Avanços e retrocessos de modelos de intervenção urbanística em assentamentos precários: a experiência de Cubatão, SP

May 31, 2017 | Autor: M. Zuquim | Categoria: Meio-Ambiente, Urbanização de favelas, Política urbana
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Avanços e retrocessos de modelos de intervenção urbanística em assentamentos precários: a experiência de Cubatão, SP. Denise Antonucci FAU Mackenzie Maria de Lourdes Zuquim FAU USP (LabHab)

Este artigo apresenta uma análise dos avanços e retrocessos dos modelos de intervenção urbanística em assentamentos precários a partir da articulação com as políticas públicas habitacional e ambiental, na área do Parque da Serra do Mar, no município de Cubatão, São Paulo. O surgimento das favelas esteve vinculado, inicialmente, aos canteiros de obras da Via Anchieta e, posteriormente, à construção do Distrito Industrial - modelo que reserva à população de baixa renda o acesso à terra urbana em áreas inadequadas à construção e à fixação. Paralelamente, apresenta as políticas públicas de intervenção urbanística para esses assentamentos informais e os conflitos da legislação urbana e ambiental decorrentes, visando contextualizar as formas atuais de intervenção. Toma como universo as soluções urbanísticas no município em dois momentos distintos: 1984 e 2010. No primeiro projeto, a maior preocupação relacionava-se a possibilidades de deslizamento das encostas da serra, pondo em risco a população moradora das favelas. Atualmente, por imposição judicial, tem-se a tentarecomposição do Parque, desde que garantida moradia para a população aí residente. Palavras-chave: urbanização de favelas, política habitacional, política urbana, meio ambiente.

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INTRODUÇÃO A política governamental de desenvolvimento implementada a partir dos anos 1930 com o Estado Novo, deu início às grandes e desiguais transformações que redesenharam o território brasileiro. O lento ritmo de ocupação do território, com cidades dependentes de atividades agrário-exportadoras dos primeiros séculos de nossa história, se intensifica com os processos de industrialização e de urbanização. Entre os anos 1950 e 1970, a economia urbano-industrial passou a determinar as prioridades das políticas públicas transformando o país rapidamente. As cidades passam a ser vistas como o lugar de concentração de riquezas deslocando grandes contingentes de trabalhadores rurais. As cidades não possuíam políticas públicas para receber o contingente populacional proveniente da zona rural. Nas cidades se reproduz a herança colonialista de concentração de terras e de riquezas – baseada em desigualdades socioterritoriais de acesso a terra urbanizada e à moradia - resultando na ilegalidade urbanística e fundiária, institucionalizando a cidade ilegal. A partir dos anos 1970, tem-se o expressivo crescimento da população urbana concomitantemente com o crescimento do déficit habitacional e o significativo crescimento dos assentamentos precários. Para enfrentar o déficit habitacional foram criados, em 1964, o SFH – Sistema Financeiro de Habitação e o BNH – Banco Nacional de Habitação, voltados à produção de conjuntos habitacionais e à infraestrutura urbana. Originariamente, destinavam-se às classes baixas e a incentivar construção civil, porém, sua produção foi norteada por política habitacional centralizada, não-valorização do meio ambiente e priorização de atendimento a população de maior renda. A ação do BNH não foi capaz de atender à demanda da população de baixa renda na proporção necessária. A população que não teve acesso ao SFH produziu sua própria moradia, por meio de ocupações ou de parcelamentos ilegais. Frente a esse modelo de urbanização, nos anos 1980, a mobilização dos movimentos sociais em prol da Reforma Urbana e o fortalecimento das lutas pela inclusão os instrumentos urbanísticos na Constituição Federal, introduz a questão urbana na pauta de discussão da questão fundiária e urbanística, influenciando a construção das políticas públicas. 2

A Reforma Urbana propunha novo caráter da cidade, considerada como valor de uso, em contraposição à cidade como mercadoria, fragmentada e injusta. O Estado deveria agir no interesse de todos e sob controle da sociedade (Ribeiro, 1994, p 10). O direito à cidade seria garantido por meio da estratégia: a) redefinição do direito de propriedade visando sua função social - noção do estado de necessidade social; b) redefinição da relação Estado/sociedade, Estado deveria assumir papel regulador e mediador dos conflitos urbanos. O município seria o espaço privilegiado para o exercício da gestão política e democrática da cidade; c) ampliação da cidadania enquanto direitos sociais urbanos. Surgem, também, nesse momento, os movimentos de defesa do meio ambiente no Brasil – os “preservacionistas”– fortemente influenciados pela visão americana do “mito da natureza intocada” 1, pelo qual a natureza deveria ser protegida da interferência humana. A influência desses movimentos nas políticas públicas foi intensa, pois, além de determinar a visão biocentrista, também alimentou a ideologia dos movimentos ambientalistas que se seguiram. A partir daí vê-se a grande influência do pensamento preservacionista na constituição das normas disciplinadoras de uso e a ocupação do solo, definindo um desenho territorial que acentuou os conflitos na regulação urbana e ambiental. Até o fim dos anos 1980, as políticas de intervenção em assentamentos precários - principalmente os que se encontravam em áreas valorizadas de visibilidade e de interesse do mercado – resumiam-se a remoção para conjuntos habitacionais na periferia ou pela, ainda incipiente, urbanização de favelas. A intervenção em assentamentos precários, em geral, tinha por base apenas a Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano 6766/79 - Lei Lehman 2, e a Lei Federal 4.771/65 - Código Florestal, que nesta época não se aplicava ao ambiente urbano. A legislação existente era suficiente para ação do poder público na intervenção em assentamentos precários, não existiam conflitos na interpretação e aplicação das leis nos diversos níveis federativos. É importante destacar que até a promulgação da

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Ver DIEGUES (1994). Estabelecia exigências mínimas para aprovação de loteamento; limites para a ocupação observada a preservação do meio ambiente; deveriam reservar faixa de 15 metros de cada lado ao longo de cursos d'água, rodovias, ferrovias e dutos, e exigia a doação para o Poder Público de 35% da área da gleba para a implantação de sistema de circulação, áreas verdes e equipamentos públicos. 3 2

