Azerbaijão: o reflexo Cáspio de uma Europa em dúvida

June 1, 2017 | Autor: B. Marinho da Mata | Categoria: Geopolitics, Strategic Foresight, Azerbaijan
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Azerbaijão: o reflexo Cáspio de uma Europa em dúvida

Dezembro de 2015

Discente: Bernardo Marinho da Mata Docente: Prof. Doutora Ana Isabel Xavier

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Unidade Curricular: Análise Prospectiva e Planeamento ÍNDICE: “Azerbaijão: o reflexo Cáspio de uma Europa em dúvida” 1. Introdução………………………………………p. 3; 2. A definição política e a sustentação socio-histórica do regime dos Aliyev ………………………………p. 4; 3. O reconhecimento diplomático e a sustentação socioeconómica do regime dos Aliyev ………...p. 7; 4. Conclusão……………………………………….p. 12; 5. Bibliografia……………………………………...p. 14 6. Anexos………………………………………….. p. 17

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1. Introdução “O estabelecimento de mudanças institucionais abrangentes teve como objectivo a substituição do sistema administrativo dirigista herdado do período soviético mediante novas relações competitivas, medidas propositadas de e para uma economia de mercado, das quais se destacam a privatização da propriedade estatal e o desenvolvimento de novas relações de propriedade (…).”1 Se uma frase pudesse descrever a visão que as elites políticas azerís nutrem acerca do próprio país, esta seria paradigmática de um discurso alimentado ao longo das últimas duas décadas. Muito sucintamente e servindo de mote para esta análise prospectiva que se centra nas perspectivas da evolução política do Azerbaijão 2 até 2030, toda a estruturação do aparelho do estado e do poder político funda-se no objectivo económico de permitir que esta grande companhia de exploração de hidrocarbonetos não perca competitividade no mercado internacional. Salvo a mordacidade desta introdução, o Azerbaijão assume o paradigma do “governance gap”3. Por conseguinte, a pergunta de partida central a partir da qual se afloram algumas outras e que funda o cerne analítico deste trabalho é “Tendo em vista o horizonte temporal de 2030, serão as condições socioeconómicas determinantes para uma alteração política de fundo no regime de Aliyev e um consequente reduzir do “governance gap” no Azerbaijão?”. O termo anteriormente evidenciado designa genericamente a maior ou menor proximidade dos cidadãos para com o poder político, isto é, qual o grau de responsabilização e responsividade dos governos face às exigências e o desejo de escrutínio dos seus concidadãos. O regime de Baku 4, por consequência, afasta-se tanto da responsabilização política perante o escrutínio popular como se escusa à responsividade com base no desempenho económico fictício em função das receitas obtidas com a exploração das jazidas petrolíferas e de gás natural do 1

Tradução própria de “The foundation of the comprehensive institutional changes aimed at replacing the administrative command system inherited from the Soviet period with new free competitive relations, purposeful policy measures to form a market economy system, important changes such as the privatization of state-owned property and the formation of new property relations was laid precisely in that period.”, “DEVELOPMENT CONCEPT “AZERBAIJAN - 2020: OUTLOOK FOR THE FUTURE”, p. 2 2 Vide Anexo 1: Mapa descritivo da localização geográfica do Azerbaijão; 3 NATIONAL INTELLIGENCE COUNCIL, Dezembro de 2012, pp. 48-59 4 Capital da República do Azerbaijão

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Mar Cáspio. Contudo, se o regime de Baku se retrata neste último período, também importa perguntar se os azerís o contestam e, no caso de o fazerem, se o sistema permite margem para a oposição política. É de relevar o passado soviético recente e que o Azerbaijão não é o único caso de “governance gap” no universo destes novos países independentes, resultados de tal realidade para que a citação introdutória nos reporta. Além disto, há que compreender que no caso em estudo a transição do domínio soviético para a independência, dado o contexto particularmente adverso, exigiu o robustecimento das instituições políticas recém-estabelecidas com o cimento, salvo a expressão, da “grande liderança de Heydar Aliyev” 5(mandato do ano de 1993 a 2003), do que Max Weber descrevia como sendo a fonte carismática do poder que contribuiu para refundar o Azerbaijão seja no plano interno seja no plano externo. 2. A definição política e a sustentação socio-histórica do regime dos Aliyev. A primeira questão de muitas é precisamente incidente sobre a natureza do regime de Baku: trata-se de uma democracia iliberal ou de uma autocracia liberal 6? Explicar antes de mais que, na leitura de Christian Davenport, o primeiro caso verificase quando são as exigências da população que forçam, mediante situações de crise interna, uma maior liberalização das políticas sociais e económicas, reduzindo quando perante uma ameaça externa identificada como sendo uma rivalidade histórica ou um acaso geopolítico. O segundo caso, por seu turno, prende-se com a integração de certas exigências das oposições no seio do regime, não para abri-lo mas para permitir que continue fechado, alimentando uma ilusão constante acerca de uma possível democratização de facto que se dilui igualmente em períodos de adversidade externa que obriga a um reforço necessário da coesão moral e por consequência da aceitação do status quo interno para um bom desempenho no exterior. O Azerbaijão, tanto pelos contornos da personalização do poder político em torno dos Aliyev como pela concentração de esforços no plano internacional em detrimento das exigências de democratização internas, enquadra-se no segundo caso exposto, na minha óptica. Há que entender que o regime de Aliyev não é mero fruto do acaso histórico. Heydar Aliyev ascende ao poder em 1993 como corolário da 5

