Baeta Neves, pioneiro da Conservação da Natureza

May 22, 2017 | Autor: Ignacio García | Categoria: Entomology, Forestry, Forest History
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Ficha Técnica TíTulo: Baeta Neves, Pioneiro da Conservação da Natureza uma edição de: Liga para a Protecção da Natureza auTor do livro: Ignacio García Pereda revisão do TexTo: Alexandra Cabral Batista, Ana Margarida Martins, Sara Silva, Inês Machado, Ildeberta Abreu imagens: AL (Arquivo Morto LPN, cadernos Baeta Neves); AO (Arquivo Ordem Engenheiros); BN1 (Neves, 1938); CB (Ceballos, 1945); CL (coleção de cartazes da LPN); EN (coleção Euronatura); LS (coleção Luís Seabra); coleção Neiva Vieira (NV), BN2 (Neves, 1953c); as restantes são da coleção de Ana Luísa Baeta Neves. design e edição imagens: Ana Varandas e Ignacio Garcia Pereda gráFica:

isnB: 978-989-20-6681-3 depósiTo legal:

Maio de 2016, Lisboa Edição de 1000 exemplares

NV

NV

ignacio garcia pereda

FoToBiograFia de

BaeTa neves pioneiro da conservação da naTureza

Ignacio García Pereda

BN1

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índice preFácio

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1. O ambiente de São Pedro de Moel na década de 1920

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2. Estudar silvicultura em Portugal na década de 30

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3. A luta contra a lagarta do sobreiro, a questão do DDT

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4. O contacto com Gonzalo Ceballos e os entomólogos e silvicultores espanhóis

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5. Arrábida como relíquia, a fundação da Liga para a Protecção da Natureza

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6. Os debates parlamentares, a criação da reserva da serra da Arrábida (1971)

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7. 1974-1992

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FonTes

74

BiBliograFia

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álBum: os BaeTa neves

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álBum: a Família FloresTal

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Baeta Neves (1916-1992)

preFácio Que diria Carlos Baeta Neves, se ainda tivesse connosco, sobre a valorização das questões ambientais e da conser- vação da Natureza nos tempos de hoje? Que diria o Professor Baeta Neves, se ainda tivesse connosco, sobre o que se faz hoje no sentido de aumentar o conhecimento sobre a conservação da natureza e de promover a sua assimilação na formação das jovens nas escolas e nas universidades? Queria diria o Presidente da Liga para a Proteção da Natureza, Baeta Neves, se ainda tivesse connosco, sobre o estado de conservação dos ecossistemas naturais e dos valores de capital natural mais signiicativos? Estamos certos que os sentimentos se dividiriam. Por um lado, certamente que se sentiria recompensado pelo progresso que se registou na consciencialização das questões ambientais e de proteção da natureza e por ter precoce e visionariamente empreendido esse caminho; por outro, verdadeiramente inconformado por a cidadania informada e verdadeiramente comprometida com a valorização e proteção dos valores ser, apesar de tudo, relativamente diminuta e, por im, indignado com a desproporção entre o edifício legislativo e formal de proteção da Natureza e a sua real salvaguardada bem como o investimento público e privado reduzido que é feito na sua gestão ativa. Nunca as questões ambientais estiveram tão em foco, nem o reconhecimento que se dá à natureza como elemento crítico da sobrevivência humana foi tão desenvolvido mas, ainda assim, também nunca se teve tão de perto das consequências do inadequado uso dos recursos poderem ser mais tangíveis e acentuadamente irreversíveis. Naturalmente, que os efeitos mais importantes sobre o ambiente e a natureza decorrem das dominantes e cada vez mais globalizadas economias capitalistas assentes num progressivo e desigual poder de apropriação e mau uso dos recursos, gerador de desigualdades económicas, sociais e territoriais. Mas, assenta igualmente, na debilidade de avaliação ainda relativa das sociedades humanas e das suas lideranças que tardam em fazer as opções de modelos e estratégias de desenvolvimento que internalizem que a sustentabilidade, entendida como a possibilidade de ser possível produzir, consumir e utilizar a ritmos e dimensões que sejam compatíveis com a reprodução e regeneração natural e temporal dos recursos naturais, obriga a recusar ou, nalguns casos mesmo, a regredir ou substituir modelos de progresso impossíveis. Neste contexto é absolutamente vital uma aposta muito forte na educação e formação de consciências, única forma das atuais mas, sobretudo, as novas gerações, aquando chamadas a fazer opções de estratégias, modelos ou políticas de desenvolvimento possam escolher outras opções baseadas em maior solidariedade e mais sustentabilidade. Foi sempre esta uma noção muito presente em Baeta Neves, sendo conhecidas as referencias que fazia, com alguma frequência, à pouca mobilização dos cidadãos ou ainda a uma certa indiferença da sociedade face aos atropelos ao ambiente e à natureza. De resto, por esta razão, Baeta Neves, apesar de vários sucessos 9

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indiscutíveis da LIGA, sempre se manifestou insatisfeito e sempre teve a visão que o desaio da conservação estava longe de estar ganho ou estável, sendo imprescindível manter uma atitude permanente e revigorada de mobilização da cidadania pelas causas do ambiente e da proteção da natureza. Ao prestarmos o reconhecimento da vida e da obra do Professor Baeta Neves, desde logo na sua relevância ímpar de pioneiro e ativista determinado e consequente da conservação da natureza e do ambiente, mas também nas suas qualidades de homem perseverante, na perseguição permanente do conhecimento e do saber, investigador de elevado nível e professor de entrega aos seus alunos procurando que fossem, para além de bons técnicos, cidadãos melhor preparados, a Liga para a Protecção da Natureza faz inteira justiça àquele que foi o seu fundador e seu líder muitos anos. Mas, nesta ocasião, a LIGA também assume o testemunho de, enquanto organização, sem similar, no movimento associativo ambientalista, manter o empenho de Baeta Neves com uma atitude de preservação e valorização ativa dos recursos naturais ancorada numa insistente, consistente e qualiicada atividade de educação e sensibilização ambiental. A LPN quer agradecer ao autor do livro Ignacio Garcia Pereda, investigador de história lorestal e também da conservação, que tem trabalhado as biograias de importantes vultos da nossa memória nas áreas do conhecimento e da intervenção cívica , com grande rigor, sentido humanístico e documentalmente enriquecidas, o se ter disponibilizado para cooperar com a LIGA neste empreendimento. Dele resultou um documento imprescindível para melhor conhecer o professor, o cientista, o ativista mas também o homem, permitindo-nos desta forma ter sempre presente a memória do seu percurso, das suas crenças, das suas motivações, do seu trabalho e da sua vida. A LPN agradece ainda toda a colaboração da família do Professor e também do Engenheiro José Neiva contribuintes importantes com documentação, testemunhos, recordações para que esta obra fosse possível. O nosso sincero obrigado. Justo ainda o agradecimento a todas as instituições que apoiaram este trabalho fornecendo materiais ou facilitando o acesso a arquivos, desde logo o Instituto Superior de Agronomia mas também o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. À Parques Sintra-Monte da Lua por, desde o primeiro contacto, ter manifestado o interesse e empenho em apoiar a edição deste livro. Sem o apoio desta empresa não teria sido possível concretizar este projeto. Por im, à Inês Machado, nossa colaborada e empenhada associada, agradecemos a sua envolvência, dedicação e empenho nesta iniciativa. Tito Rosa Presidente da Direção Nacional da Liga para a Proteção da Natureza

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Baeta Neves (1916-1992)

EN

Carta topográfica (detalhe) do Pinhal Nacional de Leiria e seus arredores, levantada e desenhada, sob a direção de Frederico Luiz Guilherme de Varnhagen em 1841; gravada em pedra a água forte por J. Lewicki; gravada e publicada no Deposito dos Trabalhos Geodésicos do Reino, em 1859.

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LS

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Baeta Neves (1916-1992)

1. o amBienTe de são pedro de moel na década de 1920 Carlos Manuel Leitão Baeta Neves começou a vida longe do campo. Nasceu em Lisboa a 31 de julho de 1916, no seio de uma família com origens em Góis e em Leiria. A maior parte da sua infância, bem como da sua vida, viveu-a na capital do país. Porém, sabe-se que desde outubro de 1917, e por pelo menos três meses, ele, o seu irmão Jorge e a sua mãe, Regina Teixeira Leitão (1889- 1977) viveram em Leiria. O pai, Fernando Bebiano Baeta Neves (1886-1923), participou, como médico, no Corpo Expedicionário Português, na I Guerra Mundial. Mas foi dispensado apenas após seis semanas de permanência em França (AMT).

Fernando, formado no Real Colégio Militar de Lisboa, tinha acabado os estudos de medicina na Escola de Medicina e Cirurgia de Lisboa em 1910, tendo depois conseguido uma especialização em oftalmologia, em Paris. Era ilho de outro médico militar, José Afonso Baeta Neves (1856-1927), casado com Fortunata Augusta Bebiano (1868-1948), ilha dos Viscondes de Castanheira de Pêra. O avô José Afonso tinha sido deputado em 1908, governador civil de Leiria em 1916, diretor do Hospital de Coimbra em 1917 e presidente da Câmara Municipal de Góis entre 1919 e 1926.

dois ilhos decidiriam, então, não deixar Lisboa para voltar a Leiria, lugar onde Regina tinha crescido e onde mantinha a maior parte da família. Em Leiria viviam os avós maternos de Carlos Manuel, Adolfo Augusto Leitão (1855-1924) e Isaura d’Almeida Teixeira. O pai de Regina chegou a ocupar o cargo de reitor do Liceu Nacional de Leiria. Em Lisboa, o fundador da Maternidade Alfredo da Costa, Augusto Monjardino (1871-1941), antigo amigo da família paterna, ajudou a viúva a conseguir uma colocação naquele hospital. Mesmo na sua condição de lisboeta, a vida e obra de Carlos Manuel Leitão Baeta Neves aparecerá sempre estreitamente ligada ao pinhal de Leiria e a São Pedro de Moel, uma pequena localidade situada a cerca de 10km da Marinha Grande. Era uma rudimentar estância balnear no princípio do século XX, época em que família Leitão começou a frequentar o local. Se, como se vê nas primeiras fotos do álbum de família, passou as primeiras férias em São Pedro com

Em janeiro de 1923, tinha Carlos Manuel apenas seis anos, o pai morreu em Berlim, havia viajado com a mulher umas semanas antes, na tentativa de curar um cancro, sem sucesso. Regina Leitão e os 15

Carlos Manuel, Regina e Jorge

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Carlos Manuel na atual Praça Afonso Lopes Vieira, em São Pedro de Moel

apenas um ano de idade, também é sabido que quase nunca falhou uma época de veraneio, embora por vezes, entrecortasse os verões com viagens turísticas pelo país, ou mesmo com deslocações ao estrangeiro. Moel vai aparecer assim, como no caso do escritor Afonso Lopes Vieira (1878-1946), como lugar de eleição (Nobre, 2003), espaço propício ao descanso e à escrita. Para Baeta Neves, lisboeta criado intramuros, ir a São Pedro era “ir à terra”. São Pedro de Moel tinha sido, desde os tempos de D. Fernando I, o porto a partir do qual se embarcavam madeiras do Pinhal de Leiria (também designado Pinhal do Rei), mais tarde usadas na construção das naus dos Descobrimentos. O Pinhal também forneceu à construção naval produtos como: pez, pixe (pez negro), alcatrão (pez líquido) e breu (pez cozido e seco), obtidos a partir das achas resinosas dos pinheiros (Gonçalves, 2015). Após a extinção da Casa do Infantado, em 1834, São Pedro passa a fazer parte do património nacional, quando existia na povoação uma serração de madeira, uma fábrica de pez e vários armazéns em frente ao porto. 16

