BACHIANAS BRASILEIRAS Nº 9 - PROCESSOS DE HIBRIDAÇÃO COM A MÚSICA INSTRUMENTAL BRASILEIRA

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Descrição do Produto

FACULDADE DE MÚSICA SOUZA LIMA

AUGUSTO BRAMBILLA

BACHIANAS BRASILEIRAS Nº 9 PROCESSOS DE HIBRIDAÇÃO COM A MÚSICA INSTRUMENTAL BRASILEIRA

Monografia de conclusão de curso

SÃO PAULO 2014

AUGUSTO BRAMBILLA

BACHIANAS BRASILEIRAS Nº 9 PROCESSOS DE HIBRIDAÇÃO COM A MÚSICA INSTRUMENTAL BRASILEIRA

Monografia apresentada ao Curso de Música da Faculdade de Música Souza Lima, como requisito para obtenção do titulo de Bacharel. Concentração: Composição

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Coelho Prof.ª Dr ª Maria Cecília de Barros Santiago

São Paulo 2014

Oliveira, Augusto Brambilla de. Bachianas Brasileiras nº. 9 - Processos de Hibridação com a Música Instrumental Brasileira. / Augusto Brambilla de Oliveira. 2015. 116 f. ilust. + CD-ROM Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) apresentado à Faculdade Souza Lima, São Paulo, 2014. Área de Concentração: Composição. Orientador: Dr. Marcelo Coelho. Coorientadora: Dr. Maria Cecília de Barros Santiago. 1. Villa-Lobos. 2. Modelagem sistêmica. 3. Hibridação cultural. 4. Música instrumental brasileira. I. Coelho, Marcelo (orientador). II. Santiago, Maria Cecília de Barros (coorientadora). III. Título.

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família pelo esforço na compreensão das minhas escolhas artísticas e profissionais, pelo apoio e pelo exemplo de conduta e educação. Aos amigos, parceiros de profissão e professores Dr. Marcelo Coelho, Dr. Walter Nery e Me. Ciro Visconti, pelas conversas, orientações, incentivos e generosidade que tiveram comigo, determinantes para o meu êxito nesse início de trajetória acadêmica e, com certeza, serão muito importantes nas minhas próximas etapas. Aos professores Mário Cunha e Lupa Santiago, pela oportunidade de realizar este sonho, por mais uma de tantas parcerias de sucesso e por outras tantas que ainda virão. À todos professores da Faculdade de Música Souza Lima que, sem exceção, abraçaram este projeto com corpo, a alma e a razão, aplicando-se ao máximo para oferecer um ensino de alta qualidade, sempre dispostos a compartilhar seus conhecimentos e experiências. Aos funcionários da Faculdade Souza Lima e do Conservatório Souza Lima que, com dedicação diária, simpatia e paciência, contribuem decisivamente no o aprimoramento destas instituições.

RESUMO

Este projeto propõe analisar, refletir e estabelecer processos de hibridação da peça erudita,

Bachianas Brasileiras Nº 9 (Prelúdio e Fuga) de Heitor Villa-Lobos,

com a

linguagem da música instrumental brasileira. Através da contextualização histórica, reflexões sobre Hibridação Cultural e da análise musical, avaliar os parâmetros musicais por meio da modelagem de um hipotético sistema compositivo utilizado por Villa-Lobos, na obra em questão. Organizar um planejamento, cujo resultado final será uma transcrição da peça, originalmente escrita para orquestra de cordas, para um quinteto instrumental formado por bateria, piano, contrabaixo acústico, saxofone e trompete, com características formais, harmônicas, rítmicas e interpretativas típicas da música instrumental brasileira, através de uma escrita musical que possibilite uma maior liberdade de interpretação. Os pilares teóricos deste projeto serão os conceitos de Modelagem Sistêmica (Moraes; Pitombeira, 2013) e Processos de Hibridação Cultural – Culturas Híbridas (Canclini, 2008) Palavras-chave: Villa-Lobos. Modelagem Sistêmica. Hibridação Cultural. Música Instrumental Brasileira.

ABSTRACT

BACHIANAS BRASILEIRAS Nº 9 PROCESSES OF HYBRIDIZATION WITH BRAZILIAN MUSIC INSTRUMENTAL

This project proposes to analyze, reflect and establish hybridization processes of the classical piece, Bachianas Brasileiras Nº. 9 (Prelude and Fugue) by Heitor Villa-Lobos, with the language of Brazilian instrumental music. Through historical contextualization, reflections on Cultural Hybridization and musical analysis, evaluate the musical parameters by means of a hypothetical compositional modeling system by Villa-Lobos, in the the respective object, to subsequently organize a planning, whose final result will be a transcription of the piece, originally written for string orchestra, for an instrumental quintet composed of drums, piano, double bass, saxophone and trumpet, with formal, harmonic, rhythmic and typical interpretive characteristics of Brazilian instrumental music, through a musical writing that allows greater freedom of interpretation. The theoretical pillars of this project will be the concepts of Systemic Modelling (Moraes; Pitombeira, 2013) and Cultural Hybridization Process - Hybrid Cultures (Canclini, 2008) Keywords: Villa-Lobos. Systemic Modeling. Cultural Hybridization. Brazilian Instrumental Music

Índice de tabelas Tabela 4:1: Classes de Intervalos............................................................................................................................41 Tabela 4.2:1: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Macroestrutura ..................................................................55 Tabela 4.2:2: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas – Acorde inicial.......................................55 Tabela 4.2:3: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 1ª seção...............................................55 Tabela 4.2:4: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 2ª seção...............................................56 Tabela 4.2:5: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 3ª seção...............................................56 Tabela 4.2:6: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 4ª seção...............................................56 Tabela 4.2:7: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 5ª seção .............................................56 Tabela 4.3:1: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Planejamento compositivo Macroestrutura........................59 Tabela 4.3:2: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - Introdução Acorde Inicial....................59 Tabela 4.3:3: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 1ª seção...............................................59 Tabela 4.3:4: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 2ª seção .............................................61 Tabela 4.3:5: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 3ª seção...............................................63 Tabela 4.3:6: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 4ª seção...............................................64 Tabela 4.3:7: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 5ª seção...............................................65 Tabela 4.4:1: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – 1ª Entrada - Instrumentação.....................................................69 Tabela 4.4:2: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – 1ª Entrada - Estrutura Melódica..............................................69 Tabela 4.4:3: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - Estrutura Melódica..............................................71 Tabela 4.4:4: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – 1ª Entrada - 3ª seção - Estrutura Melódica.............................72 Tabela 4.4:5: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1ª Entrada - 4ª seção - Estrutura Melódica..............................73 Tabela 4.4:6: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Conclusão - 1ª seção - Estrutura Melódica.............................84 Tabela 4.4:7: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Conclusão - 1ª seção Estrutura Melódica...............................84 Tabela 4.4:8: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Conclusão - 2ª seção Estrutura Melódica...............................85 Tabela 4.5:1: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Macroestrutura - Modelagem Sistêmica.................................87 Tabela 4.5:2: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 1ª Entrada - Modelagem Sistêmica.........87 Tabela 4.5:3: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 1º Episódio - 1ª seção - Modelagem Sistêmica.................................................................................................................................................................88 Tabela 4.5:4: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 1º Episódio - 2ª seção - Modelagem Sistêmica.................................................................................................................................................................88 Tabela 4.5:5: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 1º Episódio - 3ª seção - Modelagem Sistêmica.................................................................................................................................................................88 Tabela 4.5:6: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 1º Episódio - 4ª seção - Modelagem Sistêmica.................................................................................................................................................................89 Tabela 4.5:7: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 1º Episódio - 5ª seção - Modelagem Sistêmica.................................................................................................................................................................89 Tabela 4.5:8: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - Entrada Intermediária - Modelagem Sistêmica.................................................................................................................................................................89 Tabela 4.5:9: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 2º Episódio - Modelagem Sistêmica........90 Tabela 4.5:10: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - Conclusão – Modelagem Sistêmica.......90

9 Tabela 4.6:1: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga - Planejamento Compositivo – Macroestrutura.........................92 Tabela 4.6:2: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga - Microestruturas - 1ª Entrada Planejamento - Compositivo.92 Tabela 4.6:3: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga - Microestruturas - 1º Episódio

1ª Seção - Planejamento

Compositivo............................................................................................................................................................93 Tabela 4.6:4: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga - Microestruturas - Entrada Intermediária e Improvisos Planejamento Compositivo.....................................................................................................................................94 Tabela 4.6:5: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga - Microestruturas - 2º Episódio - Planejamento Compositivo 95 Tabela 4.6:6: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga - Microestruturas - Conclusão - Planejamento Compositivo. 95

Índice de figuras Figura 4.1.1: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - Estrutura .............................................................................46 Figura 4.1.2: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - Acorde inicial. cc. 1-3 ........................................................47 Figura 4.1.3: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Tema original em Fá menor ....................................................48 Figura 4.1.4: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - Estrutura rítmica da frase inicial .......................................48 Figura 4.1.5: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - Frase inicial - Palíndromo. .................................................49 Figura 4.1.6: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - 2ª. Seção. cc. 15-19. ...........................................................50 Figura 4.1.7: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio – c.20 – 3ª seção - acorde híbrido ........................................51 Figura 4.1.8: Figura 4.8: Bachianas Brasileira nº 9 - Prelúdio - 3ª. seção. PC: Ponto culminante. cc. 21-27 .....51 Figura 4.1.9: Bachianas Brasileira nº 9 - Prelúdio .............................................................................................52 Figura 4.1.10: Bachianas Brasileira nº 9 - Prelúdio - 4ª seção. cc. 28-33. ............................................................53 Figura 4.1.11: Bachianas Brasileira nº 9 - Prelúdio - 5ª. seção. cc. 34-37. ...........................................................54 Figura 4.3.1: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - Acorde Inicial – Transcrição. cc.1-4 .................................60 Figura 4.3.2: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - 1ª seção - Transcrição - 1ª exposição. cc. 5-10. .................61 Figura 4.3.3: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - 2a. seção – Transcrição. .....................................................62 Figura 4.3.4: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - 3ª seção – Transcrição. cc.23-26. .......................................63 Figura 4.3.5: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - 4ª seção – Transcrição. cc. 31-36. .....................................64 Figura 4.3.6: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - 5ª seção – Transcrição. cc. 37-40. ......................................65 Figura 4.4.1: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Sujeito - Fá dórico ...................................................................68 Figura 4.4.2: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Tema - Estrutura rítmica ........................................................68 Figura 4.4.3: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Tema - operação de translação rítmica e reflexão das alturas .68 Figura 4.4.4: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Contra Sujeito ..........................................................................69 Figura 4.4.5: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 1ª seção - Variações do sujeito e contra sujeito. cc. 29 e 30. .............................................................................................................................................................70 Figura 4.4.6: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 2ª seção - 2ª variação do sujeito. cc. 33 e 34. . .71 Figura 4.4.7: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 3ª seção - Fragmentos da variação do sujeito . .72 Figura 4.4.8: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 4ª seção - Ponto culminante. cc. 45 e 46. ........74 Figura 4.4.9: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 4ª seção - 2º Contra Sujeito. ..............................74 Figura 4.4.10: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 4ª seção – cc. 45 - 50 - Progressão e cadência .74 Figura 4.4.11: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 5ª seção - cc. 51 - 55 .......................................75 Figura 4.4.12: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Entrada intermediária – Tema transitório. cc. 56 e 57 ..........76 Figura 4.4.13: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Entrada Intermediária - resposta – violas. cc. 58 e 59. ..........77 Figura 4.4.14: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Entrada Intermediária - resposta – violas. cc.60 - 64. ...........77 Figura 4.4.15: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Entrada Intermediária - cc. 69 - 71. .......................................77 Figura 4.4.16: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 2º Episódio - Sujeito condensado. cc. 72 -74 ........................78 Figura 4.4.17: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga -2º Episódio - Frase Ascendente. cc. 78 e 79. ........................78 Figura 4.4.18: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga -2º Episódio - Citação de outras Bachianas. cc. 80 e 81. .........79 Figura 4.4.19: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 2º Episódio - Citação: Bachianas nº 1 (Embolada). cc. 79 - 81. .................................................................................................................................................................................79 Figura 4.4.20: Bachianas Brasileiras nº 1 - Introdução (Embolada) - cc. 255. ....................................................79

11 Figura 4.4.21: Bachianas Brasileiras nº 2 - Preludio O Canto do Capadócio. c. 15 .............................................79 Figura 4.4.22: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Conclusão. cc. 82 - 84. ..........................................................81 Figura 4.4.23: Brasileiras nº 9 - Fuga - Conclusão - Citação Bachianas nº 3, 4 e 7. cc. 82 -84. ...........................82 Figura 4.4.24: Bachianas Brasileiras nº 3 - Prelúdio (Ponteio) – cc. 26 -29. ........................................................82 Figura 4.4.25: Bachianas Brasileiras nº 3 - Fantasia (Devaneio) – cc. 45-50 .......................................................83 Figura 4.4.26: Bachianas Brasileiras nº 3 - Ária (Modinha). cc. 35 e 36 ..............................................................83 Figura 4.4.27: Bachianas Brasileiras nº 4 - Coral (Canto do Sertão) – cc. 26 e 27 ...............................................83 Figura 4.4.28: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Conclusão - 2ª seção - redução da Estrutura melódica. cc. 94 e 95. ..........................................................................................................................................................................85 Figura 4.4.29: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Conclusão - 2ª seção - Nota Mi, configurando o modo Maior. c. 96. ......................................................................................................................................................................86 Figura 4.4.30: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Conclusão - 2ª seção - Cadência final. cc. 97 - 99. ...............86

Sumário 1 Introdução.............................................................................................................................13 2 Metodologia..........................................................................................................................22 3 Heitor Villa-Lobos................................................................................................................23 3.1 A Juventude de Heitor Villa-Lobos................................................................................24 3.2 Formação musical...........................................................................................................25 3.3 A transição entre os séculos XIX e XX no mundo.........................................................26 3.4 A transição entre os séculos XIX e XX no Brasil...........................................................29 3.5 Heitor Villa-Lobos, a fase inicial do compositor............................................................30 3.6 Paris: a primeira vez........................................................................................................32 3.7 Paris: a segunda vez........................................................................................................34 3.8 As Bachianas Brasileiras.................................................................................................36 4 Bachianas Brasileiras nº 9 – Modelagem Sistêmica.............................................................39 4.1 Análise das Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio – Vagaroso e Místico.......................46 4.2 Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Modelagem Sistêmica......................................55 4.3 Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Planejamento Compositivo – Transcrição.......57 4.4 Análise das Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Pouco Apressado................................66 4.5 Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Modelagem Sistêmica..........................................87 4.6 Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Planejamento Compositivo....................................91 5 Conclusão..............................................................................................................................96 6 Bibliografia...........................................................................................................................99 7 Anexos - Partituras da Transcrição....................................................................................101

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1 Introdução 2014, ano em que completo a minha graduação de bacharel em música, com ênfase em composição, completo também 23 anos de atuação como músico profissional e aproximadamente 18 anos da minha primeira composição. Ao longo destes anos atuando como contrabaixista, compositor e professor, sempre estive atento à história da música brasileira e do jazz, meus principais campos de atuação, e da música de outras nações, procurando assimilar desde os seus elementos mais básicos, como também conhecer as suas produções mais contemporâneas. A música erudita também esteve presente em meu ideário, cujos alguns elementos procurei utilizar, de forma empírica e autodidata, em algumas composições minhas. A elaboração deste projeto veio ao encontro dos meus anseios e convicções musicais que são os de produzir uma música contemporânea instrumental e brasileira, aberta à influências de outras culturas, característica própria da nossa cultura. Este projeto propõe analisar refletir e estabelecer processos de hibridação da peça erudita,

Bachianas Brasileiras Nº 9 (Prelúdio e Fuga) de Heitor Villa-Lobos, com a

linguagem da música instrumental brasileira. Através da contextualização histórica, análise musical, organização das informações através da Modelagem Sistêmica e de um Planejamento Compositivo,

o resultado final desta

pesquisa será uma transcrição da peça que é

originalmente escrita para orquestra de cordas, para um quinteto instrumental, cuja formação será bateria, piano, contrabaixo acústico, saxofone e trompete, com propostas formais, harmônicas, rítmicas e interpretativas típicas da música instrumental brasileira, através de uma escrita musical que possibilite uma maior liberdade de interpretação. Quais as definições de música instrumental brasileira? Quais as definições de música erudita? Quais as diferenças entre os estes gêneros? E quais as definições de processos de hibridação? Como as Bachianas Brasileiras de Heitor Villa-Lobos é uma obra reconhecidamente do universo da música erudita e o título deste trabalho é “PROCESSOS DE HIBRIDAÇÃO COM A MÚSICA INSTRUMENTAL BRASILEIRA”, as questões acima, são as primeiras que veem à tona e serão discutidas no presente trabalho. Música instrumental brasileira, música popular instrumental brasileira, música instrumental ou jazz brasileiro? Acácio Tadeu de Camargo Piedade discorre em diversos momentos e sobre diferentes aspectos sobre qual a melhor terminologia a ser utilizada, aparentemente preferindo utilizar o termo música instrumental para designar todas as músicas

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instrumentais brasileiras, pelo fato de ser este o termo utilizados por músicos e ouvintes do gênero. Sobre o termo jazz brasileiro, Marina Beraldo Bastos, em conjunto com o autor diz: Este último termo pode sugerir que a música instrumental seja uma adaptação nacional do jazz norte-americano, o que absolutamente não confere. Ao contrário, a música instrumental exibe uma configuração estável como gênero da música popular brasileira, embora seja parte do jazz global principalmente pelo espírito de liberdade de criação e improvisação (PIEDADE, 2003; ATKINS, 2003). Nesta perspectiva, a música instrumental pode ser chamada de jazz brasileiro (empregaremos ambas as designações como sinônimos). (BASTOS; PIEDADE, 2007, p.1).

Porém, como o próprio autor diz em seu artigo Jazz, música brasileira e fricção de musicalidades, entende-se por música instrumental enquanto não canção: Mas esta via desvia-se igualmente do caminho da “música pura”, defendido pelo menos desde Hanslick (1992, [1854]): a música “em si”, neutra e independente de processos socioculturais . A compreensão da música instrumental depende da descoberta de seus nexos “musico culturais”, daí a necessidade de uma atenta análise musical que inclua o olhar para a cultura e para o discurso. (PIEDADE, 1997, p.198).

É desta “... atenta análise musical que inclua o olhar para a cultura...” que vou utilizar o termo Música Instrumental Brasileira - MIB, durante este trabalho, afim de diferenciá-la das demais músicas instrumentais, de outras culturas, mesmo admitindo ser um termo ainda muito genérico. Em relação à música erudita, apesar deste gênero abranger tanto música instrumental, quanto música lírica, este projeto focará apenas a música erudita com característica instrumental, sem letra, poema ou declamações; podendo, no entanto, conter voz humana emulando um instrumento musical, emitindo sons (vocalizes) ou efeitos sonoros. É muito comum haver uma distinção entre os gêneros instrumental brasileiro e erudito, como em publicações especializadas, enfoque dos cursos de música, classificação de compositores e suas obras, os ambientes mais típicos onde esses gêneros são encontrados; ou à quais classes sociais tais músicas são dirigidas ou consumidas. entre outros exemplos. Porém apresentar definições claras e estanques sobre os dois estilos de música, parece ser uma tarefa extremamente difícil, para não dizer infrutífera, pois as buscas sobre estas definições, na literatura especializada, jogam mais sombra do que luz sobre o assunto, pelo simples fato de que a linha que separa os dois gêneros ser muito tênue e muitas vezes difusa. Segundo Laura Rónai:

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[...] Paradoxalmente, quanto mais se tenta enxergar esta linha, quanto mais a ela se aplica uma lente de aumento, tanto mais ela parece sair do foco. Talvez esteja na hora de desistirmos de achar uma resposta categórica para a questão, e partirmos para a formulação de novas e excitantes perguntas. (RÓNAI, 2008/2009, p. 9).

Uma confusão muito comum ocorre também quando se utiliza o termo música clássica, em vez de erudita, para definir a qualidade e importância da obra em relação ao seu reconhecimento pelo público ou pelo alto nível de elaboração, ignorando-se que o termo música clássica se refere a um período distinto da história da música, o Classicismo. Como bem lembra Laura Rónai: […] existem “sambas clássicos”, “choros clássicos”, demonstrando, mais uma vez, o equívoco na utilização deste termo. (RÓNAI, 2008/2009, p. 2).

