Backup do jornalismo digital

June 4, 2017 | Autor: Ana Gruszynski | Categoria: Journalism, Online Journalism
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Backup do jornalismo digital Chapter · January 2010

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BACkuP DO jORNAlIsmO DIgItAl Aline Strelow, Ana Gruszynski e Vitor Necchi

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A práxis jornalística no ciberespaço tem demandado do campo acadêmico a sistematização de conceitos, nomenclaturas e processos que permitam delinear características singulares dos produtos – e seus desdobramentos – que vêm se desenvolvendo nos últimos anos. As perspectivas de estudo são diversas, como podemos veriicar na própria composição desta edição proposta pelo Itaú Cultural, e revelam a complexidade de uma área em constituição, que dinamiza e desestabiliza fronteiras que tradicionalmente delimitavam a proissão. Do interesse pelo mapeamento histórico, podemos passar pelo desenvolvimento e deinição de produtos, por modelos de narrativas e de design, pelo papel dos internautas e seus modos de interação, pelas novas funções dos jornalistas e suas rotinas de trabalho, pelas novas experiências de tempo e espaço. Enim, questões não faltam. Portanto, o desaio primeiro parece ser mesmo o de estabelecer pontos de vista com base nos quais se possa reletir sobre a riqueza de experiências que o jornalismo digital vem proporcionando. Como prática social condicionada historicamente, o jornalismo vem atravessando mudanças signiicativas desde sua constituição. O desenvolvimento da atividade é sistematizado por Marcondes Filho (2000) em cinco fases, que compreendem desde as primeiras manifestações do gênero até a contemporaneidade. Em linhas gerais, a pré-história do jornalismo (1631-Revolução Francesa) assinala um período em que saberes restritos a determinados grupos detentores de poder passam a circular por meio dos jornalistas. O primeiro jornalismo (1789-1830) abarca a proissionalização dos jornais, quando se destacam seus ins pedagógicos e de formação política. O segundo jornalismo (metade século XIX-início século XX) é marcado pela conformação da imprensa moderna regida pelas exigências capitalistas, período em que se confrontam mais fortemente as noções de opinião e informação no campo. O terceiro jornalismo (início século XX-década 1960), por sua vez, é caracterizado pelos monopólios das empresas de comunicação, em que as indústrias publicitárias e de relações públicas tensionam as práticas jornalísticas. O quarto jornalismo (1970-contemporaneidade) é o jornalismo da era tecnológica, que se inicia com a introdução dos computadores nos processos editoriais. A popularização da internet na década de 1990 assinala o amplo uso das tecnologias digitais, com destaque para a interatividade, a velocidade de circulação de informação e a valorização da visualidade, que implicaram profundas mudanças na proissão. Se, em um primeiro momento, as alterações tecnológicas tiveram maior impacto na produção industrial, no âmbito do trabalho cotidiano dos proissionais na produção das notícias, isso se dá, sobretudo, com a constituição da web como nova mídia. Nesse sentido, Machado (2010) airma que contemporaneamente se destacam dois usos distintos das redes telemáticas: um em que elas auxiliam na coleta de dados para o desenvolvimento de material para os meios clássicos, e outro em que todas as etapas produtivas se dão no espaço de rede, da pesquisa à circulação. Por outro lado, se na prática proissional os meios tradicionais são frequentemente tomados como referência estrutural para a produção de conteúdos dirigidos ao ciberespaço, será justamente na expansão de tal perspectiva que se dará a distinção do jornalismo digital. Hipertextualidade, interatividade, multimidialidade,

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personalização, memória e instantaneidade são características (ver Quadro 1) que demarcam modalidades diferenciadas do jornalismo que se conforma nesse novo suporte (BARDOEL; DEUZE, 2000; PALACIOS, 2003): Quadro 1 – deinições das principais características do jornalismo digital