Já nessa altura, devido à abundância que aí existia, tanto pelo pinhal, onde se podiam caçar veados, com pelo mar rico em peixe e marisco, havia referência à presença de aristocratas e burgueses que tinham casa em São Pedro. Os veraneantes procuravam este local pelas suas praias, qualiicadas como “obscuras” por Ramalho (Ortigão, 1876). A população residente era reduzida devido ao isolamento geográico. A viagem fazia-se num ronceiro comboio que levava cerca de 5 horas de Lisboa à Marinha Grande, onde se tomava o Charabã que atravessava a Mata até aquela praia (Neves, 1970, 286). Em 1880, graças aos trabalhos do silvicultor Barros Gomes, inicia-se a estrada que liga São Pedro de Moel à Marinha Grande. Barros Gomes foi, de facto, o primeiro apóstolo português da exploração técnica da loresta (Pinto, 1938, 56). Estabeleceu as normas técnicas de exploração da mata pelo respetivo ordenamento, concluído em 1889 pelo silvicultor José Lopes Vieira (1862-1907), que tinha estudado em Nancy, França (Barosa, 1977, 18). Distribuiu o pinhal por 11 divisões e 342 talhões, adotando linhas de fogo retilíneas, apropriadas a um relevo monótono de ondulações de dunas e a um extenso e uniforme areal. Preconizou uma revolução com cerca de cem anos (o número de anos para o desenvolvimento completo da árvore). O arvoredo dos cortes inais, sujeito a resinagem, começou a ser marcado com três anos de antecedência face à sua supressão, prática que se mantém atualmente. Na entrada principal do Pinhal, em Pedreanes, plantou-se a 20 de setembro de 1939 (data do centenário do seu nascimento) um pinheiro manso com três anos de idade, em homenagem a este primeiro mestre lorestal de Portugal. Assim tinha descrito Barros Gomes, em 1884, esta mata onde tanto trabalhou e estudou: na

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Bela Vista, admirei por vezes os seus 17km ao longo da costa, aparecendo como uma linha imponente de arvoredos, em formatura de parada, dóceis às regras da silvicultura sistemática, que ali as perilou para resistirem às ondas de areia, que nascem na orla marítima e crescem, e avançam, ao sopro dos ventos costeiros, devastando o pais indefeso. O Pinhal do Rei é, sem dúvida, um dos espaços fundacionais para a proissão da silvicultura em Portugal (Barros, 1884). Progressivamente vão aparecendo em São Pedro novas casas, muitas delas caracterizadas pelos típicos balcões corridos. Estas ediicações testemunham o crescimento da povoação no início do séc. XX, quando famílias da Marinha Grande, Leiria, Lisboa

e Coimbra aí passavam as suas férias de Verão. Uma das personalidades que se “apaixonou” por esta praia e pela mata foi o poeta Lopes Vieira, que aí mantinha a sua casa de praia, um presente do pai do escritor pelo seu casamento, em 1902. Ao longo dos anos, a criação artística desenvolveu-se harmoniosamente naquela casa, como um centro de conluência de importantes personalidades da cultura portuguesa. Lopes Vieira era um amante do silêncio da mata, silêncio vivo da loresta que nem por mim é perturbado para o meu incanto. Nunca conseguirei exprimir este silêncio composto de tantas respirações misteriosas, de tanta presença das Coisas? Este duplo marulho de mar longínquo e das ramagens que a aragem tange, esta sinfonia do Vago, cujo efeito musical é supremo (Nobre,

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Adolfo Teixeira Leitão (com roupa branca), num dia de caça de raposas no Pinhal de Leiria.

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uma das nossas raras estradas que deliberadamente olhou aos interesses espirituais da paisagem, preferindo mostrar o mais bonito a chegar mais depressa. Com a destruição da estrada a burocracia de Lisboa vai reduzindo uma estrada, que era interessante na Europa, a uma triste charneca! (Viera, 1927, 650).

Casa Leitão, uma das mais antigas de São Pedro de Moel, situada na rua das Antigas Serrações.

2007, 80). O poeta procurou a proximidade de silvicultores como Vieira Natividade e Arala Pinto, que lembraria os pequenos-almoços na casa do escritor, veriicando que as goluseimas de que se servia eram constituídas pelas geleias de camarinha, de medronho, ou ainda de amora de silva, que em certa abundancia existia no Pinhal (Pinto, 1952, 14). Os dois lorestais foram convidados a jantares com sopa de pôr do sol e uma sobremesa de estrelas, já que ao terminar viam-se as estrelas a brilhar no irmamento. O poeta cantou os encantos do pinhal com entusiasmo poético, para defender também as suas belezas. Contudo, nem sempre as ideias que defendeu se ajustaram harmonicamente com a orientação técnica que presidia à exploração da mata (Neves, 1968, 258). O poeta tinha diiculdades em compreender as razões pelas quais alguns dos seus desejos, manifestados aos silvicultores, como Arala Pinto, não eram considerados nas resoluções tomadas. No texto publicado em 1927, no Guia de Portugal, o poeta comentava como os exemplares de árvores gigantescas tinham, pouco a pouco, desaparecido, assinalando que em 1912 o pinheiro mais alto media 41 metros; também comentava, com pena, que os cortes projetados no ordenamento prejudicavam 20

Por volta de 1910, existiam já cerca de duzentas casas em São Pedro (Quinta, 2010, 37). A iluminação pública, feita a partir de candeeiros de petróleo, chegou a este aglomerado em 1922. Em maio de 1926, a povoação de São Pedro é entregue, pelos Serviços Florestais, à Câmara da Marinha Grande (Neves, 1967, 270). Por volta de 1930, inicia-se a construção do Bairro Novo, hoje conhecido como Bairro dos Naturais, primeiro grande passo para o desenvolvimento urbano de São Pedro. Um dos grandes responsáveis foi um tio de Baeta Neves, o jornalista, advogado e político Adolfo Teixeira Leitão. Os Teixeira Leitão tinham ligações familiares a funcionários dos Serviços Florestais, os quais tinham desempenhado, no início do século XIX, cargos oiciais (Neves, 1973). O bairro era uma iada de casas na rua Bettencourt, desde a Casa do Guarda até à instalação da antiga central elétrica; Graças a um certo sentido estético e ao bom senso, espontâneos ou imitativos, a verdade é que tal desenvolvimento se deu de uma forma surpreendentemente harmónica e em condições de não se terem dados quaisquer desses escandalosos atentados de devaneios urbanísticos [...] S. Pedro fez-se grande, cresceu, sem passar pela idade do armário (Neves, 1973, 260). Nos verões de São Pedro também estava o tio Acácio Teixeira Leitão (1894-1945), poeta e juiz em Alcobaça. Acerca da casa dos Leitão, Baeta Neves esclarecia que era o espaço ideal para retemperar forças e acalmar o espírito... avivar recordações do passado, permitir apreciar o

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presente e meditar no futuro (Neves, 1966). Pelos anos fora, a Casa Leitão, na linha da Casa Lopes Vieira, cumpriu o papel de local privilegiado ao desenvolvimento da escrita. Na década de 20, São Pedro de Moel era lugar de passagem de iguras de letras, como os advogados Vasco da Gama Fernandes e Avelino Cunhal, mas também de iguras de ciências, como a bióloga Matilde Bensaude, o entomólogo Antero de Seabra ou os silvicultores Vieira Natividade e Arala Pinto. Foi durante essas férias que Baeta Neves conheceu um ilho de Antero de Seabra, Luís, que havia de ser o seu companheiro constante ao longo da vida proissional. Mas é ainda mais importante a ênfase dada pelo silvicultor ao espaço natural envolvente, como as dunas e o Pinhal de Leiria, completando-se nesta ambivalência

do ambiente marítimo e lorestal, o “locus genesíaco” (Nobre, 2004) do engenheiro. Foi uma inluência importante para escolher o curso de silvicultor, “exercida durante toda a infância e toda a mocidade.” Moel está ligado às primeiras experiências lorestais de Baeta Neves. Num artigo de 1985, decide relembrar a prática, no pinhal, de um desporto que o rapazio praticava, englobando-se ele próprio entre os seus entusiastas. Durante o veraneio passavam-se horas a andar de “zaraguelho” (ou “zingarelho”), com certa preocupação e arrelia das mães que receavam o exagero da fadiga e não gostavam do estado de sujidade com que muitas vezes se regressava a casa. O tal desporto lorestal era apenas o descer uma pista numa encosta inclinada da duna coberta de pinhal, pista atapetada pela caruma usando para tanto uma aduela larga onde o corredor de sentava numa das extremidades

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e vincava os pés numa travessa colocada na extremidade oposta. É no im qualquer coisa semelhante ao desporto na neve, usando um tobogã... Os rapazinhos de então cresceram, izeram-se homens e deixaram de andar de zaraguelho. Mas Baeta Neves insistiu em continuar a praticar o desporto local na companhia dos descendentes e seus amigos, “todos eles surpreendidos e entusiasmados.” O mesmo rapazio tinha oportunidade de ter um forte contacto com os trabalhadores da loresta, desde os guardas lorestais até aos engenheiros silvicultores.

Exemplar de zaraguelho, de Baeta Neves

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Ao longo dos anos, este espaço de jogos e aprendizagem que foi São Pedro de Moel, nunca deixou de ser um lugar de eleição para Baeta Neves. E por isso, o silvicultor manteve-se sempre atento e crítico às perturbações do equilíbrio deste conjunto, aproveitando os jornais, nos quais podia publicar, para fazer vivas as suas impressões e sugestões; o professor observava o que se passava na zona do litoral entre a Vieira de Leiria e a Nazaré, ou melhor entre as Pedras Negras e as Paredes, a Norte e Sul de S. Pedro, cuja evolução tenho podido acompanhar ao longo de meio século, icando em especial cuidado quando a essa última povoação diz respeito (Neves, 1973).

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Jorge e Carlos Manuel

Já em 1948, Baeta Neves trocou várias cartas com Arala Pinto, ainda responsável pela gestão técnica do pinhal, acerca do corte de vários eucaliptos monumentais, na paragem da Ponte Nova. Uma ponte ainal tão velha que resolveu acabar os seus dias, e deverá ser substituída por uma construção que ofereça todas a condições de segurança e de fácil acesso. Estava em questão artiicializar o curso da água, se artiicio se pode chamar aos trabalhos de correção torrencial; trabalhos que Arala Pinto considerava necessários para a própria Proteção da Natureza, pois se deixássemos abandonados a si próprio os cursos de água em que se manifesta erosão, là se ia a paisagem por água abaixo e com ela a terrasinha que nos dá o pão. Que é bem necessário artiicializar então o curso do ribeiro de Moel demostrou-o a ruína da ponte corroída pelos seus

alicerces, mas também creio que não icara ali nada mal uma pequena barragem a formar uma cantante queda de água. As obras incluíam o corte de várias árvores monumentais, levantando “grande celeuma” em parte da colónia balnear de São Pedro, que chegou a tratar de “arboricidas” alguns dos lorestais portugueses. Para Baeta Neves as árvores eram “célebres e motivo de admiração de nacionais e estrangeiros.” Os cortes eram necessários, segundo Arala Pinto, para obter vigamento e tabuado com as dimensões suicientes para se construir um passadiço provisório, no local da ponte arruinada; seriam certamente as mesmas pessoas que tanto criticaram o corte dos eucaliptos, as primeiras a levantar o seu protesto pela falta de ligação na estrada. Para Arala Pinto os eucaliptos nem sequer eram centenários, e não possuíam características diferentes de tantos outros que há espalhados pelo país fora, a não ser o facto de estarem no meio de uma mata de pinheiros, quebrando assim a monotonia do ambiente (AML1). Nos anos 60, com as modiicações que tinha sofrido a povoação, tirando o Chalet das Matas e a Casa da Guarda, agora rodeados de casario, nada mais recorda o passado lorestal da povoação. Apenas na Praça existe ainda um chafariz onde estão gravadas as letras M. N. (Matas Nacionais). Assim como Vieira havia feito anos antes, Baeta Neves insistiu nos pedidos de preservação por certas razões estéticas, então mais ameaçadas do que nunca de se perderem. São Pedro arriscava tornar-se à força da invasão capitalista e do espirito de imitação, um S. Pedro banal. Com a piscina construída nos anos 60, não se hesitou em destruir quanto dava mais forte personalidade à sua praia, o pano de fundo das altaneiras dunas, revestidas em parte de espontânea e característica vegetação. O cimento 23

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armado, formando anónimos paredões, irá substituir, com o seu artiicialismo cru, a beleza da encosta que estabelecia, em harmonia natural, a transição entre o areal de praia e o areal de duna e, assim, entre o mar e o pinhal. Desaparecia a dependência direta e imediata de São Pedro com a mata, que fazia do conjunto um caso à parte. Mas, quase sempre, trataram-se só de apelos tardios, quixotescos, com um tom de discurso de Velho do Restelo.

24Antiga porta principal do Instituto Superior de Agronomia.