A definição de música erudita quase sempre nos leva a uma ideia de erudição, academicismo, música muito elaborada, em detrimento à música popular, como aquela que se origina no povo, no empirismo, simples e de fácil assimilação. No entanto, podemos verificar que gêneros da MIB, tal como o jazz, vem sendo objeto de estudos acadêmicos há mais de 80 anos em cursos superiores como na Berklee College of Music, fundada em 1945, ou na Manhattan School of Music, fundada em 1917, por exemplo. No Brasil, o estudo da música popular, contexto no qual se enquadra a MIB, vem aumentado nos meios acadêmicos, principalmente a partir da década de 1980, colocando em xeque o argumento de que a música erudita tem exclusividade na academia. (NAPOLITANO, 2002, p. 8). Quanto à questão da maior elaboração ou virtuosismo na música erudita também há controversas, pois quando comparamos a obra de Erik Satie ou as valsas de Strauss, com as obras de Hermeto Pascoal, John Coltrane ou Ernesto Nazareth, chegaremos a conclusão de que este não seria um bom argumento para se diferenciar erudito de popular, pois existe maior ou menor elaboração em ambos os gêneros. Outro aspecto comumente utilizado para diferenciar tais gêneros é o da improvisação, ou da maior liberdade que os intérpretes da MIB gozam em comparação às obras e às performances dos músicos eruditos. Historicamente a improvisação sempre esteve presente na música erudita, em maior ou menor grau. A prática do improviso na música erudita teria perdido a importância com o passar do tempo pelo desenvolvimento da escrita musical e o crescimento das formações musicais:

16 Diversos autores admitem que a improvisação começa a desaparecer no Ocidente à medida que o sistema de notação se desenvolve (Iazzetta, 2001; Martin, 2001; Nachmanovich, 1993; Rocha, 2001). Mesmo assim, no período Barroco, apesar de o sistema notacional já estar praticamente consolidado, a improvisação ainda foi muito utilizada. Havia clara intenção de improvisar em música, talvez por força de uma tradição oral que fazia parte do cotidiano musical. (LIMA; ALBINO 2009, p. 99).

No período clássico a improvisação ficou praticamente restrita às cadenzas, mas logo os compositores também passaram a escrever estas seções de suas obras, sendo Beethoven o primeiro a adotar tal procedimento. Gradualmente o espaço para o improviso seria abolido até o serialismo integral do século XX. (Ibid, p. 101) Este será um dos aspectos abordados no processo de hibridação, pois as Bachianas Brasileiras foram compostas nos moldes do que passou a se chamar de Neoclassicismo, não havendo qualquer espaço para improvisação dos músicos. Porém, não só em relação ao improviso que a liberdade na interpretação é um marco diferencial entre estes gêneros abordados. Com o aprimoramento da escrita, as peças musicais passaram, cada vez mais, a ser obras prontas e acabadas, com um código musical fechado a novas ideias harmônicas, rítmicas e estruturais, cabendo aos intérpretes, ou ao arranjador, no caso de uma transcrição para outras formações, reproduzir o mais fielmente possível a ideia original do compositor. Sobre Hibridação Cultural compartilharemos, entre outras, principalmente as ideias de Nestor Garcia Canclini (CANCLINI, 2008, p. XIX), onde as tensões geradas por relações entre culturas e práticas sociais distintas, no nosso caso, a relação entre a música erudita e popular, geram novas culturas e práticas sociais, denominadas híbridas por não haver a sobreposição de uma sobre a outra. Porém estas relações não ocorrem de forma pontual, estanques ou estáticas, mas processos que se desenvolvem de maneira constante e tenaz. Canclini lança o olhar sobre estes Processos de Hibridação, elegendo-os mais importantes do que os próprios resultados culturais híbridos destas relações. Por essas razões, sustento que o objeto de estudo não é a hibridez, mas sim os processos de hibridação. A análise empírica desses processos, articulados com estratégias de reconversão, demonstra que a hibridação interessa tanto aos setores hegemônicos como aos populares que querem apropriar-se dos benefícios da modernidade. (CANCLINI 2008. p. XXII).

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Para o autor, o pós modernismo ganhou muita força no contexto latino americano, por conter características muito próximas ao próprio processo de formação destas sociedades, pois a hibridação seria uma prática constante nas relações latino americanas: Hoje, concebemos a América Latina como uma articulação mais complexa de tradições e modernidades (diversas, desiguais), um continente heterogêneo formado por países onde, em cada um, coexistem múltiplas lógicas de desenvolvimento. Para repensar esta heterogeneidade é útil a reflexão anti evolucionista do pósmodernismo, mais radical que qualquer outra. (CANCLINI 2008, p. 28).

Segundo ainda o autor, estes processos de hibridação são produzidos pela interação de estruturas ou práticas sociais discretas para gerar novas estruturas e novas práticas, geralmente de modo não planejado e imprevisto, fruto da criatividade individual ou coletiva, buscando reconverter um patrimônio artístico, cultural, tecnológico ou um conjunto de saberes e técnicas, para reinseri-lo em novas condições culturais, de produção e mercado. (Ibidem 2008, p. XXII).

Com fenômeno do pós modernismo que, abrangendo diversas áreas da sociedade, entre elas a ciência, arte, filosofia, política e a cultura, esse processo se intensificou, resultando em novos conceitos, onde a barreira entre erudito e popular ficou muito mais tênue, senão completamente eliminada e, uma vez que o pós modernismo é: “[...] um fenômeno contraditório, que usa e abusa, instala e depois subverte, os próprios conceitos que desafia.” (HUTCHEON 1995, p.19 apud PUCCA, 2007, p. 70).

Ou ainda: […] um processo ou atividade cultural em andamento, e creio que precisamos mais do que uma definição estável e estabilizante, é de uma ‘poética’, uma estrutura teórica aberta, em constante mutação, com a qual possamos organizar nosso conhecimento cultural e nossos procedimentos críticos. (HUTCHEON, 1995: 32 apud PUCCA, 2007, p.70).

A busca e readaptação de elementos musicais de universos diversos tais como erudito, popular, folclórico ou étnico, tem sido uma estratégia largamente utilizada desde a transição do século XIX para o XX. Ao longo do tempo, podemos perceber que este foi um processo recorrente, como nos movimentos nacionalistas na música erudita do início do século XX, onde alguns compositores foram buscar elementos das músicas folclóricas de suas nações, com o intuito de romper com o pensamento musical germânico dominante até então. Para criar as bases de uma música que expressasse o pensamento e as raízes musicais de seus países, vários compositores procuraram se valer das suas próprias culturas como referência estética e

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musical, afim de expressar verdadeiramente os valores culturais de suas nações. Dentro deste movimento, denominado Modernismo, que será mais detalhado durante a elaboração deste projeto, principalmente em relação à trajetória da carreira de Heitor Villa-Lobos, houveram várias tendências tais como: impressionismo, expressionismo, dodecafonismo, atonalismo, entre outros; cujos aspectos podem ser conferidos nas obras de outros compositores, de diversas nacionalidades: Béla Bartók (Hungria), Igor Stravinsky (Rússia) , Manuel de Falla (Espanha) e Arnold Schoenberg (Alemanha), como exemplo. Na MIB o mesmo ocorreu, e ainda ocorre, tanto na busca de elementos folclóricos, o que fica muito claro na presença da enorme diversidade rítmica brasileira, que os compositores deste gênero exploram, bem como na utilização de técnicas e conceitos do universo erudito, seja na forma, harmonia, desenvolvimento melódico, dodecafonismo, texturas sonoras etc. Tais exemplos podem ser verificados nas obras de Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Grupo Uakti, Grupo Pau Brasil, Aquilo del Nisso e Arrigo Barnabé, por exemplo. Ainda na MIB, Acácio Tadeu de Camargo Piedade cunha o termo “Fricção de musicalidades”. (PIEDADE, 1997, p. 21). Inspirado na teoria de fricção interétnica, de Roberto Cardoso de Oliveira (1964, 1972), para analisar a relação entre um estilo do gênero da música instrumental brasileira, que o autor denomina jazz brasileiro, e o jazz norte americano. O conceito de fricção interétnica muda o foco da transmissão, aculturação ou assimilação para a interação continuada de duas sociedades. Piedade também utiliza o termo “paradigma be bop” onde procura demonstrar como o jazz, sendo uma linguagem internacional e multicultural, permite que músicos de países diferentes dialoguem e compartilhem de uma linguagem em comum. Segundo o autor, o jazz brasileiro, ao mesmo tempo que canibaliza o “paradigma be bop”, procura se afastar do mesmo, através da autoafirmação da musicalidade brasileira, de forma dialética. (PIEDADE, 1985, p.199). Em meados do século XX verificamos outro movimento semelhante que é o Third Stream, termo cunhado pelo compositor Gunther Schuller, no início da década de 1960, em referência a um tipo de música com elementos eruditos e do jazz. Neste caso este movimento proporcionou uma espécie de hibridismo musical de acordo com o próprio pensamento pós moderno. Segundo Schuller, a melhor definição do é Third Stream seria definindo o que ele não é: 1

Não é jazz com violinos;

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Não é jazz tocado com instrumentos “clássicos”;

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3

Não é música 'clássica' executada por músicos de jazz;

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Não é a inserção de uma condução rítmica do Bebop em uma peça de Ravel ou Schoenberg, nem o contrário;

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Não é jazz em forma de fuga;

6

Não é uma fuga com uma reinterpretação de jazzistas;

7

Não é a substituição de nenhum dos estilos, mas a liberdade de criação com elementos de ambos ; Schuller(1986, p.120).

A série das Bachianas Brasileiras, de Heitor Villa-Lobos, em si, é um fruto de processos de hibridação, pois o compositor busca reconverter características estilísticas da obra de Bach, adicionando elementos e imagens da cultura brasileira onde, em geral, cada movimento possuí dois nomes, um relacionado com a obra do compositor alemão e outro ligado à música brasileira: Ária (Cantiga), Dança (Miudinho) e Coral (Canto do Sertão), por exemplo. A readaptação de obras do compositor Heitor Villa-Lobos para o universo popular, tanto no âmbito da MPB, como na MIB não é nenhuma novidade. Temos na discografia nacional vários exemplos da obra de Villa-Lobos vertida para este gênero, tais como o choro ou de caráter experimental,em alguns discos com repertório exclusivamente com obras de Villa-Lobos: Egberto Gismonti em “Trem caipira”, o grupo Rabo de Lagartixa em “O papagaio do moleque”, Amilton Godoy e Gabriel Grossi em “Villa-Lobos Popular”, Bruce Henri em “Bruce Henri & Villa's Voz – Um novo olhar sobre a obra de Villa-Lobos” e Cyro Baptista em “Vira Loucos”, entre outros. Assumindo a postura de Canclini, mais do que o resultado final, este projeto visa refletir sobre os possíveis processos de hibridação não só entre dois gêneros musicais distintos, mas também de culturas também diferentes, uma vez que a série das Bachianas Brasileiras, apesar de ser uma criação de um compositor brasileiro, é uma obra baseada na estrutura e estética da obra de Bach, em formato de Fuga, técnica levada às últimas consequências pelo compositor alemão. Essa reflexão sobre o objeto da pesquisa, a Bachianas Brasileiras nº 9 (Prelúdio e Fuga), procurará, através de uma transcrição, sistematizar um novo processo de hibridação, desta vez utilizando elementos da MIB que, por sua vez, teve e continua tendo

forte

influência do jazz norte americano e do jazz europeu, nos aspectos compositivos e interpretativos, tal como a utilização do improviso, além das músicas e culturas africanas e

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indígenas, cujos aspectos rítmicos e religiosos foram marcantes na construção da cultura musical brasileira. Uma vez identificado os aspectos divergentes e comuns de tais gêneros musicais, uma vez compreendidas quais as características são mais marcantes e fundamentais em cada um destes, elaborar processos de hibridação que possam, na medida do possível, conduzir a um novo produto musical que, em vez de negar ou priorizar uma cultura em detrimento de outra, se valer das tensões produzidas através do diálogo entre elas. Assim, ao longo deste trabalho, através da análise do objeto do estudo, novas questões rítmicas, harmônicas, estruturais e estéticas serão propostas para a elaboração da transcrição, onde escrita musical deverá proporcionar aos músicos maior liberdade na interpretação e abrir espaço para a improvisação, condutas essenciais para a execução da MIB. A Modelagem Sistêmica, originária da Teoria Geral dos Sistemas (BERTALANFFY, 2008), propõe fazer um levantamento dos aspectos compositivos de uma obra afim de delinear um modelo ou protótipo de um hipotético sistema composicional adotado pelo compositor. De acordo com Moraes, o objetivo da aplicação deste procedimento é ‘produzir uma nova composição que herde características Sistêmicas isomorficamente relacionadas ao original’ (MORAES P.; PITOMBEIRA L., 2013). Para realizar o levantamento de tais aspectos compositivos serão utilizadas técnicas e ferramentas analíticas consagradas e pertinentes ao gênero da peça origina, as Bachianas Brasileiras nº 9, entre elas: Counterpoint in the style of J.S. Bach, de Thomas Benjamin, para as definições e conceitos referentes à Fuga, no contexto da produção de J.S. Bach. A questões relativas às análises harmônicas serão utilizados os livros: •

Harmonia de Arnold Schoenberg (Ed. UNESP, 1999);



Introdução à teoria Pós Tonal de Joseph N. Straus (UNESP, 2012).

Para a transcrição, também nas questões harmônicas, serão utilizados os seguintes autores: •

Chord Scale Theory & Jazz Harmony (Advance Music, 1998) de Richard Graf e Barrie Nettles;



Beyond Functional Harmony. (Advanced Music, 1998) de Wayne Naus;



Contemporary Harmony. Advanced Music, 1994 de Ludmila Ulehla;



Jazz composition. (Berklee Press, 2003) de Ted Pease;

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Utilizaremos como uma das fontes principais de informações sobre as Bachianas Brasileiras nº 9, o trabalho de Fredi Vieira Gerling: Performance Analisys and analisys for performance – A Study of Villa-Lobos's Bachianas Brasileiras n° 9. Quanto à vida e principalmente à obra de Villa-Lobos, vamos nos basear em vários artigos, dissertações, teses e publicações. Através de uma imersão no pensamento acadêmico sobre o compositor, pretendemos buscar subsídios para compreender e contextualizar sua trajetória, escolhas e decisões artísticas, sociais e políticas. Destacamos os autores Paulo Renato Guérios, com o seu livro Heitor Villa-Lobos: o caminho tortuoso de um predestinado e Paulo de Tarso Salles em Villa-Lobos: processos composicionais, entre vários outros, que muito contribuíram para este trabalho, presentes nas referências bibliográficas.

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2 Metodologia Como abordado na introdução do presente trabalho, os gêneros musicais erudito e instrumental brasileiro possuem diferentes abordagens, tais como na esfera compositiva, na escrita musical,

na postura e conduta dos intérpretes em relação à obra. Assim os

procedimentos a serem adotados no desenvolvimento, para a reflexão e elaboração dos processos de hibridação deste projeto deverão obedecer às seguintes etapas: O primeiro passo deste trabalho terá um caráter biográfico afim de, através da história de Heitor Villa-Lobos, buscar elementos

que nortearam o seu pensamento musical,

principalmente para contextualizar o período no qual o foram compostos os movimentos da série As Bachianas Brasileiras. O segundo passo será elaborar a Modelagem Sistêmica, através da análise técnica musical do objeto deste estudo, afim de compreender seus aspectos tanto macroestruturais quanto microestruturais. Nesses dois aspectos serão analisados os seguintes parâmetros: Forma, Instrumentação, Estrutura rítmica, Estrutura harmônica e Estrutura melódica. De posse dos dados obtidos com a Modelagem, o terceiro passo será elaborar um Planejamento Compositivo, propondo novas abordagens rítmicas, harmônicas e instrumentais sem,

no entanto, perder a relação com o objeto estudado. Delineando previamente as

decisões a serem tomadas durante a realização da transcrição. A quarta etapa será a realização da transcrição da peça, conforme os moldes previstos no Planejamento Compositivo, etapa esta onde serão realizadas constantes reavaliações do planejamento afim de garantir coerência e organicidade no resultado musical final. O objetivo principal a ser alcançado ao final deste trabalho será propor uma visão interpretativa original sem, no entanto, perder a relação com o objeto estudado.

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3 Heitor Villa-Lobos Em 5 de março de 1887, nascia Heitor Villa-Lobos, o primeiro homem dos oito filhos de Raul Villa-Lobos e Noêmia Villa-Lobos. Apesar de ter uma origem humilde, Raul VillaLobos, filho de imigrantes espanhóis, conseguiu obter uma excelente educação graças ao apadrinhamento de Alberto Brandão, pessoa com muita influência na elite do Rio de Janeiro e fundador de um conceituado colégio, que levava o seu nome, na cidade de Vassouras. Os estudos no Colégio Alberto Brandão deram a Raul uma sólida formação erudita, o que possibilitou conseguir um emprego na Biblioteca Nacional, via concurso público, sendo a única maneira de ingressar na elite para alguém que não era do meio ou apadrinhado por alguém dele. (GUÉRIOS,2009. p.62). Segundo o historiador norte-americano

Jeffrey Needell (1987), em seu livro, A

tropical belle époque: elite culture and society in turn-of-the-century Rio de Janeiro, onde pesquisou as pessoas influentes no cenário político e cultural da cidade do Rio de Janeiro, portanto a elite da capital brasileira da época, constatou um número de aproximadamente 500 pessoas. (JEFFREY NEEDEL, 1987, p. 237, apud GUÉRIOS, 2009, p.60). De acordo com o censo de 1900, a população da capital brasileira era de 746.749 pessoas! O que demonstra o quanto era exclusiva e excludente a elite carioca naquela época, padrão que parece permear a história brasileira até os dias de hoje.1 Além do trabalho na Biblioteca Nacional, Raul Villa-Lobos escreveu alguns livros de assuntos diversos (didáticos, história e traduções) e, dentre essa diversidade, um interesse seria fundamental para o futuro de Heitor: a música, pois era sócio do Clube Sinfônico, onde tocava violoncelo e clarineta. Raul levava o filho a concertos com frequência e aparentemente não economizou esforços para a formação musical de Heitor, sendo responsável pelas primeiras lições inclusive, segundo relato do próprio filho, adaptando uma viola para como um pequeno violoncelo. Raul vem a falecer em 1899, aos 37 anos, vitimado pela varíola, numas das epidemias comuns da época. Como a principal preocupação em vida tinha sido o trabalho e os estudos, sem vocação para os contatos políticos com a elite que o apadrinhamento lhe proporcionara, Raul acaba por deixar a família numa situação financeira crítica, cabendo a sua esposa trabalhar para garantir o sustento dos seus filhos. 1 Synopse do recenseamento – 31.12.1900 - http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv25474.pdf

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3.1 A Juventude de Heitor Villa-Lobos Antes de discorrer sobre a sua juventude, é necessário um breve relato sobre o ambiente artístico e cultural do Rio de Janeiro, no início do século XX, pois será esse ambiente que moldará uma parte significante da visão artística de Heitor Villa-Lobos. Na última década do século XIX alguns escritores viveram uma fase de boêmia, entre eles Raul Pompeia, Aluísio de Azevedo, Paula Nei, Olavo Bilac, inspirados na obra de Henri Murger, criador do ideal da boemia, no seu livro Scènes de la vie de bohéme (1845), que seria utilizado posteriormente por Puccini, na sua ópera La Bohème. Um dos princípios básicos de um boêmio era ter uma vida fora dos padrões convencionais da época, questionando o espirito burguês de então, para atingir os fins artísticos, mesmo que isso acarretasse desconforto e miséria. Ser bem sucedido financeira ou socialmente era sinal de fracasso espiritual ou intelectual. Reencarnando os espíritos dos personagens de Murger, os boêmios cariocas passavam noites regadas a bebidas, poesia, prosa, Shakespeare, música, raparigas, citações em francês e todas as outras coisas que só a boêmia poderia proporcionar, numa espécie de Paris tropical. Havia entretanto um outro grupo de boêmios no Rio de Janeiro, os chorões. Numa época onde não havia discos nem rádios, o choro, gênero musical que foi se desenvolvendo através do tempo, tendo sua origem na Polca, Lundu e Schottiche, os chorões eram muito requisitados nas festas e praças dos subúrbios cariocas, o que acabou por estimular o desenvolvimento e crescimento desse gênero musical. Por ser um grupo diverso dos boêmios literatos, em sua maioria da classe média carioca, os chorões, que vinham das classes menos abastadas se sustentavam por meio de outras atividades. José Ramos Tinhorão fez um censo sobre a ocupação dos chorões dessa época e, dos 285 músicos citados, conseguiu determinar a profissão de 128 e desses, 122 eram funcionários públicos, sendo que 44 trabalhavam nos Correios. De todos os pesquisados, apenas um sobrevivia exclusivamente da música: Catanhede! Os chorões tocavam literalmente em troca de comida e bebida e quando a festa não era muito promissora nesses quesitos, inventavam desculpas para encerrar suas participações o mais breve possível e ao final das festas iam aos botecos onde continuavam tocando até perto do meio dia do dia seguinte.(TINHORÃO, 1991:106, apud GUÉRIOS,2009, p.66). Apesar de não serem vistos com bons olhos pela elite, ocorreram algumas raras concessões e em 1908 e em 1914, Catulo da Paixão Cearense, que já atuava no meio dos chorões desde 1885 se apresentou no Instituto Nacional de Música e no Palácio do Catete, que

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era a sede da República, a convite de Alberto Nepomuceno. Catulo foi um dos pioneiros dos chorões a serem aceitos pela elite. Segundo seu biógrafo Carlos Maul, Catulo não era considerado um boêmio “de esquina”, pois apresentava-se com seu grupo onde “...todos trajavam fraque e todos eram funcionários públicos, com família constituída e muitos com diplomas do Instituto Nacional de Música”. (MAUL, 1971, 119, apud GUÉRIOS, 2009, p.69) Apesar de não se saber exatamente quando e qual a intensidade dos contatos de VillaLobos com os chorões, nessa fase da vida, ele pertencia ao mesmo extrato social deles e trabalhava como músico na mesma cidade, além do fato de ter se dedicado muito ao violão, instrumento típico do choro, porém de pouco uso no repertório erudito da época, representando talvez uma prova de tal contato.