Constituição Federal de 1988 as regulamentações ambientais resumiam-se àquelas relativas à água e florestas, visando à proteção econômica e não a ambiental. Neste contexto, alguns municípios se propuseram a enfrentar a questão de urbanização de favelas criando legislações municipais específicas, com a criação de instrumentos de regularização urbanística e fundiária, que começavam a delinear garantias de direitos de urbanização e de regularização fundiária3. Com a promulgação da Constituição avanços na regularização urbanística e fundiária de assentamentos precários são vistos na introdução do princípio da função social da cidade e da propriedade (artigos 181 e 182 da Constituição, regulamentados pela Lei Federal 10.257/01 - Estatuto da Cidade). Ao mesmo tempo, alguns retrocessos também são vistos, como a interpretação hegemônica das questões ambientais sobres às urbanas, resultantes da aplicação do artigo 225 da Constituição. Como exemplo a ambígua interpretação do

Código

Florestal

e

da

resolução

CONAMA

369/2006

que

admitem

excepcionalmente a supressão da vegetação em Área de Preservação Permanente APP nos casos de utilidade pública ou interesse social, mas geram controvérsias entre juristas, técnicos ambientais, urbanistas e demais integrantes da sociedade, que enfrentam o embate sobre a aplicabilidade dessa lei em APPs dentro do perímetro urbano. Ressalte-se, também, a revisão da Lei Federal 6.766/79 (PL 3.057/00 Lei de Responsabilidade Territorial) que ao mesmo tempo em que propõe condições para a integração dos licenciamentos urbanístico e ambiental e instituí a regularização fundiária sustentável de interesse social em APP, remete à legislação e normas ambientais existentes, criando novos conflitos para a regularização urbanística e fundiária de assentamentos precários. A partir de 1990, a influência da visão ambientalista e das novas políticas neoliberais fez com que o poder público se afastasse gradativamente do seu papel regulador; consequentemente, muitas das antigas atribuições do Estado foram delegadas à sociedade civil organizada, influenciando a visão preservacionista na construção das políticas publicas. No que diz respeito às questões ambientais, esse 3

Recife: gestão e legalização da terra (PREZEIS, 1987); Diadema: urbanização e Concessão de Direito Real de Uso da Terra em áreas urbanizadas (1985); São Paulo: Programa de Urbanização de Favelas (1988/92) e de produção de habitação de interesse social por mutirão autogerido. 4

movimento de “afastamento” do Estado implicou teorias e modelos da preservação da natureza intocada, que reencontram o caminho aberto para impor-se generalizadamente na construção das políticas públicas urbanas e ambientais. Neste contexto, os Bairros-cota refletem a problemática urbana da maioria das cidades brasileiras, que nos anos 1980 foram tratados na ótica da regularização urbanística, a partir dos anos 1990 passam a ser alvo das políticas ambientais e, especialmente, a partir de 2000, se tornam objeto da problemática ambiental. Cubatão – contextualização política A cidade de Cubatão é caracterizada por seu perfil industrial e marcada por desastres ambientais tendo recebido o aposto “vale da morte” nos anos 1980. Até 1948, Cubatão era um distrito do município de Santos, porém a implantação da Via Anchieta, concluída em 1947, fez com que se acelerasse o crescimento da região, que perdeu suas características agrícolas e teve o setor secundário fortalecido. Nesta ocasião organiza-se um plebiscito visando o desmembramento e a elevação de Cubatão à categoria de município. Desde a emancipação, a política municipal torna-se complexa abrangendo diferentes correntes ideológicas, inclusive segregacionistas relativamente aos migrantes nordestinos, presentes na construção da rodovia e do complexo industrial. Em 1961, em meio a crescentes disputas entre grupos políticos divergentes, foi eleito prefeito de origem nordestina. Esta fase de conflitos culmina com a morte do próprio prefeito e de um vereador, crimes políticos encobertos no período autoritário iniciado em 1964. Neste momento, o Governo Federal passa a considerar Cubatão como "Área de Segurança Nacional" (Lei Federal 5449/64), em vista seu interesse estratégico. A partir de então interventores passam a ser nomeados pelo Governador do Estado. Os habitantes de Cubatão deixaram de exercer seu direito de cidadão na eleição de seus representantes, e a repressão aos sindicatos fortes da região (portuários, metalúrgicos, químicos) impediu a organização da população na reivindicação de suas necessidades básicas.

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No início da década de 1980, a área industrial começa a sentir os reflexos dos riscos ambientais. Em 1982, assume como interventor José Osvaldo Passarelli (nomeado pelo governador Paulo Maluf) assumindo a gestão do “Vale da Morte”. Foi criado, então, o Grupo de Trabalho Vale da Vida, com a participação de empresários e da Secretaria da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia (SICCT) para traçar um plano de “ordenação e racionalização do desenvolvimento industrial regional”, abandonando postura de defesa e demarcando disputa com as oposições. A aliança das oposições produziu as condições políticas para a criação da Associação das Vítimas da Poluição e das Más Condições de Vida de Cubatão. Em sua primeira reunião4 redefiniu-se o adversário no conflito: dirigentes das indústrias poluidoras, o Estado e seus agentes. O desafio das lideranças locais era difundir nas camadas de baixa renda a agenda de reivindicações (Ferreira, 2006). Dois anos mais tarde, o incêndio da Vila Socó, em fevereiro de 1984, faz com que a tragédia do município ganhe contornos nacionais e mundiais. A explosão por vazamento de óleo dos dutos da Petrobrás, ao longo da favela, mostrou os problemas advindos de políticas energéticas não planejadas. Neste momento mostra-se o vazio da responsabilidade: Prefeitura, Governo Estadual e Petrobrás não conseguiram precisar o número de vítimas do incêndio. Vila Socó significou, em contrapartida, a oportunidade para dar visibilidade a uma nova situação de ação política (fortalecida localmente há algum tempo, beneficiada pelo contexto estadual) na orientação dos acontecimentos em contraposição ao enfraquecimento vivido no período militar. Em 1983 tomou posse o governador eleito: André Franco Montoro (PMDB). Em Cubatão, o principal líder da Associação das Vítimas foi eleito vereador pelo PT (Ferreira, 2006). O Governador Montoro nomeia, em fevereiro de 1985, Nei Eduardo Serra, que assume a Prefeitura no momento de retorno a autonomia municipal, por meio da Emenda Constitucional nº. 25. Passarelli e Nei Serra se alternam na Prefeitura entre 1985 e 2000. Posteriormente, assume por dois mandatos o Prefeito Clermont Silveira Costa. 4

