Aveiras de Cima: Terras com História

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Aveiras de Cima: Terras com História por Bruno Filipe de Brito

Resumo Pouco valor se dá às histórias locais não citadinas, sendo em menor número os trabalhos de investigação sobre tais localidades e tais territórios. Tais territórios são referidos usualmente apenas de uma forma geral e muito breve, como elo de ligação para com temáticas macro-históricas: como o estado e desenvolvimento agrícola do país, como local de passagem de uma figura historicamente relevante ou apenas como pertencente a algo administrativamente (por exemplo: Distritos, zona do Ribatejo, Zona de Intervenção da Reforma Agrária, etc…). Na verdade, estas vilas e aldeias rurais foram de enorme importância no próprio desenvolvimento do país a diferentes níveis como, a nível administrativo de territórios distantes da capital, a nível de produção do país para consumo e exportação, a nível de formação etnográfica e de enriquecimento cultural, mas, também, como ambiente em que figuras de alta importância para Portugal nasceram e cresceram, entre outros níveis. O que começou por ser apenas a intenção de criar um roteiro turístico histórico, desenvolveu-se de tal forma que se tornou um trabalho de investigação e análise histórica detalhado e mais profundo sobre a localidade de Aveiras de Cima, e seus territórios adjacentes, ao longo das Eras. Análise histórica essa que se estende desde a Antiguidade até aos anos 70 do século XX, indicando características da região, divisões territoriais político-administrativas e respetivas reformas, propriedades fidalgas, figuras de enorme relevo e importância nacional e acontecimentos de importância não só local, como nacional.

Palavras-Chave

História Local;

Carta de Foral;

Ruralidade;

Concelho;

Agronomia;

Comendadoria;

Aveiras de Fundo;

Irmandade do Santíssimo Sacramento;

Aveiras de Cima;

Quinta do Mor;

Torre Bela;

Reforma Agrária;

Mendia; Francisco de Almeida Grandella;

Introdução Surgindo a iniciativa de criar um roteiro turístico histórico, o que começou por apenas ser uma investigação histórica sobre os principais pontos de destaque da vila ribatejana de Aveiras de Cima, acabou por se tornar numa análise mais profunda sobre o percurso da vila e das suas localidades adjacentes ao longo da História. Além de proporcionar uma arquitetura para a criação de um roteiro turístico-histórico sobre a vila, dá a conhecer ao leitor acontecimentos e pormenores impensáveis, mas que na verdade são de extrema importância para a vida e manutenção de uma sociedade ao longo dos séculos. Este artigo tem, também, como objetivo dinamizar a história das localidades, sobretudo das localidades situadas em zonas rurais, sendo muita vez alvo de atribuição de pouca importância ou mesmo desinteresse. As derradeiras perguntas que levaram a esta investigação ter sido realizada foram: É possível criar um roteiro turístico-histórico sobre Aveiras de Cima? Conterá a vila história suficiente ou mesmo pontos geográficos/monumentos que permitam realizar uma investigação historiográfica? Qual a origem do próprio nome da vila e quando o obteve? Como se dividiu e funcionou administrativamente? Que documentos importantes para a história da vila existem? Existiram figuras de destaque na vila? Existiu algum tipo de fidalguia em Aveiras de Cima?

Da Antiguidade À Sua Efetiva Formação A zona onde atualmente se situa Azambuja e todo o território circundante, desde a Antiguidade sempre foi uma zona de solos férteis, devido também à sua proximidade com um canal hidrográfico, a proximidade com o rio Tejo. O território conhecido pelos árabes como Aaveyras compreendia o que são hoje os atuais territórios de Aveiras de Cima, Vale