3.2 Formação musical Tendo ido até os estudos secundários, mesmo assim um privilégio para a época, em 1904, aos 17 anos de idade Villa-Lobos se inscreve no Instituto Nacional de Música., para ter aulas de violoncelo, no curso noturno da instituição. Os dados sobre essa passagem no Instituo são controversos, pois apesar de haver uma ficha de inscrição de Villa-Lobos, datada de 1904, nesse mesmo ano o curso noturno foi suspenso pelo novo diretor, Henrique Oswald, deixando de constar nos registros de alunos regularmente inscritos até 1914. Segundo depoimento do próprio compositor, ele teria deixado o curso por não se adaptar às exigências e amarras de Frederico Nascimento, austero professor de harmonia, sendo que a falta de registros exatos não impedem a hipótese de que Villa-Lobos tenha voltado ao curso, na condição de ouvinte. (MARIZ, 1982, 36, apud GUÉRIOS, 2009, p.73) Em 1908, Heitor se muda para Paranaguá, no Paraná, sendo que a hipótese mais plausível da mudança seja a procura de trabalho, devido a escassez de vagas na Capital, devido ao forte fluxo migratório para o Rio de Janeiro. Logo em junho de 1909 retorna ao Rio, decidido a dedicar-se exclusivamente à música, participou de uma apresentação ao violoncelo no Instituto Nacional de Música, sendo acompanhado por Ernesto Nazaré. Em 1912 parte em viagem pelo Norte e Nordeste como violoncelista da orquestra do maestro Luiz Moreira. Nessa viagem Villa-Lobos aproveita para também se apresentar por conta própria como atração principal no Teatro Amazonas ou acompanhando cantores no Teatro da Paz, em Belém. (GUÉRIOS, 2009, p.77).

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Aparentemente são apenas estes os relatos sobre a formação musical de Villa-Lobos: a iniciação dada pelo pai, o contato com a sua tia Hermínia, que aparentemente o apresentou a obra de Bach, uma participação não formal e inconstante no Instituto Nacional da Música e o contato com os chorões. Essa falta de formação “clássica” fez com que Villa-Lobos não sofresse restrições dos modelos acadêmicos, assim como os seus pares contemporâneos e antecessores que foram estudar na Europa, aliada à sua personalidade e grande parte de autodidatismo, proporcionou

o desenvolvimento de uma visão de ruptura e de leitura

particular da sua arte. (MARIZ, 2011, p.37). Uma atenção à parte deve ser dedicada às viagens de Villa-Lobos para uma suposta pesquisa e coleta de material folclórico para a sua obra. A cronologia destas viagens é muito conflitante e, segundo Vasco Mariz: “O Villa tinha grande imaginação, inventava fatos e acabava, com o tempo, acreditando neles” (MARIZ, 1989a:40 apud GUÉRIOS, 2009, p.33).

Segundo Guérios, nos arquivos no museu Villa-Lobos existem vários documentos de programas que se referem à canções indígenas utilizadas por Villa-Lobos que teriam sido recolhidas por outros etnólogos, porém não há qualquer referência ou anotação de material recolhido pelo próprio compositor em seus arquivos pessoais, como num artigo dele no jornal O Paiz, onde cita matérias recolhidos por Jean de Léry e Fritz Krauze, mas nenhum próprio.

3.3 A transição entre os séculos XIX e XX no mundo Com o surgimento de uma necessidade, em países diferentes, em criar uma música que valorizasse os aspectos nacionais, vários compositores se valeram do folclore de seus respectivos países para conseguir de fato essa diferenciação. Essa necessidade surgiu devido mais por aspectos políticos que culturais, se desenvolveu numa trama de fatos que atravessaram todo o século XIX. Os primeiros a desafiarem a estética estabelecida foram os Russos, através de Mikhail Glinka (1804-57), na sua ópera A vida do Czar. A Igreja ortodoxa russa não permitiu o uso de instrumentos musicais na música sacra do século III ao XVII, fazendo com que a evolução musical russa ficasse estagnada

desde a música Bizantina. Apenas em 1730 é que as

primeiras companhias italianas, com suas óperas começaram a se apresentar no país. Assim, ao que parece, o russos saíram de uma grande hibernação e aparentemente com uma

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necessidade de criar uma identidade nacional. Após os primeiros passos de Glinka, surgiu o grupo dos cinco, formado por Mily Balakirev, Alexander Borodin, Modest Mussorgsky, César Cui e Nikolay Rimsky-Korsakov. Todos tinham a música como atividade paralela, porém capazes de dar as bases para uma escola russa, em detrimento das escolas italiana, francesa e germânica, tanto que influenciaram os principais nomes das gerações seguintes. A atitude nacionalista que, como dito acima, teve como origem mais política que musical, ganhou uma conotação de representação social,

autoafirmação da soberania

nacional, aspectos estes alimentados e explorados politicamente. Mas não era apenas na periferia do centro do mundo musical, Itália, França e Alemanha, que a estética musical vigente viria a ser debatida e questionada. Richard Strauss e Gustav Mahler, dois ícones da música austro germânica, herdeiros diretos de Wagner, deram os primeiros passos para transpor as enormes e quase intransponíveis barreiras da estética Wagneriana. Em 1906. 23 anos depois de morto, Wagner se tornara um colosso cultural. Sua influência se fazia sentir não só na música como também na literatura, no teatro e na pintura [...] Os antissemitas e ultranacionalistas consideravam o Wagner seu profeta particular, mas ele serviu de estímulo a praticamente todos os movimentos políticos e estéticos da época. (ROSS, 2009, p. 26).

Richard Strauss, crescera à sombra de Wagner e apesar de ter herdado do pai, Franz Strauss, trompista da corte de Munique, um desprezo pelo metre e sua obra e ao mesmo tempo que criticava a sua obra, utilizava truques harmônicos do mestre em Salomé. Mahler, com um início de carreira como compositor mais lento que Strauss. A sua Sinfonia n° 1 foi executada pela primeira vez em 1889 e possui aspectos que lembram Zaratrusta de Strauss, bem como O Anel de Libelungo de Wagner: “O projeto de Mahler era fazer pela sinfonia o que Wagner fizera pela ópera: ele iria além de tudo o que havia então.” (ROSS, 2009, p. 28).

Porém, na Viena de Mahler jovens músicos surgem com questionamentos estéticos mais intensos e que viriam levar a música germânica mais adiante ainda. Arnold Schoenberg e seus discípulos. Praticamente autodidata, Schoenberg aprendeu a tocar vários instrumentos sozinho e com conhecimento teórico adquirido através de assinatura de uma enciclopédia e algumas poucas aulas com Alexander Zemlinsky, que vinha da linha de Strauss e Mahler, trabalhou como bancário antes de conseguir se dedicar totalmente à música, trabalhando como diretor

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musical de revistas de cabaré e professor de composição. Após um anúncio em busca de alunos, alguns jovens entraram em contato com ele e, entre eles, Anton Webern e Alban Berg. Schoenberg frequentou a casa de Mahler que ora ficava fascinado com o jovem, ora o chamava de fedelho convencido. (ROSS, 2009, p. 61). Paris, com sua vocação para a vanguarda, já na segunda metade do século XIX estava plantada a semente do que viria a ser chamado de modernismo, através da obra de Baudelaire e Mallarmé. Debussy, inspirado em Mallarmé, escreveu ao amigo Ernest Chausson, em 1893: A música deveria na verdade ser uma ciência hermética, resguardada em textos de decifração tão difícil e trabalhosa que desencoraje o rebanho daqueles que a tratam com a mesma falta de cerimônia que dedicam a um guardanapo! Eu gostaria de ir além e, em vez de difundir a música entre o populacho, proponho a fundação de uma 'Sociedade do Esoterismo Musical. (ROSS, 2009).

Debussy estudou no Conservatório de Paris e em seu tempo livre leu sobre ocultismo, sabedoria oriental, ordem cabalística da Rosa Cruz. Sendo isso determinante ou não, Debussy sempre procurou fontes por uma linguagem não wagneriana tanto que acabou viajando para o Taiti, ficando marcado por uma peça teatral vietnamita e por um conjunto gamelão javanês. Fez analogias musicais com a poesia, a pintura e chegou ao limiar do atonalismo logo no início da carreira com o uso da escala de tons inteiros, uma de suas marcas registradas. (ROSS, 2009, p. 91).

Surge então a corrente posterior a Debussy, chamada “a segunda vanguarda”, cujo objetivo era trazer arte de volta para o mundo físico, tirando das esferas faustianas. Béla Bartók, na Hungria, Stravinsky na Rússia, Leos Janácek na República Tcheca, Manuel de Falla na Espanha, entre outros, retomam a ideia de buscar inspirações folclóricas e pré-urbanas, numa tentativa de se livrarem dos conceitos estéticos germânicos. Cabe lembrar que se a segunda metade do século XIX, marcada pela unificação alemã e suas guerras, deixou o mundo preocupado com o poder e as intenções alemãs, o início do século XX, a primeira tentativa de implantação da supremacia germânica estava literalmente em curso e já não era apenas um fantasma e esse foi um dos ingredientes principais do refortalecimento da questão do nacionalismo dos principais países da Europa e do Mundo. Como não podia deixar de ser, em algum momento o Brasil não ficaria imune a esse movimento.

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3.4 A transição entre os séculos XIX e XX no Brasil.

Aos poucos, durante o Império, começou-se e se expressar no Brasil uma necessidade de afirmação nacional. Em 20 de maio de 1860, em um artigo na Revista Dramática, o editor saiu em defesa da instituição de uma Ópera Nacional: “... como podemos ser considerados uma nação se não possuímos todos os caracteres distintivos que asselam a categoria de um povo e o revestem da dignidade que lhe convém?” (GUÉRIOS, 2009, p. 101).

Em 1857 foi estabelecida a Imperial Academia de Música e Ópera Nacional, com a missão de fomentar a ópera no Brasil. A sua existência foi efêmera, pois além de seguidas denúncias de corrupção e desvios, foi marcada pela falta de estrutura, mão de obra qualificada e falta de suporte intelectual, pois não haviam compositores preparados ou imbuídos pelo tema. Dessa época, o único compositor que ficou conhecido foi Carlos Gomes, que conseguindo apoio do Império, foi estudar na Europa, onde acabou por aderir totalmente à estética da ópera italiana. Assim, os poucos compositores que dispusessem de recurso ou auxílio do Império seguiam para a Europa e raramente voltavam para o Brasil, a não ser para se apresentar. Com a proclamação da República em 1889, o Imperial Conservatório de Música do Rio de Janeiro fundado em 1841, deu lugar ao Instituto Nacional de Música, trazendo uma reestruturação profunda e um mínimo de consistência. As atuações de Leopoldo Miguéz e Alberto Nepomuceno, trouxeram uma “modernização” estética, com concepções alemãs wagnerianas e francesas de Saint-Saëns que, apesar de não refletir necessariamente uma modernização, era um alento ao atraso que o país vivia nessa área. (GUÉRIOS, 2009, p.108). Durante muito tempo ocorreu embates e disputas políticas entre o grupo de Miguéz, “modernizador” e outro grupo formado por músicos da antiga estrutura e outros de inspiração na estética italiana. Alberto Nepomuceno, que teve sua iniciação musical no Brasil e posteriormente foi para a Europa estudar, às próprias custas e com ajuda de amigos, foi convidado por Miguéz para dar aulas de órgão no Instituo Nacional. Este convite rendeu a Nepomuceno um bolsa para aperfeiçoamento no conservatório de Paris e em 1985 retornou ao país trazendo na bagagem uma formação sólida, influência de Wagner, partituras francesas e russas, do Grupo dos Cinco. (BARBOSA, 1940:24 apud GUÉRIOS, 2009, p.110).

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Logo que chegou ao Brasil, Nepomuceno compôs a Série Brasileira, já tendo em mente o projeto nacionalista que todos aguardavam. Porém os diversos compromissos gerados pelo cargo no Instituto, desgastes com brigas internas causaram um grande desgaste que, mesmo assumindo a direção em 1902, acaba se afastando para voltar apenas em 1906, quando obteve aval para comandar com mais poderes a instituição. Apesar de não ser reconhecido como um compositor genuinamente nacional, Nepomuceno teve grande influência para tal e uma visão exata dos componentes que faltavam para o impulso o seu desenvolvimento: a falta de educação artística do povo e quase completa falta de pesquisa etnológica que “os elementos de tal ordem que o povo aceite o canto como produto seu.”. (PEREIRA, 1995:197, apud GUÉRIOS, 2009, p.111/112).

Alexandre Lévy seria outro nome com destaca tentativa de produzir uma música nacional, porém sua morte prematura interrompeu uma carreira promissora.

3.5 Heitor Villa-Lobos, a fase inicial do compositor. A fase inicial quando Villa-Lobos começa efetivamente a sua trajetória de compositor tem início em 1914 e vai até 1920. Nesses primeiros anos conquista elogios e críticas típicas de um artista novo. Não houve, como se afirma nos estudos sobre o compositor, nem 'uma tremenda oposição e debates' acerca desses concertos, nem críticas ferozes[...] Somente uma expectativa irreal de consagração imediata – talvez transmitida pelo próprio compositor […] poderia fazer com que se afirmasse ao contrário. (GUÉRIOS, 2009, p. 137)

Assim, o compositor foi aos poucos conquistando o seu espaço, desde a primeira audição exclusiva de suas obras em 1915, no salão do Jornal do Commercio, algumas obras suas incluídas por Alberto Nepomuceno em um concerto da Sociedade de Concertos Sinfônicos, em 1917 e até no primeiro grande concerto em 15 de agosto de 1918, no Teatro Municipal, com apoio da ABI. Esse concerto sim, foi um grande fracasso de público, mas cujo fator principal teria sido uma falta de empenho por parte da associação em divulgar o evento e uma negociação atrapalhada entre o compositor e a ABI. Porém as críticas sobre as obras apresentadas foram animadoras, cabendo ao compositor “apenas” arcar com o desastre econômico. Em 1919 Villa-Lobos foi convidado para substituir Nepomuceno para compor uma obra em homenagem a Epitácio Pessoa, sendo que outras duas seriam encomendadas a J. Octaviano e Francisco Braga.

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Em 1920 Villa-Lobos conheceu o grande pianista Artur Rubinstein, ou melhor, Rubinstein conheceu Villa-Lobos. Nessa, que era a segunda passagem do pianista pelo Brasil, Rubinstein ouviu muitos elogios a Villa-Lobos por parte de alunos do Instituto Nacional de Música e ficou curioso para conhecer o compositor. Tomou a iniciativa e foi até o cinema onde Villa-Lobos trabalhava afim de conhecê-lo. Durante a apresentação, onde o repertório era comum ao de qualquer sala de cinema, um dos músicos percebeu a presença do virtuose na plateia e na segunda parte apresentaram uma peça de Villa-Lobos. Empolgado com o que ouvira, Rubinstein foi até o camarim para conversar com Villa-Lobos e, aparentemente a conversa acabou não fluindo muito bem, talvez por uma insegurança por parte do compositor. Após alguns dias, talvez refletindo sobre o ocorrido, Villa-Lobos organiza uma apresentação particular para o pianista e este fica novamente impressionado. A partir de então Artur Rubinstein começa a apoiar a carreira de Villa-Lobos, seja colocando peças dele em seu repertório regular, ou até mesmo comprando algumas de suas obras. Curiosamente este fato representa bem como os artistas brasileiros eram e ainda são tratados em seu próprio país. Por um lado artistas estrangeiros gozam de todo apoio e estrutura quando veem se apresentar por aqui e, por outro, os artistas nacionais só começam a gozar do reconhecimento local a partir da aprovação de alguém do exterior. E foi assim com Villa-Lobos, pois logo após esse encontro a cantora Vera Janacopoulos apresentou a música de Villa-Lobos a músicos e compositores franceses e russos, que reconheceram a genialidade do compositor e, em 1921, Laurinda Santos Lobo, uma dama da alta sociedade carioca e mecenas de vários artistas, promoveu um concerto de Villa-Lobos e seu apoio foi fundamental para que a elite da sociedade comparecesse ao evento. Laurinda viria a apoiar outro concerto ainda em outubro de 1921. Algum tempo depois, Graça Aranha fora ao Rio de Janeiro para convidar Villa-Lobos para participar da Semana de Arte Moderna, provavelmente por indicação de Mário e Oswald de Andrade, que estavam no capital no dia do concerto, outubro de 1921. O concerto da Semana de Arte Moderna foi o primeiro de Villa-Lobos fora do Rio de Janeiro. A essa altura de sua carreira o caminho natural seria Villa-Lobos ir para a Europa, ideia que foi encampada por alguns admiradores e questionada por alguns críticos, tanto que o deputado Arthur Lemos enviou ao congresso um projeto prevendo a liberação 108 contos de réis para a realização de 24 concertos de artistas brasileiros nas principais cidades europeias. O projeto foi recusado e, depois de uma emenda aprovada, reduzindo o valor para 40 contos de réis, Villa-Lobos acabou recendo 20 contos de réis, devido a mudança de governo e questões contábeis. Como o valor era insuficiente, vários personalidades proeminentes da

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época organizaram quatro concertos no Rio e quatro em São Paulo para arrecadar fundos afim de complementar a verba necessária. Além dos concertos, pessoas da alta sociedade também contribuíram para a realização deste projeto.

