Avaliação Neuropsicológica da Linguagem: da Síndrome ao Sintoma

June 7, 2017 | Autor: Rui Rothe-Neves | Categoria: Linguistica, Neuropsicologia, Afasias, Avaliação Neuropsicológica
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Avaliação Neuropsicológica da Linguagem: da Síndrome ao Sintoma Rui Rothe-Neves Faculdade de Letras e Programa de Pós-Graduação em Neurociências (UFMG) 1. Introdução A linguagem é uma das habilidades humanas mais importantes, pois permeia as relações sociais durante a maior parte do ciclo da vida. A afasia, ou comprometimento da linguagem conseqüente à perda de tecido cerebral, afeta diretamente o comportamento adaptivo (ou "funcionamento social") de pessoas acometidas por problemas neurológicos. No contexto clínico, o diagnóstico e a terapia da afasia são, portanto, questões importantes. A avaliação voltada para as necessidades da pessoa com afasia serve para determinar se seu desempenho em tarefas de linguagem é ou não normal comparado a outros adultos da mesma idade e condição sócio-educacional, para proceder a um diagnóstico diferencial, para definir qual ou quais seus déficits específicos ou para avaliar suas habilidades no uso da linguagem em situações cotidianas de comunicação. Neste capítulo, caracterizamos os limites da avaliação das afasias segundo os tradicionais moldes clínico-anatômicos. Em seguida, apresentamos as bases da abordagem neurocognitiva e o que esta amealhou da Linguística e da Psicologia. Com isso, fundamenta-se o caráter multidisciplinar da avaliação de linguagem, que, como veremos, não é algo recente. Os limites da classificação na afasia Tradicionalmente, os modelos neurológicos das afasias baseavam-se na correlação clínico-anatômica, isto é, na relação entre os comprometimentos clinicamente observados e a localização e extensão de lesões cerebrais. Surgidos numa época em que praticamente o único recurso para visualizar os danos neurológicos in vivo era a angiografia – uma radiografia do crânio após injeção de contraste na carótida ipsilateral – tais modelos partem da perspectiva da patologia e visam principalmente à classificação dos sintomas em quadros sindrômicos – as síndromes afásicas – para auxiliar no diagnóstico de novos casos (Damasio, 1992; Damasio; Geschwind, 1984; Gerschwind, 1970). O Quadro 1 resume as principais características clínicas e os achados anatômicos nas síndromes afásicas clássicas.

Quadro 1 - Principais síndromes afásicas

Com base nos procedimentos existentes, entretanto, não é simples classificar um paciente em uma das síndromes afásicas. Segundo Neils-Strunjaš (1996), isto se deve principalmente a duas importantes limitações desse modelo de avaliação, amplamente conhecido como "modelo de correlação clínico-anatômica". Em primeiro lugar, há ausência de concordância entre a classificação feita por especialistas e aquela realizada a partir de testes específicos, ou mesmo entre mais de um teste. Em segundo lugar, o modelo não permite classificar cerca de 40% dos pacientes em qualquer das síndromes. O modelo de correlação clínico-anatômica se baseia na noção de que as síndromes derivam de lesões em regiões corticais específicas, cujo prejuízo implica nas deficiências de desempenho observadas nas afasias. Entretanto, não é recente a falta de consenso com relação à localização de síndromes específicas (Mohr et al., 1978; Alexander, Naeser &