Estavam presentes a principal liderança política local (Dogival Vieira dos Santos), pais de vítimas de anencefalia, jornalistas regionais e da imprensa paulistana, representantes da SBPC, Sociedade Brasileira de Ecologia (SBE), Sociedade Brasileira de Preservação da Natureza (SBPN), Igrejas Católica, Metodista e Anglicana e do Comitê de Defesa de Vila Parisi. 6

Em 2008, foi eleita Márcia Rosa de Mendonça Silva, do PT, da coligação “O Futuro de Cubatão em suas Mãos”5 - prefeita da cidade de Cubatão. Nesta gestão, são definidos diferentes Planos que enfocam a questão habitacional, privilegiando os assentamentos precários. ACIDENTES DEFINEM POLÍTICA HABITACIONAL A questão habitacional em Cubatão, nos anos 1980, foi definida como resposta a diferentes situações. Assim as soluções encontradas diferem em face de problemas imediatos: Vila Parisi – má condição de vida devido à poluição; Vila Socó – destruição por incêndio; e Pinhal do Miranda – aumento da possibilidade de deslizamento devido à regularização do abastecimento d’água pela SABESP. Em cada caso, a solução pontual vem a reboque de fatos muitas vezes dramáticos. O que se percebe é a ausência de política habitacional, tanto por parte do município quanto por parte do governo do Estado, visando às classes de menor renda que se estabeleceram no município nas áreas de maior risco (mangues e encostas). Desta forma, em dois casos concretizou-se o tecnicamente previsto: em Vila Parisi tem lugar as doenças intimamente ligadas a miséria, pobreza, falta de saneamento básico, poluição; e em Vila Socó, localizada em área de mangue ao longo do oleoduto da Petrobrás, assiste-se à explosão, seguida de incêndio de parte da favela, vitimando inúmeras pessoas (100 mortes, segundo dados oficiais, 500 segundo a população). Dada a gravidade dos problemas e sua repercussão nacional e internacional, iniciam-se intervenções urbanas e habitacionais. Vila Parisi No caso da Vila Parisi, a população foi transferida para um bairro “planejado” e construído às margens da interligação Anchieta-Imigrantes, o Bolsão 8, batizado Jardim Nova República. Este bolsão faz parte do projeto "Quadrilátero", limitado em três

das

suas

faces

pelas

rodovias

Anchieta,

Imigrantes

e

Interligação

Anchieta/Imigrantes, e na quarta pelos trilhos da ferrovia. Foi o último núcleo de ocupação no município e surgiu no final da década de 1970 e início dos anos 1980 6.

5

Formada por PHS/ PRTB/PT/PPS/PSB. O projeto, oficialmente intitulado "Plano de Recuperação de Áreas Alodiais", pretendia urbanizar uma área de 5 milhões de m² de mangues e sítios em decadência, fixando 51.645 habitantes, 7 6

Neste local foi construído um conjunto habitacional popular, com 1.083 casas térreas geminadas duas a duas. O conjunto habitacional localizava-se distante de todos os serviços e equipamentos urbanos e, por ter sido construído em área de aterro sobre mangue, as construções logo começaram a apresentar trincas em função de recalques e acomodação do solo. Vila Socó / Vila São José Após o incêndio, a Petrobrás, responsável pelo oleoduto e sua faixa de domínio, liberou recursos para a construção de 400 moradias que substituiriam aquelas atingidas pelo incêndio e outras que ainda permaneciam na área de domínio do oleoduto. O projeto e execução de obras (aterro, urbanização e moradias) ficaram a cargo do Governo Estadual, representado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT e pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional - CDH. Foi executado aterro com sobrecarga em toda área pulverizada pelo incêndio, instalada uma fábrica para produção de blocos e blocretes, empregando mão de obra local, a serem utilizados para construção de novas moradias, reforma das que permaneceram intactas e pavimentação das ruas. Foram identificadas as famílias que teriam direito às novas moradias e criada uma comissão de moradores para que houvesse um controle quanto à “comercialização” das moradias, repasse de documentos e especulação imobiliária, garantindo a permanência dos moradores originais. No restante da área, não atingida diretamente pelo incêndio – aproximadamente 1200 famílias, foi elaborado e executado projeto de isolamento do oleoduto por meio de aterro do mangue sob as casas, alteamento das ruas e saneamento básico. A urbanização e valorização da Vila Socó fizeram com que os próprios moradores investissem em suas ‘novas’ casas. Vale lembrar que os moradores receberam suas casas, mas não o título de propriedade dos lotes. BAIRROS-COTA: UMA TRAJETÓRIA DE OU DO RISCO.

agrupados em "bolsões" delimitados por canais de drenagem. Dos nove bolsões residenciais programados, apenas três tiveram o trabalho de aterro executado. Das áreas remanescentes do "Quadrilátero", desapropriadas pela prefeitura, as que tinham facilidade de acesso por estarem próximas de áreas já urbanizadas foram ocupadas, formando núcleos desordenados que, urbanizados pelo poder público, deram origem à Vila Natal. In http://www.novomilenio.inf.br/cubatao/ag21d03.htm. [Acesso em 4/7/2010]. 8