do Paraíso e Aveiras de Baixo, pensando-se. apesar de tudo. que tal território excedia os limites atuais dessas demarcações territoriais. Não existe até à data uma explicação concreta para a formação do topónimo da localidade, mas a maior probabilidade é que provenha da palavra celta “aber”, que significa “estuário”, ou “curso de água”, tal como Aveiro, que antes da latinização do seu nome em Avariu se chamava Aberiu. É certo que o território não é banhado pelo rio Tejo, mas é atravessado por vários riachos que conduzem a tal rio. O marco histórico mais antigo que se conhece sobre a atual localidade de Aveiras de Cima como uma comunidade, é a edificação de uma igreja, mandada construir pelo conde D. Henrique (pai de D. Alfonso Henriquez, primeiro rei de Portugal) durante a Reconquista Cristã da Península Ibérica, em 1109. Rapidamente o território viria a cair de novo em mãos muçulmanas. Passou, novamente, para domínios cristãos em 1147, aquando das conquistas de D. Alfonso I de Portugal entre Santarém e Lisboa. Sendo toda a região povoada por francos, cruzados ou familiares de cruzados a caminho da Terra Santa que ajudavam os reis cristãos no combate aos “infiéis”. Curiosamente, a igreja que referi ter sido edificada e entrado em funcionamento em 1109, continuava em 1147 a ser um espaço onde as mesmas práticas religiosas vinham sendo praticadas. Isto deve-se ao facto de os muçulmanos, aquando a sua ocupação, permitirem a continuação da existência de outros cultos que não o Islão. Em troca, apenas teriam que pagar um pequeno tributo. Esta manutenção de cultos acaba por justificar, inconscientemente, a aderência da população perante as atividades com um certo carácter religioso, em contrapartida às atividades sem esse carácter. A história de Aveiras de Fundo, como foi conhecido o território (que hoje corresponde a Aveiras de Cima e a Vale do Paraíso) por se situar no fundo do termo de Santarém, sempre teve uma ligação forte com a religião cristã e com a própria instituição Igreja.

Aveiras: Do Medievalismo Aos Descobrimentos Em 1194, o rei D. Sancho I de Portugal oferece a igreja anteriormente referida e as suas terras circundantes à ordem militar religiosa de Santiago. “Aquando foi conseguida a conquista de Alcácer do Sal, a ordem muda a sua comunidade para lá e, vêm para seu lugar, procurando um retiro pacífico, as comendadeiras dos Santos Mártires de Lisboa

em 1233”1. No momento temporal do cerco a Lisboa pelo rei D. Juan I de Castela, em 1384, as comendadeiras retiraram-se para o palácio do Limoeiro, só voltando a deter em sua posse a paróquia de Aveiras de Fundo em meados de 1490, com uma côngrua de 250.000

réis.

Não esquecendo, já em 1210, o rei D. Sancho I de Portugal havia outorgado à população daquele Concelho uma Carta de Foral. Carta essa que continha as leis com que a população se deveria reger e o valor dos impostos a pagar. Esta Carta de Foral veio a ser revista e foi outorgada uma nova versão, com as alterações necessárias e uma nova escrita de forma a facilitar a sua perceção relativamente à época. Isto em 1472, pelo rei D. Manuel I de Portugal, sendo doada esta nova Carta de Foral em 1513. Nela podia ler-se: “Aveiras, foral. Aveiras e Val Paraisso da Comendadeira de sanctos forall. Foral Daveiras e Val Parayso da Comenda de Sanctos. Por El Rey Dom Sancho. Dom Manuel,[…]. Mostrasse pelo dito foral mandarse pagar nos ditos lugares ho oytavo de todo pam, vinho, linho somente, no qual pagarão inteiramente como até agora pagaram. E nom se pagará ho dito oytavo nem outro nem huum tributo nem foro Real de legumes, nem dazeite nem de nenhuuma semente nem fruyta nem novidade que na dita terra se aja.”2 “A 3 de Março de 1434, a pedido do nobre D. João Afonso de Brito, o rei D. Duarte de Portugal reforça e confirma a Aveiras de Fundo a sua autonomia e jurisdição próprios, devido à distância com Santarém”.3 Autonomia essa que havia sido promulgada pela primeira vez em 1401 por seu pai, D. João I de Portugal, numa Carta de Jurisdição. Foram esta autonomia e jurisdição próprias, atribuídas primeiramente na Carta de Jurisdição de D. João I, separando o concelho do termo de Santarém, e o “foral novo” de D. Manuel I mais tarde, que vêm alterar o nome do concelho de Aveiras de Fundo para Aveiras de Cima, devido à maior fluência de atividades e pessoas neste concelho do que no concelho vizinho com o mesmo nome, passando este a denominar-se Aveiras de Baixo. Alguns anos depois, outro acontecimento histórico marcou o concelho. Em 1493, o navegador Cristóvão Colombo, regressado da descoberta das Américas, encontra-se com o então rei D. João II de Portugal no lugar de Vale do Paraíso, então parte do concelho de 1