“Beginning from the middle of the 1990s, our country gradually started to revive and take confident steps towards resolving fateful issues under the leadership of the great leader Heydar Aliyev.”, “DEVELOPMENT CONCEPT “AZERBAIJAN - 2020: OUTLOOK FOR THE FUTURE”, p. 2 6 DAVENPORT, 2000, p. 10

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incapacidade política e militar da Frente Popular Azerí (partido que tinha conduzido o processo de secessão com a União Soviética e de transição democrática desde Janeiro de 1991) de conter os esforços separatistas do enclave de Nagorno-Karabakh, apoiados pelas forças nacionalistas arménias, abalando a legitimidade ainda frágil do primeiro governo pós-independência. Aliyev, que era um alto oficial da KGB da República Socialista Soviética do Azerbaijão e seria o primeiro secretário de estado do Partido Comunista do Azerbaijão, conquista o seu prestígio através da campanha posterior de apaziguamento do território separatista a custo de um retrocesso nas liberdades políticas e civis alcançadas durante os dois anos iniciais da mencionada transição. 7 Mais: Aliyev consegue afastar a sua futura principal força de oposição política por força do próprio descrédito, o que explica também em parte a durabilidade do regime sedimentada na retórica de que qualquer movimento político oposicionista quer o regresso da vergonha do passado recente. Ao encontro do que Davenport descreveu como sendo o conceito de autocracia iliberal, estabeleceu-se uma espécie de trade-off entre o regime de Aliyev e a população azerí assente no princípio de que a integridade territorial e a segurança nacional perante a ameaça arménia seriam asseguradas em troca de uma forte presença do Estado nos diferentes campos da sociedade, com menor foco na economia. Não será precipitado concluir a priori que os azerís abdicaram das suas liberdades cívicas em prol de um sentimento nacionalista, contudo, a questão consequente é: qual o estado-nação com menos de dois anos, inserido numa região instável como eram e são os Cáucasos em função de rivalidades históricas reacesas com o fim da União Soviética, que destoaria desta escolha? Até neste pormenor, não é inocente a construção propagandística da imagem de Heydar Aliyev à semelhança do exemplo histórico de Mustafa Kemal na Turquia 8, o homem desinteressado que atende ao desígnio patriótico de liderar o seu povo num momento de urgência, pois não só os azerís são étnica e culturalmente turcomanos como a Arménia é um enclave, salvo a expressão, do cristianismo ortodoxo que dominou e oprimiu a região maioritariamente muçulmana desde o início do século XIX com o domínio imperial russo que se transformou na União Soviética a partir de 1922. Isto na 7

SULTANOVA, 2014, pp. 16-18 “One of the key elements in the success story of Heydar Aliyev, who remains popular today, is that he did not take power by force, even if the previous government was compelled to resign. He was not the main instigator of the transition. He was only invited to save the collapsing nation. There is no evidence to show that Heydar Aliyev had ambitions to become national leader. Thus, his government could easily convince the public that he was the Mustafa Kamal of Azerbaijan.”, SULTANOVA, 2014, p.18 8