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2. esTudar silviculTura em porTugal na década de 30 No outono de 1933, depois de acabar o Curso geral dos liceus e o “Complementar de Ciências” no Liceu Camões, começado em 1926, Baeta Neves ingressa no Instituto Superior de Agronomia (ISA) como aluno de primeiro ano. Em 1938, aos 22 anos, forma-se em Silvicultura com a classiicação inal de 15 valores (AIC1); nesse ano fez o seu Tirocínio sobre entomologia lorestal, em Coimbra. O ano anterior à sua entrada, 1932, foi um ano decisivo para Portugal e para a Europa; Salazar torna-se presidente do Conselho, meses antes de Hitler vencer as eleições na Alemanha. Herdeiro do antigo Instituto Geral de Agricultura, desde 1911, o ISA republicano formaria engenheiros agrónomos e silvicultores, facultando-lhes uma maior especialização. Além da 9.a cadeira (Silvicultura e Tecnologia Florestal) criaram-se mais cadeiras: 15.a, Economia Florestal; 16.a, Engenharia Florestal – Hidráulica Torrencial, Viação e Meios de Transporte; 17.a, Aquicultura, Pesca e Caça, Regime silvo-pastoril. No 5.o ano, para os alunos que escolhiam fazer a especialidade lorestal, incluía-se um semestre com um estágio, normalmente nas Matas Nacionais. A década de trinta foi uma década de mudanças para esta instituição, que tinha conseguido novas instalações com a chegada da República; viveu-se uma forte politização do Instituto. Em 1915 foi nomeado um catedrático de Silvicultura, Mário de Azevedo Gomes (1885-1965), que chegou à pasta de Ministro

da Agricultura em 1923. Os professores notáveis, que alunos como Joaquim Vieira Natividade (18991968) lembrariam com carinho (Natividade, 1956, 15), seriam iguras como Pereira Coutinho e Manuel de Sousa da Câmara (1871-1955), que foi diretor do ISA entre 1922-1929 e 1931-1936. Os dois professores, Azevedo Gomes e Sousa da Câmara, passaram no entanto a ser marginalizados para dar lugar a personagens próximas da coniança de Salazar, como André Francisco Navarro (1904-1989); Navarro conseguiu vencer de maneira inesperada um concurso à cátedra de Arboricultura, em 1933, frente a uma das maiores promessas da ciência agronómica nacional: o próprio Vieira Natividade (Pereda, 2008). Em 1936, Navarro era já diretor do ISA (cargo ocupado até 1962), em 1938 deputado nacional e em 1940 subsecretário de Estado da Agricultura. À medida que o regime endurecia, era percetível o ambiente opressor que se ia criando em Portugal. 27

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Mas tinha sido o marginalizado Azevedo Gomes quem começou a instaurar uma série de rituais de ensino lorestal inovadores, nomeadamente o destaque que dava às visitas de estudo e aos trabalhos de campo. Conhecer aquelas Matas Nacionais que tinham sido ordenadas pelas primeiras iguras da silvicultura portuguesa era um ponto obrigatório. Assim relatava o novo boletim dos estudantes do ISA, em 1917: De 7 a 10 de Fevereiro os alunos da cadeira de Economia Florestal e do 5.o ano de Agronomia, com os professores Azevedo Gomes e Acristo Canas Mendes, percorreram a Mata Nacional de Leiria, em vários sentidos, para se elucidarem sobre as características gerais e o seu plano de exploração, conhecerem o aspecto dos povoamentos típicos e assistirem a trabalhos de sementeira de pinhal em areia (dunas) e em chão ixo, e também aos do corte inal. Tiveram ocasião de conhecer o mecanismo da defesa contra os incêndios que ali tão frequentes são. Tratava-se de aprender que ao belo ar livre e gratuito, tudo Caricatura de Baeta Neves desenhada para o livro de curso 1937-1938. O sua alcunha era Gafanhoto Elétrico.

A Nação passou a ser governada à direita, sem eleições livres, com censura, polícia política, estado corporativo, ditador. Durante o salazarismo, para se ser funcionário público passou a ser exigida a cada pessoa a assinatura de um documento que dizia: Declaro pela minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas. Os funcionários que se furtassem a estes alistamentos compulsivos eram notados e vigiados. Os professores do ISA podiam perder o emprego, era o medo funcionário de viver (Oliveira, 2005, 108). Expulsões do Instituto por motivos políticos aconteceram na década de 40 a Azevedo Gomes e Branquinho d’Oliveira, os dois muito próximos de Baeta Neves. 28

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aí se pode ensinar numa atmosfera de camaradagem sã entre alunos e mestres (Ribeiro, 1943). A geograia, bem como a silvicultura, continuava a recorrer a meios elementares de investigação: pernas irmes e olhos bem abertos. O método é a observação; e o campo de estudo a face da Terra, quer nos aspectos naturais, quer na expressão humana das regiões e das paisagens. De facto havia uma Mata, ou mais concretamente um Parque, que passou a ser o destino principal das visitas de Azevedo Gomes durante as quatro décadas em que exerceu o ensino da cadeira: o seu querido Parque da Pena. Desde 1916, tornara-se comum, no Instituto, os alunos de Silvicultura e Agronomia acompanharem o professor num percurso que durava pelo menos três dias, nos caminhos do Parque, aprendendo o historial de cada árvore (Pereda, 2011). A excursão indava com um exame escrito no último dia. Os alunos faziam longos passeios a pé, discutia-se e aprendia-se. Desde o primeiro momento, os próprios alunos,

reconheceram os pontos fortes desta metodologia: uma das vantagens mais frequentes que eu vejo nas excursões é a de fazer despertar e viçar em nós o amor pelo campo, esse amor que todos devemos ter para que depois, na vida, não nos centralizemos nas cidades, atroiando-nos em cafés e secretárias, mas sim, nos dispersemos por esse campo – trabalhando sobre a terra – o que nos viviicará em corpo e alma, viviicando conjuntamente a economia do país. Azevedo Gomes estruturava de uma maneira clara os vários dias de trabalho. O professor dividia os alunos em grupos de quatro, um dos quais – o chefe de grupo nomeado pelo professor – escolhia depois os três companheiros e orientava os trabalhos, subordinados ao seguinte programa: 1. Reconhecimento de essências lorestais: coníferas mais importantes e resinosas; 2. Estudos de árvores in-situ: colheita de exemplares para herbário, ramos, sementes e fruto (material: folhas secatórias, lupas e papel);

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Capa do livro de curso de estudantes do ISA, 1937-1938.

Baeta Neves (1916-1992)

3. Estudo detalhado de alguns exemplares: fotograias e determinação de idades (dendrómetros, compassos lorestais, ita métrica e material de fotograia); 4. Reconhecimento de manta viva: colheita de exemplares para herbário; 5. Exame de povoamentos: levantamentos topográicos e característicos do povoamento (material de topograia). Para Azevedo Gomes também outras questões deviam icar claras, tais como: a distinção entre essências de sol e de sombra; apreciar as formas das árvores; observar a inluência do meio e do modo de propagação no crescimento. Estas aulas permaneceram na memória de muitas gerações de estudantes. Eram, como lembra Henrique de Barros, as famosas excursões anuais dos quartanistas ao Parque da Pena, que o Mestre conhecia palmo-a-palmo, parcela por parcela, povoamento por povoamento, árvore por árvore, excursões durante as quais, em três ou quatro dias, quase sem dar por isso, tanto se aprendia que perdurava para o resto da vida proissional [...] De manhã à noite, sempre a pé, se estabelecia uma convivência

caracterizada por mútua simpatia: acolhedora e estimulante da parte de quem ensinava, cordialmente respeitosa da parte de quem desejava aprender (Barros, 1991). Pode-se considerar as visitas dos alunos do ISA ao Parque como um dos primeiros casos de excursionismo cientíico em Portugal. Esse tipo de visitas contribuía para a criação de uma comunidade cientíica naturalista, e serviria de plataforma para a implementação de uma nova disciplina, a Ecologia, contribuindo ainda para a implicação dos naturalistas na proteção de espaços naturais. A prática do estágio no Parque da Pena seria continuada, depois da aposentação de Azevedo Gomes, pelo seu ilho, o professor António Manuel, bem como pelo próprio Baeta Neves. Depois de Azevedo Gomes, a geração de Baeta Neves teve também dois professores que se destacaram em temas lorestais: António Mendes de Almeida e Francisco António Santos Hall. E entre os colegas estudantes de Baeta Neves, podem-se recuperar os nomes dos mais próximos, no momento de terminar os seus estudo.

Mário de Azevedo Gomes, com duas das primeiras silvicultoras de Portugal. Azevedo Gomes teve uma relação muito próxima com Baeta Neves, até a sua morte em 1965.

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1937

José Andrada de Pinho

Breves notas sobre a torrencialidade na bacia hidrográica do Mondego

Egberto Rodrigues Pedro

Levantamento estereofotogramétrico de uma zona do perímetro lorestal de Manteigas

Segismundo do Carmo Exportação de cortiças, ciclos económicos de Câmara de Saldanha 1938

José Maria Coriel de Freitas

Rio Sotam, dois casos de correção especial

José Alves

Perímetro de Manteigas, subsídios para o estudo da sua lora e mesologia

Francisco Mimoso Flores

A proteção da natureza, diretrizes especiais

Fernando Raposo

Marcha diária da exsudação da gema do pinheiro bravo

Joaquim António Soares Soeiro

Projeto de ordenamento para a resinagem da Mata Nacional do Casal da Lebre

José de Sousa Santana Marques

Contribuição para um inquérito às condições culturais dos montados de sobro de Abrantes e Gavião

Alexandre Carlos Pires de Mascarenhas

Algumas considerações sobre três métodos de análise da essência de terebintina

Carlos Manuel Leitão Baeta Neves

Caracterização especíica de Spondylus buprestoides L.

Gastão Seixas de Mesquita

Ante-projeto de um viveiro lorestal na Azambuja

Jorge Brito dos Santos

Estomas e atividade estomática no sobreiro

José Carlos Caldeira de Queirós Freire hemudo

Percentagem da casca de pinheiro bravo, tabela para a sua determinação

Ruy Peres Durao

Inluência da resinagem sobre o crescimento do pinheiro bravo

José Pacheco Torres

Estudo do lenho de algumas espécies lorestais de Timor

Orlando Vasques de Azevedo

Subsídios para o estudo do rio Ceira

Deputado (1961-1962) Vice-Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (1969-1974)

Diretor geral da DGSFA

Professor do ISA

Professor do ISA, Presidente de LPN.

Vasco Eduardo de Faria Descortiçamento dos sobreiros, contribuição para o estudo da sua Blanc Lupi inluência no desenvolvimento lenhoso 1939

Eduardo de Campos Andrada

Projeto de ordenamento da Mata Nacional de Foja

José de Orta Cano Pulido Garcia

A reconstituição da Tapada de Mafra

António de Campos Andrada

Subsídios para o estudo da percentagem de carrasca no pinheiro bravo

Luiz dos Santos Viegas de Seabra

Sobre a cicatrização das feridas de descortiçamento

Vasco de Albuquerque Quintanilha

Projeto de correção do Ribeiro das Quintas (Bacia hidrográica do rio Liz)

Chefe repartição Câmara Municipal de Lisboa

Professor do ISA

Relação dos silvicultores que acabaram os estudos entre 1937 e 1939, com os seus trabalhos finais e principais cargos ocupados posteriormente.