Cota PT/TT/MSN (Arquivo Nacional da Torre do Tombo);

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ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima - página 21;

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Azambuja – Memória Portuguesa: http://terrasdeportugal.wikidot.com/azambuja (consultado pela última vez a 14/06/2016);

Aveiras de Cima. D. João II de Portugal afirmava que as terras descobertas pertenciam ao Reino de Portugal e dos Algarves, pois, estavam dentro da área de exploração portuguesa definida no Tratado de Alcáçovas-Toledo de 6 de Março de 1480. Este tratado defendia uma linha divisória de exploração e posse do mundo até então conhecido: Das Canárias para baixo a área era portuguesa, das Canárias para cima era área dos reis de Espanha. Violação de tratado, esta, que veio a dar origem ao Tratado de Tordesilhas a 370 léguas (1770 km) das ilhas do arquipélago de Cabo Verde. A leste do chamado Meridiano de Tordesilhas, a área de exploração era portuguesa, a oeste dela era da coroa espanhola.

Aveiras no Século XVIII E XIX De seguida será feito um avanço temporal, sendo de elevada importância referir a presença de três confrarias no concelho de Aveiras de Cima, surgidas entre os séculos XVII e XIX: a Confraria da Senhora das Candeias, a Confraria da Senhora dos Milagres e a Confraria da Senhora da Purificação. “As confrarias eram principalmente instituídas pelos que desejavam tirar vantagens práticas, dado ser uma associação e existir um cofre comum.”.4 Refiramos agora a construção e o espaço mais imponente que incorporava (e incorpora), não só, mas também, parte do território do concelho (atualmente da freguesia) de Aveiras de Cima. Refiro-me à Herdade da Torre Bela. Num momento posterior cronologicamente será novamente referida, mas nesta etapa será apenas relatada a existência de tal propriedade no século XVIII e as transições de proprietário de maior destaque. Localizando-se nos limites do concelho de Aveiras de Cima, foi uma casa distinta pelos bens, figuras e acontecimentos que dela fizeram parte. Criada durante o reinado de D. Pedro II, a Torre Bela foi entregue ao cardeal D. Luís de Sousa, um diplomata notável. Este anexou-lhe vastos campos e bosques, percorrendo São Pedro de Arrifana, Ameixoeira, Arretorta, Olivais, Ribeira da Vala, Ferraria e Archino, chegando a estenderse até Ota, no concelho de Alenquer. A herdade deve o seu nome de “Torre Bela” à torre do edifício central desta que unia as duas estruturas do edifício. A propriedade era um imponente símbolo de nobreza, delimitada por um muro que tinha dezoito quilómetros de perímetro, contendo no seu interior o paraíso para qualquer nobre caçador pela sua abundante fauna. Por morte do cardeal, e por pertencer à casa dos Sousa, passou ao 4

ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima – página 35;

duque de Lafões, D. Pedro Henrique de Bragança e Ligne Sousa Tavares Mascarenhas da Silva, filho de D. Miguel (filho legítimo de D. Pedro II) e de sua mulher, D. Luísa Casimira de Nassau e Sousa, senhora das casas dos condes de Miranda do Corvo e marqueses de Arronches e representante da antiquíssima casa de Sousa.5 O segundo senhor da maravilhosa herdade foi D. João Carlos de Bragança Lignite Tavares Mascarenhas da Silva. No entanto, recusando o rei D. José dar-lhe direito sobre a sua própria propriedade por direito, fez D. João retirar-se do reino e fixar-se em Inglaterra e fazer campanhas militares na Guerra dos Sete Anos no exército da Áustria. Com a morte do rei D. José, o nobre fidalgo pôde regressar ao seu país, onde foi recebido por D. Maria I, que lhe restituiu todos os seus bens por direito. Em 1782, com a morte do Conde de Azambuja, o Duque de Lafões passa a comandar todo o exército português. Sabemos através de “As Memórias Paroquiais”, resultantes de um inquérito realizado em 1758, que Aveiras de Cima ficava na província da Estremadura, pertencia do Patriarcado de Lisboa, à comarca de Santarém e, tinha termo e freguesia próprios. O donatário de tal território era a Comendadoria de Santos-O-Novo, da cidade de Lisboa. Continha como população “cento e setenta vizinhos, quatrocentas e sessenta e três pessoas de comunhão e cinquenta para sessenta de confissão”6. Localizava-se numa campina e o seu termo compreendia, também, Vale do Paraíso que continha quarenta vizinhos. A igreja de Aveiras de Cima fora consagrada a Nossa Senhora da Purificação e, o pároco era vigário da apresentação da Excelentíssima Comendadoria de Santos. O concelho continha duas ermidas, em Aveiras de Cima uma Ermida de São Martinho, dentro da povoação, e em Vale do Paraíso uma Ermida de Nossa Senhora do Paraíso, fora da povoação. Aveiras de Cima possuía juiz ordinário, câmara e não estava sujeito ao governo das justiças de outra terra. Ficava a 12 léguas da cidade de Lisboa, capital do Reino e do patriarcado a que pertencia. A fama sobre a região vinícola de Aveiras de Cima é já muito antiga, mas as medidas de proteção e de desenvolvimento da vinha, datam apenas da segunda metade do século XVIII. É durante a Guerra Civil entre absolutistas e liberais, que se dá a reforma administrativa que permanece quase imutável até aos dias de hoje. Em 1832 é emitido um decreto que

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ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima – página 32;

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ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima – página 48;

permitia a partir daquele momento, a unificação ou desanexação de concelhos, tal como de freguesias. Já durante o 2º reinado de D. Maria II, em 1935, existiam setecentos e noventa e nove concelhos, descendo este número para trezentos e cinquenta e um concelhos, em 1936. Aveiras de Cima deixava, assim, de ser concelho, unindo-se os antigos territórios do concelho ao concelho de Azambuja a 15 de Junho de 1936, sendo que Vale do Paraíso só se separa administrativamente de Aveiras de Cima em 1916, já em plena Primeira República Portuguesa. Após esta restruturação administrativa, o país passa a subdividir-se politicamente em municípios e, estes, em juntas de paróquia. As juntas de paróquia de freguesias até duzentos fogos eram constituídas por três membros, em freguesias até oitocentos fogos tinham na sua constituição cinco membros e em freguesias que contivessem mais de oitocentos fogos eram constituídas por sete membros. Em 1837 forma-se a junta de paróquia de Aveiras de Cima Em 1783, é feita uma tentativa pelos juízes e mesários da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Aveiras de Cima, tal como a população e membros das restantes confrarias ai existentes, de obter permissão para unir a Confraria de Nossa Senhora da Purificação e a Confraria de Nossa Senhora dos Milagres à Irmandade do Santíssimo Sacramento de Aveiras de Cima. A tal pedido não foi dado permissão, quer por rejeição do provedor da comarca de Santarém, quer por rejeição do procurador da Coroa, quer por rejeição dos membros da Mesa de Desembargo do Paço. Esta rejeição deveu-se apenas ao capítulo 12 do compromisso escrito e defendido pelos primeiramente referidos, capítulo este que atribuía os rendimentos das covas dos mortos à Irmandade do Santíssimo Sacramento de Aveiras de Cima. Só em 1842 é retomada a tentativa e é efetivada a Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de Nossa Senhora da Purificação de Aveiras de Cima. É a 20 de Novembro de 1859 que é, finalmente, fundada a dita irmandade por “irmãos”, sendo atribuído ao primeiro irmão a ser matriculado o cargo de juiz da instituição. Neste preciso caso, a primeira matrícula foi a de Manuel da Silva Lavareda e Pitta, tendo este sido nomeado como juiz da instituição. As irmandades do Santíssimo Sacramento eram associações públicas de fiéis católicos com o fim de promover e intensificar o culto ao Santíssimo Sacramento, fomentar o fervor religioso dos seus membros, contribuir para a formação cristã na Paróquia e realizar obras de caridade. A segunda metade do século XIX vem-nos trazer um importante ponto de referência a vários níveis na vila de Aveiras de Cima: ao nível do desenvolvimento vinícola e agrário, ao nível de património nobre e, por último, mas não menos importante, ao nível de grande