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mesma medida que os azerís colaborariam com as entidades otomanas no genocídio arménio, durante a Primeira Grande Guerra, por entenderem que parte do território que a Arménia ocupava pertencia-lhes historicamente. Se há feridas insanáveis de outrora, a actualidade não inspira confiança entre os dois países, sendo a Arménia percepcionada pela opinião pública azerí como uma ameaça à estabilidade regional dada a sua política interna feita de ciclos instáveis à similitude da Geórgia, muito em parte pela forte e permanente ingerência russa. Ingerência que Aliyev teve a destreza de conseguir diminuir. E é precisamente nesta lógica de contraposição histórica que o regime de Aliyev ainda granjeia apoio junto da sociedade azerí, o que explica parcialmente como é que os exponenciais crescimento e desenvolvimento económicos desde finais dos anos 90 não são acompanhados de uma crescente reivindicação por parte da classe média de mais liberdades. Este último argumento contribui decisivamente na minha óptica para fundamentar a manutenção do presente regime, nos moldes em que se estabelece, se pudesse definir uma trajectória de evolução política para os próximos quinze anos assente neste ponto. Para corroborá-lo, um outro argumento estrutural que condicionará a evolução nos traços de uma manutenção do regime. A natureza liberal do regime de Baku reside claramente na forma como exerce a sua repressão e, sobretudo, como a concilia habilmente com dois vectores inconciliáveis: 1) um texto constitucional de matriz ocidental e vanguardista no que concerne ao reconhecimento teórico das liberdades e garantias, das quais se destacam a igualdade de género9 e a liberdade de culto10, num país maioritariamente muçulmano que é tido como exemplar na consagração do princípio da laicidade do estado no mundo islâmico 11. Por contraste, a liberdade de associação ou de imprensa12 são previstas e garantidas, desde que enquadradas na legalidade, isto é, desde que acordo com a permissão governamental ou, no caso da imprensa, o controlo é feito por via da injecção de capitais provindos das empresas de 9

Previsto no ponto II e V do Artigo 25º da Constituição da República do Azerbaijão, “II - Men and women have equal rights and freedoms.; V- Everyone shall be guaranteed equal rights in any proceeding before state authorities and bearers of public authority that decide on his or her rights and duties.” In 10 Previsto no Artigo 48º da Constituição da República do Azerbaijão, “I. Everyone has the right to freedom of conscience and religion. (…)” 11 CORNELL, 2006, pp. 12-13 12 Previsto nos Artigos 49º e 50º da Constituição da República do Azerbaijão, “ Article 49: Freedom of Assembly - II. Everyone has the right, upon notification in advance of responsible government organs, to peaceful, unarmed gatherings, meetings, demonstrations, rallies, street processions, pickets together with others.” E “Article 50: Freedom of Information: I. Everyone has the right to legally seek, receive, pass, prepare and disseminate information. II. The freedom of mass media is guaranteed. State censorship of mass media, including print media, is forbidden. (…)”

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exploração de hidrocarbonetos que, por seu turno, estão nas mãos da oligarquia que sustenta o regime, isto é, a censura exerce-se por via indirecta; 2) uma diplomacia duplamente focada tanto nas parcerias económicas bilaterais como na promoção da paz e da harmonia mundial com base nos direitos humanos junto dos fóruns internacionais, a chamada “diplomacia do caviar”13, ou seja, um conjunto de visitas de estado, conferências e acções propagandísticas junto dos mais altos representantes e funcionários da União Europeia durante a sua presidência do Conselho da Europa em 2014. 3. O reconhecimento diplomático e a sustentação socioeconómica do regime dos Aliyev. Ilham Aliyev (2003-actualidade), filho e sucessor político de Heydar Aliyev, ao contrário do que outras dinastias políticas do género concretizariam como um sólido paradigma de continuidade, conseguiu através da solidez da estrutura estatal e da subordinação da própria população azerí ao desígnio nacionalista do regime que o pai lhe legou introduzir novas opções no jogo político internacional. Desde já, através do que Ismayilov14 designou como “diplomacia do gasoduto”, ou seja, a concertação de interesses feita pela diplomacia azerí em torno do potencial de exportação de petróleo e gás natural junto tanto das potências ocidentais, em particular em sede do Conselho da Europa, como das principais potências produtoras geograficamente mais próximas como são a Rússia e o Irão. Este jogo duplo justifica-se, em primeira medida, com a própria dualidade com que o Conselho da Europa no seu conjunto e os seus estados-membros, por canais paralelos de relacionamento bilateral com o Azerbaijão, lida com a natureza política do regime de Aliyev, dividindo-se entre o que é o reconhecimento de progressos no campo da democracia e o que seja um nítido desfasamento para com a prática europeia da democracia e dos direitos humanos, postura que Knaus compara à personagem Dorian Gray de Oscar Wilde15. A suspensão de projectos como o Nabucco de fornecimento energético alternativo à dependência perante a Rússia que colocava o Azerbaijão no centro do 13

KNAUS, Julho de 2015, pp. 10-13 ISMAYILOV, 26 de Abril de 2010, pp. 2-3 15 “A few years ago, Europe’s most important intergovernmental human rights institution, the Council of Europe, crossed over to the dark side. Like Dorian Gray, the dandy in Oscar Wilde’s story of moral decay, it sold its soul. And as with Dorian Gray, who retained his good looks, the inner decay of the Council of Europe remains hidden from view.”, KNAUS, Julho 2015, p. 5-7 14