Baeta Neves (1916-1992)

O estudo dos vinte e três silvicultores que acabaram os estudos entre 1937 e 1939, e os títulos dos seus trabalhos inais, oferecem muita informação sobre os protagonistas da gestão lorestal portuguesa durante o segundo terço do século XX, bem como acerca dos temas fulcrais e inovadores da proissão lorestal da altura. A turma de 1938 foi umas das turmas do ISA que mais silvicultores produziu em toda a sua história antes de 1974: quinze. Noutros momentos, como nos anos 60, a percentagem de estudantes de primeiro ano que escolheriam a especialidade lorestal era extremamente baixa. Este fenómeno de 1938 pode ser explicado pelo facto de, precisamente nesse ano (em 15 de junho), ter sido aprovada a Lei de Povoamento Florestal pelo ministro Rafael Duque. Com essa nova lei o Estado reconhecia, deinitivamente, que os terrenos baldios eram mais proprícios para a cultura lorestal do que para qualquer outra (Pais, 2007, 129). Seriam, assim,

arborizados pelos silvicultores do Ministério da Agricultura, segundo projetos devidamente aprovados. Segundo a geógrafa Devy-Vareta, uma novidade desta lei era a arborização como “imposição autoritária”, ultrapassando os direitos territoriais das comunidades serranas a Norte do Tejo. Até aos anos 60 há, deste modo, trabalhos de lorestação em cerca de 300.000 hectares de baldio, o que assegurou muito trabalho aos silvicultores formados pelo ISA (Devy-Vareta, 1989). Não é portanto por acaso o grande aumento de silvicultores nesta turma concreta; a consciência de que havia novas saídas proissionais era considerável. A década de 1930 foi considerada por alguns autores como de renascimento lorestal do país (Graça, 1939, 49). Um argumento para trabalhar nas serras era o de revestir as superfícies que mais urgentemente o requerem, para atenuar as erosões que as águas ocasionam nas superfícies escalvadas carregando para o leito dos rios os materiais que desagregam e deixando por 33

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muita parte a rocha à superfície. Se no quinquénio 1931-1936 a média anual de árvores plantadas era de 1.139.151, em 1937 a quantidade era já de 2.340.431. Os serviços lorestais contavam com engenheiros civis e arquitetos, responsáveis por obras como os mais de 38 quilómetros de estradas lorestais, acabados em 1937. Outras duas instituições surgiram em 1936: a Junta Nacional da Cortiça (JNC) e a Junta Nacional dos Resinosos (JNR). As duas Juntas organizaram serviços técnicos onde trabalharam alguns dos vinte e três silvicultores antes mencionados. Baeta Neves e Brito dos Santos na primeira, que Brito chegou a presidir (Pereda, 2009). Na segunda, o professor Santos Hall ocupou vários anos a vice-presidência, mais tarde presidida por Freire hemudo, outro companheiro de turma de Baeta Neves. Por outro lado, nos temas escolhidos para os relatórios inais de tirocínios, destaca-se a relativa importância para 34

aqueles relacionados com a ciência lorestal. O próprio Mendes de Almeida, na Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas (DGSFA), tinha sido o grande responsável pela criação dos institutos de pesquisa a funcionar dentro dos Serviços Florestais: o Laboratório de Biologia Florestal (LBF), a Estação do Pinheiro Bravo e a Estação do Sobreiro. Dos jovens silvicultores mencionados, dois começaram a sua carreira proissional na Estação do Sobreiro, guiados por Vieira Natividade: Brito dos Santos e Seabra. Este último era ilho de Antero de Seabra, o principal dinamizador do LBF desde 1915. Se Brito dos Santos acabaria por ocupar um cargo diretivo destacado na JNC, Seabra manteve uma forte ligação com a prática cientíica e com o ensino, tal como Baeta Neves; foi diretor do Laboratório de Histologia e Tecnologia de Madeiras desde 1948 e, mais tarde, professor no ISA da disciplina de Tecnologia Florestal e do Curso Livre de Tecnologia da Pasta para Papel. Por seu lado, em vez de Alcobaça (onde se localizou a Estação do Sobreiro), Baeta Neves passou vários meses em Coimbra a preparar um trabalho titulado “Caracterização especíica de Spondylus buprestoides L.” O orientador do tirocínio, Antero de Seabra, tinha ocupado o cargo de chefe da secção de entomologia do LBF entre 1916 e 1935 (Neves, 1952). Ao mesmo tempo era naturalista da Faculdade de Ciências de Lisboa (até 1919) e do Museu Zoológico da Universidade de Coimbra (desde 1922). Foi na qualidade de chefe de secção da DGSFA que foi nomeado em 1923 como parte da comissão para o estudo e combate do Burgo no Alentejo. Em Coimbra, Seabra tinha como local de trabalho a Circunscrição Florestal e, depois quando o edifício desta ardeu, o Museu Zoológico da Universidade. Mais tarde os Serviços Florestais instalaram a sua Secção Entomológica em edifício próprio, nas Escadinhas do Liceu. Em 1935, por culpa da regulamentação das acumulações teve de abandonar

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a DGSFA, icando então a trabalhar apenas no Museu. Mesmo sem ligação direta aos silvicultores, Seabra aceitou formar Baeta Neves entre 1938 e 1939. Nesta primeira fase do LBF o principal problema a resolver foi o Burgo dos montados de azinho (Tortrix viridiana), uma questão que em Espanha chegou a mobilizar a ajuda económica do rei Alfonso XIII, em pessoa (Aulló, 1926). Em 1922 montou-se no Alentejo um posto em Aldeia Nova de São Bento, onde se instalaram como técnicos permanentes o silvicultor Santos Hall e o preparador Raul Gomes Lopes (Brito, 1922). Santos Hall trabalharia nesta campanha poucos meses, uma vez que em 1924 foi nomeado diretor da nova Estação Experimental do Pinheiro Bravo, na Marinha Grande. Antes desta saída, Seabra e Hall conseguiram realizar os estudos fundamentais para organizar a luta contra o nefasto inseto. Uma luta que não chegou a passar de modestos ensaios. Ficaram, contudo, registadas numerosas observações sobre a biologia e a ecologia da praga que, nos anos 50, foram a base para outra campanha iniciada pela DGSFA.

LS

Retrato de Antero de Seabra

Outra praga importante que Seabra combateu foi a Lymantria dispar, objeto de estudo em relação ao sobreiro, no Ribatejo, onde os seus ataques aumentaram rapidamente de intensidade entre 1920 e 1935, “atingindo proporções invulgares em vastíssima área.” Com Seabra estudaram-se as primeiras possibilidades da Luta Biológica como meio de combate à praga, para a qual foram criados em laboratório coleópteros predadores: Dermestes sp. e Calosoma sycophanta, e importado uma parasita de origem japonesa: Schedius kuwanaw. No intento de fazer o inventário da entomofauna das Matas Nacionais, deixou 57.258 exemplares de insetos da fauna portuguesa preparados, em 1935. Segundo Baeta Neves, a silvicultura em Portugal devia-lhe, em grande parte, os fundamentos cientíicos de todo o progresso da zoologia lorestal, em especial da entomologia.

Queima das fitas dos quartanistas, curso de Baeta Neves, no Jardim Botânico da Ajuda.

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Ignacio García Pereda Visita da turma de Baeta Neves aos Parques de Sintra em 1936. No centro da imagem os professores Mário de Azevedo Gomes, Mendes de Almeida e Santos Hall. Mendes de Almeida faleceu poucas semanas depois.

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Reunião do curso de Baeta Neves no ISA. Fotografia na entrada do edifício inaugurado em 1917. No centro da imagem, em baixo, o Professor João de Carvalho e Vasconcelos.

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3. a luTa conTra a lagarTa do soBreiro, a quesTão do ddT Ao tentar propôr soluções para resolver problemas ambientais, Baeta Neves foi confrontado com outros interesses também de extrema importância, como os interesses económicos ou os rumos do desenvolvimento técnico-cientíico. Depois de uma breve experiência dos planos de arborização, no norte de Portugal, nomeadamente na serra Amarela, Baeta Neves é nomeado, em 1940, encarregado da cheia da Secção Entomológica Florestal do Laboratório de Biologia Florestal (DGSFA). Esse cargo tinha sido ocupado anteriormente pelo seu mestre Seabra. Tinha vinte e quatro anos, era casado com uma ilha do professor Azevedo Gomes, Ana Maria, e iria ser pai em breve pela primeira vez. Quando entrou, em 1945, como professor no ISA, Neves foi obrigado a abandonar os Serviços Florestais. No entanto, entre 1945 e 1949 conseguiu ter licença para trabalhar em simultâneo para a Junta Nacional da Cortiça, como silvicultor e como Chefe da Fiscalização (1946-1947).

seguinte: ao incentivar o transe (inclusive a concessão de um subsídio por cada novo hectare de trigo), a expansão da cultura de trigo seria levada para solos com aptidão essencialmente lorestal, que icariam degradados e acabariam por ser rapidamente abandonados pelos agricultores (Freire, 2008). Com as guerras chegaram as arreias; estas são operações que perturbam a vida normal do sobreiro e o conduzem a um estado de decrepitude precoce, evidenciado por vários sintomas, entre os quais a diminuição da resistência ao ataque de pragas e doenças. Baeta Neves, em 1946, como chefe de uma inspeção da JNC aos proprietários de sobreiros a Norte do Tejo, chegou

É necessário relembrar o momento do qual se fala, o contexto lorestal português dos anos 40. Após a Campanha do Trigo (desde 1929) e da vizinhança da guerra civil espanhola durante três anos, chegaram cinco anos de guerra mundial. Os montados passaram a sofrer muito mais pressão relativamente a cortes, procura de lenhas e de cortiças; por toda a parte havia árvores despropositadamente cortadas ou exageradamente podadas e descortiçadas. Nas palavras do agrónomo Henrique de Barros (1991, 39), a crítica que devia ter sido feita à Campanha do Trigo era a 43

Ignacio García Pereda

à conclusão de que mais de 90% dos sobreiros que foram descortiçados nesse ano estavam fora dos limites legais (Neves, 1947). Sem mencionar o ciclone de 15 de Fevereiro de 1941, onde centenas de milhares de árvores foram destruídas, porquanto muito poucas das que o vendaval derrubou foi possível salvar, sobreiros do porte da maioria dos que foram vitimados, só dentro de três dezenas de anos poderão estar condignamente substituídos (BJNC, 1941, março, editorial). Nesta altura em que as árvores sofriam com especial dureza a pressão humana e ambiental, foi a “lagarta do sobreiro” o inseto que mais dores de cabeça provocou aos Serviços Florestais; Quem não

tenha ainda visitado um sobreiral completamente desfolhado pela Lymantria dispar não pode fazer uma ideia segura sobre a importância desta praga. Todas as informações que possuo não chegam; só depois de ter passado debaixo das copas nuas dos sobreiros atacados e de ter visto milhares de lagartas a subir e a descer os troncos, ou a devorar o mato, só então poderá compreender verdadeiramente o valor do problema (Neves, 1953). Em 1942, a zona abrangida pelo seu ataque vinha já desde Alcácer do Sal até Coruche. Baeta Neves devia, assim, ressuscitar o serviço de pragas lorestais no LBF que Seabra tinha liderado durante quase duas décadas. E devia fazê-lo sozinho, faltando o contacto direto com especialistas, cuja experiência e saber permitissem avaliar do grau de altura alcançada e da justeza de ideias adquiridas. Neves só quebraria essa solidão em 1945, quando teve a oportunidade de conhecer Gonzalo Ceballos em Madrid; era o primeiro entomologista lorestal com quem eu podia trocar impressões diretas (Neves, 1945). Nos primeiros anos no LBF os meios foram muitos escassos, mas um protocolo assinado em 1942 com a JNC mudaria um pouco essa situação. A colaboração com a JNC seria conirmada em 1946, e fortalecida graças a um protocolo assinado com a Associação Central da Agricultura Portuguesa. Foi criada uma “Comissão oicial para estudar e dirigir a luta contra a Lymantria,” órgão onde estavam presentes proprietários lorestais (Nunes Mexia, Manuel de Bragança, Júlio Vieira, José Lupi), a JNC e os Serviços Florestais. Três anos em que se contou com a disponibilidade de 1000 contos, distribuídos em partes iguais pela JNC, a DGSFA e os subericultores.