Palumbo, 1987; Anderson et al., 1999). Num dos mais criteriosos estudos realizados para avaliar a relação entre o comportamento de afásicos e a localização cerebral de suas lesões, Willmes & Poeck (1993) cruzaram as informações de 188 pacientes sobre a abrangência da lesão cortical e o diagnóstico sindrômico realizado de acordo com o Teste de Afasia de Aachen (Huber, Poeck & Willmes, 1984). Este teste é a versão alemã do famoso Teste de Boston, provavelmente o mais utilizado em língua inglesa (Goodglass & Kaplan, 1982; no Brasil, ver Radanovic; Mansur, 2002; Mansur et al., 2005). Willmes e Poeck observaram que apenas 48% dos pacientes cujo desempenho é compatível com síndrome de Wernicke apresentavam lesões posteriores e 35% daqueles compatíveis com síndrome de Broca apresentavam lesões anteriores, tal como previa o modelo. Os autores concluem que "estudos de localização na abordagem tradicional não alcançarão os resultados que os levem a uma interpretação significativa de processos psicológicos comprometidos, tais como a afasia" (op.cit., p.1538). Esta imprecisão do modelo deriva das deficiências conceituais e operacionais inerentes a ambos os termos nele correlacionados, as lesões cerebrais e o desempenho na linguagem. No que diz respeito às lesões, há uma dificuldade em precisar o locus anatômico relevante nas lesões relacionadas a afasias, seja em conseqüência de classificações anatomo-funcionais inadequadas, seja pela própria noção de localização. Essa dificuldade em precisar as lesões de modo a permitir comparações em grupos já levara Caramazza (1984) a propor que a única maneira de compreender as correlações clínico-anatômicas nas afasias seria por meio de estudos de casos 1. Com o surgimento das técnicas de neuro-imagem, o objetivo de classificação sindrômica perdeu importância no diagnóstico da afasia. Cada vez mais, é substituído pelo que Werani (1997) denominou de "descrição sintômica": a descrição detalhada dos déficits de um paciente em termos dos subsistemas lingüísticos afetados. Esta mudança de objetivos de avaliação é consequência de uma mudança de perspectiva, em que os modelos neuro-anatômicos são substituídos por modelos neurocognitivos, concepção que caracteriza a abordagem da linguagem na Neuropsicologia Cognitiva há mais de três décadas (Marin, Saffran, Schwartz, 1976; Zurif, 1980; Saffran, 1997). Segundo essa concepção, a linguagem é processada na mente por uma série de módulos específicos, cada qual responsável por um tipo diferente de informação. Consoante a isso, Godefroy et al. (1998) derivaram um sistema a partir de estudos estatísticos e sugeriram uma maneira de tratar o problema da classificação reduzindo o nível explicativo: em vez de síndromes, 1 Para uma consideração mais atual das contribuições que os estudos de caso podem oferecer, ver Beeson & Robey (2006).

focalizam nos sintomas e avaliam sua relação com lesões presentes em afásicos, no que chamaram de “regiões de interesse” (regions of interest – ROIs). Utilizando esse sistema, Kreisler et al. (2000) encontraram associações confiáveis entre o comportamento de pacientes afásicos e a localização cerebral de regiões de interesse, diferentemente de Willmes & Poeck (1993). Depois disso Poeppel & Hickok (2004) já sugeriram rever por completo a neuro-anatomia funcional das áreas dedicadas à linguagem. Outro aspecto importante envolve a noção de localização. Formulada no século XIX, parece hoje inadequada para tarefas complexas como a linguagem. Estudos já não tão recentes sobre o processamento da linguagem utilizando informações metabólicas a partir de tomografia, magneto-encefalografia e ressonância funcional magnética de indivíduos sadios (p.ex.: Kaan & Swaab, 2002), forneceram evidências para conceitos modernos de representações múltiplas e conectividade em rede como hipóteses explicativas para as funções do SNC. Em outras palavras, se a linguagem tem representação distribuída no córtex, um modelo baseado numa localização estrita redundará em fracasso. Do ponto de vista clínico, a “abordagem sintômica” permite conhecer em detalhe as habilidades que foram afetadas pelo evento neurológico. Ademais, permite também conhecer as habilidades que mantiveram-se preservadas, de modo que possam ser utilizadas na intervenção. Com isso, a pessoa deixaria de ser confrontada apenas com aquelas habilidades em que seu desempenho não é normal, o que pode levar a uma melhor adesão ao tratamento. Note-se que o sucesso de um tal empreendimento depende de se especificarem os déficits lingüísticos. Em nossa opinião, este objetivo é ainda difícil de se alcançar em solo brasileiro, seja para fins de investigação científica, seja para fins de diagnóstico e intervenção. Isto se deve a uma herança ainda não superada do modelo clínico-anatômico: o fato de a linguagem ser reduzida a aspectos parcamente definidos, como "expressão" ou "compreensão", ou avaliada apenas por meio de tarefas simples (nomeação de figuras ou objetos, fluência verbal, repetição de frases e cumprimento de ordens). Com raras exceções (Fontanari, 1989; Ortiz, Osborn & Chiari, 1993), as tarefas disponíveis no Brasil para avaliação do desempenho de linguagem na afasia não foram desenvolvidas para avaliar isoladamente os diferentes subsistemas lingüísticos necessários ao desempenho normal: fônico, sintático e semântico (aspectos pragmático-discursivos, em geral, não são previstos em modelos psicolinguísticos). De fato, desde que se estabeleceu como disciplina científica, como veremos a seguir, a Lingüística oferece muitas evidências a partir das quais a linguagem deve ser concebida como um complexo sistema de conhecimentos