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fornecimento de gás natural à Europa ou a recusa da União Europeia em financiar o eixo ferroviário entre Baku, Tblissi e Kars, que permitiria reforçar o predomínio económico azerí na região e aprofundar os laços comerciais entre este e Bruxelas, levou a uma certa “desilusão”16. “Desilusão”, essa gerada no seio da elite azerí, em certa medida, pelo não apoio das potências ocidentais ao pleito sobre a soberania de NagornoKarabakh em sede do Conselho de Segurança das Nações Unidas 17, o que contribuiu para a diversificação de mercados energéticos e consequentemente das relações diplomáticas por parte desta República do Mar Cáspio, geopoliticamente central para intermediar as relações entre o Irão e a Rússia. Este estatuto privilegiado, por seu torno, coloca o regime de Aliyev na primeira linha das discussões internacionais. Além disso, reforça o regime internamente com o prestígio granjeado no exterior, o que o torna vulnerável ao contexto internacional, introduzindo um segundo cenário no horizonte temporal delimitado em que os alinhamentos internacionais da política externa azerí e tanto o seu grau de sucesso como de insucesso podem contribuir para necessárias transformações seja na cúpula do poder e da elite que a constitui seja na percepção, actualmente céptica, da sociedade azerí face ao exterior próximo, nomeadamente Cáucasos e Médio Oriente. Tendência, aliás, que se prevê não mudar, pois o pragmatismo de Aliyev na condução da política externa não consegue de per si a manutenção do regime nem muito menos visa a diminuição da “governance gap”, com uma maior democratização deste país. Prova disto é que a aproximação do regime com o Ocidente contribuíra de certa forma para abalar a estrutura do mesmo mediante a democratização do discurso e o seu impacto na sociedade, algo que Ismayilov descreve como sendo percepcionado como uma “ameaça à estabilidade do regime”18 na visão da elite de Baku. Por isso, o afastamento que se notou após a presidência do Conselho Europeu de 2014 da comunidade internacional, salvo a manutenção de uma forte estratégia diplomática voltada para os países da Europa Central, Balcãs e Turquia, concretizando-se paradigmaticamente na exposição mediática da denúncia da Amnistia Internacional em 16

ISMAYILOV, 26 de Abril de 2010, p. 3 “The reality of this situation is demonstrated in the voting record on United Nations General Assembly Resolution 10693 (passed on 14 March 2008), reaffirming the territorial integrity of Azerbaijan and demanding “the immediate withdrawal of all Armenian forces from all occupied territories there.” The United States and France voted against, while other EU states chose to abstain in the vote; none of them voted in favour of the resolution.” ISMAYILOV, 26 de Abril de 2010, p. 3 18 “In the eyes of Azerbaijan’s political elite, western democratic knowledge, akin to Russian neo imperialism, has come to be seen as directly threatening regime stability, on the one hand, and constraining the state in its ability to exercise “full” sovereignty and enjoy autonomy in its domestic and foreign policies (…)”,ISMAYILOV, 26 de Abril de 2010, p. 4 17

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Agosto de 2013 dos catorze presos políticos, que foram aliás galardoados com o Prémio Internacional Václav Havel dos Direitos Humanos de 2014, e na repressão interna dos movimentos pró-direitos humanos que se tentaram fazer ouvir junto do Conselho da Europa19. Assim posto, o que pode sustentar a hipótese da manutenção do regime autocrático liberal no Azerbaijão em 2030, em última análise? A resposta tanto passo pelo desempenho económico como foge dele.

Em

primeiro lugar, para o compreendermos, há que descrever sucintamente a sua fonte: o monopólio da SOCAR e a até há pouco tempo proveitosa exploração de petróleo e gás natural que contribuem simultaneamente para a auto-suficiência energética e maior autonomia no mercado internacional do país20 e para o investimento crescente num sistema de segurança social que se quer equiparado ao ocidental, pelo menos, na retórica oficial do governo21 e que de certo modo se consubstancia na evolução do nível de pobreza que desce dos 11%, à data de 2009, como descreve Aslanli 22, para os 5,3% de 2013 como aponta o Banco Mundial23. Facto último, este que, mantendo a tendência, é um ponto a favor da manutenção do regime com o reforço do apoio popular das camadas mais baixas da sociedade no horizonte de 2030. SOCAR (“State Oil Company of Azerbaijan Republic”) é a companhia nacional de petróleo azerí que tendo sido estabelecida em 1992, com a fusão das duas companhias soviéticas responsáveis pela extracção de hidrocarbonetos do Mar Cáspio, controla desde o processo produtivo até à exportação do petróleo e gás natural aí explorados.24 Segundo Kjaernet, a forma como o regime de Aliyev manipula a companhia para conseguir perpetuar-se no poder assenta numa sistema de “dar e receber”25, em que o retorno em impostos dos lucros da SOCAR é canalizado para a construção e controlo de infra-estruturas públicas estrategicamente vitais para máquina de propaganda do regime. Existe um outro aspecto curioso a este propósito que coincide 19