beleza e mistério paralelamente. O ponto de referência que indico é a Quinta do Mor, propriedade dos Mendia. D. Henrique da Cunha Matos de Mendia era irmão do primeiro marquês e primeiro conde de Mendia, e sobrinho-neto de Fontes Pereira de Melo. Nasceu em Lisboa em 1858 e, formou-se em Agronomia. Prestou importantes serviços à agricultura nacional, destacando-se como um importante viticultor. A Quinta do Mor no tempo de vida de D. Henrique de Mendia mostrava-se um paraíso tanto agronómico como vitícola, contendo uma enorme “plantação de pinheiro marítimos e extensões de olivais mas que, sob o ponto de vista de exploração, se tornam pouco rendíveis”7, sendo o cultivo e o interesse principal do proprietário a vinha. A propriedade estendia-se por cento e vinte hectares e continha, além de terrenos de cultivo, um solar, adegas e outras instalações, estando estes edifícios localizados no ponto mais alto da propriedade. Em 1888, a filoxera dizimou as vinhas portuguesas, tendo esta praga de insetos entrado na Quinta do Mor e chacinado as culturas lá existentes. D. Henrique de Mendia viu destruídas as castas de vinho que tanto davam prestigio à Casa Mendia. Face a esta praga, este associou-se à Comissão Central Antifloxérica do Sul do Reino e, promovendo replantação das vinhas portuguesas e dando exemplo na sua propriedade de Aveiras de Cima, a Quinta do Mor. Muitas foram as reformas administrativas nacionais, e às quais Aveiras de Cima esteve sujeita. A 26 de Junho de 1867 dá-se uma nova reforma na administração geopolítica de Portugal. O Conselho de Ministros emite uma lei que impera a extinção de alguns concelhos, entre os quais, o concelho de Azambuja. As freguesias pertencentes a este concelho passariam a pertencer aos concelhos limítrofes e, assim, a freguesia de Aveiras de Cima passa a pertencer ao concelho de Alenquer. Esta lei veio trazer consequências nocivas para a população pois existia uma grande distância, e dificuldade de muitos populares deslocarem-se até à sede municipal para tratar de assuntos burocráticos, apenas possíveis de tratar na sede do município. Esta situação teve a duração de sete meses, mas devido à forte contestação a vários níveis sociais, a lei de 26 de Junho de 1867 torna-se obsoleta. Recria-se o concelho de Azambuja e Aveiras de Cima deixa de ser uma freguesia do município de Alenquer, voltando ao anterior concelho a que pertencia, o qual era geograficamente mais próximo e de mais fácil acesso pela população. O ofício notarial de Aveiras acaba extinto em 1900, aquando da reforma notarial, e é incorporado no 2º

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ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima – página 181;

Ofício de Azambuja e, a partir de 1911, os arquivos da paróquia de Aveiras de Cima passam a ser incorporados no Arquivo Distrital de Lisboa.