3.6 Paris: a primeira vez. “Eu não vim aqui para aprender, vim mostrar o que fiz”. (GUÈRIOS, 2009, p. 152). É com essa frase de impacto que Villa-Lobos chega a Paris, típica de sua personalidade. Saído do Rio de Janeiro com a fama de um compositor de vanguarda por, entre outras coisa ter utilizado ideias de Debussy, o próprio compositor francês já não era sinônimo de vanguarda. (Ibid, p. 153). A vanguarda francesa agora era representada por Stravinsky, Eril Satie, Picasso, Cocteau, e o grupo dos Seis: Louis Durey, Germaine Tailleferre, Darius Milhaud, Arthur Honneger, Francis Poulenc e Georges Auric. Milhaud, que estivera no Brasil em 1917 e 1919, conheceu brevemente Villa-Lobos, porém não ficou muito empolgado com as obras dos compositores eruditos, Nepomuceno, Henrique Oswald e Villa-Lobos, mas em relação aos músicos populares, muitos elogios. Segundo Milhaud: Seria desejável que os músicos brasileiros compreendessem a importância de compositores de tangos, de maxixes, de sambas e de cateretês como Tupynambá ou o genial Nazareth.[...] (GUÉRIOS, 2009, p. 156)

Chegando em Paris em julho de 1923, Villa-Lobos, que não conhecia nada e ninguém, se valeu dos poucos contatos com artistas brasileiros residentes na cidade para se inserir no meio artístico parisiense. Tarsila do Amaral e seu grupo foram fundamentais para tal inserção. Outro personagem importante foi o pianista Souza Lima, que estava em Paris desde 1919, estudando no Conservatório de Paris. Assim Villa-Lobos foi ficando conhecido, bem como sua obra. Vera Janacopolous incluiu duas peças do compositor em um apresentação onde também interpretou Milhaud, Stravinsky, Fauré e Prokofiev. Em 1924 foi a vez de Tomás Teran interpretar algumas peças da Prole do Bebê e, em um concerto previamente agendado, antes de sua partida para Paris, realizou um concerto em Lisboa, onde apresentou obras de Nepomuceno, Henrique Oswald e as suas Danças Características Africanas, mas é em Abril de 1924, um concerto em especial

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demostra as consequências da estada de Villa-Lobos em Paris: nele a sua obra mais uma vez estaria ao lado de Milhaud e Stravinsky. O Trio para oboé, clarinete e fagote, datado de 1921 por Villa-Lobos, não constava em seu catálogo, provavelmente feito pelo próprio autor em 1923. Villa-Lobos tinha por hábito mudar as datas de suas composições, para anos anteriores, afim de refletir uma ideia de estar sempre estar à frente de seu tempo. (GUÉRIOS, 2009, p. 163). Isso é um grande indício que esta obra tenha sido composta em Paris, pois nela há muitos elementos do obra de Stravinsky, fato até então não percebido em seu repertório e, apesar de Villa-Lobos já conhecer a obra do compositor russo, foi em Paris que teve um maior contato com ela. O mesmo ocorre com o Nonetto, Uirapuru e Amazonas. (Ibid, p. 164). Quando voltou de Paris, foi bem recebido em São Paulo, através de concertos organizados com o aval de Mário de Andrade, porém não muito bem recebido no Rio. Verificou também que o pouco espaço na imprensa, destinado à noticias suas de Paris, fez com que o compositor se sentisse um verdadeiro brasileiro no exterior e um completo estrangeiro em sua própria terra. Agora, além das experiências que a viagem lhe proporcionara, principalmente a influência de Stravinsky, sempre repudiada por Villa-Lobos, o compositor dispunha de um elemento que seus antecessores não dispunham. As obras Histoire d'un voyage à la terre du Brésil, de Jean Lerý e Rondônia, de Roquette-Pinto, continham partituras com transcrições de cantos indígenas. Villa-Lobos consultou tais registros e foi o primeiro compositor erudito a escutar as gravações indígenas e a utilizá-las em composições. Para representar o Brasil musicalmente, Villa-Lobos achava necessário sintetizar a música popular e a música indígena. Fica claro que o Brasil que Villa-Lobos representa em sua música é o Brasil selvagem e exótico – não qualquer Brasil, mas o Brasil concebido pelos parisienses. (Ibid, p. 168).

Assim, o Choro n° 3 mistura a música indígena com a música dos chorões e erudita. No Choro n° 8 inicia com solo de “caracaxá”, instrumento indígena e uma semelhante a dos choros e no Choro n° 10, utiliza o tema “Mokocecê-maká”, retirado de Rondônia, de Roquette-Pinto e ainda, no final, utiliza a melodia do choro Yara, de Anacleto de Medeiros, com letra de Catulo da Paixão Cearense, ficando conhecido com Rasga Coração.

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3.7 Paris: a segunda vez.

Villa-Lobos sentia que precisava voltar a Paris para mostrar a sua evolução, deixando claro, em um artigo para O Paiz, que desejava fazer o mesmo sucesso que Stravinsky fizera. (GUÉRIOS, 2009. p.172). Assim, após uma conversa com Arthur Rubinstein, que estava em sua quarta passagem pelo Rio de Janeiro, queixou-se sobre a sua situação e que produzia muito mas era pouco executado. Rubinstein recorreu à família Guinle, sugerindo que eles financiassem a ida de Heitor para Paris. Após um relato generoso sobre as qualidades de Villa-Lobos, Carlos Guinle aceitou a proposta e acabou por oferecer uma quantia acima do esperado por Heitor. Em Paris, instalado em uma das casas da família Guinle, Villa-Lobos fechou negócio com a editora Max Eschig para a publicação de suas obras orquestrais. Organizou dois concertos em 1927, tendo participações de vários nomes de destaque, entre eles Arthur Rubinstein, Vera Janacopoulos e Tomás Terán, foi apresentado ao público com uma breve e ufanista biografia. Com o sucesso destes concertos, Villa-Lobos passa a ter uma boa acolhida pela crítica local, inclusive com relatos de fatos e histórias irreais sobre o compositor e de alguma forma contando com uma certa dose de condescendência do próprio. No final de 1927 e início de 1928 Heitor já tinha o seu nome bem comentado no meio musical parisiense, sendo retratado como o representante natural de um país selvagem, bem ao gosto de VillaLobos. Apesar do sucesso, os amigos, as feijoadas de domingo e os encontros muscais pela cidade, Villa-Lobos não alcançou se aproximar da grandeza de Stravinsky que, apesar de na época estar trilhando outros caminhos, o neoclassicismo, ainda continuava muito influente no meio musical de Paris. Além disso, Heitor ainda não conseguira transformar o sucesso musical em financeiro, ao ponto de não conseguir se desvencilhar da dependência financeira da família Guinle e, de tempos em tempos, sempre se via obrigado a pedir mais contribuições para a sua sobrevivência e para expor a sua obra. Após vários renegociações com Carlos e Arnaldo Guinle e problemas com a editora, em 1930 Villa-Lobos volta definitivamente ao Brasil, antes realizando um concerto em Barcelona e outro Paris. De volta ao Brasil, Villa-Lobos passa por Recife, para executar dois concertos já agendados, embarcando em seguida para São Paulo, chegando a declarar em carta a sua esposa que não voltaria ao Rio de Janeiro, pois a cidade havia morrido artisticamente para ele. Com a sua situação financeira extremamente ruim, tem uma passagem pouco exitosa pela

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orquestra da Sociedade Sinfônica de São Paulo, recheada de brigas internas e revoltas dos músicos e, além disso teve problemas alfandegários com alguns pianos que trouxera da Europa, afim de vendê-los por aqui e angariar alguns recursos. Apesar das adversidades VillaLobos daria início a um novo ciclo de sua vida com dois grandes novos projetos: as Bachianas Brasileiras, que serão tratadas em um capitulo à parte por se tratar do objeto específico deste trabalho, e o projeto nacional de educação musical. Com a vitória dos revolucionários na Revolução de 30, Getúlio Vargas dissolve todo o aparato legislativo do país, o congresso, assembleias estaduais e as câmaras dos vereadores, além de substituir os governadores dos estados por interventores, iniciando um período marcado por uma grande intervenção do estado, pondo fim a Velha República e dando início a era Vargas. Vendo na revolução uma boa oportunidade para a arte brasileira, Villa-Lobos aderiu de imediato ao novo poder e em pouco tempo escreve dois artigos sobre o assunto, um deles defendendo o uma proposta de educação artística preparada pela Associação dos Artistas Brasileiros. (GUÉRIOS, 2009, p. 200/201). Apesar de ter em mente angariar fundos para voltar a Europa, os fatos que se sucederiam mudariam os rumos do compositor. Após travar contato com o interventor de São Paulo, João Alberto Lins de Barros, Villa-Lobos consegue apoio e organiza a Excursão Artística Villa-Lobos que, percorrendo 54 cidades de São Paulo. Apesar de alguns pequenos problemas, a excursão foi muito bem recebida na grande maioria das cidades. Villa-Lobos teve a ideia de organizar um grande concerto com a participação popular e, obtendo mais uma vez apoio do governo interventor, conseguiu reunir um coro de 12 a 15 mil vozes populares, sendo um enorme sucesso, principalmente aos olhos dos políticos no poder. Em 1931 retorna ao Rio de Janeiro, quando recebe a visita do secretário de educação para implantar um projeto de educação musical, na capital. Villa-Lobos que já tinha uma visão nacionalista, aderiu à cartilha de Getúlio Vargas, onde disciplina, nacionalismo e civismo eram a tônica, percebendo várias oportunidades, talvez algo maior do que conquistar o reconhecimento na Europa, fazer o papel de educador e civilizador do Brasil, pois o projeto inicial no Rio de Janeiro teria desdobramentos nacionais, pelo fato de a capital ser a uma espécie irradiadora de cultura e costumes. Entre várias ações implementadas, o ensino musical nas escolas, o resgate do canto orfeônico como ferramenta de ensino, o estímulo a formação de professores, concertos para jovens, operários e para um extrato da população que nunca tivera condições de frequentar os teatros, proporcionou a Villa-Lobos fôlego para em 1934 enviar convites para que os outros

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Estados da nação aderissem ao projeto, oferecendo caravanas de professores formados no Instituto Nacional de Música, recebendo muitas aprovações. Vários outros eventos de grande porte, a exemplo do grande coral de 1931 se sucederam e, aos poucos, esses eventos se transformariam em uma espécie de culto a Vargas. Apesar de todo o êxito, Villa-Lobos angariava desafetos, como não poderia deixar de ser. Em São Paulo, havia uma forte oposição a Getúlio Vargas, o que acabou gerando uma forte oposição a Villa-Lobos, principalmente a forma como aderiu às ideias de Getúlio, tanto que Mário de Andrade passou a criticar ferozmente

o homem, apesar de continuar

respeitando o músico Villa-Lobos. (GUÉRIOS, 2009, p. 229/230). A partir de 1937, com o projeto de educação estabelecido, e com a exploração artística e política dos grandes concertos já ter atingido o seu ápice, Villa-Lobos, aos poucos se afasta da condução dos trabalhos, porém não definitivamente. Com o realinhamento político do Brasil, rompendo com os países do eixo e se aproximando principalmente com os Estados Unidos, via a política da boa vizinhança, Villa-Lobos começa a se dedicar mais a sua carreira e a articular a sua visita à América do Norte, porém recusando assumir funções representativas. Em 1944, com apoio governamental, realiza a primeira viagem e a partir de então passa a ter vários compromissos nos Estados Unidos e em outros países. Em 1948 descobre ter câncer de próstata o que, em vez de abatê-lo, fez com que intensificasse a sua produção. Villa-Lobos falece no dia 17 de novembro de 1959 em sua casa.

3.8 As Bachianas Brasileiras.

Conjunto de nove obras compostas entre 1930 e 1945, as Bachianas Brasileiras inauguram uma nova fase na obra de Villa-Lobos. Se na década anterior, Heitor obteve o reconhecimento através do ciclo dos Choros, entre outras obras, onde o experimentalismo o levou para uma música menos convencional e de acordo com os preceitos modernos da época. A fase das Bachianas será debatida e analisada sob diversos pontos de vista, em busca de elucidar os aspectos compositivos de Villa-Lobos, mas principalmente quais os motivos ou intenções do compositor para tal mudança de rumo. A primeira corrente de análise desta fase é feita sob influência de dados biográficos do próprio compositor, dando ênfase uma suposta precocidade da relação entre a música de Bach e a formação musical de Villa-Lobos. Esta ideia, já era difundida em 1941, através de uma

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“biografia autêntica resumida” feito pelo próprio Villa-Lobos, publicada na revista Música Viva: Declarou à sua tia, que tocava regularmente alguns autores líricos, românticos e clássicos ao piano, especialmente para ele ouvir, gostava somente dos prelúdios e fugas de J. S. Bach, porque achava diferente dos outros autores, como Chopin, Beethoven, Schumann, Mendelssohn, Verdi, Bellini, Ponchielli, etc e a harmonia e a melodia de Bach tinha qualquer coisa da música dos caipiras que ele ouvira em Minas em 1897. (Música Viva, ano 1, n° 7/8, 1941, p. 11, Rio de Janeiro/MVL., Apud ARCANJO JR, 2007, p. 36)

Esta foi a imagem mais aceita sobre o compositor, durante muitos anos, pois existem mais de 40 biografias de Villa-Lobos, escritas em diversas línguas e quase todas baseadas na obra de Vasco Mariz2, que corrobora com estes relatos e apesar de ser uma referência obrigatória, contém alguns vícios decorrentes da proximidade do biografo com o biografado. (GUÉRIOS, 2009, p.27/28/29). Há de se destacar que o próprio Mariz, em revisões posteriores, acusa tais problemas e em entrevista concedida em 1989, diz: [...] Veio-me a ideia de escrever um livro sobre Villa-Lobos, o que no fundo era uma grande ousadia, porque um rapaz jovem, com vinte e poucos anos, inexperiente, ter a coragem de escrever o primeiro livro sobre Villa-Lobos.. Hoje, francamente reprovo a minha decisão. Maz fiz um esforço, procurei ser o mais imparcial possível[...] (PAZ, 1989:130-1 apud GUÉRIOS, 2009, p. 28)

Segundo Paulo Renato Guérios, quando Villa-Lobos chegou a Paris em 1923, ficou muito impressionado com a Sagração da Primavera de Stravinsky, sendo que as suas obras da década de 20, entre elas a série dos Choros e o Amazonas tiveram forte influência da música “primitiva” e “selvagem” do compositor russo. (GUÉRIOS, 2009, p. 197,198). Porém, a partir do início da década de 1920, o próprio Stravinsky começou a compor obras baseadas em peças compostas no século XVII e, ficando satisfeito com o resultado, em 1923 compôs o Octeto, baseado em formas clássicas e em 1924 um concerto para piano e instrumentos de sopro nos moldes dos concerti grossi de Bach. Esta nova fase do compositor russo seria classificada como “neoclassicismo”. (Ibid. p.198). Ainda segundo Guérios, Villa-Lobos começa ainda em 1930 a compor a série Bachianas Brasileiras, com o intuito de se colocar em sintonia com as novas demandas do mercado erudito europeu, demonstrando, nas entrelinhas, mais uma vez a necessidade que Heitor tinha de ser tão reconhecido quanto o mestre russo. (Ibid. p.198).

2 MARIZ, Vasco, 1947 Heitor Villa-Lobos. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores

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Loque Arcanjo Jr. (ARCANJO JR., 2007) ,procura contextualizar o ressurgimento da obra de Johann Sebastian Bach no cenário musical mundial na transição entre o séculos XIX e XX, numa tentativa de elucidar a presença da música do compositor alemão na obra de VillaLobos. Segundo Arcanjo, após a morte de Bach, em 1750,

seu nome teria caído no

ostracismo, completamente esquecido e voltado à tona quase um século depois. Quase um século depois de Bach ter sido esquecido, as primeiras imagens que se formaram dele foram distorcidas: às vezes reduzidas ao kantor, outras vezes banalizadas na figura paternal, devota e objetiva do mestre da harmonia. Assim também o gênio infernal de Wolfgang Amadeus Mozart permaneceu por longo tempo obscurecido pela aceitabilidade aparentemente fácil e superficial de sua música. (RUEB, 2001, p. 15, apud ARCANJO JR, 2007, p. 69).

Somente em 1829, após a apresentação da Paixão Segundo São Mateus por Felix Mendelssohn, o nome de Bach começaria a ser lembrado. Iniciou-se então uma pesquisa sobre a obra de Bach, afim de resgatá-la, cujo resultado seria publicado somente em 1900. Em meados do século XIX tiveram início a pesquisa científica sobre Bach e a edição de suas obras no âmbito da Sociedade Bach. A edição completa foi concluída em 1900, com a edição do 19º volume. Perguntado sobre quais seriam os acontecimentos e experiências mais importantes do século, Johannes Brahms respondeu em fins do século XIX: “A fundação do Reich alemão em 1871 e a edição das obras de Johann Sebastian Bach.” Para os músicos do século XIX o diretor musical de Leipzig foi a bússola e a medida de excelência. Bach estava decididamente resgatado do esquecimento. (RUEB, 2001, p. 22 apud ARCANJO JR, 2007, p. 57)

A partir de então várias iniciativas fizeram com que o nome de Bach virasse uma unanimidade e sua obra, agora estaria os ideais estéticos e a monumental sonoro e orquestral do Romantismo, chegando a ser executada por mais de duzentos músicos. Seu nome desperta o interesse não só do público, mas de vários pesquisadores de todo o mundo, reverberando inevitavelmente no Brasil. Outro aspecto importante levantado por ARCANJO, é que no início do século XX, as vertentes modernistas do atonalismo, dodecafonismo e do serialismo, de Schoenberg, Webern e Berg, não tiveram eco no Brasil, cujo gosto musical da sociedade carioca e paulista era restrito à tradição romântica, aos compositores do passado, demonstrando o motivo pelo qual o público brasileiro receberia tão bem a obra de Bach. (CONTIER, 1992, p. 261, apud ARCANJO JR, 2007, p. 58 ).

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4 Bachianas Brasileiras nº 9 – Modelagem Sistêmica. Segundo Ludwig Von Bertalanffy, autor da Teoria Geral dos Sistemas, um sistema é um complexo de elementos em interação. Dentre as diversas categorias de sistemas elencadas pelo autor, a música se enquadra em sistemas simbólicos. (BERTALANFFY 2008, p.84, apud MORAES P.; PITOMBEIRA, 2013, p. 10). Nestes sistemas, os padrões são configurados a partir de códigos simbólicos, ou conforme Winham: “conjuntos bem definidos de operações realizadas em configurações musicais. (WINHAM,1970, p. 43, apud MORAES P; PITOMBEIRA, 2013 p. 10). A Modelagem Sistêmica aplicada à música propõe fazer um levantamento dos aspectos compositivos de uma obra afim de delinear um modelo ou protótipo de um hipotético sistema composicional adotado pelo compositor. De acordo com Moraes, o objetivo da aplicação deste procedimento é ‘produzir uma nova composição que herde características sistêmicas isomorficamente relacionadas ao original’ (MORAES P.; PITOMBEIRA L., 2013, p. 9). Neste caso utilizaremos o método de modelagem sistêmica para, a partir das informações colhidas através da analise da obra original, propor um plano compositivo com objetivo de reestruturar a linguagem, de caráter erudito, afim adequá-la às características da MIB, cuja definição está na introdução deste trabalho. Tal análise focará os seguintes parâmetros musicais: 1. Gênero; 2. Forma; 3. Instrumentação; 4. Estrutura Rítmica; 5. Estrutura Harmônica; 6. Estrutura Melódica. Todos os parâmetros foram analisados no contexto da macroestrutura da composição e, quando aplicáveis, nas subsequentes microestruturas (seções). Na análise do Prelúdio das Bachianas Brasileiras nº 9 utilizaremos também como ferramenta a Teoria dos Conjuntos, baseados no livro Introdução à Teoria Pós-Tonal, de Joseph Nathan Straus. Detalharemos a seguir alguns conceitos e definições utilizadas na Teoria Pós-Tonal, necessárias à compreensão de tal análise.