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Estas verbas permitiram a contratação de mais dois silvicultores, Ernesto da Silva Reis Goes (1917-2010) e Francisco Azevedo e Silva. Na questão do combate, várias possibilidades se apresentavam, destacando-se duas: a luta química e a luta biológica. Em 1946, a Comissão optou pela destruição das posturas de Lymantria, mas o sucesso teve como consequência imprevista novos ataques de extensão invulgar de outros insetos, como Tortrix viridiana (Neves, 1953). Em 1953, 30.000 hectares de montado foram tratados com uma solução oleosa de Dicloro Difenil Tricloroetano (DDT) a 6%, empregando modernos pulverizadores do tipo Blower Bufalo Turbine, ou pulverizadores de dorso de pressão prévia. O DDT, produzido nos Estados Unidos desde 1943, tinha sido utilizado durante a II Guerra Mundial para combater a vaga de piolhos que atacava os soldados. Com sucesso, mas sem que as implicações desse tratamento tivessem sido devidamente estudadas. Terminada a Guerra, a indústria química procurou uma nova utilização para as toneladas do

pesticida que tinha em stock: os insetos que atacavam as produções agrícolas foram o alvo escolhido. O entusiasmo foi imediato. Os agricultores aumentaram a produção; o Governo viu na utilização do DDT um fator de desenvolvimento económico; a indústria química viu um meio de escoar stocks e de continuar uma produção rentável; a comunidade cientíica viu o seu prestígio engrandecido, bem como uma oportunidade para demonstrar a sua importância no desenvolvimento económico e social e estreitar a sua ligação à indústria. Nessa altura em Portugal, só Baeta Neves teve a coragem de falar contra a corrente que via nos pesticidas um indiscutível bem para a humanidade. Depois de uma visita à Herdade de Palma, onde foi empregado o DDT, não pode deixar de impressionar a sensação de ausência de vida que se sentia nos pontos onde o tratamento tinha sido feito há pouco tempo (Neves, 1953). Em Janeiro de 1954, uma nova técnica foi ensaiada na luta contra as pragas lorestais (Neves, 1954): foi realizada a primeira pulverizaçao aérea em Louriçal de Campo (Castelo Branco). O ensaio foi 45

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Todavia, Baeta Neves sempre quis ponderar alguns inconvenientes. A utilização destes inseticidas orgânicos sintéticos podia trazer graves perturbações aos equilíbrios biológicos naturais. O efeito de inseticidas como o DDT não era indiferente à fauna terrestre e aquícola. Os meios químicos podiam resolver “o problema no momento, mas na maior parte dos casos, no im só agrava a situação.” Com o extermínio de espécies completamente diferentes, resultavam “profundas alterações na composição das biocenoses e biomas locais,” alterações que podiam determinar o aparecimento de novas pragas, até ali desconhecidas. Eram precisos cuidadosos estudos, antes da utilização geral dos aviões nesta luta.

fruto de uma colaboração dos Serviços Florestais com a empresa Shell Portuguesa. No acontecimento estiveram presentes personalidades como o Subsecretário de Estado da Agricultura. Foi utilizado um avião Piper 12, da Aero Condor Lda., equipado com um aparelho de pulverização Aero Spray King. Este consistia num depósito colocado no lugar do passageiro de cabine, uma bomba colocada junto ao depósito, atrás do trem de aterragem, e duas lanças horizontais, por baixo e ao longo de cada asa, distanciadas desta, quase à altura do avião. O inseticida aplicado foi o Shell Endrin, dissolvido em gásoleo. Na demonstração viu-se perfeitamente a nuvem de inseticida lançada sobre os objetivos a pulverizar. Foi evidente a rapidez na execução do tratamento, uma vez que o avião fez em 12 minutos o mesmo que um Bufalo Turbine levaria um dia a fazer, para tratar 30 hectares. 46

Outro inconveniente da luta química que Baeta Neves quis relembrar nos seus artigos, na Gazeta das Aldeias, foi o aumento da resistência dos insetos à sua ação. Este aumento da resistência já tinha sido assinalado em princípios do século XX, na Califórnia, pelo investigador Henry Josef Quayle (1876-1951). Quayle provou não só que o fenómeno era possível sobre cochonilhas tratadas com polisulfuretos, como também era um fenómeno de natureza hereditária. O silvicultor luso lembrava também demonstrações feitas na Grécia com espécies de mosquito, como Anopheles maculipennis, em relação ao DDT. Esses inseticidas são diicilmente degradáveis e permanecem por longos períodos nos locais tratados, acumulando-se e entrando na cadeia alimentar de muitas espécies, incluindo a humana. As consequências podem ser letais ou provocar várias doenças, como o cancro. Estes textos de Baeta Neves oferecem, com vários anos de antecipação, a mesma mensagem

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que publicou a bióloga Rachel Carson em 1962, com o livro Silent Spring. Carson, funcionária do United States Department of Fish and Wildlife, fez um estudo profundo sobre as consequências do DDT e de outros inseticidas de ação semelhante. E mostrou que, ao exterminar massivamente insetos “indesejáveis”, se quebrava um equilíbrio na natureza, com efeitos em cadeia a longo prazo. Rachel Carson comparou o efeito das pulverizações maciças de DDT ao de uma nova bomba atómica (Queiroz, 2008). Muitos pássaros seriam extintos, o cancro alastraria entre adultos e seria a principal causa de morte entre crianças. Esta bióloga previu até que a esperança de vida no Ocidente viria a diminuir em algumas décadas. O livro causou um profundo abalo nos Estados Unidos e houve repercussões a um nível tão elevado como o Congresso e junto do Presidente, na altura John Kennedy. Ao impacto causado não foi alheia a violenta reação da indústria química, das sociedades de agricultores e da própria comunidade cientíica. O movimento que Carson desencadeou tornar-se-ia imparável e inúmeros foram os seus apoiantes na população assustada. Na altura, Silent Spring foi considerado por alguns cientistas um clássico do apocalipse, que deixou necessariamente milhões de leitores a tremer de medo. A Academia Americana de Ciências avançou uma estimativa de que 500 milhões de pessoas tinham sido salvas pelo inseticida nas décadas de 1950 e 1960. A maior parte das denúncias era, segundo eles, exagero puro. Argumentaram que o DDT, como qualquer remédio ou pesticida, tem riscos se for mal utilizado, mas que os benefícios superavam de longe os prejuízos. De acordo com esta opinião encontrava-se

o professor Gonzalo Ceballos, que não deixou de criticar o Silent Spring na Revista de Montes, publicada em Madrid (Ceballos, 1963). Em todo o caso, depois do impacto provocado pelo livro, em 1972 a utilização do DDT nos Estados Unidos foi banida, quando a Suíça já o tinha feito em 1939. No Brasil, os inseticidas do tipo DDT só perderam autorização para utilização agrícola em 1985.

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Ignacio García Pereda Carta de Gonzalo Ceballos a Baeta Neves, de 1948, com um desenho feito pelo próprio.

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4. o conTacTo com gonzalo ceBallos e os enTomólogos e silviculTores espanhóis

Em janeiro de 1945 Baeta Neves abandonou os Serviços Florestais ao conseguir uma vaga de professor no ISA; seria assistente do agrónomo António Branquinho d’Oliveira (1904-1983), professor de itopatologia desde 1942, e como tal responsável da cadeira de entomologia agrária. O silvicultor e Branquinho só colaboraram durante cerca de três anos, já que em 1947, semanas depois da demissão de Mário de Azevedo Gomes por motivos políticos, também foram demitidos outros dois professores do ISA: Henrique de Barros e o próprio Branquinho, que manteve, contudo, a sua vaga como investigador da Estação Agronómica Nacional. Tanto Branquinho como Baeta Neves tinham aprendido, na área da Patologia Vegetal, com o professor Manuel de Sousa Câmara. No caso de Branquinho, esta injustiça frustrou todos os seus planos de formação de um escol de itopatologistas bem apetrechados para a missão que nos cabe (Amaro, 1995). Contudo, para este professor, ser Baeta Neves a continuar os seus trabalhos no ISA, não deixava de ser algo positivo: Foi com vivo interesse que acompanhei o seu primeiro curso, ouvindo muitas das suas aulas teóricas e acompanhando algumas das suas prácticas, o que me proporcionou verdadeiro deleite espiritual, dada a forma didática, clara exposição, correcção de linguagem e entusiamo com que ministrava o ensino. Nas suas lições os insectos e os seus ciclos biológicos eram enquadrados nas diferentes biocenoses, mostrando-se como as técnicas culturais devem ser um auxiliar deste

equilíbrio biológico limitador dos prejuízos económicos, tentando não afectar, tanto quanto possível, as condições do ambiente em que processa a vida rural. Em nenhum dos outros cargos que exerci senti que tivesse sido substituído com tanta vantagem (Branquinho, 1975). Poucas semanas depois de Baeta Neves assumir o cargo de professor, Branquinho assinou uma carta (a 10 de fevereiro) dirigida ao Instituto para a Alta Cultura (IAC), pedindo a concessão, ao seu colega, de uma bolsa de estudo em Espanha. O silvicultor tinha-lhe pedido conselho sobre a possibilidade de estagiar algum tempo no estrangeiro. O catedrático, dadas as diiculdades de o estágio poder ser realizado actualmente na América do Norte ou na Inglaterra, aconselhou-o a fazer uma estadia num centro de Entomologia Agrícola de Espanha, o que lhe proporcionará de tomar contacto com os principais problemas entomológicos da nação vizinha. A convivência com os entomologistas espanhóis não só lhe permitirá adquirir novas técnicas de trabalho, mas também dará ocasião de seguir trabalhos da especialidade que muito o poderão auxiliar no futuro desempenho das suas funções didácticas e de investigação (Branquinho, 1945). Noutra carta dirigida ao IAC e assinada pelo silvicultor, este comentava que já tinha adquirido a base de Sistemática de Entomologia com Seabra, mas como o nosso rumo fosse o de entomologista técnico e não o do naturalista, procurámos depois sozinhos, adquirir maior grau de especialização em Entomologia Económica (Agrícola e Florestal). Mas chegou a altura em que o contacto com meio diferente, a troca de pontos de vista, a apresentação perante novos problemas e a maneira de os encarar, dentro das realidades, e fora dos limites restritos 49

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da idealização a partir dos livros, teria para nós grande vantagem. Em Espanha havia uma grande analogia entre os problemas ali criados e os que mais preocupavam em Portugal, e ainda, a circunstância de estarmos ligados ao estudo dos problemas da Entomologia do sobreiro, problemas que atingem no caso da Lymantria dispar uma complexidade e importância excepcionais, justiica que grande parte do programa da nossa visita seja dedicado à Luta Biológica, meio de luta contra pragas bastante desenvolvido em Espanha. Do professor Gonzalo Ceballos (1895-1967) já tinha recebido auxílio em trabalhos anteriores, graças a alguma correspondência.

ministro franquista José Ibáñez Mártin (1896-1969). Este último fez questão de que fosse traduzido um dos livros de Câmara para espanhol (Câmara, 1946). Mas se, para os cientistas de Portugal, eram importantes os contactos com Espanha, para os espanhóis a ligação aos portugueses era ainda mais fulcral, já que, durante a segunda metade da década, o regime de Franco havia permanecido quase completamente isolado do panorama internacional, à exceção de Portugal e Argentina.

O pedido de apoio incluía uma dessas cartas, em que se declarava estar integrado na ordem social estabelecida pela Constituição de 1933, “com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas.” A direção do IAC, na reunião de 16 de fevereiro, resolveu conceder uma bolsa com o valor de 9.000 escudos. Baeta, no seu curriculum que tinha acompanhado o pedido, declarou um ordenado anual (com todas as gratiicações), de 13.200 escudos. Era uma excelente bolsa para passar dois meses em Espanha.

Desde o dia da sua chegada, Baeta Neves trabalhou com o professor Gonzalo Ceballos, diretor do Instituto Español de Entomologia (IEE), instalado no edifício do Museo de Ciencias Naturales. O IEE era o herdeiro da secção de Entomologia que tinha sido liderada por Ignacio Bolívar (1850-1944) antes da guerra, mas muitas coisas tinham mudado desde 1936. Lorca tinha sido assassinado perto de Granada, e Bolívar foi exilado, primeiro, no Sul de França e depois, no México, onde passou os últimos anos. O velho cientista espanhol tinha ainda presidido, em 1935, ao Congresso Internacional de Entomologia celebrado em Madrid.