Francisco de Almeida Grandella E como falar sobre Aveiras de Cima, historicamente, sem falar das figuras mais aclamadas por esta localidade? Refiro-me a Francisco de Almeida Grandella Nascido a 28 de Junho de 1853 em Aveiras de Cima, Francisco de Almeida Grandella era filho de um médico, Dr. Francisco Maria de Almeida Grandella, e de Matilde Libânia Doroteia. Vou-me referir a este senhor de uma forma geral, para de seguida efetuar citações acerca de si e de seu pai, pois, já vários estudos sobre si foram realizados. Francisco de Almeida Grandella foi muito novo para Lisboa, em 1863, trabalhar como aprendiz numa loja de fazendas, camisaria e modas. Tornou-se um empreendedor, criando o seu primeiro estabelecimento comercial em 1879 e, progrediu tanto que, em 1891 cria a primeira grande superfície comercial em Portugal, no Chiado. Criavam-se assim os aclamados Armazéns Grandella. Cria um bairro para alojar os seus empregados e as respetivas famílias, contendo este bairro cresces e escolas primárias para educação dos filhos de tais empregados. Deu-se a este bairro o nome de Bairro Grandella. Foi filiado no Partido Republicano e, vereador na Câmara Municipal de Lisboa entre 1908 e 1912, tornando-se, também, maçon em 1910, filiando-se na loja de São Estevão, em Lisboa. Tornou-se uma figura crucial no que toca à alfabetização do país, criando várias escolas primárias, duas delas no concelho onde nascera: uma na sua terra-natal Aveiras de Cima, à qual dá o nome de seu pai, Francisco Maria de Almeida Grandella, e outra em Tagarro. Francisco de Almeida Grandella acabaria por perecer na localidade de Foz do Arelho, concelho de Caldas da Rainha, a 20 de Setembro de 1934. Termino esta temática fazendo citações relativas ao Dr. Francisco Maria de Almeida Grandella, importante médico que cuidou de tantos pacientes não só em Aveiras de Cima, como em todo o concelho de Azambuja e concelhos próximos, e relativas ao seu filho, o brilhante empresário e político, Francisco de Almeida Grandella: Francisco Maria de Almeida Grandella foi um médico cirurgião que adquiriu grande prestigio em Aveiras de Cima devido ao seu auxílio prestado ao povo dessa localidade, e não só, tornando-se mais tarde uma figura de relevo nos atos públicos de Aveiras de Cima. “Em 1856, aquando do surto epidémico de cólera-morbo, acorreu, incansável, a todos

os lugares não só da freguesia mas também do concelho, chegando a acudir a enfermos do vizinho concelho do Cartaxo. Ele próprio, depois de sentir os primeiros sintomas da cólera prossegue na sua missão, que já é cruzada”.8 O seu filho, Francisco Grandella demonstrou ser senhor de grande inteligência e ativismo social. Foi novo para Lisboa como aprendiz de caixeiro e, ainda caixeiro, andou numa campanha pelo fecho do comércio ao Domingo. Segundo este, era um direito do trabalhador o descanso semanal, podendo passar o trabalhador este dia com a família, algo que não era possível em dias de trabalho devido ao horário dos ofícios. No entanto, a Igreja Católica apropriou-se de tal vitória, afirmando que só foi possível tal vitória para que o trabalhador pudesse assistir à eucaristia. Sendo o comércio o meio onde andavam mais presentes os ideais republicanos e maçónicos, e consequentemente anticlericais, era uma mais valia para a Igreja a paragem desta atividade. Mas por tal benesse que este acontecimento constituiu para a Igreja, viu-se necessária a retoma da atividade comercial ao Domingo, representando uma pura atitude política por parte dos comerciantes. Entretanto, Francisco estabeleceu-se por conta própria, adquirindo cada vez mais estabelecimentos, que inicialmente não passavam de lojas pequeníssimas. Foi adquirindo áreas maiores e desenvolvendo meios publicitários. Abriu várias lojas, tais como as Fazendas Baratas, a Loja do Povo e a Novo Mundo. Idealizando a construção de grandes armazéns, como os Printemps de Paris, levou Francisco Grandella a criar os Grandes Armazéns Grandella, na Rua do Ouro, planeando juntar-lhes dois edifícios adquiridos na Rua Nova do Carmo. Tal plano realizou-se, encomendando o projeto ao arquiteto Georges Demay. Foi assim que se criou o primeiro grande complexo comercial da Península Ibérica, na Baixa de Lisboa, como se todo o comércio local estivesse situado num único quarteirão. Os Armazéns Grandella viriam a ruir durante o Incêndio do Chiado de 1988, sendo reconstruídos sob o projeto “Grandes Armazéns do Chiado” em 1995.