Características do jornalismo digital Convergência dos formatos das mídias tradicioMultimidialidade nais (imagem, texto e som) na narração do fato jornalístico Capacidade de fazer com que o leitor se sinta mais diretamente parte do processo jornalístico. Isso pode acontecer de diversas maneiras: pela Interatividade troca de e-mails entre leitores e jornalistas; pela disponibilização da opinião dos leitores, como é feito em sites que abrigam fóruns de discussões; através de chats com jornalistas etc. Interconexão de textos através de links. Possibilidade de, partindo do texto noticioso, fazer links Hipertextualidade para outros textos complementares (fotos, sons, vídeos, animações etc.), outros sites relacionados ao assunto, material de arquivo de jornais, textos jornalísticos ou não, publicidade etc. Também denominada individualização. Consiste Customização/personalização na opção oferecida ao leitor para conigurar os produtos jornalísticos de acordo com seus interesses individuais Acumulação de informações, mais viável técnica Memória e economicamente na web do que em outras mídias A rapidez do acesso, combinada com a facilidade de produção e disponibilização propiciada pela Instantaneidade/atualização contínua digitalização da informação e pelas tecnologias telemáticas, permite uma extrema agilidade de atualização do material nos jornais da web Fonte: PALACIOS, 2002, p. 3-4. O jornalismo digital aparece, então, como uma atividade diferenciada, que cresce e se expande na web como espaço de publicação e distribuição de notícias (RODRIGUES; BARRETO, 2009). 20

OpçõEs tERMINOLóGICAs E EtApAs dE dEsENvOLvIMENtO A expressão jornalismo digital aqui adotada remete ao computador e à rede como determinantes tanto na produção como na circulação das informações, circunscrevendo, desse modo, o objeto de estudo. Outros termos têm sido usados em sentido similar: webjornalismo, ciberjornalismo, jornalismo on-line, jornalismo eletrônico e jornalismo multimídia. Mielniczuk (2003) demonstra que não há consenso quanto à terminologia mais adequada quando nos referimos ao jornalismo praticado na internet, para a internet ou com o auxílio da internet. Aponta, assim, distinções que podem ser feitas, tendo como referência Bastos (2000), Canavilhas (2001), Lemos (1997), Machado (2000) (ver Quadro 2): Quadro 2 – síntese de deinições de nomenclaturas

Nomenclatura Jornalismo eletrônico Jornalismo digital ou jornalismo multimídia Ciberjornalismo Jornalismo on-line

deinição Utiliza equipamentos e recursos eletrônicos Emprega tecnologia digital, todo e qualquer procedimento que implique o tratamento de dados na forma de bits Envolve tecnologias que utilizam o ciberespaço É desenvolvido utilizando tecnologias de transmissão de dados em rede e em tempo real Webjornalismo Diz respeito à utilização de uma parte especíica da internet, que é a web Fonte: MIELNICZUK, 2003, p. 44. Uma vez que as práticas e os produtos jornalísticos contemporâneos podem atravessar mais de uma esfera concomitantemente, a autora entende que as deinições não são excludentes. Observa, ainda, que pensadores norte-americanos costumam utilizar “jornalismo on-line” ou “jornalismo digital”, enquanto espanhóis preferem “jornalismo eletrônico”. De forma genérica, conforme Mielniczuk (2003), pode-se dizer que autores brasileiros seguem a tendência norte-americana. Tendo em vista o suporte, Machado (2000, p. 20) prefere a denominação “jornalismo digital” a “jornalismo online”, uma vez que a metáfora “on-line” designa a forma de circulação da notícia nesse novo formato jornalístico. Já o conceito digital – que estaria se impondo como hegemônico – assinala a particularidade do suporte de transmissão dessa forma de jornalismo. Em uma deinição sintética, o jornalismo digital é descrito como todo produto discursivo que constrói a realidade por meio da singularidade dos eventos, que tem como suporte de circulação as redes telemáticas de qualquer outro tipo de tecnologia pelo qual se transmitam sinais numéricos e que incorpora a interação com os usuários ao longo do processo produtivo. É, portanto, uma das atividades que se desenvolvem no ciberespaço.