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Equivalência de oitavas: notas separadas por uma ou mais oitavas são geralmente percebidas como equivalentes. Isto está refletido na notação musical e no tratamento dispensado às oitavas na música ocidental. São funcionalmente equivalentes por soarem semelhantes, por isso acabaram recebendo o mesmo nome. Porém, equivalência não é o mesmo que identidade; Notas: determina uma altura específica, uma determinada frequência, por exemplo a nota Ré das quarta linha da clave de sol; Classe de Notas: esta definição contempla todas as notas que possuírem o mesmo nome. Por exemplo, qualquer nota Ré, independente de sua altura, pertencerá a Classe de Notas Ré; Equivalência Enarmônica: Na música tonal, as notas Mib e Ré#, são diferentes, pois dentro deste contexto, possuem diferentes funções, representando graus diferentes dentro de uma escala. Na música Pós-Tonal tais diferenças são abandonadas, tornado notas enarmônicas equivalentes, restringindo todas as notas à 12 Classes de Notas, numeradas de 0 à 11.; Notação com Inteiros: na Teoria Pós-Tonal, com os conceitos de equivalência de oitavas e equivalência enarmônica, todas as notas disponíveis ficam limitadas a 12 Classes de Notas diferentes, sendo: 0 = Dó, Si# e Rébb; 1 = Do# e Réb; 2 = Dóx, Ré e Mibb etc. Por causa da equivalência de oitavas, devemos atentar para o fato que os números 12 e 0 representam a mesma classe de nota. Mod 12: como toda nota pertence à uma das 12 Classes de notas, para subir ou descer uma oitava, basta adicionar ou subtrair 12 semitons para produzir outo membro da mesma Classe de Notas. Portanto, basta somar ou subtrair 12 para se obter a mesma Classe de Notas:

Dó, Si# e Rébb = -12, 0, 12, 24 etc Dó# e Réb = -13, -1, 11,23, 35 etc. Intervalos: na música tonal a diferenciação dos intervalos, pois os mesmos são definidos e nomeados conforme as suas funções tonais. Na Teoria Pós-Tonal, em função da equivalência harmônica, os intervalos são calculados e nomeados conforme o número de

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semitons que eles contém, não havendo distinção entre dissonância e consonância. Por exemplo, na música tonal o intervalo Sol – Si é igual a uma terça maior, portanto consonante. Já o intervalo Sol – Dób, formam um intervalo de quarta diminuta, dissonante. Na Teoria PósTonal tanto Sol – Si, quanto Sol – Dób contém 4 semitons, sendo classificados como instâncias do intervalo 4. Intervalos Entre Notas: determinados apenas pela quantidade de semitons que eles contém, são abreviados com a sigla in (Intervalo de Notas). Para in = 3, significa um movimento ascendente de 3 semitons. Para in = -6, movimento descendente de 6 semitons. Intervalo Ordenado Entre Classe de Notas: é a distância entre duas Classes de Notas, em semitons, cujo valor nunca será maior que 11. Exemplo: Ré – Sib = 10 – 2 = 8; Ré – Lá# = 10 – 2 = 8; Sib – Réb = 1 – 10 – 3; Sib – Dó# = 1 – 10 = 3. Intervalo Não Ordenado Entre Classes de Notas: são intervalos onde não se leva em consideração se são ascendentes ou descendentes, apenas o espaço entre duas Classes de Notas, calculado pelo caminho mais curto entre uma Classe de Nota e outra, sendo a fórmula para tal calculo: x – y (mod 12) = y – x (mod 12). Exemplo para as Classes de Notas Dó e Si: 0 – 11 = -11 (mod 12) = 1 11 – 0 = 11 (mod 12) = 1 Portanto o Intervalo não Ordenado entre as Classes de Notas Dó e Sí é o mesmo entre Si e Dó, ou seja, 1. Classe de Intervalos: um intervalo não ordenado entre classe de notas também é denominado de Classe de Intervalos. Todos os intervalos maiores que uma oitava serão representados pelos seus correspondentes dentro da oitava:

Classe de Intervalos Intervalos entre notas

0

1

2

3

4

5

6

0,12,24

1,11,13

2,10,14

3,9,15

4,8,16

5,7,17

6,18

Tabela 4:1: Classes de Intervalos

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Conjunto de Classes de Notas: são coleções não ordenadas de Classes de Notas onde são ignoradas outras características, tais como: registro, ritmo e ordem, permanecendo apenas identidades básicas de Classes de Notas e de Classes de Intervalos de uma ideia musical. Independente da forma como é apresentado, um Conjunto de Classes de Notas irá reter a sua identidade básica de Classes de Notas e Classes de Intervalos. Forma Normal: é a maneira mais compacta de escrever um Conjunto de Classes de Notas, permitindo visualizar com mais facilidade seus atributos e compará-los com outros conjuntos. A compactação de um Conjunto de Classes de Notas deve ser calculada através da distância em semitons entre as extremidades do conjunto, produzindo uma compactação à esquerda. Tomemos como exemplo o Conjunto de Classes de Notas Sol , Mi, Láb e Dó. Para se calcular a Forma Normal devemos seguir os seguintes passos: 1. Ordená-lo de forma crescente, como se fosse uma escala, havendo tantas possibilidades quantas forem as Classes de Notas do conjunto; 2. Escolher a ordenação cujo intervalo entre a primeira e a última nota for o menor; 3. Em caso de empate entre duas ordenações, repetir o processo comparando o intervalo entre a primeira e a penúltima classe de notas e assim sucessivamente; 4. Em caso de novos empates, escolher a ordenação que comece com a classe de notas representada pelo menor número inteiro. Portando, as ordenações possíveis são: a) 7 8 0 4 b) 4 7 8 0 c) 0 4 7 8 d) 8 0 4 7 Os intervalos entre as extremidades são a) 7 8 0 4 → 4 – 7 = - 3 = 12 – 3 = 9 b) 4 7 8 0 → 0 – 4 = - 4 = 12 - 4 = 8 c) 0 4 7 8 → 8 – 0 = 8 d) 8 0 4 7 → 7 – 8 = -1 = 12 – 1 = 11

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Como podemos perceber ocorreu um empate entre as ordenações b) e c), então devemos realizar o calculo novamente, desta vez entre a primeira e a penúltima Classes de Notas.: b) 4 7 8 0 → 8 – 4 = 4 c) 0 4 7 8 → 7 – 0 = 7 A ordenação c) [4,7,8,0] apresentou o menor resultado logo na segunda operação, portanto representando a ordenação mais compacta à esquerda, o que determina a Forma Normal. Transposição (Tn): semelhante à transposição na musica tonal, porém sem manter a ordem das notas, ou seja, sem manter o contorno melódico. Consiste em adicionar intervalos entre Classes de Notas para cada membro de um conjunto de notas, onde o número de semitons adicionados será o valor de n em Tn. Exemplo: [4,7,8,0] = T1 [5,8,9,1] Inversão (TnI): na inversão de uma linha melódica, a ordem das notas são mantidas porém o contorno é invertido. No caso de um intervalo Dó – Mib ascendente, há um intervalo de três semitons. Para inverter este intervalo teríamos que colocar a nota Dó uma oitava acima ou a Nota Mib uma oitava abaixo, ficando Mib – Dó com um intervalo de 9 semitons. No caso da Inversão TnI, ocorre uma inversão em torno de 0, por convenção. Substituindo as notas acima por inteiros temos: 0 – 3 = - 3 = (12 – 3) = 9; Outro exemplo: 5 – 9 = - 4 = (12 – 4) = 8. ou simplesmente: (12 – n). A Inversão TnI é uma operação composta, envolvendo tanto uma Transposição Tn e uma Inversão, onde Tn significa transpor a algum intervalo n e I inverter. Por convenção a Inversão deve ser feita primeiro.

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Aplicar a Inversão TnI aos Conjuntos de Classes de Notas resulta em imagens espelhadas, uns dos outros, sendo que a primeira nota de um conjunto mapeia-se na última nota de outro, a segunda no penúltimo e assim sucessivamente. [0,4,7,8] invertendo → [8,7,4,0] T0I = (12 – 8) (12 – 7) (12 – 4) – (12-0) = [4,5,8,0]. Para transpor para outros intervalos, basta seguir o mesmo método, adicionando o intervalo a ser transposto: T5I = (12 – 8 + 5) (12 – 7 + 5) (12 – 4 + 5) – (12-0 + 5) = [9,10,1,5]. Existem outras operações de inversão que não serão contempladas neste resumo. Classes de Conjuntos: é uma coleção de Conjuntos de Classe de Notas relacionados entre si por transposição ou inversão. A maioria das Classes de Conjuntos possuem 24 membros, 12 transposições e 12 inversões, porém algumas possuem uma quantidade menor de membros. Os conjuntos de Classe [0,4,7,8], [8,7,4,0] e [9,10,1,5] pertencem a mesma Classe de Conjuntos por serem relacionados por transposição ou inversão, conforme vimos acima. Forma Prima: é uma das formas de se nomear as Classes de Conjuntos. A Forma Prima pode ser considerada com a forma mais normal das formas normais, sendo que para isso ela deve começar com zero e ser mais compacta |à esquerda. Para chegarmos a esse resultado devemos seguir os seguintes passos: 1. Colocar o conjunto na Forma Normal; 2. Transpor o conjunto de modo que o seu primeiro elemento seja igual a 0; 3. Inverta esse conjunto e repita os passos 1 e 2; 4. Compare os dois conjuntos verificando qual deles possui a forma mais compacta à esquerda. Essa será a Forma Prima. Exemplo: 1. a Forma Normal do nosso exemplo acima é: [4,7,8,0]. 2. Transpondo para começar com 0: [4,7,8,0] → T8[0,3,4,8];

45

3. Invertendo: [0,3,4,8] → [8,4,3,0] T0I = (12 – 8) (12 – 4) (12 – 3) – (12 - 0) = [4,8,9,0] 4. Repetindo passo 1 para encontrar a Forma Normal: 4.a) [4,8,9,0] → 0 – 4 = -4 = (12 -8) = 8; 4.b) [0,4,8,9] → 9 – 0 = 9; 4.c) [9,0,4,8] → 8 – 9 = -1 = (12- 1) = 11; 4.d) [8,9,0,4] → 4 – 8 = -4 = (12- 4) = 8; Temos um empate entre 4.a) e 4.d), prosseguindo: 4.e) [4,8,9,0] → 9 – 4 = 5 4.f) [8,9,0,4] → 0 – 8 = -8 = (12 – 8)= 4 Portanto [8,9,0,4] está na Forma Normal; 5. Transpondo para começar com 0: [8,9,0,4] → T4[0,1,4,8]; 6. Comparando os 2 conjuntos na Forma Normal encontrados: 6.a) [0,3,4,8] → 8 – 0 = 8

[0,1,4,8] → 8 – 0 = 8;

6.b) [0,3,4,8] → 4 – 0 = 4

[0,1,4,8] → 4 – 0 = 8;

6.c) [0,3,4,8] → 3 – 0 = 3

[0,1,4,8] → 1 – 0 = 1

Portanto, [0,1,4,8] se mostrou o conjunto mais compacto à esquerda, o quer o torna a Forma Prima que irá denominar a Classe de Conjuntos. Como padrão a Forma Prima deve ser escrita entre parêntesis e sem vírgulas, então todas as Classes de Conjuntos de Notas acima pertencem à Classe de Conjuntos (0148). Outro modo de nomear as Classes de Conjuntos foi estabelecido por Allen Forte, de acordo com The Structure of Atonal Music, ou a Lista Forte, onde cada Conjunto de Classes é denominado por 2 números separados por um travessão. O primeiro número determina a quantidade de Classes de Notas do conjunto e o segundo número a posição desta classe na tabela. A Classe de Conjuntos (0148) possui também o nome Forte 4-19, que determina que essa é a 19ª Classe de Conjuntos com 4 Classes de Notas da tabela.

46

4.1 Análise das Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio – Vagaroso e Místico Junto à indicação de andamento (semínima = 60) o autor anota os termos “Vagaroso e místico”, características estas que aparecem em vários aspectos deste movimento, principalmente na ambiguidade harmônica de algumas passagens, nas estruturas da frase de introdução e na resolução final. (GERLING, 2000, p 62/63). Composto por 37 compassos, mantendo uma Centricidade na nota Dó. Para efeito de nossa análise, subdividimos este prelúdio 5 seções, conforme fig. 4.1.1. Na ausência da harmonia funcional e do encadeamento tradicional, os compositores usam uma variedade de meios contextuais de reforço. No sentido mais geral, notas que são expostas frequentemente, sustentadas em duração, colocadas em registro extremo, tocadas mais fortemente e acentuadas rítmica ou metricamente, tendem a ter prioridade sobre notas que não tem aqueles atributos. (STRAUSS, 2013, p. 144).

Figura 4.1.1: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - Estrutura

47

Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio – 1ª seção: A primeira seção do prelúdio é formada por 14 compassos. Logo no primeiro acorde o compositor apresenta a primeira ambiguidade harmônica, onde um acorde de C7 (

9



13

tocado em sforzando. A expectativa gerada pelo acorde inicial é mantida por dois compassos, pois apenas a nota Dó e Sol ficam soando antes da entrada da melodia inicial, fig. 4.1.2.

Figura 4.1.2: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - Acorde inicial. cc. 1-3

Em seguida apresentar a melodia principal do prelúdio em Lá menor sobre um pedal na nota Dó harmonizada com Sol 63, portanto não resolvendo de maneira esperada a tensão produzida por tal acorde, que seria Fá.4

3 Adotamos para esse trabalho o Dó central como sendo Dó 4. 4 Tal expectativa é sentida dentro de um contexto tonal. Como se trata do primeiro acorde do tema, não havendo mais subsídios para uma melhor contextualização, entendemos essa passagem com um caráter ambíguo, entre os contextos tonal e não tonal.

48

Esta melodia será transformada posteriormente no sujeito da segunda parte da obra: Fuga.

Figura 4.1.3: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Tema original em Fá menor

A estrutura rítmica da frase inicial contribui para o aspecto ambíguo do prelúdio pela sua assimetria, repetições e prolongamentos de notas, além da inclusão de um compasso de 3/2 na sua segunda repetição.

Figura 4.1.4: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - Estrutura rítmica da frase inicial

Outra característica da frase inicial deste o Prelúdio é a sua construção em forma de palíndromo, fig. 4.1.5: “[…] palavras, versos ou sentenças que podem ser lidos indiferentemente da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda. (MOISÉS, 1978, p. 382, apud VISCONTI, Ciro, 2014, p. 2)

49

Assim, esta frase, formada por um número ímpar de notas, possui um eixo simétrico, que recai sobre a nota Mi 4.

Figura 4.1.5: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - Frase inicial - Palíndromo.

A aplicação de conceitos relativos a simetria assume grande importância a partir do início do século XX, quando Varése utiliza o conceito de refração prismática, em Hyperpris, Stravinsky aplica a ideia de espelhamentos rítmicos em Le Sacre du Printemps e posteriormente Messiaen com os “ritmos não-retrogradáveis”.

“Portanto o uso de simetrias por Villa-Lobos é um traço indicativo dos interesses compartilhados por compositores de sua geração.(SALLES, 2009, p. 44).

50

Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio – 2ª seção: A segunda seção (compassos 15 - 19) gera um contraste em relação à anterior através do estabelecimento de uma divisão rítmica mais simétrica, mantendo ainda, a centricidade em torno nota Dó, conforme podemos verificar na fig. 4.6.. O movimento cromático, nas das vozes superiores, executadas pelos Violinos I, em conjunto com a voz interna, executada pelos Violinos II, indicada por setas tracejadas, fornecem outras qualidades ao acorde de Dó, gerando um movimento que conduz para o acorde de Dó Maior, no compasso 19. (GERLING, 2000, p 63). A progressão harmônica gerada pela condução de vozes desta seção sugere uma operação de reflexão dos acordes, conforme a análise das classes de conjuntos, abaixo indicada na fig. 4.6. A exceção fica por conta das classes marcadas com um arco, que serão rearranjados, na transcrição, conforme os respectivos superconjuntos, a fim de gerar uma simetria perfeita.

Figura 4.1.6: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - 2ª. Seção. cc. 15-19.

51

Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio – 3ª seção: Na terceira seção (compassos 20 – 27) ocorre um incremento nas densidades melódicas e harmônicas, através de uma maior atividade rítmica nas vozes superiores (1º violinos), bem como a entrada do contraponto dos segundos violinos e o suporte harmônico fornecido pelos violoncelos e contrabaixos. No compasso 20, o primeiro desta seção, ocorre mais uma mostra ambiguidade harmônica onde surge o acorde híbrido de C sobreposto a outro de Gm7/F.

Figura 4.1.7: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio – c.20 – 3ª seção - acorde híbrido

A análise abaixo demonstra a maior densidade harmônica da 3ª seção. Nos compassos 21 a 24, ocorre uma sequência de acordes III e IV graus, sendo que na segunda metade do compasso 24, ocorre o ponto culminante do movimento, delimitando 2/3 do movimento.

Figura 4.1.8: Figura 4.8: Bachianas Brasileira nº 9 - Prelúdio - 3ª. seção. PC: Ponto culminante. cc. 21-27

52

Nos compassos 26 e 27 encontra-se a presença de um acorde de Tristão, fig. 4.1.9. Com função representante de uma dominante secundária, em que a harmonia gerada pelas vozes é um acorde de F#m7(b5)/C e outro acorde que pode ser analisado como G7(9)/D que, apesar de ainda manter a centricidade em torno da nota Dó, preconiza a tonalidade da 4ª seção que é Sol Maior. “A influência de Richard Wagner (1813-1883) em Villa-Lobos é reconhecida por muitos estudiosos de sua obra.” (SALLES, 2009, p.28).

Ainda de acordo com Salles: “As referências a Wagner não serão abandonadas ao longo da trajetória de VillaLobos; na seção central do Prelúdio nº 3 para violão (1940), apresenta uma leitura de várias possibilidades harmônicas não funcionais do acorde de Tristão...”. (SALLES, 2009, p. 35).

A presença deste acorde ocorre também nas obras Uirapuru (1917), Prelúdio nº 3 para violão (1940) e Choros nº 8, para orquestra (1925). (SALLES, 2004, p. 3 e 4).

Figura 4.1.9: Bachianas Brasileira nº 9 - Prelúdio 3ª seção. Acorde de Tristão. cc. 26-27

53

Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio – 4ª seção: A quarta seção, compassos 28 à 33 estabelece a centricidade em Sol Maior, reforçada pelos motivos cadenciais executadas pelos segundos violinos e repetidos logo em sequência pelos contrabaixos. No compasso 32 ocorre uma grande redução textural, em contraste com as seções anteriores, criando mais uma vez uma atmosfera mística preparando para a parte final do prelúdio.

Figura 4.1.10: Bachianas Brasileira nº 9 - Prelúdio - 4ª seção. cc. 28-33.

54

Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio – 5ª seção: A quinta e última seção do Prelúdio, compassos 34 à 37, estabelece diretamente a centricidade em Dó, através do seu Dominante G7/B, porém a resolução se dá no C7 (13) ( I7 ), mantendo uma suspensão que garante no final, mais uma vez, a atmosfera ambígua e mística deste movimento. No último compasso, os segundos violinos executam Lá e Láb, deixando clara a preparação para o próximo movimento, a Fuga, cuja tonalidade é Fá menor.

Figura 4.1.11: Bachianas Brasileira nº 9 - Prelúdio - 5ª. seção. cc. 34-37.

55

4.2 Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Modelagem Sistêmica

Parâmetros

Modelagem

Gênero

Fuga

Forma

I











Proporção entre duração e intervenção instrumental nas seções. I = Acorde inicial da introdução Xª = Seções do prelúdio Instrumentação

Violinos I e II; Violas I e II; Violoncelos I e II e Contrabaixos

Estrutura harmônica

Tonal e ambiguidade harmônica.

Estrutura melódica

Apresentação do motivo do próximo movimento: Fuga

Tabela 4.2:1: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Macroestrutura

Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

Tutti

Estrutura rítmica

F.C. 2/2. Ataque com acorde de C7 (9 13) em Sforzando e notas longas por 2 compassos

Estrutura harmônica

Acorde Dominante - C7 (9 13)

Estrutura melódica

Sem melodia

Tabela 4.2:2: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas – Acorde inicial

Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

1ª exposição do tema: Violinos I a, Violinos II a, Violas I e II, Violoncelos I e II, Contrabaixos. 2ª exposição: Violinos II, Violas I e Contrabaixos. (Redução textural)

Estrutura rítmica

Melodia com frase assimétrica e inclusão de um compasso de 3/2 na segunda exposição .

Estrutura harmônica Dó Maior Estrutura melódica

Melodia tocada pelas Violas, sobre um pedal em C tocado pelos Violinos II, Violoncelos e Contrabaixo e Violinos I tocando Sol 5

Tabela 4.2:3: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 1ª seção

56 Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

5 compassos apenas violinos 1 compasso Tutti

Estrutura rítmica

Melodia com frase simétrica (contraste c/ seção anterior)

Estrutura harmônica

5 compassos com centricidade na nota Dó. Várias qualidades de acorde. Operação de reflexão dos acordes (Imperfeita).

Estrutura melódica

Cromatismo

Tabela 4.2:4: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 2ª seção

Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

Tutti com maior densidade harmônico/melódica

Estrutura rítmica

Aumento da densidade rítmica com Violinos I tocando melodia, sobre um contraponto dos Violinos II e suporte harmônico dos Violoncelos e Contrabaixos.

Estrutura harmônica

Ambiguidade harmônica. Presença de um acorde híbrido C7 Gm7 7 compassos com variações entre: IV - #iv - III - IV – V - I Acorde de Tristão (cc.. 26 e 27)

Estrutura melódica

Contraponto. Ponto culminante da seção. (c. 24)

Tabela 4.2:5: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 3ª seção

Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

Tutti com menor densidade harmônico/melódica

Estrutura rítmica

Redução gradativa da densidade rítmico melódica

Estrutura harmônica

Modulação para Sol Maior

Estrutura melódica

Frases cadenciais executadas pelos Violinos II e imitadas pelos Contrabaixos. Suporte harmônicos fornecido pelos Violoncelos e Violas. Grande redução textural no último compasso da seção

Tabela 4.2:6: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 4ª seção

Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

Tutti

Estrutura rítmica

Aumento da densidade rítmica com desenvolvimento da cadência final

Estrutura harmônica

Modulação direta para Dó, porém com resolução em C7 (13), gerando mais uma ambiguidade harmônica e presença do acorde com C7 (b13), no último compasso, preparando para o próximo movimento, cuja tonalidade é Fá menor

Estrutura melódica

Frases cadenciais executadas pelos Violinos II, Violas e Violoncelos com suporte harmônicos fornecido pelos Violinos I e Contrabaixos.

