AVALIAÇÃO: UM MOMENTO PRIVILEGIADO DE ESTUDO

June 24, 2017 | Autor: Â. Rodrigues de C... | Categoria: Leitura, Avaliação em Educação, Escrita, Multiletramentos, Ensino Aprendizagem
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AVALIAÇÃO: UM MOMENTO PRIVILEGIADO DE ESTUDO



RESUMO:

Cabe ao professor, no exercício de seu ofício, responsabilizar-se por
todo o processo didático-pedagógico na sala de aula – é ele que faz
escolhas de planejamento, de metodologia, de avaliação. No contexto
escolar, o professor, em geral, sente grande dificuldade em avaliar.
Muitas vezes, diante desta dificuldade, acaba elegendo os modelos de
avaliação como instrumento para punir e vigiar alunos, impondo a eles o
"terror da avaliação". E é desse aspecto, a avaliação, associado a todo
o restante do processo de ensino e aprendizagem, que trataremos nesse
artigo, considerando os modelos de avaliação existentes, as
necessidades do mundo contemporâneo, a perspectiva dos multiletramentos
e os pressupostos a serem considerados no momento de pensar sobre a
avaliação. Como afirmou Luckesi (2005), "a escola hoje ainda não avalia
a aprendizagem do educando, mas sim o examina, ou seja, denominamos
nossa prática de avaliação, mas, de fato, o que praticamos são exames".

ABSTRACT:
It's up to the teacher, in the line of duty, to be responsible for the
whole didactic and pedagogical process – it is him/her who makes
choices of planning, methodology, evaluation. In the school context, in
general, the teacher feels a great difficulty to evaluate. Most of the
times, in the consideration of this predicament, the teacher chooses
models of evaluation as tools for punishing and disciplining students,
imposing on them "the terror of evaluation". And it is of this aspect,
the evaluation, associated to the whole teaching and learning process,
which we will write about in this article, considering the evaluation
models existing, the needs of the contemporary world, the perspective
of multiliteracies and the presupposition to be considered when
thinking about evaluation. As Luckesi (2005) once wrote, "the school
today still does not evaluate the student's learning, but examine it,
that is, we call evaluation what we do, but, in fact, we are
examining".

Palavras-chave: Avaliação – Multiletramentos- Aprendizagem- Ler-
Escrever


Keywords: Evaluation – Multiliteracies- Learning- Reading- Writing






Introdução



Professor trabalha muito: planeja, estuda, elabora material, corrige
trabalhos dos alunos, elabora provas, corrige provas, elabora atividades de
retificação da aprendizagem e... recomeça todo o processo. No entanto, a
sensação é a de que não se sai do lugar, que todo o trabalho foi em vão.
A quem imputar a culpa? Aos alunos, que não estudam nada; à família,
que não põe esses alunos para estudar, não compra material; à escola, que
suspende aulas para outras atividades, que contrata menos professores do
que o necessário; ao professor, que acaba por dar muitas aulas e ter pouco
tempo para planejar, para estudar, para avaliar os alunos. Mas será que há
culpados? Será que a raiz da não aprendizagem advém só desses fatos?
Inicialmente, cabe ressaltar que a culpa é um sentimento advindo da
moral judaico-cristã, sentimento esse que habita a mente dos seres humanos
desde as leis mosaicas, tendo sido reafirmado quando da institucionalização
da Igreja, no conceito de pecado, e que, no entanto, leva à aceitação dos
fatos, seguida da inércia, em muitas situações. Em Educação, mais adequado
seria falar de responsabilidade.
A acepção do termo responsabilidade leva ao reconhecimento da
incumbência ou da tarefa que cabe a alguém, à obrigação de responder por
seus próprios atos, à capacidade de agir de forma sensata ... ou seja, de
agir, de reverter e modificar, de movimentar. Ela leva ao pensamento de
que, em qualquer que seja a situação de que esteja como participante,
exerço a minha parcela de responsabilidade, junto com os demais envolvidos.
Em outras palavras, quando me deparo com situações de não aprendizagem,
todos os envolvidos nestas situações são responsáveis e todos devem agir
para que o êxito ocorra.
Volto então ao ofício do professor – ele é responsável por todo o
processo didático-pedagógico na sala de aula – como já dito antes, é ele
que faz escolhas de planejamento, de metodologia, de avaliação. E é desse
último processo, a avaliação, associado a todo o restante, que tratarei
nesse texto.