A eleição de Montoro ocorre no ambiente de abertura democrática e de oposição a centralidade e ao autoritarismo do período militar. Neste sentido passase a adotar política de descentralização de ações administrativas e de abertura na participação da sociedade nas políticas setoriais. Na área da habitação, as ações para todo o estado de São Paulo se realizaram no âmbito do Programa Municipal de Habitação – PMH que tinha sua estrutura apoiada principalmente no tripé prefeitura (terras e infraestrutura), CDH (projeto e financiamento) e população (participação popular/ construção por ajudamútua). Para implementar esta política habitacional, em 1983, foi criada a Secretaria Executiva de Habitação que apoiava Programas Municipais de Habitação, especialmente para população de baixa renda. A questão habitacional em Cubatão não era diferente da maioria das cidades brasileiras - dos seus 100.000 habitantes aproximadamente 50.000 moravam em favelas. Porém, em Cubatão a disputa por escassas áreas para expansão urbana, instalação e ampliação de plantas industriais era voraz, ganhando terreno à indústria e sendo a população de baixa renda expulsa para áreas inadequadas à moradia (mangues sujeitos às enchentes e encostas sujeitas a deslizamentos). A necessidade de resposta aos problemas de poluição da Vila Parisi, do acidente na Vila Socó e de deslizamentos nos Bairros-cota e, ainda, apoiado no espírito da abertura democrática, faz com que a partir de 1983 o governo do Estado tome a iniciativa de intervir nos Bairros-cota, no âmbito da recém criada Secretaria Executiva da Habitação e da CDH: “O encaminhamento no sentido de solucionar os graves problemas da Baixada Santista constitui hoje, um desafio na capacidade de planejar e desenvolver propostas de soluções que atendam a real necessidade econômica e social da região, na medida em que ela apresenta uma ocupação já consolidada e realizada sobre nenhum planejamento prévio” (IPT, 1984b, p.3)

É importante destacar que os conflitos urbanos ambientais, na época, eram resultantes das implicações do modelo de produção industrial, ou seja, a poluição e suas conseqüências na qualidade de vida da população. Os Bairros-Cota - nome dado em função da altitude em relação ao nível do mar - estão localizados ao longo do trecho de serra da Rodovia Anchieta. Remanescentes do acampamento de obras do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo – DER começaram a se formar na década de 9

1930 para abrigar os funcionários vinculados à execução da rodovia. A maioria dos migrantes que trabalhou na construção da rodovia ficou, inicialmente, instalada ali (VENÂNCIO,

2010).

Ao

final

das

obras,

em 1953,

muitos

funcionários

permaneceram no local do acampamento, mesmo após a retirada da infraestrutura disponibilizada pelo DER. Com o intuito de preservar a Mata Atlântica, foi criado, em 30 de agosto de 1977, o Parque Estadual da Serra do Mar, 40 anos após a instalação do acampamento de obras. De acordo com a legislação, uma vez criado o Parque, o poder público teria cinco anos para elaborar o plano de manejo das comunidades locais (VENÂNCIO, 2010). A primeira orientação referente aos Bairros-cota foi a remoção de assentamentos para eliminar os riscos associados às ocupações e para o restabelecimento do Parque, seguindo o modelo dos anos 1980. Esta iniciativa não obteve resultado, pois além da constatação da carência de áreas disponíveis para habitação na região, o momento de abertura democrática deu espaço para outras formas de intervenção, como a urbanização de favelas: “...a carência de áreas possíveis de habitação no Município de Cubatão e o grande número de moradores dos Bairros-cota tornaram, na prática, sem efeito qualquer iniciativa neste sentido” (IPT, 1984, p.5).

Em dezembro de 1983, a SICCT – Departamento de Ciência e Tecnologia contrata o IPT para elaborar levantamento geológico-geotécnico das áreas de encosta de Cubatão e definir diretrizes de obra para consolidação de assentamentos habitacionais (IPT, 1983). A carta geológico-geotécnica criou zoneamento que definiu diferentes áreas de risco: aptas a ocupação a receberem infraestrutura, inaptas a ocupação com remoção de famílias, aptas a ocupação a serem parceladas para receber famílias removidas das outras áreas e obras de estabilização de encostas. Nesse período apenas 16% das habitações eram diretamente afetadas pelo risco geológico-geotécnico, aproximadamente 800 moradias, o restante deveria ser objeto de dotação de infraestrutura e de regularização de posse da terra para redefinição dos limites do Parque. Este trabalho tinha como objetivo minimizar os riscos de perdas de vida humana frente à possibilidade de ocorrência de escorregamentos durante o período chuvoso na área dos Bairros-cota (IPT, 1983). 10

Logo a seguir, em novembro de 1984, outro contrato é firmado entre a SICCT e o IPT, desta vez, para “Elaborar Diretrizes de Obras para Consolidação dos Assentamentos Habitacionais” . Confirmada a posição do Estado em assumir os Bairros-cota como área urbana de Cubatão, em parceria com a prefeitura, amplia-se a discussão para desafetar os Bairros-cota do Parque e, em contrapartida a aquisição de novas áreas de mata em melhor estado de conservação para se incorporar ao Parque: “A complexidade da situação institucional na Serra do Mar parece ser obstáculo para buscar soluções dos problemas existentes nos Cotas. Não deverão ser medidos esforços para evitar que o plano de emergência se perpetue sem ações de realocação e implantação de infra-estrutura para a urbanização da área e a melhoria da habitabilidade. A carência habitacional em Cubatão é fato. A ocupação da Serra impõe a necessidade de orientar esta ocupação bem como estabelecer limites, sob a pena de criar problemas irreversíveis para o poder publico e a população” (IPT, 1984b, p.5).

É importante destacar que os Bairros-cota eram tidos, ambiguamente, como área urbana de Cubatão, porém não recebiam infraestrutura e serviços urbanos. Com os eventos de deslizamento e risco a vida, os Bairros-cota passam a ser vistos como objeto de urbanização e de integração à cidade. É neste ambiente que se passa a elaborar de projetos de urbanização e de atendimento habitacional para realocação dos habitantes das áreas consideradas de risco, simultaneamente a criação de um conjunto de diretrizes para implantação de novos loteamentos habitacionais na área em questão. Elaboram-se projetos de realocação para lotes urbanizados com unidades habitacionais na área situada junto à cota 200 e área situada entre o Rio Cubatão e a Serra do Mar, denominada Ponte Preta. As diretrizes gerais para a urbanização seguiam os padrões legais do período (Código Florestal e Lei Lehman) conferindo co-responsabilidade entre o poder público e a população, na fixação de regras específicas de posturas municipais (códigos de uso e ocupação do solo e código de obras). Desta forma o projeto previa lotes, sistema viário, sistema de coleta de lixo, traçado urbano que permitisse a implantação de rede de energia elétrica e de rede de água e coleta de águas servidas, projeto básico de unidade habitacional passível de ser adaptado ao processo de autoconstrução. As principais diretrizes de intervenção visavam à implantação dos serviços de abastecimento de água para locais considerados seguros, na área dos Bairros-cota 11