O português, acompanhado pela sua mulher, chegou a Madrid a 10 de maio, arranjando alojamento na Residencia Central do CSIC, lugar onde tinham vivido, antes da Guerra Civil, intelectuais como Lorca, Buñuel ou Dali. Um agrónomo luso que estabelecia fortes ligações com os colegas espanhóis havia, pelo menos, dois anos, era António Câmara (1901-1971), diretor da Estação Agronómica Nacional, onde trabalhava Branquinho. Foi um provável motivo para este último ter sugerido ao seu companheiro a opção hispana. Câmara participou na I Reunião de Genética Aplicada em Pamplona, em setembro de 1945, onde teve oportunidade de conhecer o

Diretor do novo Instituto desde 1941, Ceballos, tendo em vista as íntimas relações entre Entomologia geral e económica, teve a preocupação de orientar os trabalhos para os grupos de insetos de maior importância agrícola e lorestal. Como exemplo, em 1941, foi comissionado um dos seus colaboradores, Eugenio Morales para estudar o problema da lagosta do deserto no Saara e em Marrocos. No IEE, Baeta Neves encontrou muitos elementos a considerar, com vista à possível criação de um centro do mesmo tipo em Portugal. O grupo espanhol, depois das importantes perdas de técnicos na guerra, trabalhava ainda em regime transitório e deicitário; o número de desenhadores

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O passaporte de Carlos Manuel e Ana Maria, para a viagem a Espanha de 1945

e preparadores era muito inferior ao considerado indispensável. Os vencimentos eram também muito modestos, o que fazia com que a acumulação de trabalhos fosse considerada indispensável e licita. O regime full time não existe, e se alguns o ambicionam, outros não o compreendem. Circunstância que não tinha sido concedida a Baeta Neves nos Serviços Florestais, como tinha antes sido a Seabra. O único funcionário do IEE que frequentava as instalações de manhã e à tarde era o secretário, Eduardo Zarco.

Baeta Neves constatou que em relação às coleções e à bibliograia, as condições eram excelentes. O português, reconhecendo a sua admiração pelo saneado Bolívar, o que não era considerado politicamente correto, descrevia no seu relatório para o IAC as coleções e biblioteca como sendo de um valor excecional, nomeadamente para o estudo da fauna da Península e de Cabo Verde, Canárias e Madeira. A arrumação dos insetos nos armários era diferente da adoptada no Museu de Coimbra, enquanto aqui 51

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com o indispensável para se poder ali passar uns dias, realizando colheitas na Serra. Ficava situada por cima de Cercedilla, a 1.500 metros de altitude. Só assim era possível, com economia e perfeição realizar colheitas e estudos com certa amplitude. O português já tinha sugerido instalações parecidas na Serra da Arrábida, em 1941, no congresso de ciências agrárias.

as caixas estavam ao alto, no Instituto estão horizontais e funcionam como gavetas. O silvicultor também se informou sobre os processos de colheita, preparação, conservação, etiquetagem e arquivo; no caso dos Lepidópteros, praticou até a preparação de exemplares, aproveitando a oportunidade de trabalhar com uma preparadora invulgarmente hábil. Praticou também a preparação macroscópica de genitálias, cuja técnica desconhecia. O estudo da genitália dos Lepidópteros foi iniciado por Jules Pierre Rambur (1801 – 1870), na sua obra sobre fauna entomológica de Espanha a irmeza dos caracteres morfológicos das peças quitinosas que as constituem, permitem, muitas vezes, esclarecer certos pontos confusos e duvidosos da sistemática feita apenas pela morfologia externa (Neves, 1945). Enquanto esteve em Madrid, o português frequentou quase diariamente o Instituto. Mas longe do museu ainda visitou três outras instalações. O IEE possuía, desde 1944 (Gomis, 2014), uma Estação Alpina na Serra de Guadarrama. Teve ocasião de a visitar na companhia de Ceballos e de Zarco. Tratava-se de um pequeno edifício, 52

No centro de Madrid teve ocasião de conhecer as instalações provisórias do Instituto Forestal de Investigaciones y Experiencias (IFIE). Este tinha sido destruído durante a guerra e, em 1945, não tinha ainda uma secção de entomologia, como acontecia com os Serviços Florestais. Não podia deixar de se perguntar, tendo-se trabalhado tão bem em Espanha em Entomologia lorestal e na Lymantria, como era possível não haver nada no momento? Aqui, como em tudo hoje neste país, a Guerra Civil deixou o seu rasto.

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Destruição conirmada pelo antigo diretor do IFIE, o entomologista Manuel Aulló, e pelo diretor geral das lorestas, Salvador Robles Trueba. Ceballos era também catedrático de entomologia na escola lorestal de Madrid, tendo mostrado as novas instalações, inauguradas duas semanas antes, ao colega luso. O novo edifício tinha um ar do Escorial, por ter sido aí uma das anteriores escolas lorestais de Espanha. As instalações eram “quase luxuosas”. Os estudantes espanhóis tinham no quarto ano uma cadeira de Zoologia Geral, antes da de entomologia lorestal no quinto ano, o que infelizmente não acontecia em Lisboa, no ISA. Era uma entomologia lorestal bastante diferente da agrícola. Na primeira a proilaxia prevalece, e na segunda é o tratamento direto.

Baeta Neves constatou que Ceballos era um tanto parcial na maneira como encara a luta contra as pragas lorestais. Só no princípio do aparecimento das pragas era possível agir, gastando rapidamente grandes verbas na ação direta. Tudo era mais económico do que deixar a praga alastrar a áreas por vezes enormes. Recomendava equipas abundantes de guardas lorestais devidamente instruídos, para avisar rapidamente dos problemas. De facto, na cadeira muito pouco se falava de tratamentos. Contudo, as instalações da escola em Cercedilla e em Pontevedra permitiam um contacto direto e real com os problemas lorestais.

Desenho de Gonzalo Ceballos da serra de Guadarrama, vista desde a escola florestal de Madrid.

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Uma das cartas do poeta Sebastião da Gama a Baeta Neves, escrita em março de 1949.

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5. arráBida como relíquia, a Fundação da liga para a proTecção da naTureza Em 1947, o poeta Sebastião da Gama deu voz à urgente e necessária proteção da vegetação da serra da Arrábida, ameaçada de corte maciço. Acontecia que, desde pelo menos 1935, esta serra tinha sido alvo de estudo de vários naturalistas portugueses, que tinham chamado a atenção para a importância da sua lora. Em 1935, Orlando Ribeiro (1911-1997) defendeu-a na sua dissertação de doutoramento, em Geograia, com uma monograia entitulada “Arrábida, esboço geográico”. Naquele pequeno texto académico, aparecia já uma consciência do valor da vegetação da Serra: Aqui a doçura do clima deixa que os arbustos tomem o porte de árvores, elevando-se a 6 e 8 metros de altura. Os troncos de alguns adernos atingem meio metro de diâmetro e os medronheiros tomam formas gigantescas. O maciço vegetal é impenetrável: as copas tocam-se, os troncos entrelaçam-se, os arbustos prendem-se uns nos outros, as trepadeiras e silvas enleiam-se, de tal forma que há plantas mortas e desenraizadas, com o tronco a apodrecer, que se conservam de pé por não terem espaço para onde cair. Reina um silêncio profundo e uma luz amortecida. Na camada de húmus, abrigados pela sombra da folhagem, medram alguns fetos. Tudo isto evoca a ideia de loresta virgem, sob clima mais rico de calor e humidade em outras zonas ou em épocas mais remotas da história do globo (Ribeiro, 1935). Se Orlando Ribeiro divulgou as riquezas naturais da Arrábida, em 1935, e a necessidade da sua conservação, alguns agrónomos portugueses trabalharam no mesmo sentido nos anos seguintes. Podem-se

referir os especialistas em botânica, como Carvalho e Vasconcelos (1897-1972) e Gomes Pedro (19152010), assim como o silvicultor Francisco Mimoso Flores. Flores destacava, em 1939, a Arrábida dentro de todas as criações da Natureza que possam existir em Portugal e em que se impõe rigorosa proteção. Para Flores era imprescindível a delimitação como reserva integral da zona arborizada da serra e daquela que lhe está contígua, a im de se reconstituírem os arvoredos que ainda há bem pouco ali existiam. Quando pelo mundo inteiro se preservam cautelosamente como relíquias outras lorestas primitivas que talvez não tenham a excepcional raridade da que persistiu na Arrábida, constrói-se em Portugal uma estrada que decepou para sempre a dinamite e fogo uma extensa faixa da loresta, autoriza-se a construção de uma pousada que há-de trazer consigo todos os inconvenientes inevitáveis e, mais que tudo, permite-se que os carvoeiros vão consumindo inconscientemente nos fornos a própria loresta [...] as cabras, que por ali pastam por desconhecimento, negligencia ou irrelexão dos proprietários, em cada dia que passa destroem mais um pedaço dessa incomparável antiqualha, única no mundo. Colocar a Serra da Arrábida ao abrigo de todos os atentados, sob o regime de “reserva integral”, é mais do que necessidade imediata; é o dever de todos os que estimam verdadeiramente o património da Nação (Flores, 1939, 87). Gomes Pedro, em 1942, apresentou o primeiro estudo geobotânico da serra da Arrábida (Costa, 2004). Neste caso, é de salientar o facto de que os seus estudos sobre lora portuguesa são acompanhados pela introdução, nos meios nacionais, de novas técnicas já antes ensaiadas noutros países europeus. O alemão Rothmaler (1943) foi o primeiro a apresentar um trabalho sobre lora portuguesa, onde 55

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aparecem inventários e associações, na linha da metodologia de Josias Braun-Blanquet (1884-1980), sobre a vegetação do Sudoeste de Portugal. Aquilo a que se poderá apelidar de conservacionismo estético e religioso de Sebastião da Gama (Soromenho-Marques, 1994), demonstrou de forma exemplar como na defesa da natureza está também a defesa da identidade cultural de um povo. Surgiu no ano seguinte (1948) por iniciativa de Baeta Neves, a Liga para a Protecção da Natureza (LPN). Depois de um contacto do poeta com o entomologista Miguel Neves (Vaz, 2000), este pediu a Baeta Neves para se dirigir aos Serviços Florestais (SF) e conseguir assim que estes interviessem, procurando evitar quanto de mal se estava fazendo naquele local. Como o professor

já não pertencia aos SF, e temendo a grande responsabilidade dessa intervenção, resolveu fundar uma associação dedicada à Proteção da Natureza, começando por reunir alguns dos raros entusiastas por essa modalidade. Tal grupo foi formado, para além de Baeta Neves, pelos professores da Faculdade de Ciências Carlos Tavares e Carlos Teixeira, os agrónomos Pinto da Silva e Mário Myre da EAN, Herculano Vilela da Estação de Biologia Marítima e o regente agrícola Miguel Neves. Flores lamentavelmente não pode aceitar o convite, icando assim o grupo formado sem a presença de quem mais e melhor conhecia os problemas de Portugal.

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Elaborados os estatutos, depois de várias reuniões ainda em 1947, iniciaram-se as atividades de forma anàloga à de outras associações noutros países. Mas de facto, não eram bons tempos para fundar mais uma associação em Portugal. No mesmo ano, o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, presidido por Maria Lamas, tinha sido proibido pelo Governo de continuar a sua atividade. A 28 de junho de 1947, sem aviso prévio, a sede do Conselho foi encerrada e selada pela polícia. Mário Madeira, Governador Civil de Lisboa, decidiu dissolver esta associação (Correia, 2013, 64). Madeira argumentou que não reconhecia a existência legal da associação e determinava o seu encerramento porque os Estatutos da organização não tinham sido aprovados, apenas registados enquanto tal, em 1914; ou que eram inúteis outras associações de mulheres devido à criação de organizações estatais femininas como o Instituto de Assistência à Família, que visava especialmente a proteção da mulher e da criança. O êxito de uma Exposição de Livros Escritos por Mulheres foi um pretexto para a proibição do Conselho. A historiadora Irene Flunser Pimentel partilha esta opinião e salienta que, por detrás desta decisão esteve a perceção, por parte do Estado Novo, da eicácia das ideias feministas (Pimentel, 2000, 119). Refere ainda que a extinção da agremiação não foi um ato isolado e enquadrou-se na repressão que se abateu sobre a oposição em 1947. Lamas, assim como Mário de Azevedo Gomes, tinha participado meses antes no movimento de oposição ao regime, ao assinar as listas para a constituição do Movimento de Unidade Democrática (MUD). É útil relembrar que Baeta Neves tinha relações muito próximas com dois agrónomos perseguidos,

muito recentemente, pelo regime: Azevedo Gomes e Branquinho de Oliveira. No caso da LPN, só depois de sensivelmente dois meses foi conseguida a autorização do Governador Civil de Lisboa, assinada em julho de 1948. No dia 30 foram eleitos os primeiros corpos dirigentes, na primeira Assembleia Geral celebrada na Associação Central de Agricultura (Diário de Notícias, 31.7); Baeta Neves foi eleito como primeiro