1. A avaliação – dúvidas e medos
No contexto escolar, é deveras sabido que o professor em geral
sente grande dificuldade em avaliar. Muitas vezes, diante desta
dificuldade, acaba elegendo os modelos de avaliação como instrumento para
punir e vigiar alunos, impondo a eles esse que é o "terror da avaliação".
Mais interessante ainda é a observação de que muitas das práticas
de avaliação nada têm a ver com as aulas ministradas, fato esse observado
desde o Ensino Escolar ao Ensino Superior. Ou seja, um professor que
preza em suas aulas a discussão e o debate, pode montar uma prova em que
a associação e a reflexão não estejam presentes, dando lugar à simples
memorização, modelo de prova mais simples e menos trabalhosa de corrigir
– é certo ou errado, não há o que pensar.
Todavia, a avaliação deve estar inserida "no contexto da produção e
apropriação coletiva do conhecimento" (RONCA e TERZI, 1991:14), assim
como deve estar inserida em dimensões relacionais com a leitura e com a
escrita, com o contexto de aula, trazendo à tona as relações que se
estabelecem entre o aluno e o mundo. Dessa forma, a avaliação passa a ser
um instrumento capaz de oferecer dados/elementos ao professor a fim de
que ele possa compreender como está se processando a organização do
conhecimento e o desenvolvimento do pensamento do aluno.
Como afirmam DEPRESBITERIS e TAVARES (2009:9), o uso "apropriado de
medidas, com a sua devida integração no processo de ensino e avaliação, é
caminho inquestionável na garantia da qualidade de ensino e da
aprendizagem".




2. Modelos de avaliação


2.1. Um pouco da história recente da avaliação
Normalmente elaboradas sob o estilo de perguntas e respostas,
assemelhando-se a questionários, demandando respostas que levam à ação de
memorização de fatos, ideias, datas e fórmulas, as provas levam os alunos a
uma relação imediatista com o conhecimento, visto que eles só estudam na
véspera das avaliações, decorando toda a matéria e esquecendo tudo o que
"estudaram" logo ao final do período. Assim, quando se apropriam das
informações "ensinadas", o fazem de forma estanque, visto que não as
entendem como necessárias para a construção do conhecimento e apreensão de
novas informações (a matéria do primeiro bimestre, a matéria do segundo
bimestre etc.).
Cabe ressaltar neste ponto que a ideia de prova como único instrumento
"verificador da aprendizagem" surgiu quando a educação brasileira passou a
ser influenciada pelas ideias positivistas, no início do século XX,
respondendo ao foco da sociedade na produção econômica, emoldurando
ideologias políticas e socioeconômicas emergentes. O Positivismo se
afastava de qualquer interpretação metafísica da realidade e da experiência
e foi impulsionado pelo avanço das ciências naturais, como a Biologia e a
Física, e por seus métodos e princípios de conhecimento e interpretação de
fenômenos sociais.
Consoante tais influências, o Positivismo admitia somente o critério
da verdade cientificamente provada, da experiência, dos fatos positivos,
visíveis e sensíveis – as provas eram compostas, então, num modelo
objetivo, claro, mensurável ou quantificável (RONCA e TERZI, 1991:26).
Assim, não havia espaço para a argumentação, para a elaboração do
pensamento e sua expressividade, desprezando-se o pensamento hipotético ou
estimativo.