A Reforma Agrária e a Ocupação da Quinta da Torre Bela Contrariamente ao que muita gente pensa, os acontecimentos historicamente destacáveis em terras de Aveiras de Cima não terminam com os grandes feitos da família Grandella na primeira metade do século XX. Após longos anos de o país estar mergulhado em

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ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima – página 203;

ditadura (1926-1974), readquire liberdade através do golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, que depõe o regime autoritário do Estado Novo, tendo Marcelo Caetano como Presidente do Concelho de Ministros em tal momento. Nos anos que se sucederam, existiram várias ocupações, primeiramente na zona do Alentejo, onde existiam mais latifúndios e o número de trabalhadores temporários era maior, mas depressa atingiu a zona do Ribatejo, onde vários latifúndios foram igualmente ocupados por trabalhadores que formaram cooperativas de produção. Estas ocupações inseriram-se no período pósditadura que ficou conhecido como o período da Reforma Agrária. Focando geograficamente na zona de Aveiras de Cima, as principais ocupações operárias foram realizadas sobre a Quinta do Mor, a Quinta da Ameixoeira e a Quinta da Torre Bela, esta última documentada num filme do realizador alemão Thomas Harlan. Em Abril de 1974, a agricultura representava um sector de grande dimensão na sociedade e economia portuguesas, sendo que mais de um quarto dos trabalhadores agrícolas tinham nesta área a sua atividade profissional principal. No que toca à economia nacional, a agricultura traduzia-se em 15% do produto interno bruto. Por esta altura temporal, ainda dois quintos da população continental habitavam em explorações agrícolas. Ainda em regime de Estado Novo surgiram pensamentos sobre a necessidade de existir uma intervenção na estrutura da propriedade e um desenvolvimento industrial, sendo estes indispensáveis ao desenvolvimento do país. Necessidade essa que se vem agravar com o enfraquecimento da economia pelo grande êxodo rural dos anos 60, em que muitos trabalhadores agrícolas emigraram para fora do país e mesmo do continente, e pela crescente capitalização da agricultura. A saída da população foi acompanhada por uma subida de salários que conduziu as explorações a percursos diferentes, mas em suma à constituição de um forte sector capitalista. “Nas vésperas do 25 de Abril, os grandes capitalistas agrícolas já se tinham imposto aos que não haviam intensificado e capitalizado e já assumiam também preponderância nas estruturas locais de poder (casas do povo, grémios da lavoura, juntas de freguesia, câmaras municipais, cooperativas)”.9 Propriedade esta já anteriormente referida neste artigo, a Quinta da Torre Bela pertencia então à Casa de Lafões. Apesar da enorme propriedade, o duque de Lafões, D. Miguel de

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BRITO, J.M. Brandão de (coord.), BAPTISTA, Fernando Oliveira (2001), O 25 DE ABRIL, A SOCIEDADE RURAL E A QUESTÃO DA TERRA in “O País em Revolução”, (Lisboa), Editorial Notícias;