Tabela 4.2:7: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 5ª seção

57

4.3 Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio Compositivo – Transcrição.

– Planejamento

Dentre os parâmetros macroestruturais a serem alterados no planejamento compositivo, em relação à estrutura rítmica optou-se por inserir a indicação de Rubato, junto das indicações originais de “Vagaroso e Místico”, para a transcrição por entender-se que a utilização deste termo ser muito comum na MIB, quando se deseja uma maior liberdade de interpretação em relação ao pulso, por parte dos intérpretes, bem como ir ao encontro da ambiguidade rítmica, principalmente da 1ª seção do movimento. A instrumentação original, orquestra de cordas, será substituída por um quinteto: Bateria, Contrabaixo, Piano, Saxofone Tenor e Trompete. A forma da transcrição será muito próxima do original, com exceção da apresentação do acorde inicial, que será estendida por 4 compassos. Em relação ao parâmetro estrutura harmônica, entendeu-se que a inclusão de acordes híbridos e policordes, variações da aplicação de tríades de estrutura superior, também muito utilizados na MIB, forneceria à transcrição a ambiguidade harmônica encontrada na peça modelada. Vários autores tratam sobre a questão dos policordes, entre eles , Dave Liebman em A Chromatic Approach to Jazz Harmony and Melody; Mark Levine em The Jazz Theory Book e Vincent Persichetti em Armonia del Siglo Vinte, entre outros. Segundo Barrie Nettles e Richard Graf, no livro “The Chord Scale Theory & Jazz Harmony” (1998 – Advance Music), tríades de estrutura superior é uma técnica de harmonização que tem uma relação direta com os acordes híbridos. Contém um elevado grau de tensão a partir da escala do acorde e é suportado pelo som do acorde. “Acordes híbridos são ambíguos porque faltam sons de acordes completos. O contexto é o que define para o ouvinte a verdadeira função do acorde.” (GRAF, NETTLES, 1998).

Ainda segundo os autores: “Policordes também estão relacionados com as tríades da estrutura superior. Um policorde é uma estrutura que possui dois acordes completos. Ele é construído a partir da escala do acorde escolhido; as duas estruturas criam de um elevado grau de tensão; o espaçamento entre os dois acordes é fundamental. (Ibid, p.141)

58

Segundo Ian Guest: Tríade de estrutura superior ( TES ) é estrutura triádica maior ou menor (aumentada só é disponível na falta de tríade Maior ou menor, como é o caso da escala de tons inteiros ), em posição cerrada ( fechada ) e qualquer inversão. Consiste em notas da escala do acorde, incluindo no mínimo uma nota de tensão. Quanto mais notas de tensão ( T ) mais rico o seu som. A estrutura geral do acorde compreende duas seções: a TES e a estrutura inferior. A estrutura inferior consta do som básico do acorde. As duas seções são separadas pelo intervalo de 4J ( quarta justa ), pelo menos. (GUEST, 1996 apud LIMA, 2006, p.16) .

A seguir, o método para se construir um policorde: 1. Determine a escala do acorde do momento; 2. Procure todas as tríades maiores e menores que a escala oferece, que incluam a nota da melodia ( 1ª voz ); 3. Elimine as tríades que contenham a nota avoid; 4. Selecione a tríade com maior número de tensões ( T ) para maior riqueza de som; 5. Monte a tríade de cima para baixo, em posição cerrada, a partir da 1ª voz; 6. Faça a estrutura inferior representar o som básico do acorde, omitindo a nota que já se encontra na estrutura superior ( dobramento de uma nota possível, embora mais aceitável a 6 ou mais vozes; 7. A estrutura inferior deve estar separada da superior pelo intervalo de quarta justa, no mínimo, ou oitava justa, no máximo. (GUEST, 1996 apud LIMA, 2006, p.17).

A função do contrabaixo e do piano será apenas a de apoio harmônico, entre introdução e a 4ª seção deste prelúdio. A execução da harmonia gerada pelo movimento das vozes do arranjo original, ou as re harmonizações propostas, estabelecidas pela cifragem. Com relação à estrutura rítmica, estipulou-se que a utilização de slashes, recurso muito comum na música instrumental brasileira, forneceria ao pianista a liberdade necessária para escolher os voicings dos acordes, e até mesmo uma certa liberdade rítmica, nos trechos onde não houver slashes. A partir da quarta seção, o piano e contrabaixo começam a assumir um papel mais ativo melodicamente, reproduzindo algumas das vozes do arranjo original, com melodias escritas no pentagrama, com o intuito de, mais uma vez, gerar um contraste com as seções anteriores, possibilitando uma maior variedade timbrística. A bateria executará efeitos com os pratos, utilizando mallets (baquetas com pontas de feltro), apenas na introdução, para potencializar a tensão gerada pelo acorde inicial do movimento e o contraste com a seção seguinte.

59 Parâmetros

Modelagem

Planejamento

Gênero

Fuga

MIB

Forma

Dividida em 5 seções

Idêntico à peça modelada

Instrumentação

Orquestra de cordas

Sax tenor, trompete, piano, baixo e bateria

Estrutura rítmica

Vagaroso e místico

Rubato

Estrutura harmônica

Tonal – ambiguidade harmônica

Tonal – acordes híbridos

Estrutura melódica

Apresentação do motivo, que se transformará no sujeito do próximo movimento: Fuga

Idêntico à peça modelada

Tabela 4.3:1: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Planejamento compositivo Macroestrutura

Parâmetros

Modelagem

Planejamento

Instrumentação

Tutti

Idêntico a peça modelada

Estrutura rítmica

F.C. 2/2. Ataque com acorde de C7 (9 Ataque e notas longas. Duração de 4 compassos – Fermata – Fade 13) em Sforzando e notas longas por 2 compassos Out

Estrutura harmônica Acorde Dominante C7 (9 13)

Idêntico à peça modelada

Estrutura melódica

Idêntico a peça modelada. Saxofone, Trompete, Piano e Baixo executando trillos com as notas F e Bb; Efeito de pratos na bateria.

Sem melodia

Tabela 4.3:2: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - Introdução Acorde Inicial

Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

1ª exposição do tema: Violinos I a, Violinos II 1 e 2ª exposições do tema: Saxofone a, Violas I e II, Violoncelos I e II, Tenor, Piano, Contrabaixo e Bateria. Contrabaixos. 2ª exposição: Violinos II, Violas I e Contrabaixos. (Redução textural)

Estrutura rítmica

Melodia com frase assimétrica e inclusão de Rubato – substituição do compasso 3/2 um compasso de 3/2 na segunda exposição . por 2/2

Estrutura harmônica Dó Maior Estrutura melódica

Planejamento

Idêntico à peça modelada

Melodia tocada pelas Violas, sobre um pedal Melodia executada pelo saxofone tenor. em C tocado pelos Violinos II, Violoncelos e Piano executando acordes e contrabaixo Contrabaixo e Violinos I tocando Sol 5 em Pedal.

Tabela 4.3:3: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 1ª seção

As figuras 4.3.1 e 4.3.2 ilustram o resultado da transcrição para o acorde inicial e a 1ª seção do Prelúdio.

60

Figura 4.3.1: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - Acorde Inicial – Transcrição. cc.1-4

61

Figura 4.3.2: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - 1ª seção - Transcrição - 1ª exposição. cc. 5-10.

Parâmetros

Modelagem

Planejamento

Instrumentação

5 compassos apenas violinos 1 compasso Tutti

Trompete, Saxofone Tenor, Piano e Contrabaixo

Estrutura rítmica

Melodia com frase simétrica Idêntico a peça modelada (contraste c/ seção anterior)

Estrutura harmônica 5 compassos com centricidade na Utilização de acordes híbridos e policordes. nota Dó. Várias qualidades de Contraste com a seção anterior. acorde. Operação de reflexão dos acordes Operação de reflexão dos acordes (Imperfeita). Estrutura melódica

Violinos I: frase cromática; Violinos II a: suporte harmônico; Violinos II b e Violas: Pedal em Dó.

Trompete executando linha cromática, originalmente executada pelos violinos I; Saxofone Tenor substituindo os violinos II, executando notas dos acordes ou definido acordes híbridos e policordes

Tabela 4.3:4: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 2ª seção

62

A figura 4.3.3 demonstra o resultado da transcrição para os compassos 15 à 19 do Prelúdio, cujo objetivo foi o de obter uma simetria perfeita na progressão harmônica.

Figura 4.3.3: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - 2a. seção – Transcrição. Acima: Harmonia original - cc. 15-19. Abaixo: Harmonia da transcrição - cc. 18-22

63 Parâmetros

Modelagem

Planejamento

Instrumentação

Tutti com maior densidade harmônico/melódica

Trompete, Saxofone Tenor, Piano e Contrabaixo

Estrutura rítmica

Aumento da densidade rítmica com Violinos I Idêntico à peça modelada tocando melodia, sobre um contraponto dos violinos II e suporte harmônico dos Violoncelos e Contrabaixos.

Estrutura harmônica Ambiguidade harmônica, através da presença de um acorde híbrido C7/Gm7 4 compassos com variações entre #iv III IV Acorde de Tristão

O Piano executará acordes que traduzem aproximadamente o movimento de vozes original. Contraste com a seção anterior.

Estrutura melódica

Contraponto. O Saxofone Tenor irá contemplar notas executadas ora pelas segundos violinos, ora das violas, bem como dos violoncelos, procurando manter as funções harmônicas executadas por estes instrumentos e procurando um contorno melódico coerente.

Contraponto: Violinos I – melodia principal; Violinos II – Contraponto (3 compassos) Violas, Violoncelos e Contrabaixo – suporte harmônico; Violinos II – Suporte harmônico nos últimos 4 compassos desta seção.

Tabela 4.3:5: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 3ª seção

Figura 4.3.4: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - 3ª seção – Transcrição. cc.23-26.

64 Tabela 4.3:6: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 4ª seção Parâmetros Modelagem Planejamento Instrumentação

Tutti com menor densidade harmônico/melódica

Trompete, Saxofone Tenor, Piano e Contrabaixo

Estrutura rítmica

Redução gradativa da densidade rítmico melódica Próximo da peça modelada

Estrutura harmônica Modulação para Sol

Idêntico à peça modelada. Suporte harmônico do piano e contrabaixo.

Estrutura melódica

Trompete executando a voz do 1º violino Saxofone tenor assumindo a voz da viola; Piano e Contrabaixo assumindo papel melódico.

Frases cadenciais executadas pelos Violinos II e imitadas pelos Contrabaixos. Suporte harmônicos fornecido pelos Violoncelos e Violas. Grande redução textural no último compasso da seção

Figura 4.3.5: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - 4ª seção – Transcrição. cc. 31-36.

65 Parâmetros

Modelagem

Planejamento

Instrumentação

Tutti

Trompete, Saxofone Contrabaixo

Estrutura rítmica

Aumento da densidade rítmica com Idêntico à peça modelada, com o Contrabaixo e desenvolvimento da cadência final Piano assumindo uma postura mais melódica.

Tenor,

Piano

e

Estrutura harmônica Modulação direta para Dó, porém com Idêntico à peça modelada. resolução em C7 (13), gerando mais uma ambiguidade harmônica e presença do acorde com C7 (b13), no último compasso, preparando para o próximo movimento, em Fá menor Estrutura melódica

Frases cadenciais executadas pelos Violinos II, Violas e Violoncelos com suporte harmônicos fornecido pelos Violinos I e Contrabaixos

O Saxofone Tenor irá contemplar notas executadas ora pelas violas, ora pelos violoncelos; Para gerar um contraste com a seção anterior, piano e contrabaixo assumirão um papel mais melódico. O piano assumirá as vozes dos Violinos II e Violoncelos; Contrabaixo assumirá as vozes dos Violoncelos, executadas uma oitava abaixo.

Tabela 4.3:7: Bachianas Brasileiras nº 9 – Prelúdio – Microestruturas - 5ª seção

Figura 4.3.6: Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio - 5ª seção – Transcrição. cc. 37-40.

66

4.4 Análise das Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Pouco Apressado. Composto por 99 compassos, com uma divisão rítmica intensa, gerando um grande contraste em relação ao movimento anterior, o movimento da Fuga foi, a priori, divido em: 1. 1ª Entrada – Exposição; 2. 1º Episódio – dividido em 5 seções; 3. Entrada intermediária; 4. 2º Episódio 5. Conclusão. Antes de dar início à análise deste movimento, será necessário algumas definições, ainda que generalizadas, sobre alguns termos característicos utilizados na análise de uma Fuga. (BENJAMIN, 1986, p. 219 à 266). Optou-se durante a análise, pela utilização de cifras para determinar, quando possível, a harmonia gerada pelas conduções de vozes, para facilitar a condução deste trabalho na sua fase posterior, onde será tratada a transcrição da peça, cuja representação harmônica se dará através deste sistema. Sujeito: é o tema principal de uma Fuga, que pode ter de 1 a 8 compassos de duração. Deve ter a tônica e notas da tríade claramente enfatizadas, geralmente começando no I ou V graus e terminado no I, III ou V graus. Apresentando uma cadência no seu final, perfeita, imperfeita ou mesmo meia cadência. Devem ter métrica clara e ser característico e individual, ter personalidade. Resposta: A imitação do Sujeito, executada uma quinta acima ou quarta abaixo, na dominante, enfatizando o movimento Tônica – Dominante – Tônica; Contra sujeito: Uma segunda melodia, também de caráter individual, que se inicia junto à resposta, pela mesma voz que executou o sujeito e, consecutivamente, junto ao sujeito, com a mesma voz que executou a resposta. Outros contra sujeitos podem aparecer no desenvolvimento da fuga, desde que utilizados de forma sistemática. Contraponto livre: Melodias que não se caracterizam como contra sujeitos.

67

Quanto à estrutura de uma fuga, temos as seguintes definições: 1ª Entrada: Ou exposição, onde são executados os sujeitos, respostas, contra sujeitos e pode conter também contrapontos livres. Deve ocorrer a troca de vozes nas reexposições, principalmente dos sujeitos e respostas. Episódios: Seções de desenvolvimento de uma fuga. Não possuem uma estrutura clara ou padronizada, porém podem ser definidos ou delimitados por cadências, mudanças de registro ou textura, modulações, reexposições do sujeito e/ou resposta entre outras ferramentas. Entrada Intermediária: Qualquer uma entrada do sujeito, desde que completo e é essa presença completa do sujeito que distingue a entrada intermediária do episódio, podendo ser no dominante ou relativa. Quando a entrada é na tonalidade original e acompanhada do contra sujeito é chamada de Contra exposição. Existe a possibilidade de um entrada intermediária antes do final, geralmente mais longa, com mais de duas entradas do sujeito ou resposta, geralmente em tonalidade diferente a primeira entrada intermediária. Quando a Fuga é em tom maior, a última entrada intermediária pode ser na sub dominante, relativa ou supertônica, quando é em tom menor, na sub dominante, sub mediante ou relativa. Stretto: É uma entrada, exposição do sujeito, em que a resposta começa antes do fim do sujeito. Inversão: Inversões melódicas afim de gerar uma transformação melódica. Pedal ou Pedal Point: Pode ocorrer em qualquer lugar da Fuga, porém mais utilizado no final, geralmente sobre a tônica ou dominante e na voz mais grave. Contra exposição: Ocorre geralmente após o 1º episódio, apresentando o sujeito e a resposta na tonalidade original, diferenciando da 1ª exposição na ordem de entrada das vozes. Conclusão: Assim como os episódios, a conclusão não possui muitas definições ou padronizações, podendo tanto ocorrer uma recapitulação do sujeito, porém não da mesma forma que a 1ª exposição, quanto o retorno à tônica, sem a entrada do sujeito, sendo comum o incremento nas texturas rítmicas, melódicas e harmônicas, a presença de stretto e pedal point.

68

Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga – 1ª Entrada. A 1ª entrada é composta por 28 compassos onde o Sujeito da Fuga é exposto 4 vezes, em Fá dórico e a Resposta, 3 vezes em Dó eólio. O Contra Sujeito, variações deste e contrapontos livres também estão presentes nesta seção.

Figura 4.4.1: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Sujeito - Fá dórico

A estrutura rítmica do sujeito é formada por uma frase em 11/8, dividida em (5 + 6) tempos:

Figura 4.4.2: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Tema - Estrutura rítmica

Podemos verificar também operações de simetria aplicadas ao sujeito à primeira parte do sujeito.

Figura 4.4.3: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Tema - operação de translação rítmica e reflexão das alturas

69

Abaixo o Contra Sujeito da 1ª Entrada.

Figura 4.4.4: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Contra Sujeito

Seguindo as regras para 1ª Entrada/Exposição para uma fuga, o sujeito, a resposta e o contra sujeito, bem como os contrapontos livres, são expostos com instrumentações diferentes a cada repetição, conforme a tabela abaixo:

Exposições





Sujeito: Fá m

Cellos ---

Resposta:Dó m

---





Contrabaixos

Violas



Violinos II a

Violinos II b

Contra sujeito ---

Cellos Violas

Contraponto Livre

---

---



Cellos

7ª Cellos; Contrabaixos em oitavas

Violinos I em oitavas Violas I: Fá Violinos II: Violinos I: Fá menor variação da 1ª menor Variação do metade; contra sujeito Violas: var. Da 2ª metade

Violas, Cellos e Violas II Violas: 1ª Violinos II a; Cellos e metade Violinos II b Contrabaixos Cellos e Violas contrabaixos

Tabela 4.4:1: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – 1ª Entrada - Instrumentação

A estrutura melódica desta seção é incrementada a cada repetição:

Entradas















Compassos

4

4

2+2

2+2

4

2+2

2+2

Estrutura Melódica: Camadas

1

2

3 camadas 4 camadas 2 camadas 2 camadas c/ baixos em oitavas

4 camadas c/ violas e cellos em divisi

4 camadas c/ violinos em oitavas e violas e cellos em divisi; 3 camadas

5 camadas c/ violinos e baixos em oitava; 3 camadas

Tabela 4.4:2: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – 1ª Entrada - Estrutura Melódica

70

Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga – 1ª Episódio: 1ª seção. O 1º episódio ocorre entre os compassos 29 e 55. Divido em 5 seções, para efeito de análise. A 1ª seção (cc. 29 – 33),

apresenta uma variação do sujeito e contra sujeito,

observando uma gradual redução na estrutura melódica, conduzindo a harmonia para Mib, no compasso 33, 2ª seção.

Figura 4.4.5: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 1ª seção - Variações do sujeito e contra sujeito. cc. 29 e 30.

Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 1ª seção - Cadência. cc. 31 e 32.

71

Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga – 1ª Episódio: 2ª seção. A 2ª seção, compassos 33 à 36 expõe uma 2ª variação do sujeito, ocorrendo mais uma redução na estrutura melódica. A tabela abaixo demonstra as mudanças de atividade dos naipes, entre a 1ª seção e a 2ª seção do 1º Episódio.

1ª seção

2ª seção

Compassos

29 -30

31-32

33 - 36

Violinos

Notas longas a 3 vozes.

Idem

2ª variação do Sujeito

Violas

Variação do sujeito.

Fragmentos da variação

Notas longas

Violoncelos

Var. Do Contra sujeito

Fragmentos

Pausas e Notas longas

Contrabaixo Var. Do Contra sujeito 1 oitava abaixo Fragmentos

Pausas e Notas longas

Tabela 4.4:3: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - Estrutura Melódica

Figura 4.4.6: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 2ª seção - 2ª variação do sujeito. cc. 33 e 34.

72

Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga – 1ª Episódio: 3ª seção. 3ª seção do primeiro episódio, compassos 37 – 44 é caracterizada por fragmentos da variação do sujeito em forma de pergunta e resposta entre os violinos I e II sobre o suporte harmônico das Violas, Violoncelos e Contrabaixos, levando a uma cadência para Dó menor, do final do compasso 43 e 44.

Compassos

37 - 43

Violinos

Fragmentos menores. Pergunta e resposta entre Vln II e II

Violas

Notas longas

Violoncelos

Notas longas

44

Cadência para a 4ª seção.