2.2. As necessidades do mundo contemporâneo


"A escola não pode ignorar o que se passa no mundo".
(PERRENOUD, 2000)
O mundo contemporâneo – na economia, na cultura, nas práticas sociais
e humanas – trouxe também mudanças nas necessidades educacionais e de
aprendizagem do homem atual.
Em primeiro lugar, hoje as informações válidas, úteis, são muito mais
efêmeras e rapidamente ficam defasadas, superadas, a partir de novas
descobertas que as atropelam e as superam, quase que a cada instante. Em
segundo lugar, é praticamente imensurável o volume de informações o tempo
todo disponibilizado em cada área do conhecimento. Nenhum profissional
consegue ter o domínio e o controle de todas as informações relevantes
geradas em sua área de atuação, por mais capacitado que seja. Há sempre
muitas e novas informações que lhe escapam.
Hoje, então, temos necessidade de uma reflexão crítica mais coletiva,
de aulas em que seja um must pensar, argumentar e que sejam
operacionalizadas a partir de procedimentos que também abarquem a nova
concepção de Letramento.
Letramento hoje não se refere apenas às habilidades de ler e escrever
como práticas relacionadas apenas à linguagem verbal, mas agrega também a
comunicação visual e sonora, incluindo aí recursos gráficos, as imagens, as
cores, a disposição do espaço físico da comunicação, etc. Como bem aponta
STREET (apud VIEIRA, 2007:24), é possível agora falar de multiletramentos,
como o letramento computacional, o visual, o tecnológico, entre outros.
A concepção de multiletramentos, segundo ROJO (2009:107), é a de que,
na sociedade letrada em que vivemos, para que haja uma efetiva comunicação,
devemos dar conta, além dos gêneros específicos das práticas sociais, de
semioses, imagens, gestos (multimodalidades[1]), que exigirão uma autonomia
e nível de letramentos em diferentes eventos.
Considerar essa perspectiva dos multiletramentos (ou da
multimodalidade) é muito importante uma vez que do sujeito letrado exigem-
se habilidades interpretativas básicas que devem atender às necessidades da
vida diária, como as exigidas pelos locais de trabalho. As habilidades
textuais do ser letrado devem acompanhar os avanços tecnológicos. Desses
sujeitos é exigida a capacidade de mover-se rapidamente entre diferentes
letramentos.
Os modelos de avaliação, reflexo dos modelos de aula, devem, então,
funcionar como momentos privilegiados de estudo e não de "acerto de
contas"; de compreensão da realidade, de manipulação, de observação
questionadora e de argumentação que estimulem a capacidade criadora.




3. Como avaliar? Que pressupostos considerar?


Diante de tal quadro das necessidades atuais, é fato que é preciso
repensar os modelos de avaliação utilizados. Logo, considerando autores
como DEPRESBITERIS e TAVARES (2009:45-57), MORETTO (2002) e RONCA e TERZI,
(1991:43-63) alguns pressupostos, nos quais acredito, devem ser
considerados, a saber:


– imprimir significado à aprendizagem – a avaliação só exercerá seu
papel de melhoria dos desempenhos dos alunos se fizer sentido para
eles;
– diagnosticar os conhecimentos prévios dos alunos – os conhecimentos
sobre a realidade implicam diferentes representações, fatos,
experiências, casos pessoais, atitudes e normas, e o aluno enfrenta um
novo conteúdo a ser aprendido com base em uma série de conceitos,
concepções, representações e conhecimentos adquiridos no decorrer de
experiências anteriores. Ou seja, a aprendizagem é mais significativa
quanto mais relações com o sentido o aluno for capaz de estabelecer;
– buscar avaliar o esforço profundo dos alunos – relaciona-se à
capacidade do aluno de buscar as relações para a compreensão do que
lhe é proposto. No ato comunicativo, por exemplo, seria o esforço para
que a interação ocorra. Este esforço profundo leva ao fato de que o
aluno busca não só cumprir os requisitos da tarefa, mas refletir sobre
seus propósitos, focalizar os elementos relevantes e integrar os
princípios;
– enfatizar o papel da metacognição – os instrumentos de avaliação
devem verificar não só a correção e a incorreção das respostas, mas
proporcionar informações funcionais sobre os processos utilizados
pelos alunos;
– estimular a resolução de problemas – a solução de um problema requer
a utilização de estratégias, técnicas e habilidades previamente
exercitadas. Ao observar estas estratégias, o professor ajuda o aluno
a aprimorar suas formas de pensar;
– imprimir à avaliação uma dimensão diagnóstica, formativa e mediadora
– a avaliação diagnóstica objetiva verificar a presença ou não de
conhecimentos prévios dos alunos; a formativa possibilita melhorias no
processo de ensino e aprendizagem; e a somativa, que tem caráter mais
final com relação às outras duas avaliações, visando a verificar o
conjunto de conhecimentos desenvolvidos em certo período;
– evitar prejulgamentos – é necessário que o professor considere as
primeiras informações que tem do aluno como hipóteses profissionais
que exigirão confirmação ao longo do processo de ensino e
aprendizagem, associando tal prática à observação constante desse
aluno;
– levar em conta a multiplicidade de critérios de julgamento – os
critérios e indicadores de avaliação deveriam levar em conta uma série
de fatores, evitando o pensamento dicotômico: sim ou não, certo ou
errado;
– diversificar instrumentos e questões de avaliação – tal aspecto é
muito importante para se avaliar o grau de subjetividade e se o aluno
responde bem apenas pelo modelo de avaliação e não de conhecimento do
conteúdo a ser avaliado. Devem-se estimular situações de avaliação que
levam ao exercício da capacidade argumentativa dos alunos, visto ser
esta capacidade inerente a qualquer uso da linguagem;
– reconhecer que a prova é sempre uma relação pessoal ou interpessoal –
deve haver constante e acentuada preocupação em explicar
cuidadosamente cada questão, com clareza na proposição do enunciado e
cuidado na apresentação de orientações básicas;
a) traduzir a realidade nas inúmeras questões de prova – isso
possibilita a relação aluno-mundo, alertando para as diferenças, as
pluralidades e as desigualdades;
b) estabelecer a relação com o Ler – o texto tem como meta apresentar
o contexto, tornando a análise obrigatoriamente mais profunda e
abrangente;
c) estabelecer a relação com o Escrever – é necessário espaço, amplo e
extenso, no qual o aluno possa ver concretamente a possibilidade de
escrever e a sua percepção não possa ser barrada. Tanto nesse
pressuposto quanto no anterior, é preciso se observar a necessidade
de se trabalhar com a diversidade de gêneros discursivos, ampliando
a perspectiva do letramento dos alunos.