KNAUS, Julho 2015, p. 8 “Azerbaijan’s move to cover a significant portion of project costs on its own highlighted the level of self-sufficiency and independence that Baku had reached over the last. (…)First, in an open effort to further diversify its linkages with the outside world and the ensuing dependencies and interdependencies that come from them, Baku is now keen to have its gas distributed among as many players in the region as possible, rather than limiting its exports to a single (western) market only.” ISMAYILOV, 26 de Abril de 2010, p. 4 21 “(…)As a result of the measures that will be implemented, the compulsory state social insurance system will improve and state pension saving mechanisms will be created.”, “DEVELOPMENT CONCEPT “AZERBAIJAN - 2020: OUTLOOK FOR THE FUTURE”, p. 25 22 ASLANLI, 26 de Abril de 2010, p.11 23 WORLD BANK, “Azerbaijan – World Development Indicators”, http://data.worldbank.org/country/azerbaijan acedido a 7 de Dezembro de 2015, pelas 16:28h. 24 KJAERNET, 26 de Abril de 2010, p. 5 25 KJAERNET, 26 de Abril de 2010, p. 6 20

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com a fabricação de uma elite, salvo a expressão, com base no seu emprego na SOCAR, cuja mão-de-obra altamente qualificada ascende aos cerca de setenta mil empregados num país com 4,9% de taxa de desemprego (dados de 201326), e que corresponde de certo modo a um estatuto privilegiado dentro da sociedade azerí 27. Aliás, na minha óptica, o regime de Aliyev não só se certificou de que a classe média veria as suas necessidades e aspirações socioeconómicas satisfeitas como tratou de colocá-la na dependência de uma única empresa em troca da lealdade para com o regime. Não nos referimos só a meros operários mas a altos quadros superiores com formação nas melhores universidades europeias, muitos desses estudos financiados por uma activa política de mecenato do governo para que possam ser aplicados em território nacional 28. Isto é, aqueles que mais se predisporiam a desenvolver progressivamente anti-corpos contra o regime autocrático são precisamente aqueles que mais beneficiam dele, afastando-se assim da contestação e do processo democratizador do país, o que reforça o cenário da manutenção do regime, mantida a tendência, em 2030. Além deste aspecto, há que retomar a participação do Estado na sociedade e mais recentemente o seu gradual investimento num sistema de segurança social à imagem ocidental. A construção de um sistema de pensões sustentável e abrangente com o “Conceito da Reforma das Pensões” que alcança já cerca de 1,3 milhões de pensionistas29 numa população de 9,5 milhões de habitantes 30, a par do aumento do salário mínimo e de um proporcional aumento da inflação 31, tem contribuído para um reforço da credibilidade do governo junto da população em matérias de assistência social. Investimento, este que somente é possível com uma dívida pública no valor de 15%32 do PIB que se estima ser de 75, 20 mil milhões de dólares à data de 2014 de uma economia que cresce 2,3% ao ano33, concentrando-se tal crescimento essencialmente 26

WORLD BANK GROUP, Abril de 2015, p. 5 “It (SOCAR) has 70,000 employees and provides them with flats, preferential summer vouchers, kindergartens, and health care services in designated hospitals.”, KJAERNET, 26 de Abril de 2010, p. 6, 28 “(…)At the same time, along with state funding, the financing of science from other sources will be stimulated, and this will ultimately strengthen the social protection of those engaged in scientific activity and prevent “brain drain”, “DEVELOPMENT CONCEPT “AZERBAIJAN - 2020: OUTLOOK FOR THE FUTURE” , p. 17. 29 WORLD BANK GROUP, Abril de 2015, p. 6 30 WORLD BANK, “Azerbaijan – World Development Indicators”, http://data.worldbank.org/country/azerbaijan acedido a 7 de Dezembro de 2015, pelas 17:08h. 31 “Any increase will come from increasing the minimum wage and only affect citizens receiving extremely low salaries.” ASLANLI, 26 de Abril de 2010, p.11, 32 WORLD BANK GROUP, Abril de 2015, p. 2-4 33 WORLD BANK, “Azerbaijan – World Development Indicators”, http://data.worldbank.org/country/azerbaijan acedido a 7 de Dezembro de 2015, pelas 17:10h. 27