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Na cibercultura, o suporte digital permite ao jornalismo uma modalidade de conhecimento do presente, criadora de sentido e de interpretação do real. O material jornalístico pode ser veiculado e acessado por meio de computadores, celulares, assistentes pessoais, entre outros equipamentos, por meio dos quais possibilidades de construções narrativas – que convergem para um único suporte textos, sons, imagens estáticas e dinâmicas – se diversiicam. No âmbito digital, os dispositivos ativados para cada um dos suportes em que historicamente se amparou o jornalismo – primeiro a imprensa, em seguida o cinema, o rádio e a televisão – estão integrados (BARBOSA, 2002). Pavlik (2001) entende que as transformações no campo passam pela natureza do conteúdo, do trabalho jornalístico, da estrutura das redações e das empresas jornalísticas, bem como pelas relações entre organizações de notícias, jornalistas e seus diferentes públicos. Para o autor, é possível identiicar estágios ou fases do jornalismo na web: a primeira, assinalada pelo uso de conteúdos produzidos originalmente pelo jornal impresso e sua adaptação para veiculação na internet. A segunda fase, já voltada para a circulação on-line, abrangeria tanto aspectos de design como de edição de conteúdos direcionados. O terceiro estágio implicaria o desenvolvimento de projetos especíicos para a rede, incorporando a atualização contínua de informações. Aplicados dentro de intervalos de tempo bastante reduzidos, praticamente de forma contínua, romperam com a periodicidade diária. Mielniczuk (2003), utilizando o termo webjornalismo e em linha similar a Pavlik, propõe a divisão em três gerações: 1) Webjornalismo de primeira geração: os produtos oferecidos, num primeiro momento, eram reproduções de partes dos grandes jornais impressos, agora publicados na internet. As primeiras experiências realizadas não passavam da transposição de uma ou duas das principais matérias de algumas editorias. A dinâmica de publicação seguia o ritmo do jornal impresso, com atualização a cada 24 horas. Nessa fase, os produtos são, em sua maioria, cópias para a web do conteúdo de jornais existentes no papel. Logo, a rotina de produção de notícias é totalmente atrelada ao modelo estabelecido nos jornais impressos. Não há evidências de uma preocupação em inovar na apresentação da narrativa jornalística com base nas novas possibilidades oferecidas pelo suporte digital. 2) Webjornalismo de segunda geração: no im da década de 1990, com o aperfeiçoamento e desenvolvimento da estrutura técnica da internet no país, identiica-se uma segunda fase do jornalismo digital. Mesmo atrelado ao modelo do jornal impresso, começam a ocorrer experiências no produto jornalístico na tentativa de explorar as características oferecidas pela rede. As publicações para a internet, ao mesmo tempo em que se ancoram no modelo do jornal impresso para a elaboração das interfaces dos produtos, começam as explorar as potencialidades do novo suporte. Surgem os links com chamadas para notícias de fatos que acontecem no período entre as edições impressas, o e-mail passa a ser utilizado como ferramenta de comunicação, seja entre jornalistas e leitores, seja entre leitores e outros leitores, em fóruns e listas de discussão. A elaboração das notícias passa a explorar os recursos oferecidos pelo hipertexto. A tendência, nesse momento, ainda é a existência de produtos vinculados 22