Obviamente, caberá ao professor marcar a hierarquia entre os
pressupostos identificáveis na sua proposta de avaliação, adequando-os aos
objetivos que persegue.



Conclusão
Diante de tal conjunto de pressupostos enumerados até aqui, é possível
neste momento, diante da consideração das necessidades do mundo atual,
ressaltar que, quaisquer que sejam os modelos de avaliação escolhidos
(prova operatória, prova interdisciplinar, atividades coletivas como jogos,
competições, resoluções de charadas e crimes, estudos de caso, projetos
etc.), que aspectos básicos não sejam esquecidos, como a relação com o Ler
e o Escrever; a possibilidade da argumentação e da interação; a
contextualização, a significatividade e a pertinência das questões, que
devem variar e não se limitar meramente ao aspecto da memorização; a
elaboração de textos e proposições claros para o aluno e a adequação ao
tempo de realização.
É preciso entender que a avaliação não se resume ao seu caráter
somativo apenas, mas também diagnóstico e formativo, além de servir como
excelente instrumento para avaliarmos nosso planejamento e sua consecução.
A avaliação, seja no formato da prova ou não, não deve ser um momento
de "acerto de contas", de empoderamento do professor, mas um momento
privilegiado de ensino e aprendizagem, devendo ser entendida como uma
continuação e um prosseguimento das aulas, não um sofrimento para
professores e alunos, nem na execução nem na correção.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEPRESBITERIS, Léa e TAVARES, Marialva Rossi. Diversificar é preciso...
Instrumentos e Técnicas de Avaliação de Aprendizagem. São Paulo: Editora
Senac São Paulo, 2009.

KRESS, G. R. e van LEEUWEN, T. Reading Images: a Grammar of Visual Design.
Londres: Routledge, 1996

LUCKESI, Cipriano Carlos. "Avaliação da aprendizagem; visão geral".
Entrevista concedida ao Jornalista Paulo Camargo, São Paulo, publicado no
caderno do Colégio Uirapuru, Sorocaba, estado de São Paulo, por ocasião da
Conferência: Avaliação da Aprendizagem na Escola, Colégio Uirapuru,
Sorocaba, SP, 8 de outubro de 2005. Disponível em
http://www.luckesi.com.br/textos/art_avaliacao/art_avaliacao_entrev_paulo_ca
margo2005.pdf. Acessado em 30-03-2012.

MORETTO, Vasco Pedro. Prova: um momento privilegiado de estudo, não um
acerto de contas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências para Ensinar.Porto Alegre:
Artmed, 2000.


ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo:
Parábola. Editorial, 2009.

RONCA, Paulo Afonso Caruso e TERZI, Cleide do Amaral. A Prova Operatória –
contribuições da Psicologia do Desenvolvimento. São Paulo: EDESPLAN, 1991.


VIEIRA, Josenia Antunes et al. Reflexões sobre a língua portuguesa: uma
abordagem multimodal. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.



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[1] Ou seja, o texto multimodal ou multissemiótico é aquele cujo
significado se realiza por mais de um código semiótico (Kress e van
Leeuwen, 1996).
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