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nos sectores da construção de infra-estruturas públicas e da expansão do mercado imobiliário, da agricultura que assiste a uma paulatina modernização e ao desenvolvimento e investigação de novas tecnologias 34. Este aumento do investimento estatal na sociedade contribui para expansão do aparelho burocrático, pouco eficiente como preserva uma característica clientelar e despesista da antiga União Soviética, de que é paradigmático o caso do Conselho de Ministros, como aponta Aslanli 35, o que aumenta o “governance gap” e perpetua a elite do regime no poder. Contudo, resta uma última questão: qual o real interesse do governo que resiste à modernização política em apostar na modernização económica, cuja corolário poderá desembocar na primeira? A resposta é a mesma que o tem possibilitado, só que em sentido inverso: o decréscimo das receitas provenientes dos hidrocarbonetos. Segundo o Banco Mundial 36, a baixa produção de petróleo e o insucesso no seu escoamento com a sucessiva suspensão de diferentes projectos de oleodutos europeus em função do recrudescer da retórica assertiva da política externa russa nessa matéria de que a crise da Ucrânia é um corolário natural mas também da não rentabilidade a médio prazo dos mesmos (como indica Knaus, a capacidade da Europa de importação de gás natural com a finalização dos oleodutos e gasodutos seria apenas de 2%, sendo a de petróleo de 4%37) contribui para uma queda de 2,8% do crescimento económico. Contrastando com a tendência, está o crescimento das actividades não relacionadas com o sector petrolífero que registam um aumento de 6%, segundo a instituição supramencionada. Ora, mantendo-se as tendências descritas no ano de 2030, o aparecimento de pequenas e médias empresas no âmbito das actividades não relacionadas com o sector petrolífero foge de certo modo ao controlo do estado e, por consequência, do regime, feito através do referido “sistema de dar e receber”, o que impele o regime de Aliyev a procurar outros meios para assegurar a sobrevivência do regime. Se Heydar Aliyev se equiparava a Kemal na sua imagem de redentor nacional, o seu filho Ilham encontra paralelo na figura de Bismark e do seu engenho político que contornou a contestação crescente dos recém-surgidos movimentos sociais-democratas com o desenvolvimento tímido e superficial de um 34

WORLD BANK GROUP, Abril de 2015, p. 8. “(…) In fact the structural reform of the CM is impossible without clear political will. The CM either does not have a strategic plan or it is not open to public involvement since it was designed to be accountable to a limited group of people. The Cabinet of Ministers’ failure to coordinate and define the strategic actions of the economic ministries and committees affects them as well. All this is consequently reflected in the ineffective management of public finances.” ASLANLI, 26 de Abril de 2010, p.10” 36 WORLD BANK GROUP, Abril de 2015, p. 2 37 KNAUS, Julho 2015, p. 7 35

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sistema de providência e assistência social que assegurasse a manutenção do conservadorismo político da Alemanha imperial do final do século XIX. Para o sucesso desta estratégia, contribuem a tradicional baixa participação política e endémica desconfiança no poder central38, fomentadas e herdadas do período de dominação russa desde o início do século XIX, em que o Azerbaijão, dada a sua localização e cultura, figurava como uma região periférica desse Império, o que joga a favor da manutenção do regime nos seus presentes moldes. Se é verdade que o Azerbaijão tem procurado um status quo favorável no seio da região dos Cáucasos mediante a sua política de auto-suficiência energética, também é verdade que não tem conseguido distanciar-se da turbulência que da geopolítica emana. Caso disso, como bem relata Cornell, é a forma como a sua proximidade cultural e geográfica com o Médio Oriente, associada a uma crescente tendência social de “deslaicização” por via a contornar o predomínio do regime em quase todos os sectores da sociedade, tem favorecido a emergência de movimentos islâmicos radicais, de que é exemplo mais flagrante e notório a “Supreme Board of Muslims of the South Caucasus”, que, embora controlados pela estrutura repressiva do Estado, tem conseguido progredir no terreno e até rivalizar com esta segunda no que concerne à influência sobre a sociedade e o seu próprio entendimento sobre o regime que se torna visivelmente mais corrupto e déspota à semelhança do que foi o fantasma bem presente da União Soviética39. Isto revelar-se-á, a par com as espontâneas mudanças estruturais na economia em função das circunstâncias derivadas tanto do contexto internacional como da natureza haurível dos combustíveis fósseis que servem de base à economia azerí em cerca de 37%40, um dos maiores desafios à manutenção do regime de Aliyev no horizonte prospectivo de 2030, visto que se perspectiva uma não alteração significativa da tendência de instabilidade da região próxima do Médio Oriente nem da disseminação de grupos fundamentalistas islâmicos. 4. Conclusão:

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“The main reason why people are not actively involved in the budget process is the above-mentioned public distrust and a traditional culture of low participation.”, ASLANLI, 26 de Abril de 2010, p.10 39 CORNELL, 2006, pp. 9-10 40 WORLD BANK GROUP, Abril de 2015, p. 2