não só ao modelo do jornal impresso como produto, mas também às empresas jornalísticas cuja credibilidade e rentabilidade estavam associadas ao jornalismo impresso. 3) Webjornalismo de terceira geração: com a crescente popularização da internet e com o surgimento de iniciativas empresariais e editoriais destinadas a esse suporte, o cenário começa a se modiicar. Os sites jornalísticos extrapolam a ideia de uma versão para a web de jornais impressos existentes. É possível observar tentativas de explorar e aplicar as potencialidades oferecidas pela web para ins jornalísticos. Os produtos passam a apresentar recursos multimídia, como sons e animação; recursos de interatividade, como chats, enquetes e fóruns; e disponibilizam opções para a coniguração personalizada. O hipertexto, nesse momento, passa a ser utilizado não apenas como um recurso de organização das informações da edição, mas também começa a ser empregado na narrativa dos fatos. Além dessas características, destaca-se, também, a memória (PALACIOS, 2002), já que a acumulação de informações é mais viável técnica e economicamente na web do que em outras mídias. Ou seja, o volume de informação produzida é maior no jornalismo digital e as notícias publicadas podem ser armazenadas por meio da criação de arquivos, que podem ser acessados tanto por jornalistas quanto por leitores. Considerando que os processos produtivos incorporam cada vez mais a automatização e as bases de dados, apresenta-se uma quarta geração. Nela, as estruturas de apuração, produção e circulação de conteúdos são adequadas às características do ciberespaço e dependentes de tais bases (MACHADO et al., 2007). Na etapa de transição entre a terceira e a quarta geração, dá-se o surgimento do modelo de jornalismo em base de dados (BARBOSA, 2008), proposto como um paradigma para sites jornalísticos de peril dinâmico. Conforme a autora, a atual geração parece ter as bases de dados como um elemento estruturante. Entre as principais características que deinem o período, ela destaca: • equipes mais especializadas; • desenvolvimento de sistemas de gestão de conteúdos mais complexos, baseados em softwares e linguagens de programação open source; • acesso expandido por meio de conexões banda larga; • proliferação de plataformas móveis; • consolidação do uso de blogs; • ampla adoção de recursos da web 2.0; • incorporação de sistemas que habilitam a participação efetiva do usuário na produção de peças informativas; • produtos diferenciados criados e mantidos de modo automatizado; • sites dinâmicos; • narrativas multimídia; • utilização de recursos como RSS (Really Simple Syndication) para recolher, difundir e compartilhar conteúdos;

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aplicação da técnica do tagging na documentação e na publicação das informações; uso crescente de aplicações mash-up; uso crescente do conceito de geolocalização de notícias; uso do podcasting para distribuição de conteúdos em áudio; ampla adoção do vídeo em streaming; novos elementos conceituais para a organização da informação; maior integração do material de arquivo na oferta informativa; produtos experimentais que incorporam o conceito de web semântica; emprego de metadados e data mining para categorização e extração de conhecimento; aplicação de novas técnicas e métodos para gerar visualizações diferenciadas para os conteúdos jornalísticos que auxiliam a sobrepujar a metáfora do impresso como padrão.

Levando em conta a relevância que as plataformas tecnológicas têm, na medida em que estruturam as sistemáticas produtivas, Schwingel (2008) trata especificamente dos sistemas de publicação que perpassam as diferentes fases. Destaca experiências pioneiras que abrangeram a circulação de dados via fax, Telnet e provedores de internet de acesso restrito a clientes, que ocorreram no fim da década de 1960; experiências de primeira geração, que correspondem à transposição do impresso para a web a partir de 1992; e experiências de segunda geração, que se iniciam a partir de 1995, quando a metáfora do impresso segue sendo utilizada, mas o processo produtivo começa a apresentar algumas funções diferenciadas. As experiências de terceira geração denotam autonomia gradual em relação ao modelo impresso; é quando se introduzem os sistemas de gestão de conteúdos e os bancos de dados integrados ao produto, o que começa a ocorrer a partir de 1999. As experiências ciberjornalísticas que se iniciam em 2002 destacam-se pelo uso de bancos de dados integrados e sistemas de produção de conteúdos. O usuário, por sua vez, passa a ser incorporado na produção por meio do jornalismo colaborativo. Portanto, à medida que o ciberespaço se desenvolve, observamos a ocorrência de mudanças no jornalismo digital, que, conforme Machado et al. (2007, p. 117), podem ser assim sintetizadas: • • • •

1995-1997: reaproveitamento dos conteúdos dos meios convencionais; 1997-1999: metáfora dos meios convencionais; 1999-2000: lançamento de produtos adaptados ao novo meio; 2002 em diante: desenvolvimento de produtos articulados em torno de bases de dados complexas.

