. *DP = Desvio Padrão

Nos trabalhadores expostos a média de idade foi de 41 anos, variando entre 29 e 57 anos (Tabela I), enquanto que no grupo controle a média de idade foi de 39 anos, variando entre 22 e 75 anos (Tabela II). O tempo médio de exposição aos agrotóxicos foi de 25 anos e o espaço de tempo médio da última exposição até a coleta da amostra foi de 68 dias (Tabela I).

9 O número médio de MN encontrado no grupo dos trabalhadores expostos aos agrotóxicos foi de 3,50 (dp = 1,15), e dos indivíduos não expostos foi de 0,50 (dp = 0,65) em 2000 células analisadas por indivíduo, sendo esta diferença estatisticamente significativa (P5

Tempo da última exposição (meses)

Figura 3: Média do número de micronúcleos (MN) em 2000 células analisadas/indivíduo, em relação ao tempo da última exposição, em meses. No tempo de 0 – 2 meses entre a coleta e a última exposição, a média de MN corresponde a de 12 indivíduos; no tempo de 3 a 4 meses, 3 indivíduos e, no tempo de mais de 5 meses da última exposição corresponde à média de 5 indivíduos.

A obtenção de dados referentes ao consumo de álcool e de fumo tem sido amplamente utilizada em diversos estudos (STICH et al., 1984; PRASAD et al., 1995; DIETZ et al., 2000). Porém, no presente estudo não foi possível comparar o hábito alcóolico com a freqüência de micronúcleos, devido ao fato dos indivíduos declararem não fazer uso crônico de bebidas alcóolicas e consumirem a bebida eventualmente nos finais de semana. Na comparação entre o hábito tabagista e o uso de agrotóxicos, foi realizada uma análise entre os indivíduos ex-fumantes expostos e não expostos, em vista que nenhum dos indivíduos expostos analisados apresentarem hábito de fumar. Observou-se que entre os trabalhadores expostos, não houve diferença significava entre a média de células com MN nos indivíduos ex-fumantes e não fumantes (dados não mostrados). Em relação ao grupo não exposto, três indivíduos apresentaram hábito de fumar e um indivíduo era ex-fumante.

13 Neste grupo também não houve diferença significativa entre a média de micronúcleos. PACHECO e HACHEL (2002), também não encontraram diferenças significativas no número de células com MN do sangue periférico de fumantes expostos e fumantes não expostos. Estes autores declaram que os resultados obtidos foram, provavelmente, pelo pequeno número de indivíduos em cada categoria. DUTRA (2002) também não encontrou diferença significativa entre trabalhadores expostos e não expostos aos agrotóxicos em relação a este hábito. Já ROTH e colaboradores (2002), encontraram diferença significativamente mais baixa entre os fumantes em relação aos não fumantes na análise das células epiteliais da mucosa bucal em dentistas expostos ao mercúrio. No entanto, DIETZ e colaboradores (2000) estudando a presença de micronúcleos na mucosa esofágica relacionando com fatores de risco de câncer de esôfago, como álcool, chimarrão e cigarro, encontraram aumento significativo no número de MN entre os fumantes e os ex-fumantes comparados com os não fumantes. Estes autores sugerem que o aumento de micronúcleos nos fumantes pode estar associado com a existência de substâncias carcinogênicas no tabaco (DIETZ et al, 2000).

Percentual de indivídos

100

75

50

25

0 Herbicidas

Inseticidas

Fungicidas

Figura 4: Percentual de uso dos agrotóxicos entre os 20 indivíduos expostos.

14 Ao analisar os dados dos indivíduos expostos, observou-se que os agrotóxicos mais utilizados pelos trabalhadores rurais são herbicidas (66,5%), inseticidas (25%) e fungicidas (8,5%) (Figura 4). Da classe dos herbicidas, o mais usado foi o glifosate cujos sintomas de intoxicação são degeneração do tecido nervoso, miopatia aguda, elevação da glicose no sangue, febre alta, mutações e câncer (HING-HO, 2001). Da classe dos inseticidas os mais usados foram os piretróides e os carbamatos. Em relação a estes dois compostos, não se têm registros de que sejam substâncias mutagênicas, mas podem causar sintomas de intoxicação como efeitos neurológicos provocando um quadro de agressividade, tremores, espasmos convulsivos, salivação excessiva, náuseas, visão conturbada e agitação (LARINI, 1999; HING-HO, 2001; DUTRA, 2002). Quanto aos fungicidas, há dados na literatura de que estes causam alterações no sistema nervoso central, além de insuficiência renal, aumento de creatinina, uréia e ácido úrico, além de hiperplasia e tumores da tireóide (LARINI, 1999).

FRIGERI (2004; comunicação pessoal), em uma pesquisa com os mesmos indivíduos deste estudo, realizou uma monitorização para organofosforados e carbamatos através da atividade da enzima colinesterase (biomarcador de exposição). Neste estudo, houve uma leve diminuição da atividade enzimática na segunda amostra coletada, em relação à primeira. Estes dados foram significativos para caracterizar intoxicações agudas, conforme a Norma Regulamentadora nº 7 (NR-7, 1994) a qual preconiza uma diminuição de pelo menos 50% da atividade da colinesterase como indicativo de intoxicação.

Os micronúcleos correspondem ao material genético que foi perdido do genoma durante a mitose, como resultado de eventos clastogênicos ou aneugênicos e ocorrem antes de qualquer mudança histopatológica pré-neoplásica tornar-se evidente (STICH et al, 1984; BLOCHING et al, 2000; FENECH, 2000). Em relação ao efeito clastogênico encontrado neste estudo, através do teste de micronúcleos, demonstrou-se uma relação positiva na avaliação genotóxica em indivíduos expostos aos agrotóxicos, servindo este ensaio como um potente biomarcador de risco ocupacional. Como as interações do DNA com substâncias químicas são reconhecidamente o primeiro passo na iniciação do câncer, maior ênfase deve ser dada aos métodos que detectam a atividade genotóxica em humanos (PRASAD et al, 1995; RITTER, 1997; JAGETIA et al, 2001).

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4. Conclusões

Através dos dados obtidos pela análise de células da mucosa bucal de 20 trabalhadores rurais expostos aos agrotóxicos na região de Erechim, RS, comparados com 20 indivíduos não expostos, pode-se observar um aumento significativo na freqüência de micronúcleos nos indivíduos expostos (P
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