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Em resposta à pergunta de partida, o “governance gap” no Azerbaijão nos próximos quinze anos apresentará uma evolução genericamente positiva, assente contudo em dois cenários evolutivos distintos possíveis, em que a tendência central é a manutenção do regime por todas as características anteriormente enunciadas. Num primeiro cenário, há uma “evolução na continuidade”, no sentido em que as reformas do estado social serão frutíferas para o granjeio de apoios ao regime face ao decréscimo da importância do sector dos hidrocarbonetos. Isto, aliado ao nacionalismo de fundo numa região que está longe de estar estabilizada, ao desinteresse intrínseco da população pela política que não se reverteu, senão através ou de uma franja minoritária da população jovem mais esclarecida e viajada ou da radicalização da massa praticante do Islão face ao que se designa de uma contínua erosão dos valores éticos do exercício legítimo do poder do Estado, conservará o poder da dinastia Aliyev que continuará a recorrer ao método maquiavelano de “dividir para reinar” mediante o seu “sistema de dar e receber”. Contudo, embora plausível, este cenário não se revela concretizável num curto e médio prazo, em que o ceptro do reinado dos Aliyev, os hidrocarbonetos do Mar Cáspio, se mostra cada vez mais frágil e menos viável. Por isso, temos um segundo cenário possível e mais provável, em que há uma ruptura interna e uma adaptação forçada às circunstâncias económicas internacionais, como é a cada vez menor procura dos petróleo e gás natural azerís por não ser economicamente rentável a sua importação, em que a oligarquia que sustenta o regime integra gradualmente a oposição, mediante uma maior abertura do Parlamento ou uma liberalização e renovação dos altos cargos administrativos das principais empresas afectas directa e indirectamente ao Estado, com aqueles que este próprio financiou a estudarem no estrangeiro. Isto torna-se possível não só graças às mudanças estruturais na economia azerí acima identificadas mas como à crescente autonomização dos próprios quadros político-administrativos face ao regime em consequência da recente abertura deste ao exterior que tanto desenvolveu um crescente intercâmbio com as potências ocidentais como a aproximação aos interesses das potências geograficamente contíguas como são a Rússia e o Irão, seja pelo crescente investimento de capital proveniente desses países na SOCAR41 seja pelo apoio do último aos movimentos 41

“(…) With Azerbaijan driven by these two tenets, Russia has now been allowed a greater role in Baku’s energy export calculations, a change reflected in the move bythe latter’s state oil company to enter—in late 2009— into a short-term contract with Russia’s Gazprom on export—for market prices—of no less than 500 mcm of Azerbaijani gas annually (1 bcm of gas is actually expected to be exported to Russia in 2010). (…)Azerbaijan’s move to export some of its oil through Iran during and after the August 2008 crisis, as well as the short-term contract it signed with Iran’s National Gas Export Company in

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islâmicos mais radicais, cuja tendência de radicalização fora capitalizada na última década com a questão do antagonismo do Congresso Norte-Americano face ao Azerbaijão, por consequência da força do lobby arménio, e da participação na Guerra do Iraque, tendo sido o segundo maior contingente de um país muçulmano no terreno42. Para isto, também contribuirá decisivamente o crescente investimento no domínio da educação e das infra-estruturas tecnológicas. A liderança de Aliyev pode ser posta em xeque mediante uma atitude mais brusca para recuperar o poder perdido, ainda que pouco provável dado a sua conduta pragmática constante, porém, não deixará de aceitar a sua consequente diminuição no âmbito de uma democracia iliberal. Frise-se iliberal, pois o Azerbaijão não está estruturalmente preparado para receber uma democracia representativa plena de estilo ocidental, como comprovou o período histórico de transição de independência de 1991-1993. Em conclusão, mantendo-se as tendências da actualidade, perspectiva-se que em 2030 o “governance gap” do Azerbaijão tenha diminuído em função da concretização de algo próximo do segundo cenário. Terminado a presente análise, não posso deixar de recuperar o título da mesma, recordando que não se podem exigir a aplicação de padrões ocidentais ao Azerbaijão quando a sua própria consciência identitária europeia é tão ténue e cada vez mais dúbia e esbatida num passado remoto. Se persistir, não será mais que o turvo reflexo de um país que ambiciona crescer e definir os rumos de uma região encravada entre três grandes jogadores da actualidade internacional: Rússia, Irão e Turquia.