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presidente da Direção. Surgem então outros nomes neste corpo: os botânicos Carlos das Neves Tavares e Ruy Telles Palhinha, o zoólogo Germano da Fonseca Sacarrão, o silvicultor José Maria de Carvalho e os agrónomos Pedro Varennes e Gabriel Magalhães. Parte dos primeiros sócios, perto de uma centena, foram angariados aquando da primeira reunião Botânica Peninsular, realizada nesse verão na serra do Gerês; a luta começou pois com pouco mais dessa centena de quantos entre nós haviam mostrado entusiasmo ou o bastante para aderir à Liga. O número de sócios em 1991, quando Baeta Neves ministrou uma das suas últimas conferências, seria de cerca de 3000. A boa notícia da criação da Liga foi prontamente celebrada na imprensa agrária, entre outros, por Azevedo Gomes. Na sua regular coluna publicada na Gazeta das Aldeias (onde tanto escreveu também o marido da sua ilha Ana Maria), o professor saneado do ISA destacava dois aspetos dos objetivos da nova associação: por um lado, o da educação da opinião pública, convencendo os incautos, os despercebidos, e de um modo geral os que ignoram, de certas verdades e de outras tantas averiguações a que, com o rodar dos tempos, foram chegando em distintos países alguns estudiosos de incontestável autoridade e merecimento...; e por outro o são princípio de não coniar ao Estado toda a acção de interesse colectivo, provando como ica que ele carece muitas vezes de encontrar o estímulo nas iniciativas particulares, de que estas lhe mostrem certas facetas dos problemas de projecção nacional e de que sempre ganha a ação administrativa central com encontrar fortes apoios na consciência pública, quando esta foi despertada para a defesa da causa comum por gente hábil, desinteressada, independente e capaz (Gomes, 1948). Neste texto 58

corajoso, que poderia ter sido censurado, o velho professor lembrava que a lei de povoamento lorestal, de 1938, já incluía o isolamento de 35.000 hectares com o objetivo de constituir reservas de vegetação espontânea; texto do Diário do Governo que nunca foi cumprido. Azevedo Gomes desejava também que o novo impulso pela Proteção da Natureza não icasse coninado “a meia dezenas de carolas,” espíritos de larga visão que felizmente nunca faltavam em Portugal para a sementeira de boas ideias. Era preciso que a questão fosse compreendida, antes de mais, “pela opinião que se diz culta”. Umas das ferramentas para o trabalho educativo da LPN deveriam ser as excursões. A primeira excursão, celebrada pela então nova Associação, foi realizada a 31 de julho de 1949, dia do 32o aniversário de Baeta Neves. A primeira visita escolhida foram os campos de lapiás da Pedra Furada, onde se podia chegar facilmente com o comboio da Linha do Oeste, desde a estação do Rossio de Lisboa. O guia escolhido foi o geólogo do Museu Mineralógico da Faculdade de Ciências, o professor José António Neves Brak-Lamy. O naturalista deu uma lúcida explicação da formação destes campos de calcário, com os seus caprichosos recortes e um acentuado interesse, não apenas de carácter popular e turístico, mas ainda cientíico (Diário de Lisboa, 1 de agosto). A seguir foi organizada uma sessão de propaganda na Sociedade de Geograia de Portugal, onde o mesmo professor realizou uma palestra sobre o tema, acompanhada de documentação fotográica. Esta foi uma das principais linhas de atividade no primeiro ano da Liga, que seria continuada nas duas décadas seguintes.

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6. os deBaTes parlamenTares, a criação da reserva da serra da arráBida (1971) A Liga, reunindo nomes conhecidos da comunidade cientíica, viria a produzir variadas atividades e pesquisas, entre elas os primeiros inventários do património natural. Estes, anos mais tarde, estarão na origem de muitas das atuais áreas protegidas (Schmidt, 1999). No entanto, durante mais de vinte anos de trabalhos da LPN, pouco foi conseguido em relação à proteção real da serra da Arrábida. Pinto da Silva estava consciente disso, e comenta numa carta a Baeta Neves, em Agosto de 1950, que a Proteção da Natureza não podia ser só feita com as forças da direção: há que mobilizar sócios, constituir talvez comissões, para tarefas deinidas. Creamos um compromisso com a Arrábida e entretanto nada resolvemos sobre a Pedra Furada que é um caso pequeno e limitado e sobre o qual nada sabemos ainda nem mesmo se já está submetido a protecção e quais os diplomas que o provam. Não lhe parece? Eu só me sinto satisfeito quando tivermos de cada caso um dossier completo e bem organizado, sobre ele poderemos então trabalhar. Numa segunda carta de Sebastião da Gama, desde a pousada do Portinho da Arrábida, o poeta declara que tinha sabido da criação da LPN por Miguel Neves, e lembro de lhe dizer, com a sem cerimónia a que me confere direito o facto de eu ser da Serra, e de ter sido quem, há dois anos levantou a lebre de a Arrábida estar a ser convertida em lenha. Nesse momento (março de 1949) a Mata do Solitário estava a ser de novo cortada, desta vez para carvão, apesar de o senhor Governador ter proibido tal coisa (Gama, 1949). 60

De maneira parecida continuariam as coisas durante perto de vinte anos, mostrando, os fundadores da LPN em alguns momentos, um certo cansaço: vão passando os anos, e não encontro os resultados que desejava do esforço despendido na luta pela Protecção da Natureza (Neves, 1970, 12). No entanto, conseguiram-se rapidamente duas coisas: um dos ilhos do Duque de Palmela, Bernardo, aceitou que nas suas propriedades da Serra retirassem o gado ali existente dispondo de magra pastagem e prejudicando a regeneração natural de tal vegetação (Neves, 1991); parou-se a exploração da pedreira de “brecha”, material decorativo desde há muito usado na região, que já prejudicava uma área considerável num ponto mais favorável à sua extração, o que foi também conseguido com raro sucesso e rapidez. Nessas duas décadas o momento de maior esperança foi em 1965, quando o arquiteto Rafael Botelho apresentou o seu “Plano de urbanização da península de Setúbal,” defendendo a ideia do parque nacional (Neves, 1971c). Uma nova oportunidade surgiu, na transição da década de 60 para a de 70, quando se veriicou uma crescente visibilidade e politização das plataformas nacionais, as quais se debruçavam sobre as questões do ambiente. A abordagem das questões ambientais, em sentido mais lato, irá sofrer um extraordinário impulso na sequência da receção, pelo governo de Marcelo Caetano, de alguma documentação internacional. Foi no contexto da Junta Nacional de Investigação Cientíica e Tecnológica (JNICT), criada em 1967, que foram então dados os primeiros passos para que a Administração portuguesa passasse a abordar as

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questões ambientais de forma mais integrada. Será, efetivamente, a partir da JNICT que se virá a criar, enquanto comissão permanente, uma Comissão Nacional do Ambiente (CNA) (Brandão, 2015). Em 1970 o Conselho da Europa decide dedicar o ano à Conservação da Natureza e o Governo de Portugal decide aderir oicialmente. A abertura do Ano Europeu da Conservação da Natureza foi marcada por uma sessão solene, a 8 de julho, na Fundação Gulbenkian. Estiveram presentes Baeta Neves e personalidades como o Presidente da República, Américo Tomás (Geraldes, 2008, 43). Ainda no âmbito do Ano Europeu, retomou-se em Portugal a celebração do Dia da Árvore. Estas comemorações têm-se realizado ininterruptamente até aos nossos dias, tendo, a partir de 1974, passado a designar-se, conforme acordado internacionalmente, por Dia Mundial da Floresta. A LPN aproveitou bem a oportunidade do Ano Europeu e conseguiu um inesperado aumento do número de sócios e de projeção pública. Envolvendo-se desta feita os meios de comunicação social – imprensa, rádio e televisão –, o país despertou para a problemática da proteção ambiental, desencadeando-se todo um élan jurídico. Por outro lado, durante o seu consulado, desde 1969, Marcelo Caetano

aproveitaria para proceder a ajustamentos na composição e funcionamento da Assembleia Nacional, bem como na distribuição de competências entre esta e o Governo (Santos, 2012). Assim, aumentaria o número de deputados para 150 e reformaria o regime de funcionamento das comissões parlamentares. Face a legislaturas anteriores, a X Legislatura registou, entre os deputados eleitos, um crescimento da representação de elementos ligados ao funcionalismo público médio e superior (médicos, professores, engenheiros), em detrimento do número de militares com assento parlamentar (Carvalho & Fernandes, 2003). De facto, o coletivo dos deputados nacionais mostraria, nestes anos da Primavera Marcelista, uma interessante abertura de espírito em relação ao tema da Proteção da Natureza. A AN foi presidida, de 1969

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a 1974, pelo lavrador ribatejano Carlos Monteiro do Amaral Netto (1908-1995), personagem muito próxima de silvicultores como Vieira Natividade. Em 1969, o agrónomo Correia da Cunha entrou na AN, tendo em Vasco Leónidas (1919-2005) um dos seus mentores; foi um dos 130 deputados proclamados em novembro de 1969 e foi eleito secretário da Comissão de Economia (Geraldes, 2008, 92). Foram um total de dezassete, os deputados a comentar o projeto de lei sobre a Proteção da Natureza na AN, destacando o alto número de antigos alunos do ISA: Gabriel Gonçalves e Coelho Jordão como silvicultores, Leal de Oliveira, Malato Beliz, Correia da Cunha, Alberto de Alarcão e Ferreira Forte como agrónomos. Os três últimos integravam a conhecida “ala liberal” (Fernandes, 2005). Está provado que a participação em associações como a LPN foi importante na formação política de muitos destes novos deputados. Está-se perante locais privilegiados de sociabilidade, como setores de oposição democrática. Como no caso da “Cooperativa Cultural Confronto”, fundada por Francisco Sá Carneiro, a LPN é outro caso paradigmático. Através de colóquios e excursões promovia-se o encontro de pessoas interessadas em determinadas questões, procedentes de diferentes quadrantes políticos. Na AN aconteceu a eclosão de um comportamento de manifesta pressão política sobre o Executivo, por parte de alguns deputados. Em particular dos “liberais”, que procurariam, com os recursos que o cargo lhes proporcionava, abordar matérias que o Governo não se dispunha a discutir. Para alguns desses deputados, a aproximação a Caetano fez-se pela proteção que o chefe do Governo dispensava às novas gerações, e a ainidade 62

política com que aquele radicava em torno da ideia de liberalização do regime. Com uma média etária que rondava os 42 anos, e inluenciados pelas experiências políticas de uma Europa em reconstrução, na sequência da II Guerra Mundial, estes parlamentares eram sensíveis ao processo de diferenciação política que alastrava na sociedade portuguesa, bem como a uma nova forma de atuação do Executivo radicada numa nova legiti- midade, contrária ao autoritarismo. Simultaneamente, nalguns casos graças às suas próprias trajetórias na proissão agro-lorestal, permitiam-lhes identiicar novas sensibilidades emergentes acerca da natureza do Estado e da sua missão em relação ao território. As orientações da LPN ou do Conselho da Europa contribuíram, de modo decisivo, para a postura crítica dos deputados sobre o paradigma político que os envolvia. Bebendo das mensagens de doutrinadores como Baeta Neves, os “liberais” transportariam para o interior da Assembleia Nacional a vontade de aí discutir a ordem político-jurídica vigente, tentando a sua revisão para uma maior Proteção da Natureza. Chegariam, fruto da crescente desilusão que experimentavam com o sistema, a reprovar algumas reformas políticas restri- tivas da liberdade civil. Tratava-se de aspetos que nunca, até então, tinham sido objeto de intervenções de deputados, como uma menção a um livro proibido de Aquilino Ribeiro, “Quando os Lobos Uivam”. Ou com a preocupação com as actividades pastoris, que tantos conlitos tinham provocado com as arboriza- ções dos baldios: o que depreendo, pelo que tenho ouvido a pessoas responsáveis - e a própria proposta não contraria -, é que tudo se processará de modo a salvaguardar, por um um lado, as atividades pastoris