Bragança, não manda explorar os terrenos férteis e coloca cada vez menos trabalhadores a seu serviço para executar tarefas bastante árduas. Os trabalhadores, revoltados por não terem sustento e pelo não aproveitamento dos bons solos para cultivo, organizam-se e ocupam a Quinta da Torre Bela a 23 de Abril de 1975, com o fim de eles próprios explorarem a propriedade e a gerirem comunitariamente. Entre os trabalhadores contavam-se habitantes de todas as localidades em que a Quinta ocupava um pouco de terreno, ou localidades vizinhas (Manique do Intendente, Maçussa, Vila Nova de São Pedro, Vale Carril, Ereira, Lapa, Alcoentre e Aveiras de Cima). Esta ocupação viria a ser apoiada por membros do Movimento das Forças Armadas e legalizada pelo Instituto de Reorganização Agrária. Com o surgimento de fações político-militares, com a chamada Lei Barreto e com o primeiro Governo Constitucional pós-Estado Novo, os ocupantes são detidos, tal como militares que os apoiaram, e as propriedades são devolvidas aos antigos proprietários. Muitos veem este acontecimento como algo ridículo e utópico na sua base, outros como um mero contexto histórico, mas muitos como um sonho que foi brevemente realizado infelizmente para eles.

Roteiro Histórico de Aveiras de Cima Como pontos físicos para a existência de uma rota turístico-histórica na atual freguesia de Aveiras de Cima (sendo que um dos pontos se encontra num território da freguesia anterior a 1916) podemos considerar:

 A tão importante e referida Igreja de Nossa Senhora da Purificação de Aveiras de Cima;  A Junta de Freguesia de Aveiras de Cima, atual sede administrativa da freguesia e onde se encontra pelo menos uma das cartas de foral;  O museu Casa Colombo em Vale do Paraíso, onde foi recebido o navegador Cristóvão Colombo;

 A Quinta do Mor (de acesso restrito, podendo-se pelo menos vislumbrar o altivo prédio rústico da propriedade e ter uma certa noção de como seria a propriedade na sua época áurea);  A Escola Francisco Maria de Almeida Grandella, atualmente transformada em biblioteca (incorporada numa rede de bibliotecas municipais);  A Quinta da Torre Bela (de acesso restrito, podendo-se pelo menos vislumbrar os imponentes muros que constituem a sua atual limitação territorial);

Bibliografia e Webgrafia

- ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima; - PEREIRA, José António Machado (2009), “Identidade, História e Memória da Terra de Aveiras de Baixo”, Junta de Freguesia de Aveiras de Baixo; - OLIVEIRA MARQUES, A.H. (2015, “Breve História de Portugal”, (Lisboa), Editorial Presença; - Cota PT/TT/MSN (Arquivo Nacional da Torre do Tombo); - Cota PT/ADLSB/NOT/CNAZB3 (Arquivo Nacional da Torre do Tombo); - Cota PT/ADLSB/PRQ/PAZB03 (Arquivo Nacional da Torre do Tombo); - GODINHO, Vitorino Magalhães (1971), “Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa”, (Lisboa), Arcádia; - GARRET, José Baptista da Silva Leitão de Almeida (1846), “Viagens na Minha Terra”, (Lisboa);

- HERMANO SARAIVA, José (coord.), LOPES, Fernão (2004), Crónica de El-Rei D. João I de Boa Memória in “Biografias da História de Portugal – Volume XXI”, (Matosinhos), QuidNovi; - HERMANO SARAIVA, José (coord.), OSÓRIO, Jerónimo (2004), Da Vida e Feitos de El-Rei D. Manuel in “Biografias da História de Portugal – Volume XXVII”, (Matosinhos), QuidNovi; - BRITO, J.M. Brandão de (coord.), BAPTISTA, Fernando Oliveira (2001), O 25 DE ABRIL, A SOCIEDADE RURAL E A QUESTÃO DA TERRA in “O País em Revolução”, (Lisboa), Editorial Notícias; - Azambuja – Memória Portuguesa: http://terrasdeportugal.wikidot.com/azambuja (consultado pela última vez a 14/06/2016); - TORRE Bela, documentário sob a direção e realização de Thomas Harlan, produzido em Manique do Intendente (Portugal) em 1975, com um formato de 1 hora e 45 minutos; - FILIPE, Wilson, entrevista sobre a experiência da ocupação da Quinta da Torre Bela, realizada em Maio de 2016 em Aveiras de Cima, concedida ao autor deste artigo;

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