Esses diferentes modelos, conforme os autores, são complementares, podendo coexistir ou não em um mesmo período. O que determina as diferentes fases é a passagem, em cada uma delas, para um novo tipo de modelo que se torna predominante, relegando os demais a posições secundárias. 24

COMpEtÊNCIAs pROFIssIONAIs A demanda por proissionais capazes de se adequar ao mercado de trabalho passa atualmente pela capacidade de lidar com as mudanças constantes e rápidas que afetam o campo da comunicação. Convergência tecnológica e pulverização do controle dos meios pontuam o tensionamento entre práticas jornalísticas consolidadas – sustentadas por estruturas, rotinas e instituições – e outras em constituição. Estas evidenciam iniciativas diversas que se estabelecem para além dos espaços institucionais reconhecidos pelo âmbito acadêmico ou empresarial e que colocam em crise estruturas naturalizadas. Em se tratando de jornalismo digital, a lexibilidade acentuada dos processos e rotinas na rede impõe atualizações constantes. Assim, softwares, hardwares ou mesmo modos de proceder são rapidamente substituídos. Seu gerenciamento exige nova formação ou, pelo menos, o estudo de outros recursos para o domínio de uma última versão. Talvez seja possível airmar que um instrumento ainda não é plenamente dominado e o proissional já é obrigado a aprender um novo para realizar seu trabalho. O luxo de aprendizado técnico tornou-se acelerado, obrigando a desacomodação constante dos proissionais já formados, dos professores e dos alunos em formação. No âmbito acadêmico, a infraestrutura dos laboratórios de informática vincula-se ao gerenciamento de diferentes tempos que permeiam o ensino no jornalismo digital: o formativo, marcado pela grade curricular; o de aperfeiçoamento tecnológico, regido por contínuos lançamentos; o da internet, constantemente atualizado. No campo proissional, são exigidas do jornalista digital competências em todas as formas de tecnologia presentes na rede de comunicação (ADGHIRNI; RIBEIRO, 2001). Esse domínio de múltiplas formas tecnológicas transforma o jornalista digital em uma espécie de jornalista multimídia (JORGE; PEREIRA, 2009). Trata-se do jornalismo produzido no contexto digital, que precisa trabalhar com áudio, vídeo e texto para apresentação e distribuição na internet (DEUZE, 2004). A apropriação das inovações tecnológicas pela sociedade e pelos grupos proissionais constitui processos complexos. Assim foi com o surgimento da imprensa, do rádio e da televisão. As mudanças acontecem de maneiras diferentes em cada proissão. No caso do jornalismo, um dos ganhos seria uma autonomia relativa, como pontua Machado (2000). Conforme o autor, no âmbito das empresas jornalísticas, quando se conigura uma modalidade narrativa e se extrapola o domínio das habilidades vinculadas exclusivamente a uma técnica determinada, a proissão assume contornos diferenciados – em vez de desaparecer frente a uma nova revolução tecnológica, adapta-se aos meios emergentes. No jornalismo digital, mesmo que grande parte dos jornalistas ainda trabalhe na sede das empresas, a redação tende a deixar de ocupar um espaço central de encontro da equipe de proissionais para tornar-se um espaço virtual, a partir do qual se hierarquiza e edita a notícia. A informatização das redações, que atendia essencialmente à redução de custos para as empresas, agora pode também dotar os jornalistas de novos instrumentos de trabalho – de um lado, facilitando tarefas; de outro, exigindo novos conhecimentos técnicos. Isso não signiica que as redações