95/100 e Pinhal do Miranda, e levantamento geológico-geotécnico das áreas de encosta ocupadas ao longo da Via Anchieta para estabelecimento de infraestrutura. Essas diretrizes estavam associadas à intervenção do Estado no controle à expansão urbana. Os Bairros-cota, nos anos 1980, se tornaram objeto da política de urbanização de favela associada à produção habitacional com a perspectiva de minimizar e eliminar os riscos à população e da melhoria da habitabilidade por meio da implantação de obras infraestrutura e segurança (consolidação geotécnica). As principais obras foram realizadas no Pinhal do Miranda, pelos múltiplos riscos identificados. Por um lado, preocupações do DERSA quanto à estabilidade da Rodovia Anchieta em função de possíveis deslizamentos de encostas decorrentes de desmatamento e infiltrações, além da perigosa travessia de moradores ao longo da via; por

outro lado, os

moradores preocupados

com deslizamentos,

atropelamentos, mas, principalmente com a possibilidade de remoção por estarem na área do Parque da Serra do Mar. Após avaliação geológico-geotécnica do IPT, foram definidas as casas em situação de risco iminente, assim como aquelas que deveriam ser removidas para dar lugar às obras viárias e de saneamento. Tendo em vista a regularização do abastecimento d’água proporcionado pela SABESP, a facilidade do acesso a água antes retirada de fontes na serra por meio de tubulações precárias – implicaria o aumento de infiltração de águas servidas, instabilizando ainda mais a área. Tanto as decisões de projeto como a execução das obras contaram com a participação da população (remoção de casas, cercas, redefinição do tamanho do lote). Foram, então, executadas as obras de saneamento: esgoto, canaletas e escadarias de drenagem. Foi também instalada rede viária no interior da ocupação, com calçadas e escadarias (utilizando material produzido na fábrica de blocos da Vila Socó), permitindo as entrada ambulâncias, entregas de mercadorias e retirada de caçambas de lixo. O acesso de veículos estimulou o próprio comércio interno à área. A segurança de travessia da rodovia foi dada pela implantação de passarelas (nem sempre utilizadas). A melhoria do bairro estimulou os moradores a investirem em suas moradias pelo processo de ‘envelopamento’ - construção com blocos por fora e posterior retirada das paredes do barraco de madeira. 12

A presença e intervenção do Estado no Pinhal do Miranda garantiram a permanência dos moradores na área com a redefinição dos limites do Parque, no entanto, não lhes foi dado o título de propriedade de seus lotes. Vale destacar que se vivia um momento de recuperação dos direitos de cidadania até então sufocados pela Lei de Segurança Nacional do período autoritário, em que os moradores de áreas precárias em Cubatão estavam preocupados em garantir sua própria existência frente aos riscos causados, sobretudo, pela poluição. A política de intervenção em assentamentos precários implantada nos Bairros-cota, dos anos 1980 até meados desta década, nada mais é que uma mostra do contexto político-institucional do Estado e, conseqüentemente, de suas ações no enfrentamento das questões urbanas e ambientais naquele momento. Novos instrumentos urbanísticos Nos últimos 30 anos pouca coisa aconteceu em relação aos Bairros-cota, com exceção das obras de urbanização no Pinhal do Miranda (1985) que foram executadas sob a ótica da regularização urbanística. No entanto, com os avanços da política urbana resultante da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da regulamentação dos artigos 182 e 183 pelo Estatuto da Cidade, vários instrumentos foram criados para a regularização urbanística e fundiária. Neste sentido foram encaminhados o Projeto de Lei Complementar do Plano Diretor Participativo (2006/07)7 e Projeto de Lei Complementar que estabelece ZEIS (2006), para os assentamentos Cota 95, 100, 200, Pinhal do Miranda/Grotão (áreas desafetadas do Parque Estadual da Serra do Mar); ambos com o mesmo objetivo da “recuperação e regularização urbanística” e não aprovados até o momento. Em 2007 é elaborado o Plano Municipal de Habitação de Cubatão8 (Programa Habitar Brasil – BID). O Plano recomenda a regulamentação das ZEIS e indica 7

No Projeto os Bairros-cota são definidos como ZEIS - Macrozona de Uso Predominante Ambiental. No Plano Municipal de Habitação os Bairros-cota 500, 400, 200, 95/100 e Pinhal do Miranda/Grotão são definidos como assentamentos irregulares em situação de encosta, localizados no Parque Estadual da Serra do Mar, com características típicas (alvenaria de blocos de concreto ou cerâmico, implantadas sobre patamares - corte/aterro - distribuídos aleatoriamente pelos morros). Os bairros de Água Fria e Fábrica de Sardinha/Pilões localizados na margem do Rio Cubatão em área de preservação de manancial são definidos como assentamentos irregulares em situação de baixada 13 8