5. Bibliografia: 

ASLANLI, Kenan, “Oil and Gas Revenues Management in Azerbaijan: Crude Dependence and Its Consequences”, Caucasus Analytical Digest (PDF), nº 16, Research Centre for East European Studies (Brémen) & Centre for Security Studies (Zurique), 26 de Abril de 2010, pp. 8-12 in http://www.laender-analysen.de/cad/pdf/CaucasusAnalyticalDigest16.pdf acedido em 5 de Dezembro de 2015, pelas 13:28h

January 2010 on the export of 100 mcm of gas to Iran annually through the existing Gazi-Magomed– Astara gas pipeline is a reflection of Baku’s increasing willingness to develop the southern dimension of its energy diplomacy.”, ISMAYILOV, 26 de Abril de 2010, p. 4 42 “ Yet the situation in Azerbaijan is not as simple as it seems. Azerbaijan is geographically surrounded by areas with strong Islamic movements, which have all sought an influence there. Closest has been Iran’s theocratic government, which has been eager to spread Shi’a radicalism in Azerbaijan. (…)”,CORNELL, 2006, pp. 11-12.

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CORNELL, Svante, “The politicization of Islam in Azerbaijan”(PDF), Central Asia – Caucasus Institute & Silk Road Studies Program, Johns Hopkins University, Washington D.C., 2006, pp. 11-46 in http://www.silkroadstudies.org/resources/pdf/SilkRoadPapers/2006_10_ SRP_Cornell_Islam-Azerbaijan.pdf acedido em 5 de Dezembro de 2015, pelas 14:15h.



CONSTITUTE PROJECT, “Azerbaijan's Constitution of 1995 with Amendments through 2009” (PDF), Oxford University, Oxford, Setembro de 2015 in https://www.constituteproject.org/constitution/Azerbaijan_2009 acedido em 5 de Dezembro de 2015, pelas 13:03h;



DAVENPORT, Christian, “Understanding Illiberal Democracies, Liberal Autocracies, and Everything in Between:A Cross-National Examination from 1972-1996”(PDF), “World Democratization 2000 – Rethinking Democracy in the New Millennium”, University of Houston, 16-19 de Fevereiro de 2000; in http://www.uh.edu/democracy/davenportp.pdf acedido em 5 de Dezembro de 2015, pelas 13:50h;



ISMAYILOV, Murad, “Continuity and Change in Azerbaijan’s Energy Diplomacy”, Caucasus Analytical Digest (PDF), nº 16, Research Centre for East European Studies (Brémen) & Centre for Security Studies (Zurique), 26 de Abril de 2010, pp. 2-5 in http://www.laenderanalysen.de/cad/pdf/CaucasusAnalyticalDigest16.pdf acedido em 5 de Dezembro de 2015, pelas 13:28h;



KJAERNET, Heidi, “The State Oil Company SOCAR: A Microcosm of Azerbaijani Development?”, Caucasus Analytical Digest (PDF), nº 16, Research Centre for East European Studies (Brémen) & Centre for Security Studies (Zurique), 26 de Abril de 2010, pp. 5-8 in http://www.laender-analysen.de/cad/pdf/CaucasusAnalyticalDigest16.pdf acedido em 5 de Dezembro de 2015, pelas 13:28h;



KNAUS, Gerald, “Europe and Azerbaijan: The End of Shame”, Journal of Democracy (PDF), Volume 26, nº 3, Julho de 2015, pp. 5-18 in http://www.journalofdemocracy.org/sites/default/files/Knaus-26-3.pdf acedido em 5 de Dezembro de 2015, pelas 11:34h;



NATIONAL INTELLIGENCE COUNCIL, “Global Trends 2030: Alternative Worlds” (PDF), Washington D.C. Dezembro de 2012, pp. 48-59

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PRESIDENT OF AZERBAIJAN, “DEVELOPMENT CONCEPT “AZERBAIJAN - 2020: OUTLOOK FOR THE FUTURE”(PDF), Baku, 2015 in http://www.president.az/files/future_en.pdf acedido em 5 de Dezembro de 2015, pelas 12:45h;



SULTANOVA, Shahla, “Challeging the Aliyev Regime: Political Opposition in Azerbaijan”, Demokratizatsiya: The Journal of Post-Soviet Democratization (PDF), vol. 22, no. 1, 2014 , pp. 15-37 in https://www.gwu.edu/~ieresgwu/assets/docs/demokratizatsiya %20archive/GWASHU_DEMO_22_1/BL1543G0116N0277/BL1543G0 116N0277.pdf acedido em 5 de Dezembro de 2015, pelas 13:47h;



WORLD BANK GROUP, “Azerbaijan Partnership Program Snapshot – Recent Economic and Social Developement”(PDF), Abril de 2015, pp. 2-32 in http://www.worldbank.org/content/dam/Worldbank/document/Azerbaijan -Snapshot.pdf acedido em 7 de Dezembro de 2015, pelas 17:35h.

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6. Anexos:

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1- Mapa Topográfico do Azerbaijão. Retirado de https://www.google.pt/maps/@43.0729433,45.641215,5z acedido em 07 de Dezembro de 2015, pelas 19:59h.

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