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físicas tendem a desaparecer – a reforma da Folha de S.Paulo, que uniicou as redações do jornal impresso e do digital, é um indício da importância que o espaço continua tendo para as empresas jornalísticas. O modo como o proissional se relaciona com a informação e as mudanças no processo de apuração têm levantado questões como: Quem é o jornalista digital? Ele é, de fato, um jornalista? Que valores balizam seu trabalho? Em que ele se difere do jornalista tradicional? A produção de notícias para a internet, que, em muitos casos, se resume à transposição (com ou sem adaptação) de material informativo produzido por outros meios (jornalísticos ou não), relaciona-se, de certa forma, com a imagem do “jornalista sentado”, que se contrapõe ao “jornalista de pé”, responsável pelo trabalho convencional de apuração (PEREIRA, 2003). Ferrari (2004) entende que, no jornalismo digital, a produção de reportagens deixou de ser um item do exercício do jornalismo. Em seu lugar, teríamos o “empacotamento” de notícias: a recepção de um material produzido, na maioria das vezes, por uma agência de notícias, que passaria pela mudança de título, abertura, alteração de alguns parágrafos, adição de foto ou vídeo etc. As funções de editor se misturariam com a de empacotador. Para a autora, haveria uma releitura da função do copidesque, na medida em que se daria um trabalho sobre um texto alheio. Nessa linha, outro aspecto a ser considerado diz respeito ao reaproveitamento (ou “reempacotamento”) de conteúdos editoriais de um veículo para outro em grupos multimídia, o que pode acarretar uma padronização de conteúdos editoriais. Corre-se o risco de reduzir a multiplicidade de fontes, explorar de modo limitado recursos especíicos dos diferentes meios, priorizar a integração de conteúdos por justaposição – texto, áudio, vídeo etc. acessíveis de maneira independente (SALAVERRÍA, 2005) – em lugar de multimídia por integração. Se a redução de custos e a velocidade de produção representam ganhos para as empresas, a publicação de conteúdo original continua sendo defendida por muitos especialistas e proissionais da área. Para Hall (2001), as competências exigidas dos proissionais que lidam com a informação digital não se restringem ao empacotamento de notícias, já que, além da habilidade no uso de softwares de publicação, eles necessitam de conhecimentos e experiência para ponderar as questões que perpassam os valores-notícia nos processos editoriais. Além disso, o autor airma que, na web, a oferta jornalística, ao proporcionar experiências cada vez mais interativas, permite que se ultrapasse o conceito tradicional de notícia, incluindo ideias, relatos, diálogos, fontes etc. Diante de um quadro em mutação, alteram-se as habilidades técnicas exigidas dos proissionais. Em entrevista a Jorge e Pereira (2009), um dos dirigentes do portal UOL, veículo do Grupo Folha, destaca, entre as qualidades do “jornalista de internet”: “Boa formação cultural, bom texto, domínio excelente do português escrito, uma língua, de preferência o inglês”. À formação, acrescentam-se dados especíicos: “Que [o proissional] não tenha preconceito nem diiculdade com internet, nem com equipamentos e software novos. 26

Que tenha curiosidade, disposição para aprender, enfrentar novas tecnologias e gadgets. Não pode ser estranho a nenhuma tecnologia”. Na mesma pesquisa, outro líder de produção do site destaca que se deve “ser mais editor que repórter, mas que se esteja apto a fazer matéria quando precisar”, e sinaliza para outros atributos pessoais: ter pique e, no mínimo, saber o que é notícia. Com base nesses dados, os autores analisam que, embora a destreza tecnológica não seja um requisito na decisão de contratar novos jornalistas – e, sim, a vontade de aprender e a disposição de explorar as tecnologias –, a ausência de preconceito quanto a novos métodos e a habilidade de entender e pensar, relacionando diversos conhecimentos, é que vem sendo uma espécie de trunfo dos jornalistas para o século XXI. Em pesquisa sobre as competências digitais, para a qual foram ouvidos professores e proissionais de comunicação de Salvador (BA), Machado e Palácios (2007) apontam a existência de uma disparidade entre as demandas identiicadas no mercado e a inserção das tecnologias digitais no ensino dos proissionais do campo da comunicação: O futuro proissional do campo da comunicação deverá ser capaz de adaptar-se a uma variedade de funções decorrentes do processo de convergência nos sistemas de produção das empresas. Se este tipo de inferência estiver correto, tudo indica que o proissional mais adequado para o novo mercado terá que ter condições de compreender processos, planejar ações, interpretar cenários e, mais importante, ser suicientemente lexível para, por um lado, se adaptar e, por outro, reagir de forma criativa aos constantes ajustes dos processos produtivos por que passam as empresas de comunicação. (MACHADO; PALACIOS, 2007, p. 81)

A dicotomia teoria versus prática, que não representa novidade no campo do jornalismo, reaparece, então, quando se discute o exercício e, também, o ensino do jornalismo digital: Da recorrente tensão entre formação teórica e prática, entre um jornalista crítico e um bom técnico, surgem problemas em torno da estruturação do currículo e da busca e adaptação de uma bibliograia pertinente para o ensino do jornalismo (Mackinnon, 2008). Essa tensão passa ainda pela formação de quadros no corpo docente que possuam adequada base teórica e experiência proissional em redações multimídia. Ora, seria no mínimo ingênuo acreditar que as adaptações feitas por conta do jornalismo pós-internet tenham dado conta desses problemas. Todo esse questionamento parece, enim, ter sido reapropriado e reinserido na pauta de discussões sobre a formação proissional do jornalista e deve ganhar nova dimensão com o im da obrigatoriedade do diploma para o exercício proissional, no Brasil (JORGE; PEREIRA, 2009, p. 60).