diversas ações preventivas, entre elas, o Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR. O Plano de Habitação será parcialmente viabilizado por meio da parceria do município com o Governo do Estado. No que tange aos Bairros-cota, por meio do Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar e do Sistema de Mosaicos da Mata Atlântica9 e, ainda, complementado com recursos do PAC do Governo Federal. Esta parceria é tida como uma oportunidade para viabilizar soluções habitacionais para aproximadamente 7200 famílias moradoras em assentamentos irregulares no município. O PMRR10 para as áreas do Pinhal do Miranda, Cotas 95/100 e 200 indicou 882 moradias diretamente afetadas por processos perigosos e remoção imediata de 258 moradias, conjuntamente com indicação de intervenções estruturais para eliminar, reduzir e/ou controlar as situações de risco (FUNEP, 2006). É importante destacar as remoções e intervenções estruturais sugeridas estão exclusivamente relacionadas à avaliação das condições de risco geológicogeotécnico, neste sentido não foram consideradas condicionantes em relação ao interesse coletivo, a proteção ambiental ou ao desenvolvimento urbano, como por exemplo, as faixas non aedificandi de domínio público de 15 metros de cada lado das rodovias (Lei Orgânica deste Município - Lei nº 2.512/98). Recuperação Socioambiental da Serra do Mar e do Sistema de Mosaicos da Mata Atlântica Em 2009 é criado o PROGRAMA no âmbito do GESP e BID. A estrutura institucional é composta pelas Secretarias Estaduais de Economia e Planejamento (instância administrativa, operativa, estratégica e executora do GESP) e de Meio Ambiente e Habitação (co-executoras com responsabilidade de execução técnica e financeira da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano - CDHU e Fundação Florestal - FF) em parceria com órgãos como a Prefeitura de Cubatão e a Procuradoria-Geral do Estado. Os recursos do Programa são da ordem de um bilhão (mangues e rio), com características de construções em madeira ou alvenaria de blocos com cobertura em fibrocimento, em aterros lançados no charco ou sobre palafitas em regiões alagadiças. 9 Será citado como PROGRAMA no decorrer do texto. 10 O PMRR avaliou os riscos geológico-geotécnicos das seguintes áreas: Pinhal do Miranda/Grotão, Cota 100/Morro do Gonzaga/Cota 95, Cotas 200, 400 e 500, Água Fria, Pilões e Mantiqueira. Identificou 140 setores de risco, destes 10 em risco muito alto e 62 em risco alto (51,4% do total dos setores) e 1.112 moradias diretamente afetadas por processos perigosos e indicação de remoção imediata de 442 moradias. 14

de reais, distribuídos entre BID (45%), Governo Estadual (45%) e Governo Federal (10%). Com este programa os Bairros-cota voltam a ser objeto de ação do poder público, agora no contexto do liberalismo econômico e da primazia, a partir dos anos 1990, da política ambiental sobre a urbana, resultante da influência da visão ambientalista nas políticas públicas. Os objetivos principais do programa são a recuperação e a preservação ambiental para garantir a sustentabilidade do Parque. A questão urbana, especialmente a regularização urbanística, é tratada externamente à questão ambiental: O objetivo do Programa é a recuperação ambiental das porções deterioradas do PESM e do Mosaico de Juréia-Itatins, sendo a realocação da população uma condição necessária para tal. A população a ser retirada ocupa, irregularmente, áreas públicas de preservação ambiental que são naturalmente frágeis (dependentes da vegetação nativa) e responsáveis pelo equilíbrio do clima e o abastecimento de água de uma vasta região, densamente ocupada e altamente significativa para o desenvolvimento econômico regional e do País (SEHAB/SP, 2009a, p. 24).

Essa política ambiental para os Bairros-cota tem sua primeira manifestação com a aprovação pelo CONSEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente) do Plano de Manejo do Parque da Serra do Mar, em 2006. Este Plano identificou as áreas críticas para a implantação do Parque, e os Bairros-cota foram grafados como as de maior pressão antrópica para o Parque e ecossistemas da Mata Atlântica. Esse mapeamento indicou um conjunto de ações que foram posteriormente incorporadas ao PROGRAMA. A partir daí os Bairros-cota passam a ser objeto de intervenção da nova política ambiental do Estado de São Paulo: Tais ocupações englobam ao todo quase 21 mil famílias, sendo 7.760 delas no Município de Cubatão, onde se encontra a faixa mais estreita de cobertura vegetal que exerce fundamental conectividade da biodiversidade para com os demais setores do Parque, norte e sul. Tais ocupações irregulares constituem claras situações de vulnerabilidade socioambiental, uma vez que não existe interação e compromisso entre as estratégias de conservação e os interesses de uso das comunidades residentes em seu interior e entorno imediato (Idem, 2009a, p. 7).

É importante lembrar que os Bairros-cota existiam quando o Parque foi criado e o Estado foi ausente e irresponsável tanto na recuperação urbanística como ambiental, desde a origem destes bairros. No que diz respeito os assentamentos irregulares, em Cubatão, o PROGRAMA apresenta dois grupos de ação, de acordo com diretrizes normativas de 11

cada

assentamento11:

remoção,

reassentamento

e

sustentabilidade

Cotas 400 e 500 (domínio do Governo do Estado) encontram-se dentro dos limites do Parque Estadual da Serra do Mar (Decreto Estadual Nº 10.251/77). A área da Água Fria (domínio do Governo do Estado e particular) está localizada parcialmente dentro dos limites do Parque. O Pinhal do Miranda/Grotão e Cotas 95/100 (propriedade originária da Companhia Santista de Papel), Cota 200 e 15

socioambiental da população (Água Fria, Pilões, Sítio dos Queirozes, Bairros-cota 500 e 400); urbanização e regularização fundiária de núcleos a serem consolidados, com remoções por riscos geológico-geotécnico, tecnológico e ambiental (Bairroscota 200, 95/100 e Pinhal do Miranda - em áreas desafetadas do Parque). As ações acima citadas são resultantes de diversas normativas, em nível municipal e estadual, e de ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Estadual, como segue: A Lei Municipal nº 2.890/03 autorizou o Poder Executivo a receber em doação as áreas da Cota 200, Pilões e Cota 400 - esta última condicionada à apresentação pelo Estado de laudo de riscos geológicos pelo IPT – se houver situação de risco a área deverá ser desafetada. Até o momento não houve formalização da doação. Em 2008, os Bairros-cota 95, 100 e 200 e áreas de entorno afetadas pelo Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar foram declarados de Utilidade Pública e de relevante interesse social pelo Decreto Municipal Nº 9.297/08. Estas decisões resultaram de ações civis públicas ajuizadas desde os anos 1970 pelo Ministério Público Estadual contra a Prefeitura de Cubatão e o Governo do Estado de São Paulo. Destacam-se aqui as que tiveram maior relevância para as ações recentes do Plano de Recuperação Ambiental: a)

Ação Civil Pública 393/92 – 1ª Vara Cubatão - Decisão em 1ª instância

em 2000: contra a Prefeitura Municipal de Cubatão pela degradação por obras de escavação, aterro, supressão de vegetação e abertura de caminho na margem do Rio Cubatão na área do Parque, a fim de atender a população da área da Água Fria. b)