interrelacionados. A Lingüística na abordagem neurocognitiva O intercâmbio de conhecimentos sobre linguagem e cérebro entre a Lingüística e a Neurologia vem de longa data (cf. Doody, 1993a; 1993b; para uma introdução em português, ver Morato, 2004). Spreen (1968, p.191) nos diz que "talvez o primeiro tratamento verdadeiramente psicolingüístico da afasia" seja um estudo sobre o agramatismo publicado em 1913 pelo famoso psiquiatra alemão Arnold Pick. Mas certamente foi Roman Jakobson quem iniciou uma reflexão sistemática sobre a análise linguística do desempenho de pessoas com afasia (Jakobson, 1955; 1956/1971) 2. Já o esforço sistemático para superar a precariedade das tarefas para avaliação da linguagem na afasia pode ser visto como uma das consequências da "virada psicométrica" por que passou a Neuropsicologia, sobretudo nos EUA (Meier, 1992). Este termo refere-se ao momento, a partir do final dos anos 1950, em que pesquisadores interessados na avaliação neuropsicológica passaram a utilizar e a refletir sobre os procedimentos metodológicos desenvolvidos naquela área da Psicologia que se ocupa da avaliação, a psicometria. Até então, a avaliação neuropsicológica era principalmente clínica, baseada nos conhecimentos pessoais do neurologista. Contudo, a psicometria já tinha desenvolvido ou adaptado, desde o início do século XX, procedimentos destinados a garantir a validade e a confiabilidade de medidas psicológicas. Numa das primeiras reflexões sobre a construção de uma avaliação psicometricamente consistente para a afasia, Benton (1967) nos mostra a necessidade de buscar conhecimentos sobre a linguagem gerados na Linguística para avaliar os comprometimentos na afasia. Durante a década de 60, a teoria da gramática gerativa de Chomsky tornou-se a corrente majoritária de pensamento na Linguística e trouxe duas consequências importantes para o estudo das afasias. Como se sabe, Chomsky concebe a linguagem como estruturas mentais que possibilitam ao falante compreender e produzir qualquer frase de sua língua, mesmo as que ele nunca ouviu (ver p.ex., Hauser, Fitch & Chomsky 2002). Com isso, Chomsky instalou a Linguística no seio das então incipientes Ciências Cognitivas. Isto muda o estatuto do estudo das afasias, abrindo caminho para uma abordagem cognitiva, que veremos mais adiante. A outra consequência importante foi a de 2 A conferência original de 1955, de difícil acesso, apareceu em francês na coletânea Language enfantin et aphasie (Paris: Editions du Minuit, 1969) e em sua versão em inglês (Studies on child language and aphasia. Haia: Mouton, 1971). Já o capítulo de 1956 teve edição brasileira (“Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia”, in: Linguística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 1969).