Contrabaixo Notas longas Tabela 4.4:4: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – 1ª Entrada - 3ª seção - Estrutura Melódica

Figura 4.4.7: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 3ª seção - Fragmentos da variação do sujeito

73

Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga – 1ª Episódio: 4ª seção. A 4ª seção, compasso 45 – 51, alguns aspectos determinantes, dentre os quais, no 1º tempo do compasso 45 a nota Láb 5 determina o ponto culminante do movimento. Tal ponto é alcançado por algumas vezes até então, porém em rápidas passagens, fig. 4.4.8. Esta seção estabelece um 2º contra sujeito, executado 6 vezes, pelos Violinos IIa e Violas I, de forma descendente, começando no nota Mib 4 e terminando no nota Mib 3, no 1º tempo do compasso 51, concluindo a candência do compasso anterior, fig. 4.4.9. No primeiro plano melódico, os Violinos I e IIb executam uma linha descendente com appoggiaturas, começando em Láb 4 e terminando em Mib 3, linha esta reforçada pelos Violoncelos I que, com uma tessitura de 3 oitavas garante a esta seção uma grande dramaticidade. Este expediente, de linhas melódicas descendentes,

será utilizado mais

adiante, neste movimento pelo compositor, fig. 4.4.10. A estrutura melódica é basicamente dividida em 2 camadas: melodia sobre acompanhamento harmônico.

Compassos

45 – 51

Violinos

Melodia descendente com appoggiaturas de Láb 4 à Mi b 3. Vln I e II em oitavas.

Violas

2º contra sujeito

Violoncelos

Violoncelos I - Melodia descendente com appoggiaturas, 2 Oitavas abaixo do Vln I Violoncelos II – apoio harmônico.

Contrabaixo Apoio harmônico Tabela 4.4:5: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1ª Entrada - 4ª seção - Estrutura Melódica

74

Figura 4.4.8: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 4ª seção - Ponto culminante. cc. 45 e 46.

Figura 4.4.9: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 4ª seção - 2º Contra Sujeito.

Figura 4.4.10: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 4ª seção – cc. 45 - 50 - Progressão e cadência

75

Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga – 1ª Episódio: 5ª seção. A 5ª seção que começa ainda no compasso 51 e se estende até o 55, promove uma grande redução da texturas melódicas e rítmicas. As mudanças de fórmulas de compasso nos compassos 54, para 6/8 e 55 em 3/4, junto com uma indicação de ritardando, fazem desta seção a de menor atividade rítmico melódica de todo o movimento; um momento para respirar e preparar a chegada da próxima seção.

Figura 4.4.11: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 1º Episódio - 5ª seção - cc. 51 - 55

76

Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga – Entrada Intermediária. A Entrada intermediária, compassos 56 ao 71. Voltando ao tempo original, com um novo tema executado pelos violinos II e respondido pelas violas, demonstra um caráter inconclusivo, pelo fato de estar em Eb menor e a sua melodia terminar no quinto grau da escala: Síb, nas duas primeiras exposições (Violinos II). Na terceira exposição, no sétimo grau: Réb e na quarta exposição na nota Dó (Violas). Fig. 4.4.12 e Fig. 4.4.13. Nos compassos 60 ao 63, os contrabaixos expõem mais uma vez o sujeito, fig. 4.4.14. A exposição do sujeito configura a Entrada Intermediária, uma vez que esta exposição não é desenvolvida e sim seguida por fragmentos e falsas entradas, dando um caráter de indecisão e transitoriedade para esta passagem. Nos compassos 69, 70 e 71, ocorrem um molto rallentando, outra falsa entrada e um poco ritardando, respectivamente, reafirmando a

sensação de indecisão, reforçada pela

fermata no compasso 71, reduzindo mais uma vez a densidade rítmica, fig. 4.4.15.

Figura 4.4.12: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Entrada intermediária – Tema transitório. cc. 56 e 57

Figura 4.4.13: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Entrada Intermediária - resposta – violas. cc. 58 e 59.

77

Figura 4.4.14: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Entrada Intermediária - resposta – violas. cc.60 - 64.

Figura 4.4.15: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Entrada Intermediária - cc. 69 - 71.

78

Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga – 2ª Episódio. O 2º episódio, compassos 72 – 81, inicia com uma variação do sujeito pelas violas, em Dm7 com

9ª Maior, 13ª Maior, porém com 5ª diminuta., desta vez condensado em 3

compassos, fig. 4.4.16. Na sequência, o mesmo tema condensado é executado pelos contrabaixos, em Lá eólio.

Figura 4.4.16: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 2º Episódio - Sujeito condensado. cc. 72 -74

Em seguida, todos os instrumentos realizam uma transição para a próxima seção, cujo rallentando e crescendo, principalmente aplicados à frase ascendente das violas, violoncelos e contrabaixos, nos compassos 78 e 79, aumentam a dramaticidade.

Figura 4.4.17: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga -2º Episódio - Frase Ascendente. cc. 78 e 79.

79

No compasso 80 ocorre, nos violinos, uma frase recorrente de Villa-Lobos nas Bachianas Brasileiras, fig. 4.4.18, destacada na fig. 4.4.19. Esta frase é encontrada nas: Bachianas Brasileiras nº 1 (Embolada), fig. 4.4.20; Bachianas Brasileiras nº 2, Prelúdio (O Canto do Capadócio), fig. 4.4.21.

Figura 4.4.18: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga -2º Episódio - Citação de outras Bachianas. cc. 80 e 81.

Figura 4.4.19: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - 2º Episódio - Citação: Bachianas nº 1 (Embolada). cc. 79 - 81.

Figura 4.4.20: Bachianas Brasileiras nº 1 - Introdução (Embolada) - cc. 255.

Figura 4.4.21: Bachianas Brasileiras nº 2 - Preludio O Canto do Capadócio. c. 15

80

Esta frase possui um elemento característico de Vila Lobos, ao qual Paulo de Tarso Salles denominou “Figuração em dois registros ('ziguezague')”, onde: “... um contorno melódico que estabelece uma espécie de contraponto consigo mesmo, um tipo de polifonia interna, inerente a uma melodia singularmente sinuosa.” (SALLES, 2009, p. 114).

Segundo o autor, esta característica em Villa-Lobos pode ter se originado na sua formação como violoncelista, uma vez que tal figuração ocorre em várias obras de Bach para violoncelo, em influências de chorões como Callado e Pixinguinha, ou ainda obra “Danse des adolescentes em Le Sacre”, de Stravinsky. (Ibid, p.115). Esta figuração pode ser encontrada também nas Bachianas Brasileiras nº 5 (Martelo), Quarteto de cordas nº 1, Sexteto Místico, Moreninha (d'A prole do bebê nº1), Choros nº 2, Choros nº 3, Choros nº 7, entre outras. (Ibid, p.117 - p. 129).

81

Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga – Conclusão – 1ª seção. A Conclusão do movimento, do compasso 82 ao fim, é dividida em duas seções. A 1ª seção começa com grande incremento na atividade melódica, compreendida por 3 planos: •

1º plano – melodia com citações de outras Bachianas;



2º plano – sujeito condensado;



3º plano – suporte harmônico, com movimentos de quintas nos contrabaixos;

Voltando mais uma vez ao tempo original, expõe o sujeito condensado em: •

Sol frígio (compassos 82 à 84 - Violinos IIa e Violas II);



Dó eólio (compassos 85 e 86 - Violinos IIb e Violoncelos II);



Sol frígio (compassos 88 à 90 - Violinos IIa e Violoncelos);



Dó eólio (compassos 91 à 93 - Violinos IIb e Violoncelos II);

Figura 4.4.22: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Conclusão. cc. 82 - 84.

82

A partir do compasso 82, surge outra frase recorrente do compositor:

Figura 4.4.23: Brasileiras nº 9 - Fuga - Conclusão - Citação Bachianas nº 3, 4 e 7. cc. 82 -84.

Podendo ser encontrada nas seguintes obras: Bachianas Brasileiras nº 3, nos movimentos: 1 - Prelúdio (Ponteio), fig. 4.4.24; 2 - Fantasia (Devaneio), fig. 4.4.25; 3 - Ária (Modinha), fig. 4.4.26; Bachianas Brasileiras nº 4 - Coral (Canto do Sertão, fig. 4.4.27; Bachianas Brasileiras nº 7 - Prelúdio (Ponteio) e Fuga.5

Figura 4.4.24: Bachianas Brasileiras nº 3 - Prelúdio (Ponteio) – cc. 26 -29. 5 Conferida através de audição.

83

Figura 4.4.25: Bachianas Brasileiras nº 3 - Fantasia (Devaneio) – cc. 45-50

Figura 4.4.26: Bachianas Brasileiras nº 3 - Ária (Modinha). cc. 35 e 36

Figura 4.4.27: Bachianas Brasileiras nº 4 - Coral (Canto do Sertão) – cc. 26 e 27

O movimento em quintas, que ocorre até o compasso 94 produz intensa movimentação harmônica, reforçando o caráter “Grandioso” da conclusão. Sendo as Bachianas Brasileiras nº 9 a última composição da série, caberia em uma análise mais aprofundada, verificar se o compositor quis, ao sobrepor as citações de outras Bachianas Brasileiras, principalmente na conclusão desta peça, fazer uma espécie de Coda de toda a série.

84

A tabelas abaixo demonstram a organização dos naipes durante a 1ª seção da conclusão. Compassos

82 - 84

85 - 87

Violinos

Violinos I a: Melodia . Violinos I b: Citação de outras bachianas. Violinos II a: Sujeito condensado em Sol frígio. Violinos II b: Dobrando Violinos I b, 1 oitava abaixo

Violinos I a: Melodia . Violinos I b: Citação de outras bachianas Violinos II a: Dobrando Violinos I b, 1 oitava abaixo Violinos II b: Sujeito condens.. em Sol frígio.

Violas

Violas I: Suporte harmônico. Violas II: Sujeito condensado em Sol frígio, 1 oitava abaixo dos violinos II a

Contraponto livre

Violoncelos

Violoncelos I – Melodia. Violoncelos II – Suporte harmônico.

Idem

Contrabaixo Suporte harmônico. Mov. em quintas

Idem

Tabela 4.4:6: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Conclusão - 1ª seção - Estrutura Melódica

Compassos

88 - 90

91 - 92 - Cadência

Violinos

Violinos Ia e Ib: Melodia em quartas Violinos Ic: Citações de outras bachianas. Violinos IIa: Sujeito condensado em Sol frígio. Violinos IIb: Dobrando Violinos I c, oitava abaixo

Violinos Ia e Ib: Melodia em quartas Violinos IIa: Melodia Violinos IIb: Sujeito condensado em 2 compassos – Dó menor .

Violas

Violas Ia : Melodia. Violas IIb: Citações de outras bachianas

Contraponto livre

Violoncelos

Violoncelos: Sujeito condensado em Sol frígio

Fragmentos do sujeito condensado em Dó m

Contrabaixo Suporte harmônico em oitavas

Idem

Tabela 4.4:7: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Conclusão - 1ª seção Estrutura Melódica

85

Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga – Conclusão – 2ª seção. A 2º seção da conclusão, última do movimento, do compasso 94 ao fim, promove uma redução da estrutura melódica, voltando a estabelecer a centricidade em torno da nota Dó, fig. 4.4.28. Nestes 6 últimos compasso, ocorre mais uma vez a ambiguidade harmônica, semelhante a que ocorre no Prelúdio desta obra, pois:

Compassos

Características

94 - 95

Dó menor

96

Dó Maior

97

As presenças das notas Mi b e Mi, configurando os acordes de GMaj7(b13), G7(b13) e G7(13) respectivamente, sugerindo uma cadência menor e outra maior, na sequência, Fig. 4.4.29. e 4.4.30.

98

Acorde formado apenas pela nota Sol (Sol 1 à Sol 5), seguido de uma frase cadencial descendente.

99

Acorde formado apenas pela nota Dó (Dó 1 à Dó 4). Ausência da terça, não determinando se a resolução da cadência se dá no modo Maior ou menor.

Tabela 4.4:8: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Conclusão - 2ª seção Estrutura Melódica

Figura 4.4.28: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Conclusão - 2ª seção - redução da Estrutura melódica. cc. 94 e 95.

86

Figura 4.4.29: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Conclusão - 2ª seção - Nota Mi, configurando o modo Maior. c. 96.

Figura 4.4.30: Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga - Conclusão - 2ª seção - Cadência final. cc. 97 - 99.

87

4.5 Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Modelagem Sistêmica Parâmetros

Modelagem

Gênero

Fuga

Forma A

B

C

D

E

Proporção entre Duração e Intervenção instrumental nas seções. A = 1ª Entrada; B = 1º Episódio; C = Entrada Intermediária; D = 2º Episódio E = Conclusão Instrumentação

Violinos I e II; Violas I e II; Violoncelos I e II e Contrabaixos

Estrutura harmônica

Modal e Tonal

Estrutura melódica

Contraponto

Tabela 4.5:1: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Macroestrutura - Modelagem Sistêmica

Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

A cada reexposição do tema, ocorre uma variação/ incremento na estrutura 1ª Exp.: Sujeito: Cellos 2ª Exp.: Sujeito: Violas - Contra sujeito: Cellos 3ª Exp.: Sujeito: Contrabaixos - Contra sujeito: Violas e Cellos 4ª Exp.: Sujeito: Violinos II - Contra sujeito: (Variação) c/ Cellos e Contrabaixos 5ª Exp.: Sujeito: Violinos II - Contra sujeito: Violas I e (Variação) Contrabaixos 6ª Exp.: Sujeito: Violinos I (Oitavas) Contra sujeito: (Variação) Violas. Cellos e Contrabaixos 7ª Exp.: Sujeito: Cellos e Contrabaixos Contra sujeito: Violinos I e II; Violas

Estrutura rítmica

F.C.: 11/8. sujeito apresenta contraste rítmico em relação ao movimento anterior e a cada reexposição a estrutura rítmica é incrementada com outras vozes.

Estrutura harmônica Modal: Fá dórico e Dó eólio. Estrutura melódica

1ª exp. c/ 1 camada; 2ª exp. c/ 2 camadas; 3ª exp.: 2 comp. c/ 3 camadas e 2 comp. c/ 2 camadas; 4ª exp.: 2 comp. c/ 4 camadas e 2 comp. c/ 2 camadas; 5ª exp. c/ 4 camadas; 6ª exp.: 2 comp. c/ 4 camadas e 2 comp. c/ 3 camadas; 7ª exp.: 2 comp. c/ 4 camadas e 2 comp. c/ 3 camadas.

Tabela 4.5:2: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 1ª Entrada - Modelagem Sistêmica

88

compassos 29 ao 32 Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

Violinos, Violas, Violoncelos e Contrabaixos.

Estrutura rítmica

Notas longas, fragmentos de melodias. Gradativa redução da estrutura rítmica

Estrutura harmônica

Mib. Variedade harmônica.

Estrutura melódica

Gradativa redução da atividade melódica: Violas: Variações do sujeito → Fragmentos → Notas longas Cellos: Var do Contra Sujeito → Fragmentos → Pausas e Notas longas Baixos: Var do Contra Sujeito → Fragmentos → Pausas e Notas longas

Tabela 4.5:3: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 1º Episódio - 1ª seção - Modelagem Sistêmica.

compassos 33 ao 36 Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

Violinos, Violas, Violoncelos e Contrabaixos.

Estrutura rítmica

Maior redução da estrutura rítmica: melodia + acompanhamento harmônico.

Estrutura harmônica

Mi b. Igual à seção anterior.

Estrutura melódica

Violinos: 2ª variação do Sujeito Violas: Notas longas Violoncelos e Contrabaixo: Pausas e notas longas

Tabela 4.5:4: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 1º Episódio - 2ª seção - Modelagem Sistêmica.

compassos 37 ao 44 Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

Violinos, Violas, Violoncelos e Contrabaixos.

Estrutura rítmica

Fragmentos melódicos sobre suporte harmônico com notas longas

Estrutura harmônica

Mi b. Final: Cadência para Dó menor

Estrutura melódica

Violinos: Fragmentos menores. Pergunta e resposta entre Vln II e II Violas, Violoncelos e Contrabaixo: Notas longas

Tabela 4.5:5: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 1º Episódio - 3ª seção - Modelagem Sistêmica.

89 compassos 45 ao 51 Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

Violinos, Violas, Violoncelos e Contrabaixos.

Estrutura rítmica

Predominância de semicolcheias sobre notas longas

Estrutura harmônica

Mi

Estrutura melódica

Ponto culminante do movimento. 2 camadas melódicas.

b

Violinos: Melodia descendentecom appoggiaturas de Láb 4 à Mi

b 3. Vln I e II em

oitavas; Violas: 2º contra sujeito; Violoncelos I: Melodia descendente com appoggiaturas, 2 Oitavas abaixo do Vln I Violoncelos II – apoio harmônico; Contrabaixo: Apoio harmônico Tabela 4.5:6: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 1º Episódio - 4ª seção - Modelagem Sistêmica.

compassos 51 ao 55 Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

Violinos, Violas, Violoncelos e Contrabaixos.

Estrutura rítmica

Grande redução na estrutura rítmica. Mudanças de fórmula de compasso – ritardando Redução do andamento

Estrutura harmônica

Mi b

Estrutura melódica

Grande redução na estrutura melódica. Notas longas e poucos fragmentos melódicos.

Tabela 4.5:7: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 1º Episódio - 5ª seção - Modelagem Sistêmica.

compassos 56 ao 71 Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

Violinos, Violas, Violoncelos e Contrabaixos.

Estrutura rítmica

Volta ao tempo original → molto rallentando no final → Fermata

Estrutura harmônica

Mi b m → Resolução em Si menor

Estrutura melódica

Violinos I: Basicamente Notas longas. Algumas notas curtas em divisi em formando acordes com outras vozes; Violinos II: Novo tema de caráter reflexivo e inconclusivo → Notas longas em divisi → Notas curtas (acordes) → Entrada falsa do sujeito condensado; Violas: Notas longas → Resposta ao tema dos Vln II → Notas longas Violoncelos: Basicamente notas longas → Notas curtas (acordes); Contrabaixo: Entrada falsa do sujeito → Notas Longas

Tabela 4.5:8: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - Entrada Intermediária - Modelagem Sistêmica

90

compassos 72 ao 81 Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

Violinos, Violas, Violoncelos e Contrabaixos.

Estrutura rítmica

Basicamente melodia em colcheias sobre acompanhamento com semínimas. Rallentando.

Estrutura harmônica

Dm7(b5) com 9ª maior e 13ª Maior → Cadência para Dó menor (c. 81)

Estrutura melódica

Redução abrupta da estrutura melódica, com adição de outras vozes na sequência, indo de 1 camada para 3 camadas melódicas. Violinos I: Pausa. cc. 80 e 81: Citação de melodia das Bachianas nº 1 e 2; Violinos IIa: Idem; Violinos IIb: cc. 80 e 81 Contraponto; Violas: Sujeito em Dm7(b5) → Cantus firmus para exposição do sujeito dos contrabaixos → cc. 78 e 79 frase ascendente; Violoncelos: Pausas → Contraponto; Contrabaixo: Sujeito em Lá eólio → cc. 78 e 79 frase ascendente, junto com as violas

Tabela 4.5:9: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - 2º Episódio - Modelagem Sistêmica.

compassos 82 ao 99 Parâmetros

Modelagem

Instrumentação

Tutti

Estrutura rítmica

Aumento da estrutura rítmica, volta ao tempo original com decréscimo nos dois últimos compassos.

Estrutura harmônica

Dó menor → Pequena passagem em Dó Maior ->Ambiguidade harmônica na cadência final → resolução apenas na nota Dó

Estrutura melódica

Sujeito condensado em Sol frígio e Dó eólio; Citações de outras Bachianas; Vlns I a: Melodia. Quartas; Vlns I b: Citação de outras bachianas → Melodia em quartas Vlns I c: Citação de outras bachianas Vlns II a: Sujeito condensado em Sol frígio → Dobrando Violinos I b, 1 oitava abaixo Sujeito condensado em 2: Dó menor Vlns II b: Dobra. Violinos I b, 1 oitava abaixo → Sujeito condensado em Sol frígio Dobrando Vlns I c, 1 oitava abaixo → Sujeito condensado em 2 comp. - Dó m Vlas I: Suporte harmônico → Contraponto livre → Melodia → Contraponto livre; Vlas II: Sujeito condensado em Sol frígio, 1 oitava abaixo dos Vlns II a → Contraponto livre → Citações de outras bachianas ->Contraponto livre; Vlc I – Melodia. Sujeito condensado em Sol frígio → Fragmentos do sujeito → condensado em Dó menor; Vlc II – Suporte harmônico. Sujeito condensado em Sol frígio → Fragmentos do sujeito condensado em Dó menor; Baixo → Suporte harmônico. Mov. de quintas.