Ação Civil Pública 944/99 – 4ª Vara Cubatão: contra a Prefeitura

Municipal de Cubatão e a Fazenda Pública do Estado de São Paulo pela ausência de fiscalização e o avanço de ocupação nos Bairros-cota localizados no Parque em área de preservação permanente. Em 2007, decisão em 1ª instância obriga o Estado e Prefeitura de Cubatão a "extinguir fisicamente todos os núcleos de habitação que tenham sido formados no interior do Parque Estadual da Serra do Mar”. Destes dois grupos de ação e das normativas específicas de cada área, o projeto prevê um Plano de Reassentamento para 5.350 famílias dos Bairros-cota Pilões encontram-se fora dos limites do PESM - desafetadas pela Lei Estadual nº 8.976/94 que autorizou o Estado a doar estes imóveis ao Município “com a finalidade de intervenções de dotação de infra-estrutura urbanística sustentável e recuperação ambiental”. 16

500, 400, 200, 95/100, Pinhal do Miranda, Água Fria, Sítio dos Queirozes e Pilões e a consolidação de 2.410 famílias dos Bairros-cota 200 e 95/100 e Pinhal do Miranda. O reassentamento de

moradias está previsto em novos conjuntos

habitacionais, como segue: 1840 unidades habitacionais no Jardim Casqueiro, 600 no Bolsão 7 e 1154 no Bolsão 9; 680 em imóveis adquiridos da Caixa Econômica Federal pelo PAR (Programa Arrendamento Residencial); 630 em conjuntos projetados pela CDHU em São Vicente e Santos; 106 em imóveis do CDHU na região da Grande São Paulo e 340 em fase de definição. Segundo a Coordenação do PROGRAMA12, a CDHU designou técnicos sociais para orientar os moradores em relação à situação de risco e as alternativas habitacionais propostas pelo Estado: a) transferência imediata para unidades fora do município e em médio prazo no município (Casqueiro, Bolsões); b) as famílias em área de maior risco e que não querem ou não podem sair13, propõem-se a troca por casas em áreas estáveis; c) programa Carta de Crédito da CDHU para mudança de município (R$ 70.000,00). Para subsidiar as ações de intervenções urbanísticas e de prevenção de acidentes a ser desenvolvido pela CDHU, o IPT elaborou relatório técnico (2007), para áreas desafetadas do PESM14, por meio de metodologia similar a dos Planos Municipais de Redução de Riscos do Ministério das Cidades. Os resultados obtidos neste trabalho indicam a remoção de 952 moradias nos Bairros-cota 95/100 e 200 e a para a Cota 400/500 indica a remoção total das 203 moradias, atendendo a sentença judicial de 2007. Em paralelo a este estudo, o PMRR (FUNEP, 2006) indicou para as mesmas áreas a remoção imediata de 258 moradias. A significativa diferença de resultados entre esses dois trabalhos - um com remoção de 258 moradias (PMRR) e outro com 952 moradias (IPT), quase três 12

Entrevista com Coronel Eliseu Eclair Teixeira Borges, comandante da Polícia Militar e coordenador do Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar e do Sistema de Mosaicos da Mata Atlântica, em 1/3/2010. 13 A população que não possui renda ou vinculada ao Programa bolsa-família não participará do programa de financiamento e deve ser incluída no sistema de troca de moradia. 14 Nos Bairros-cota 400/500, Sítio dos Queirozes e Água Fria, os estudos não foram realizados em razão da sentença judicial de setembro de 2007, ação Civil-Pública de nº 944/99, que determinou que o Estado de São Paulo e a Prefeitura de Cubatão devem erradicar os assentamentos irregulares localizadas dentro do PESM. 17

vezes mais – é resultado dos procedimentos metodológicos, enquanto o PMRR adota a escala da moradia para compor os setores de risco por sobrevôo de helicóptero de baixa altitude (100 a 150 metros do solo), o IPT realiza o sobrevôo de baixa altitude para lançar em levantamentos aerofotogramétricos, escala 1: 10.000. No PROGRAMA os conceitos de risco foram ampliados e classificados por motivos de remoção, obviamente de acordo com a sua natureza ambiental e cumprimento das políticas do BID: a) Risco tecnológico - faixa de domínio da rodovia, entrevias, faixas de domínio de Linha de Transmissão e áreas requeridas para as obras de consolidação; b) Risco geológico-geotécnico - áreas de grande instabilidade geológica; c) Risco ambiental - proteção de vertentes e áreas no interior do Parque (SEHAB/SP, 2009a, p. 22). Os números relativos à remoção crescem proporcionalmente com os objetivos do programa - a recuperação e a preservação ambiental do Parque. Neste contexto o número de famílias removidas é da ordem de 2995, ou seja, 55% do total de famílias. Dentro deste quadro, as remoções referentes aos riscos ambientais são da ordem de 30%, aos geológico-geotécnicos de 32% e aos tecnológicos de 38%, considerando que este último computa áreas requeridas para as obras de consolidação, ou seja, não somente atendimento a riscos e aspectos legais, como segue em tabela abaixo.

Pinhal do Miranda Cota 95/100 Cota 200 TOTAL

Total de Moradias 2260

Permanência

Remoções

1290

1037 2108 5405

% do total de moradias % do total de remoções

É

importante

969

Risco Tecnológico 246

Risco geotécnico 544

Risco ambiental 178

401 719 2410

637 1389 2995

157 741 1144

156 252 952

325 396 899

45

55 38

32

30

ressaltar

que embora

o enfoque

do

programa

seja

prioritariamente ambiental, os Bairros-cota são objeto de uma política urbana e habitacional, por meio de ações de segurança da moradia, quando urbanizado e de novas moradias, quando realocados.