chamar atenção para a sintaxe do afásico e para os modos de investigar sua competência – isto é, o conhecimento interno – e não exclusivamente a sua fala 3. Durante as décadas de 1970-80, modelos baseados em investigações neuropsicológicas passaram a influir sobre a maneira de conceber a organização da linguagem. Com o sugestivo título "A natureza não-anômala de enunciados anômalos", Fromkin (1971) foi a primeira a apresentar uma análise fonológica de erros de pacientes afásicos como fonte de argumentos sobre a maneira como a linguagem se organiza. Como Chomsky concebera uma teoria linguística explicitamente cognitivista, estudar a linguagem era também uma maneira de entender como funciona esse aspecto importante da mente humana. Estava criada a condição para integrar o estudo das afasias no contexto de uma concepção mais ampla da mente humana, que caracteriza a abordagem da linguagem na neuropsicologia cognitiva (Zurif, 1980; Marin; Saffran; Schwartz, 1976; Saffran, 1982; revisão em Saffran, 1997). Segundo essa concepção, a linguagem é processada na mente por uma série de módulos específicos, cada qual responsável por um tipo diferente de informação. A abordagem da neuropsicologia cognitiva representa uma mudança, das preocupações clínicas e anatômicas para uma ênfase na arquitetura funcional. Um pressuposto que subjaz a essa abordagem é que os padrões de distúrbio da linguagem refletem as divisões naturais do sistema e, portanto, a desordem revela sua estrutura (Saffran, 1997, p.151) 4 Uma interpretação menos forte dos distúrbios investigados também é possível, em vez de admitir os resultados como evidências diretas da arquitetura da mente. Neste caso, o objetivo é especificar da melhor possível os déficits de linguagem na afasia – como, de resto, os de qualquer etiologia – a fim de, então, investigar empiricamente a relação entre estes e algumas estruturas específicas do SNC, por exemplo como fizeram Kreisler e colaboradores (2000). O termo "abordagem psicolingüística" tem sido utilizado para designar procedimentos de avaliação da linguagem cujo objetivo é justamente especificar os subsistemas lingüísticos afetados. Para isso, baseia-se na pesquisa sobre os processos psicológicos subjacentes à linguagem (psicolingüística), integrando em suas ferramentas de avaliação as variáveis que se referem a determinado subsistema. Com isso, a abordagem 3 Décadas depois, isto resultaria no debate teórico-linguístico sobre o “agramatismo”, registrado nos volumes especiais de Brain and Language organizados por Yosef Grodzinsky (v. 45, n.3, out. 1993) e Victoria Fromkin (v.50, n.1-3, 1995). 4 No original: "The cognitive neuropsychological approach represents a shift from clinical and anatomic concerns to an emphasis on functional architecture. One assumption that underlies this approach is that language breakdown patterns reflect the natural divisions of the language system and hence that the disorders reveal its componential structure."

psicolinguística não visa uma avaliação de afasia, mas uma avaliação de distúrbios de linguagem presentes em quadros de várias etiologias, a maioria dos quais, na população adulta, é de vítimas de acidente vascular encefálico. A identificação seletiva dos transtornos presentes nos subsistemas da linguagem, bem como as compensações que o indivíduo afetado faz para lidar com esses transtornos, é alcançada por meio da análise detalhada dos elementos e estruturas linguísticas que se apresentam comprometidas em cada tarefa. As conclusões sobre o estado do paciente se baseiam em quatro características de seu desempenho (cf. Neils-Strunjaš, 1996): 1. dissociação: sua capacidade de realizar uma tarefa a contento e não outra, o que aponta para um déficit seletivo; 2. associação: sua incapacidade de realizar mais de uma tarefa, o que aponta para um déficit subjacente e comum às tarefas realizadas; 3.

análise de itens e de sujeitos: a primeira diz respeito à comparação do desempenho em uma tarefa, item a item, de modo a verificar se determinado déficit é função daquela estrutura linguística específica; e a segunda, à comparação do desempenho de um indivíduo com o de um grupo de outros sujeitos com transtornos semelhantes, a fim de se verificar a especificidade do problema; e

4. análise do tipo de erro, capaz de fornecer evidências sobre a natureza do problema. Para uma análise clínica, os itens 1 e 2 acima são certamente os mais importantes. Serão essas características que permitirão avaliar um paciente "a olho nu". No entanto, se quisermos ter uma compreensão mais adequada dos distúrbios que o paciente nos apresenta, as análises descritas no item 3 são indispensáveis. A análise de itens permite verificar se um único elemento do conjunto de estímulos é o responsável por um baixo desempenho – o que facilitará bastante o planejamento da intervenção posterior. Por outro lado, a análise de sujeito nos permite apreciar a gravidade do distúrbio apresentado por um paciente. Obviamente, isso requer comparar os resultados de um sujeito com dados de outros pacientes com características comparáveis, tais como a etiologia do déficit, o tempo pós-morbidez, dados demográficos e resultados de outros testes realizados – em outras palavras, requer normas. Das quatro características mencionadas acima, a de nº 4 merece extremo cuidado. Os erros apresentados geralmente se interpretam à luz de uma teoria. É bom que o avaliador seja capaz de julgar em função de um mapeamento muitos-para-muitos entre erro