Em estudo recente, Amaral, Quadros e Caetano (2009) abordaram o ensino do jornalismo em redes de convergência, por meio da análise de disciplinas e formação docente. A pesquisa, inicial naquele momento,

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mostrou que atitudes e procedimentos têm sido acionados, pelas instituições de ensino superior estudadas, para a abordagem da prática jornalística tanto na esfera digital quanto na convergência desse meio com as mídias tradicionais. Essas iniciativas, no entanto, ainda são tímidas em relação ao processo efetivado nas redes sociais, ou seja, no cenário contemporâneo em que tais cursos se inserem e para o qual devem preparar os futuros proissionais. Conforme as autoras, os resultados da pesquisa, ainda que parciais, evidenciam que o avanço do ensino na compreensão do movimento da sociedade não depende de atitudes isoladas, mas de discussões e relexões conjuntas, operações sistemáticas e institucionais, às quais o referido trabalho se alia. Nesse sentido, o Mapeamento do Ensino de Jornalismo Digital no Brasil em 2010 dialoga com as demais investigações empreendidas atualmente nesse campo, para fazer emergir os avanços, as diiculdades e os tensionamentos da área, assim como para sinalizar caminhos possíveis. REFERÊNCIAs BIBLIOGRÁFICAs ADGHIRNI, Z.; RIBEIRO, G. S. N. Jornalismo on-line e identidade proissional do jornalista. Anais do X Encontro Anual da Compós, Brasília, 2001. AMARAL, A.; QUADROS, C.; CAETANO, K. E. O ensino do jornalismo digital e as práticas de convergência: análise de disciplinas e formação docente. Trabalho apresentado no VII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. São Paulo: ECA-USP, 2009. BARDOEL, J.; DEUZE, M. Network journalism: converging competences of media professionals and professionalism. Australian Journalism Review 23 (2), 2001, p. 91-103. BARBOSA, S. Modelo JDBD e o ciberjornalismo de quarta geração. Trabalho apresentado no GT 7 – Cibercultura y Tendencias de la Prensa en Internet, do III Congreso Internacional de Periodismo en la Red. Foro Web 2.0: Blogs, Wikis, Redes Sociales y e-Participación, na Facultad de Periodismo da Universidad Complutense de Madrid. 2008. BASTOS, H. Jornalismo electrónico. Internet e reconiguração de práticas nas redacções. Coimbra: Minerva, 2000. CANAVILHAS, J. M. M. Do jornalismo on-line ao webjornalismo: formação para a mudança. Biblioteca On-Line de Ciências da Comunicação, 2006. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/canavilhas-joao-jornalismo-on-linewebjornalismo.pdf. Acesso em: 10 jul. 2010. CANAVILHAS, J. M. (2001) Webjornalismo: considerações gerais sobre jornalismo na web. Disponível em: http://www. bocc.ubi.pt/pag/_texto.php3?html2=canavilhas-joao-webjornal.html. Acesso em: 8 jul. 2010. DEUZE, M. What is multimedia journalism? Journalism Studies, v. 5, n. 2, 2004, p. 139-152. FERRARI, P. Jornalismo digital. São Paulo: Contexto, 2004. HALL, J. On-Line journalism: a critical primer. Londres: Pluto Press, 2001. JORGE, T. M.; PEREIRA, F. H. Jornalismo on-line no Brasil: relexões sobre peril do proissional multimídia. Revista Famecos, n. 40, Porto Alegre, dez. 2009. LEMOS, A. Anjos interativos e retribalização do mundo. Sobre interatividade e interfaces digitais. Disponível em: http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/interac.html. 1997. 28

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