18

CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos anos 1980 a política urbana e ambiental estava pautada no controle da expansão urbana sobre as áreas de proteção ambiental (Parque), com intervenções de urbanização e de produção habitacional para incorporar os Bairros-cotas à estrutura urbana. A idéia era responder à segurança da moradia com dotação de infraestrutura associada às obras de geotecnia para reduzir ou eliminar os riscos urbanos e ambientais, e controlar a expansão urbana sobre o Parque. Desta forma evitava-se a remoção em grande escala. Esta política reflete o momento da redemocratização, época de novas idéias defendidas pelo corpo técnico e assumidas pelo governo do Estado. Sua presença garantia a permanência da população em sua moradia, mas não a regularização fundiária - a exemplo das obras realizadas no Pinhal do Miranda. Com o PROGRAMA, a partir de 2007, constata-se a primazia da política ambiental sobre a urbana. A postura neoliberal que afastou o poder público de seu papel regulador e fiscalizador e, também, a influência da visão preservacionista na formulação das políticas públicas abriram espaço para o acirramento das disputas urbanas e ambientais nos Bairros-cota. Apesar dos avanços na política urbana proporcionados pelo Estatuto da Cidade, o que se constata no PROGRAMA é a prevalência da política ambiental sobre a urbana, com remoção e desarticulação da população residente, que será distribuída no município, em outros municípios da Baixada Santista e até Região Metropolitana de São Paulo. Considerando este quadro, algumas questões ficam como indagação para os novos tempos dos Bairros-cota e do Parque: (a) As remoções previstas irão garantir a integridade do Parque e a conectividade da Mata Atlântica, considerando sua localização lindeira ao pólo petroquímico e os fragmentos urbanos remanescentes dos Bairros-cota? (b) As áreas urbanizadas nos Bairros-cota se integrarão à estrutura urbana municipal? (c) Haverá fiscalização que evite novas invasões no Parque, considerando a histórica ausência do estado no controle urbano e ambiental? (d) Porque não urbanizar e regularizar os Bairros-cota - com segurança da moradia - e incorporar novas áreas naturais para garantir a efetiva conectividade da Mata Atlântica e a integridade do Parque? (e) Porque não remover todas as 19

moradias dos Bairros-cota, adensar a malha urbana com HIS, e recuperar a conectividade da Mata Atlântica e a integridade do Parque? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DIEGUES, A. C. S., 1994. O Mito Moderno da Natureza Intocada. São Paulo: NUPAUB USP – Série Documentos de Pesquisa nº 1. FERREIRA, L. C., 2006. Os Fantasmas do Vale: Conflitos em Torno do Desastre Ambiental de Cubatão, SP. In Política & Trabalho - Revista de Ciências Sociais n. 25 - 10/2006 - p. 165-188. FUNEP – Fundação de Apoio a Pesquisa, Ensino e Extensão, 2006. Plano de Redução de Riscos do Município de Cubatão, São Paulo. IBAM - Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 2002. Estudo de avaliação da experiência brasileira sobre urbanização de favelas e regularização fundiária. Rio de Janeiro: Cities Alliance, Banco Mundial. IPT - Instituto de Pesquisa Tecnológica, 2007a. Relatório Técnico Nº 97765-205. Análise de Riscos Geológicos e Geotécnicos dos Bairros-Cota 95/100, 200 e 400 no Município de Cubatão, SP. (Relatório Final – Bairro-Cota 95/100) 12/2007. IPT - Instituto de Pesquisa Tecnológica, 2007b. Relatório Técnico nº 97.082 – 205 Análise dos riscos geológicos e geotécnicos dos Bairros Cota95/100, 200 e 400 no município de Cubatão, SP (relatório em andamento – bairro cota 200). IPT - Instituto de Pesquisa Tecnológica, 1984a. Relatório Nº 20005/84. Apreciação técnica a respeito das condicionantes geotécnicas para a ocupação urbana da área denominada Vila Natal, em Cubatão. IPT - Instituto de Pesquisa Tecnológica, 1984b. Relatório Técnico Nº 20.481/84. Diretrizes de Obras para Consolidação dos Assentamentos Habitacionais.. São Paulo. IPT - Instituto de Pesquisa Tecnológica, 1983. Plano de Emergência. Relatório Técnico Nº 19.406/83. São Paulo. IPT - Instituto de Pesquisa Tecnológica, sem data. Parecer Técnico sobre o Abastecimento d’água nos Bairros-cota, Cubatão, São Paulo, SABESP. LABHAB, 2000. Parâmetros para urbanização de favelas. São Paulo: LABHAB-FAUUSP/FINEP/CEF (Relatório de Pesquisa). MARICATO, E. , 2003. Metrópole, legislação e desigualdade. In Revista Estudos Avançados 17 (48), São Paulo, USP. PASTERNAK, S., 1997. Favelas e cortiços no Brasil: 20 anos de Pesquisas e Políticas. Cadernos de Pesquisa do LAP n. 18, São Paulo, FAU-USP. PMC - Prefeitura do Município de Cubatão, 2007. Programa Habitar Brasil – BID. Sub-Programa Desenvolvimento Institucional. Ação: Elaboração da Política Municipal de Habitação. Texto Final da Política e Plano Municipal de Habitação. 6/ 2007. RIBEIRO, L. C. Q. (coord.), 1994. Questão Urbana, desigualdades sociais e políticas públicas: avaliação do Programa Nacional de Reforma Urbana. IPPUR/UFRJ, Relatório de Pesquisa. SEHAB/SP - Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo, 2009a. Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar e do Sistema de Mosaicos da Mata Atlântica (Br-L1241). Informe de Gestão Ambiental e Social do Programa Categoria Ambiental e Social "A". 18/10/2009. SEHAB/SP - Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo, 2009b. Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar e do Sistema de Mosaicos da Mata Atlântica (Br-L1241). Estratégia Ambiental e Social do Programa. 5/10/2009. VENANCIO, R. D. O., 2007. Tudo Começou com Cubatão. 25 Anos de Questão Ambiental. Divercidade, nº. 12. CEBRAP, São Paulo, Brasil. jan/mar, 2007: http://www.centrodametropole.org.br/divercidade/numero12/1.html [Acesso em 6/7/2010]. SITES http://www.centrodametropole.org.br/divercidade/numero12/1.html. [Acesso em 6/7/2010]. http://www.novomilenio.inf.br/cubatao/ag21d03.htm. [Acesso em 4/7/2010]. 20

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