e natureza do problema, sempre lembrando que o erro lingüístico se interpreta em função do contexto. Este último tipo de análise é, por exemplo, o foco da área de estudos hoje denominada de Fonética Clínica, em que os recursos de análise fonética descritiva e instrumental são aplicados à fala (ver p. ex. Shriberg & Kent, 1995). Para realizar essa análise, o examinador primeiro determina quais os principais fatores não-lingüísticos que estão afetando o desempenho do sujeito que está sendo examinado. Estão em jogo principalmente déficits neurológicos que comprometam o desempenho do aparelho fonoarticulatório e déficits neuropsicológicos em funções que afetam a interação comunicativa, como a atenção, a memória e as funções executivas. O examinador utiliza suas observações do comportamento do paciente e entrevistas com familiares, bem como testes específicos, a fim de poder julgar se o desempenho lingüístico do sujeito examinado se deve primariamente a comprometimentos da linguagem ou se esses são uma conseqüência de disfunções de outros sistemas. Limites da abordagem psicolinguística Em geral, os instrumentos existentes para avaliação de distúrbios de linguagem padecem de dois grandes defeitos, a que chamaremos de "constitutivo" e de "normativo". O defeito constitutivo é de natureza teórica, refletindo a idéia de que a linguagem é uma função unitária. Como já vimos, a linguagem é uma função complexa que envolve conhecimentos em vários níveis. Tratá-los como se fossem um único traço implica na impossibilidade de conhecer um déficit restrito. Isso se reflete na composição das tarefas tradicionalmente utilizadas para avaliação da linguagem em pacientes neurológicos: nomeação de partes do corpo, resposta a comandos verbais, repetição de frases e fluência verbal. Essas tarefas exigem mais de uma função, não necessariamente específicas da linguagem. Como exemplo, consideremos a tarefa de resposta a comandos verbais. O examinador solicita ao paciente que cumpra comandos simples, por exemplo: "coloque o indicador direito no nariz". A falta de resposta é interpretada como uma dificuldade de compreensão – não à toa, as baterias de avaliação de afasia referem-se à tarefa como um teste de compreensão. Porém, o cumprimento de um comando verbal simples inclui não apenas a compreensão oral do comando. Componentes importantes na resolução dessa tarefa são as capacidades de planejamento e realização motoras e o envolvimento do paciente na tarefa. Enquanto a execução motora costuma ser avaliada com testes simples

("levante o braço"), seu planejamento e o envolvimento na tarefa, aspectos executivos, costumam ser relegados a segundo plano. Portanto, uma tarefa de compreensão deve buscar minimizar o aspecto da resposta, de modo a apreciar melhor o processamento do estímulo de entrada. Corolários do defeito constitutivo são a falta de diagnóstico diferencial e a má construção dos instrumentos de testes. Como uma função central e complexa, a linguagem não se confunde com a fala: enquanto uma é a capacidade mental, a outra é uma realização efetiva e, como tal, submetida a diversas restrições, contingentes ou não. Para que possamos dizer que alguém apresenta um distúrbio de linguagem é preciso poder dizer que seu desempenho inadequado não pode ser explicado por distúrbios que afetam exclusivamente os aspectos motores da fala, ou seja da articulação ou da fonação. Essa diferenciação pode ser feita de duas maneiras: procedendo a uma avaliação fonoaudiológica e manipulando os estímulos dos testes de linguagem de modo a examinar o desempenho em diversos ambientes lingüísticos. Esse segundo aspecto remete ao segundo corolário, à má construção dos testes. Do ponto de vista metodológico, os estímulos dos testes de linguagem devem ser manipulados para favorecer uma riqueza de ambientes e, ao mesmo tempo, controlar fatores de variação indesejada, como freqüência, comprimento e tipo de palavra, características que sabidamente afetam a compreensão ou produção de linguagem. Em resumo, como geralmente se considera que a linguagem é uma capacidade indiferenciada, não se detalham os instrumentos de testes, não se a avaliam os sistemas concorrentes nem se controlam seus estímulos. O segundo defeito, a que chamamos "normativo", é uma violação à regra formulada por Anastasi (1965, p.21): "Nenhum escore num teste psicológico tem significado até que seja comparado com as normas do teste". Ou seja, para que se possa concluir algo sobre a natureza e a extensão de algum déficit, de linguagem ou não, enfim, para que um teste seja útil, à pesquisa psicolingüística sucederá a psicométrica. Sem ela, não é possível interpretar os resultados da avaliação de um único sujeito, por exemplo em contexto clínico, e o instrumento será inútil.

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