Tabela 4.5:10: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Microestruturas - Conclusão – Modelagem Sistêmica.

91

4.6 Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga – Planejamento Compositivo Dentre as principais características que diferenciam os dois movimentos das Bachianas Brasileiras nº 9, destacamos a estrutura rítmica da Fuga, cujo sujeito possui por si só uma célula rítmica bem marcante e característica de todo o movimento. Para a seção rítmica (Bateria e Contrabaixo), que não teve um papel importante durante o Prelúdio, ficou pré-determinado que será sua função executar um ostinato, com características de samba em 11/8, com o intuito de destacar e apoiar a rítmica do sujeito da Fuga, gerando assim uma novidade tanto na instrumentação, quanto na estrutura rítmica. Como a transcrição da peça, escrita para orquestra de cordas, se dará para um quinteto instrumental, o qual possui 3 instrumentos melódicos, uma vez que o Contrabaixo ficará com uma função rítmica, executando um ostinato, algumas vozes do arranjo original serão reduzidas, adaptadas ou, em último caso, omitidas sem no entanto, alterar o caráter melódico e contrapontístico da obra. Tais decisões serão tomadas com bases artísticas e técnicas, ao longo da elaboração da transcrição. Originalmente, a exposição do sujeito e do contra sujeito na 1ª Entrada é somam 7 repetições. Optamos por reduzir o número de exposições do sujeito pelos seguintes motivos: primeiro pelo fato do menor número de instrumentos melódicos disponíveis para a transcrição e

o segundo motivo, nos pareceu que seria muito desgastante para os instrumentistas

executarem tantas repetições utilizando instrumentos de sopro, uma vez que ainda terão no desenvolver da peça uma seção de improvisos. No caso específico do Trompete, por ter que executar linhas melódicas na região aguda, podendo gerar um grande desgaste na embocadura do instrumentista. O planejamento compositivo a seguir visa organizar as informações colhidas durante a análise e modelagem das Bachianas Brasileiras nº 9 - Fuga, afim de uma melhor visualização macro e microestrutural da obra, fornecendo subsídios para a elaboração da transcrição. Como em todo planejamento, todas as ações serão pré-determinadas, o que não significa que algumas ações não poderão ser modificadas ao longo do trabalho. Como foi dito na introdução deste trabalho, uma das principais características da MIB, está no fato de que quase sempre é obrigatória na sua estrutura e arranjo, a uma seção destinada para os improvisos dos músicos, fato este que não ocorre no gênero em que se enquadra as Bachianas Brasileiras, o neoclassicismo. Assim, ficou pré-determinado que a seção

da

Entrada

intermediária

da

fuga

será

remodelada

para

esse

fim.

92 Parâmetros

Modelagem

Planejamento

Gênero

Fuga

MIB - Samba

Forma

1ª Entrada 1º Episódio Entrada Intermediária 2º Episódio Conclusão

Próximo da peça modelada. Inclusão de uma introdução que terá a função de interlúdio entre os movimentos Prelúdio e Fuga. Redução do número de exposições do sujeito na 1ª Entrada. Inclusão de seções de improviso. Alteração na última seção da Conclusão.

Instrumentação

Violinos I e II; Violas I Sax Tenor, Trompete, Piano, Contrabaixo e e II; Violoncelos I e II e Bateria Contrabaixos

Estrutura rítmica

Basicamente em 11/8

11/8

Estrutura harmônica

Tonal

Idêntico à peça modelada

Estrutura melódica

Contraponto

Idêntico à peça modelada

Tabela 4.6:1: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga - Planejamento Compositivo – Macroestrutura

Parâmetros

Modelagem

Planejamento

Instrumentação

Exposição: 1ª Exp.: Sujeito: Vlc 2ª Exp.: Sujeito: Vlas - Cont. Suj.: Vlc 3ª Exp.: Sujeito: Baixos - Cont. Suj.: Vlas e Vlc 4ª Exp.: Sujeito: Vlns II - Cont. Suj.: Variações c/ Vlc e Baixos 5ª Exp.: Sujeito: Vlns II - Cont. Suj.: Vlas I e (Variação): Baixos 6ª Exp.: Sujeito: Vlns I (Oitavas) Cont. Suj.:(Variação) Vlas. Cellos e Baixos 7ª Exp.: Sujeito: Vlc e Baixos Cont. Suj.: Vlns I e II; Vls

Exposição: 1ª Exp.: Sujeito: Piano 2ª Exp.: Sujeito: Sax Tenor Cont. Suj.: Piano 3ª Exp.: Sujeito: Trompete Cont. Suj.: Sax Tenor Var. Cont Suj.: Piano 4ª Exp.: Sujeito: Piano Var. Cont. Suj.: Sax Tenor 5ª Exp.:Sujeito: Piano + Trompete Cont Suj.: Sax Tenor

Estrutura rítmica

F.C.: 11/8. sujeito apresenta contraste rítmico em Idêntico à peça modelada relação ao movimento anterior e a cada reexposição a estrutura rítmica é incrementada com outras vozes.

Estrutura harmônica Modal: Fá dórico e Dó eólio.

Idêntico à peça modelada

Estrutura melódica

1ª exposição. c/ 1 camada melódica sem acompanhamento rítmico Da 2ª à 5ª exposições: ostinato rítmico do Contrabaixo e Bateria sob: 2ª exposição c/ 2 camadas melódicas; 3ª exposição c/ 3 camadas melódicas; 4ª e 5ª exposições c/ 2 camadas melódicas;

1ª exp. c/ 1 camada; 2ª exp. c/ 2 camadas; 3ª exp.: 2 comp. c/ 3 camadas e camadas; 4ª exp.: 2 comp. c/ 4 camadas e camadas; 5ª exp. c/ 4 camadas; 6ª exp.: 2 comp. c/ 4 camadas e camadas 7ª exp.: 2 comp. c/ 4 camadas e camadas

2 comp. c/ 2 2 comp. c/ 2 2 comp. c/ 3 2 comp. c/ 3

Tabela 4.6:2: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga - Microestruturas - 1ª Entrada Planejamento - Compositivo

93

Parâmetros

Modelagem

Planejamento

Instrumentação

Violinos, Violas, Violoncelos e Contrabaixos. Todas as seções.

Idêntico às seções anteriores

Estrutura rítmica Notas longas, fragmentos de melodias. Gradativa Ostinato da bateria e contrabaixo redução da estrutura rítmica a cada seção do com menor intensidade rítmica para movimento. garantir o contraste com a seção anterior. Estrutura harmônica

Mi b. Variedade harmônica.

Os acordes gerados pelas vozes serão traduzidos em cifras reproduzindo quando possível uma harmonia mais próxima do original; Caberá ao Piano e Contrabaixo o apoio harmônico nas seções; O Contrabaixo executará as tônicas dos acordes ou os baixos, nos casos de inversões. Algumas mudanças nas inversões dos acordes serão propostas, afim de gerar um encadeamento melódico mais linear para o Contrabaixo.

Estrutura melódica

Gradativa redução da atividade melódica a cada seção; O trompete executará primordialmente as linhas dos Violinos; Basicamente as linhas melódicas do 1º episódio, por instrumento são: Caberá ao Saxofone Tenor as linhas de contraponto executado pelas Violinos: Notas longas, Variações do sujeito, Violas e Violoncelos; Fragmentos melódicos da var. do sujeito, frase em pergunta e resposta, entre Vln II e II e appoggiaturas; O Piano ficará basicamente com a função harmônica, porém algumas Violas: Variações do sujeito, Notas longas, linhas melódicas poderão ser Fragmentos melódicos da var. do sujeito executadas pela mão direita do instrumentista. Violoncelos: Contrapontos, Fragmentos melódicos, Notas longas e appoggiaturas. O Contrabaixo executará às tônicas dos acordes ou os baixos, quando Contrabaixos: Contraponto (Dobra oitava abaixo) houver inversões de acorde. Fragmentos melódicos, Notas longas para suporte harmônico.

Tabela 4.6:3: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga - Microestruturas - 1º Episódio Compositivo

1ª Seção - Planejamento

94

A Entrada Intermediária será remodelada com o intuito de abrir espaço para os improvisos dos músicos, porém, algumas características originais da seção serão mantidas. O tema introdutório, bem como a reexposição do sujeito em Eb menor do início da Entrada Intermediária serão mantidos como um espécie de ponte para o seção de improviso que será inserido na seção, remetendo à harmonia da da 1ª entrada. Tal seção será encarada como uma expansão do desenvolvimento da Entrada Intermediária. A harmonia estabelecida para os improvisos remeterá à Entrada Principal, seguindo um dos preceitos mais aplicados à MIB, que é o de se improvisar sobre a forma e a melodia principal ou tema principal. Como as principais características de uma Fuga são as presenças do Sujeito, Contra Sujeito, Contrapontos Livres, Imitações e Imitações rigorosas "Cânones", ficará preestabelecido que em algum momento dos improvisos, dois músicos improvisarão ao mesmo tempo. Essa improvisação coletiva, também uma característica da MIB, principalmente contemporânea, fará uma alusão à técnica do Stretto, porém sem o rigor da mesma pelo fato de ser tratar de improvisos. Ao final dos improvisos, a transição para a próxima seção será feita após um solo livre de bateria que, ao final, deverá reexpor o ostinato rítmico do início do movimento, para preparar a entrada dos demais instrumentos. Parâmetros

Modelagem

Planejamento

Instrumentação

Violinos, Violas, Violoncelos e Contrabaixos. Idêntico à seção anterior.

Estrutura rítmica

Volta ao tempo original, porém de forma Volta ao tempo original, indecisa, ocorrendo um molto rallentando no porém sem rallentando. final → Fermata

Estrutura harmônica

Mi b menor → Resolução em Sí menor

Mi b menor → Chorus para improvisos em Fá dórico e Dó eólio.

Estrutura melódica

Vlns I: Basicamente Notas longas. Algumas notas curtas em divisi em formando acordes com outras vozes; Vlns II: Novo tema de caráter reflexivo e inconclusivo → Notas longas em divisi → Notas curtas (acordes) → Entrada falsa do sujeito condensado; Vlas: Notas longas → Resp. Sujeito. Bachianas Brasileiras nº 9 - Prelúdio Acorde inicial ln II → Notas longas Vlc: Basicamente notas longas → Notas curtas (acordes); Baixo: Entr. falsa do sujeito → Notas Longas

Piano: Executará o novo tema e a entrada falsa do sujeito, como uma ponte para o chorus dos improvisos. Solo livre de bateria como transição para o 2º episódio.

Tabela 4.6:4: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga - Microestruturas - Entrada Intermediária e Improvisos Planejamento Compositivo

95 Parâmetros

Modelagem

Instrumentação Violinos, Violas, Violoncelos e Contrabaixos.

Planejamento Redução da camada instrumental, começando pelo Sax tenor e acrescentando o Piano, Contrabaixo e Trompete consecutivamente.

Estrutura rítmica

Basicamente melodia em colcheias sobre Sem Rallentando; acompanhamento com semínimas. A redução inicial da estrutura rítmica se dará Rallentando. com a ausência da bateria, para a sua volta posterior para caracterizar o aumento na estrutura, na conclusão do movimento.

Estrutura harmônica

Dm7(b5) com 9ª maior e 13ª Maior → Idêntico à peça modelada. Cadência para Dó menor. c. 81.

Estrutura melódica

Redução abrupta da estrutura melódica, com Semelhante à peça modelada: adição de outras vozes na sequência, indo de 1 Exposição do sujeito em Dm7b5(9) pelo Sax camada para 3 camadas melódicas; tenor; As principais características melódicas desta Exposição do sujeito em Lá eólio pelo piano; seção são: Acréscimo das camadas melódicas através Citação de melodia das Bachianas nº 1 e 2; dos Contrabaixos e Trompete; Contraponto livre; Sujeito em Dm7(b5) e Lá eólio. Cantus firmus para exposição do sujeito dos contrabaixos; Melodia ascendente.

Tabela 4.6:5: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga - Microestruturas - 2º Episódio - Planejamento Compositivo

Parâmetros

Modelagem

Instrumentação Tutti

Planejamento Tutti. Acréscimo da bateria.

Estrutura rítmica

Aumento da estrutura rítmica, volta ao tempo A volta da bateria dará a conclusão o aumento original com decréscimo nos dois últimos da estrutura rítmica proposto pela peça compassos. original.

Estrutura harmônica

Dó menor → Pequena passagem em Dó Idêntico à peça modelada. Maior →Ambiguidade harmônica na cadência final → resolução apenas na nota Dó

Estrutura melódica

As principais características melódicas da Semelhante à peça modelada, procurando conclusão são: contemplar as principais características melódicas da seção. Sujeito condensado em Sol frígio e Dó eólio; Sujeito condensado em 2: Dó eólio Alteração na última seção da Conclusão. As Sujeito condensado em Sol frígio melodias serão substituídas por um Citações de outras Bachianas; movimento harmônico cadencial para Melodia. Quartas; conclusão na nota Dó executada em 3 oitavas. Melodias com dobras em oitavas Contraponto livre Suporte harmônico. Mov. de quintas do baixo

Tabela 4.6:6: Bachianas Brasileiras nº 9 – Fuga - Microestruturas - Conclusão - Planejamento Compositivo.

96

5 Conclusão Ao concluir este trabalho, algumas reflexões são importantes para avaliar ou reavaliar a importância e o papel dos principais pilares propostos no início desta tarefa e, ao mesmo tempo, indagar quais outros aspectos relevantes foram surgindo com o desenvolvimento desta pesquisa. Como o tema proposto para este trabalho de conclusão de curso é Bachianas Brasileiras nº 9 – Processos de Hibridação com a Música Instrumental Brasileira, talvez o seu principal legado seja a reflexão sobre os aspectos levantados durante a pesquisa, tendo-se plena consciência de que vários outros pontos de vistas não foram contemplados e que aqui chegamos a apenas um dos diversos processos de hibridação. Essa reflexão sobre a ideia inicial forçou a busca por uma compreensão mais profunda sobre contextos culturais e históricos, deixando de se tratar apenas de uma questão musical, mas ampliando os horizontes para uma visão mais completa sobre hibridação cultural. Para isso foi muito importante explorar opiniões de vários autores sobre a vida e a obra de VillaLobos, traçar paralelos com outros compositores, suas obras e contextos históricos. Em relação à análise musical, a primeira certeza que este trabalhou proporcionou é que muito mais poderia ser explorado e que muitas informações ainda emergirão do código musical de Villa-Lobos, principalmente da peça que é o foco desta pesquisa, as Bachianas Brasileiras nº 9. Para isso, mais tempo seria necessário, além de um domínio mais adequado das ferramentas de análise. Porém, entendemos que as informações obtidas através da análise musical foram suficientes para o propósito deste trabalho , que era o de transcrever a peça, de caráter e formação erudita, para o universo da música instrumental brasileira. Essa parte do trabalho nos proporcionou um aprimoramento dos conhecimentos de análise harmônica, bem como nos colocou em contato com ferramentas novas, que não faziam parte do nosso repertório, tais como a Teoria dos Conjuntos, através da obra Introdução à Teoria Pós-Tonal, de Joseph Nathan Straus, que foi fundamental para visualizar simetrias, tanto melódicas quanto harmônicas, como no caso do Prelúdio. A análise harmônica, com auxílio da Teoria dos Conjuntos, gerou e fundamentou a ideia de utilizar acordes híbridos na transcrição, como forma de interpretar e cifrar a harmonia gerada pelas linhas melódicas da peça original. O contato com a obra Counterpoint is Style of J.S. Bach, de Thomas Benjamin, foi muito importante para analisar e compreender a estrutura de uma Fuga, sendo fundamental

97

também para nos proporcionar a ideia de sugerir uma improvisação coletiva, durante a seção de improvisos, simulando um Stretto, com a finalidade de utilizar uma técnica de composição com um objetivo criativo, em tempo real. As análises melódicas evidenciaram várias citações de outras Bachianas Brasileiras e de outras obras de Villa-Lobos, proporcionando, ao nosso ver, uma instigante hipótese: Seria as Bachianas Brasileiras nº 9 uma espécie de Coda de toda a série? Hipótese essa que merece ser analisada com mais profundidade, em outra oportunidade, para ser confirmada ou não. A Modelagem Sistêmica se mostrou muito objetiva e eficaz para trabalhar com as informações obtidas através da análise musical, proporcionando uma organização clara e efetiva dos dados colhidos, facilitando muito os processos decisórios no momento de elaborar a transcrição, tornando-os mais ágeis. Com relação ao Planejamento Compositivo, o segundo passo da Modelagem Sistêmica, nos deparamos, em muitos momentos com um aspecto que, era previsto no início desta pesquisa, mas que, ao longo do trabalho, foi se transformando em um questionamento essencial para a obtenção de um resultado final satisfatório. Portanto, outro aspecto fundamental que se revelou durante a pesquisa foi: qual o grau de liberdade teríamos para alterar e/ou adequar o código musical original? Principalmente nas suas características mais evidentes, tais como melodias em primeiro plano, resultantes harmônicas proporcionadas pelas linhas melódicas e as questões formais da obra. Optamos pelo princípio de nos mantermos ao mais próximo do original, porém três questões foram determinantes nos momentos em que decidimos alterar a proposta original do compositor. A primeira questão girou em torno de como deveríamos proceder para adequar as melodias escritas originalmente para instrumentos de cordas, para os instrumentos de sopro e suas particularidades, tais como respiração, dinâmica e expressão. A segunda questão se deu em relação à interpretação da harmonia original que, por um lado, a utilização de cifras para determinar a harmonia da transcrição não se demonstrou muito eficaz como ferramenta analítica, porém muito efetiva para gerar uma escrita musical para os intérpretes se basearem na hora da execução, proporcionando-lhes um certo grau de liberdade interpretativa, que era umas das premissas básicas para este trabalho. Assim, a harmonia gerada na transcrição não é efetivamente uma leitura fiel do original, mas uma das possíveis leituras, que pensamos ser adequada tanto para ilustrar o que ocorre na peça analisada, quanto para a proposta final do trabalho. A terceira questão se refere à forma da peça original e a forma da transcrição. Uma diferença básica entre ambas está no fato que a transcrição previa de antemão, uma seção de

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improvisos. Tínhamos a principio três opções: manter a forma original e inserir esta seção em algum momento; trocar uma seção da peça original por uma de improvisos ou optar por uma solução intermediária, sendo esta a nossa escolha. Optamos por utilizar parte da seção de Entrada Intermediária da Fuga como seção para improvisos, pretendendo assim dar à seção de improvisos um caráter semelhante a um Episódio, ou seja, fazer parte do desenvolvimento da Fuga. Ainda na seção de improvisos, ficou estipulado que na transição de um improviso para outro, dois solistas deverão improvisar, em algum momento, simultaneamente. Com este artifício pretendemos gerar nesta seção, de forma aproximada, características típicas de uma Fuga: sujeitos, contra sujeitos, imitações e desenvolvimentos, porém de forma livre e improvisada Durante a elaboração do Planejamento Compositivo, achamos necessário fazer duas outras adaptações em relação à forma original. A primeira adaptação se deu na 1ª Entrada, onde o sujeito é exposto 7 vezes, o que pelo nosso entendimento, uma exposição tão longa seria excessivamente desgastante, principalmente para os instrumentos de sopro, uma vez que ainda haveria uma seção de improvisos pela frente, além das seções de conclusão da peça. Para evitar tal problema, estipulamos que na transcrição o sujeito seria executado apenas 5 vezes e com variação de instrumentos durante a exposição. Desta forma, esta seção nos pareceu ficar mais ergonômica para os instrumentistas. A segunda adaptação ocorreu na última seção da Conclusão onde, o caráter melódico do original, com sucessivos Allargando, nos pareceu que não iria funcionar de forma adequada para garantir um final realmente conclusivo pelo fato da ausência do papel de um Regente na música instrumental. Optamos então por um movimento harmônico para executar a cadência final, sem alterações de andamento, para obter uma maior coesão do grupo neste momento crucial da peça. Assim concluímos que este processo de hibridação musical, entre os gêneros Erudito e da Música Instrumental Brasileira nos pareceu válido e atraente pois, mais do que sobrepor um gênero ao outro, valer-se das suas tensões, geradas por características e condutas distintas, manter aspectos determinantes de ambos os gêneros em um resultado final único, permitiu ampliar nossos conhecimentos musicais, históricos e antropológicos. A intensa reflexão que este trabalho nos proporcionou certamente reverberará em nossos futuros trabalhos.

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7 Anexos - Partituras da Transcrição

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