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tradicionais, que continuarão a exercer-se, embora regulamentadas, como já agora acontece, e, por outro lado, a permitir que a população serrana, quer a enquadrada na área do parque nacional, quer a situada nas vizinhanças, possam ter abertas perspectivas materiais, traduzidas no aluguer de garranos e carros para excursões, na venda de objetos de artesanato, no serviço de guias, etc. Dessa forma ser- -lhes-á facultada uma promoção que diicilmente, ou até nunca, atingiram (Oliveira, 1970). A iniciativa legislativa do Governo, sobre Proteção da Natureza, foi acompanhada com expetativa. Não só pelos deputados agrónomos mas também por outras proissões sensíveis à questão ambiental, como os médicos. Objeto de um parecer da Câmara Corporativa, viria a ser pretexto para um demorado debate na Assembleia Nacional. Em função do parecer da Câmara Corporativa (CC), em que o relator foi o deputado e professor do ISA, Eugénio de Castro Caldas (1914-1999), o Governo reelaborou o texto do diploma acerca de “Protecção da Natureza e dos seus recursos”, suprimindo algumas bases, desenvolvendo outras ou mudando ainda outras de localização. Na CC, preparou o parecer a subsecção de Finanças e economia geral, à qual foram agregados procuradores como o arquiteto Raul Lino. A Câmara interpretava a proposta de lei do Governo como justiicada adesão a um movimento de alarme perante riscos de destruição dos recursos naturais, o que obriga a estabelecer a cooperação internacional indispensável para defesa dos territórios e dos mares. Nas palavras do agrónomo Gomes Pedro, regressado de Moçambique em 1968, foi importante a intervenção junto de Leónidas, de Baeta Neves e do próprio,

acerca da necessidade urgente de proteger a serra da Arrábida (Pedro, 1996). Baeta Neves não considerou suiciente a abordagem desse membro do Governo; convidou, numa ocasião, nas imediações do Convento dos Capuchos, o presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Manuel José Constantino de Goes e os deputados Luzia Pernão Beija e Rogério Peres Claro, para discutir a questão da nova Reserva e das novas estradas. Mas para o autarca de Setúbal eram mais importantes as diligências feitas, através dos anos, para conseguir a estrada. Gomes Pedro também lembraria uma “reunião tempestuosa” entre Baeta Neves e o ministro das Obras Públicas, Rui Sanches (1919-2000). Assim que concluíram os trabalhos de revisão constitucional, a Assembleia Nacional encetou a discussão da proposta de lei n.9/1970. Os trabalhos parlamentares de discussão na generalidade daquela iniciativa legislativa, foram iniciados em 28 de abril de 1970. A deputada Pernão Beija foi, de todos os deputados, quem mais comentou na AN os problemas de uma Serra tão próxima de Lisboa e de Setúbal, como a Arrábida. O contexto desta Serra era muito diferente do da Peneda-Gerês, na fronteira com a Galiza: Das cidades monstruosas e desumanizantes, que dia a dia vão crescendo à custa de uma emigração descontrolada, que despovoa e empobrece os meios rurais, passando a população, na mira de melhores dias, de um salutar ambiente natural para a insalubridade dos grandes aglomerados, onde a maioria da população sofre de carências habitacionais... E cada vez mais o pobre ser humano, vítima da sua complexa e artiicial organização, sente a necessidade de restabelecer o seu equilíbrio e de reatar, com a Natureza, o diálogo salutar e revigorador que o faz regressar aos valores naturais e permanentes da vida. 63

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com a Natureza, o diálogo salutar e revigorador que o faz regressar aos valores naturais e permanentes da vida. Este anseio de comunhão com o meio natural, facilitado hoje pelo aumento do nível de vida e pelas facilidades de transporte, traduz-se pela evasão das grandes massas populacionais, nos ins-de-semana e férias, em demanda dos campos, das praias, do sol e do ar puro de que tanto necessitam. Ressalta, assim, a necessidade premente de grandes áreas livres nas proximidades das grandes cidades, áreas que devem ser exclusivamente destinadas a este im e para tal reservadas e defendidas, constituindo um privilégio social das populações. Mas estas áreas vão, dia a dia, sendo cada vez mais escassas, em virtude da ocupação humana, que vai aumentando o seu perímetro à medida que as cidades alastram. Por outro lado, a subida do nível económico permite a muitas famílias ter uma segunda casa para férias e ins-de-semana, casa que, logicamente, procuram situar em região bem dotada de belezas naturais. Todas estas circunstâncias estão permitindo tomar de assalto alguns dos mais belos recantos da paisagem, constituindo verdadeiros atentados à sua integridade e tranquilidade, transformando em núcleos habitacionais, geralmente mal integrados, regiões que deveriam ser preservadas intactas para benefício e recreio de todos [...] Ao tomar a palavra hoje na discussão desta proposta da lei, faço-o de olhos no distrito que aqui represento, distrito que está já em grande parte ocupado pela chamada “grande Lisboa” e que, por outro lado, é possuidor de uma das mais belas regiões do nosso país região que poderia ser o pulmão revigorador da nossa maior cidade, e assim foi previsto no Plano Director da Região de Lisboa. O atraso inexplicável na aprovação e execução deste Plano Director tem permitido, 64

além de outros males, depredações irremediáveis na área do Parque Nacional da Península de Setúbal, que se projectou com base num profundo e, brilhante estudo do arquiteto José Rafael Botelho... Ao dar a minha aprovação na generalidade à proposta de lei sobre a procteção da natureza e seus recursos, louvo o Governo pela iniciativa, e peço, desde já, em nome do meu distrito e com base ao estudo feito para o Plano Director da Região de Lisboa, a criação do parque nacional da península de Setúbal, com a seguinte discriminação: Reserva integral - As matas da Arrábida, nomeadamente a do Solitário e a Pedra da Anixa; Retoma natural - Todo o perímetro da Serra da Arrábida, as matas da Caparica e a lagoa de Albufeira; Reserva da paisagem - Fonte da Telha e cabo Espichel; Reserva turística - Toda a restante zona prevista para o parque (Beja, 1970). Depois da deputada de Setúbal foi o turno de Peres Claro, outro deputado que tinha estado com Baeta Neves, depois de ter percorrido, em inúmeras ocasiões, boa parte do distrito; A Quinta da Comenda, em Setúbal, é das coisas belas que por aqueles sítios há... Nas mãos de um titular estrangeiro, tem sido há longos anos defendida das arremetidas urbanísticas, conservando, assim, a par da zona cultivada, largos trechos de natureza livre... Há dias, Setúbal foi surpreendida com a notícia de que conhecido comprador de terrenos para urbanizar estava a fazer sérias diligências pura adquirir a Quinta da Comenda. A concretizar-se o negócio, iremos assistir a mais um retalhar de uma grande propriedade... Decerto que não se poderá proibir que o proprietário da Quinta da Comenda a troque por dinheiro, mas poder-se-á impedir que ela seja retalhada e transformada de prédio rústico em zona urbana? Suponho que todas as nossas perguntas têm sempre a propósito uma lei que

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as satisfaz. Não é preciso recuar muito nos volumes do Diário do Governo, para encontrar, o Decreto-Lei n.o 46 673 (1960)... Pelo articulado do decreto-lei se ica então a saber da eiciência da sua aplicação: todo o loteamento urbano necessita de licença camarária; qualquer forma de anúncio de venda, e, própria venda ou a simples promessa de venda de terrenos compreendidos em loteamento só poderão efectuar-se depois de obtida a licença camarária... Perante isto, onde está a razão do receio, ou, melhor, da certeza que pus no futuro loteamento da Quinta da Comenda, em Setúbal, um dos mais belos pedaços do pretendido parque nacional da zona da Arrábida, se for adquirida, como há-de ser, por um dos campeões da urbanização desta nossa terra de adorável complacência? No que eu me fundo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é naquilo que os meus olhos vêem nas minhas andanças pelo distrito de Setúbal e lêem nas lamentações patéticas de alguns presidentes das suas câmaras municipais. O distrito de Setúbal está à venda!”... é a lagoa da Albufeira a rodear-se de prédios... são os Brejos de Azeitão pulverizados em casinhas... Há gente por toda a parte atraída por espectaculares anuncios ou embaída por falazes informadores, a comprar lotes, a assinar letras, a contrair responsabilidades, traída por notários pouco escrupulosos, procurando depois subornar funcionários e comprometer presidentes com cunhas de bom nível. E não se vendem os lotes de terreno junto das praias e das lagoas para albergar populações sem casa mas para segundas casas, de veraneio, numa desenfreada ostentação de poder de compra que não pode ser verdadeira. Ainda se luta neste país pela primeira casa para tantos milhares de pessoas e já se abre, descontrolado e premente, o problema da segunda casa para outros tantos milhares.

É tempo de o Governo intervir; de as repartições de inanças repensarem na cobrança indiscriminada das sisas; de os notários não cumpridores serem metidos na ordem; de os tribunais aplicarem o máximo das multas (e não o mínimo, em pena suspensa!); de os compradores de prédios rústicos por preços de loucura serem impedidos de os transformar em bairros; de vendedores intocáveis enriquecerem de um dia para o outro: de compradores incautos serem vítimas de autênticos contos de vigário; de os jornais deixarem de ser porta-voz de anunciados paraísos, colaborando uma vez mais no saneamento público. Se a proposta governamental para uma lei sobre a defesa da Natureza não foi apenas para se cumprir uma recomendação internacional, tem de ser encarado, já e com a maior irmeza, o gravíssimo problema do loteamento arbitrário das quintas, pinhais e matas do distrito de Setúbal, em especial da sua parte norte. Sr. Presidente, dou a minha aprovação na generalidade à proposta do Governo para Defesa da Natureza, mas receio bem que a salutar medida para o meu distrito venha já demasiado tarde (Claro, 1970). Registe-se que os pareceres de Pernão Beija e de Peres Claro coincidiam, em variadíssimos pontos, com a apreciação que a hierarquia da LPN defendia há 22 anos, relativamente à questão da Proteção da Natureza. Esta era trespassada pela convicção de que, direta ou indiretamente, várias das bases daquela iniciativa legislativa afetavam o Distrito de Setúbal. Os deputados contactados por Baeta Neves apoiaram a iniciativa da Lei n.9/1970, tendo continuado, nos meses seguintes, a tratar na AN os temas sensíveis 65

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para a LPN. Em Fevereiro de 1971, José dos Santos Bessa (1905-1991) quis comentar a importância de livros como o Silent Spring. Bessa tinha participado no ciclo de conferências realizado em Alcobaça, onde apresentou um trabalho de 50 páginas entitulado Os Pesticidas e o Homem (Bessa, 1970). Nesse ciclo participaram também o regente lorestal Horácio Eliseu, Baeta Neves e o próprio secretário de Estado, Leónidas. O deputado e médico Santos Bessa, na AN, apresentaria muitas das mesmas ideias que lançou em Alcobaça: tecendo comentários sobre as mortes causadas em Portugal pelo uso de pesticidas, Por quanto tempo seremos obrigados, em Portugal, a viver neste ambiente de guerra química que a difusão dos pesticidas nos criou? [...] O D. D. T. - esse organo-clorado barato, ao qual a saúde pública e a economia agrícola de tantos países tanto devem, tem visto empalidecer a sua estrela nestes últimos anos. Recaem sobre ele graves acusações e os governos de alguns países foram obrigados, por causo disso a proibirem ou a restringirem a sua aplicação. No nosso país é o pesticida mais empregado, avantajando-se muitíssimo a todos os outros. Segundo declaração do chefe da Secção de Toxicologia do Laboratório de Fito-farmacologia da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, feita há vários meses a um jornal da tarde, de Lisboa, só em 1968 consumiram-se no nosso país, para ins agrícolas e lorestais, 365 425 kg, cujo valor ultrapassou 8500 contos. Nós sabemos que a humanidade deve muito ao D. D. T. Sabemos que, graças a ele, em dez anos, a ceifa de vidas pela malária passou de 75 milhões para 5 milhões. A ele se deve também o êxito no combate a muitos agentes transmissores de várias e muito importantes doenças [...] Mas sabemos também que, em muitos países, são elevadíssimos os prejuízos resultantes da aplicação do D. D. T. [...] O que já levou 66

certos Governos a tomar as medidas que há pouco referi, não foram as intoxicações agudas, mas sim o facto de não ser um produto metabolizável, razão, por que perdura durante muito tempo nos produtos vegetais, na gordura do homem e dos animais, na própria terra e no fundo dos mares. [...] Não será possível lutar contra as pragas por processos biológicos, em vez de aplicar substâncias químicas? Não poderemos substituir a guerra química pela Luta Biológica? (Bessa, 1971). Do grupo dos deputados, antigos alunos do ISA, o primeiro a querer fazer comentários sobre a nova proposta de lei foi o silvicultor Gabriel da Costa Gonçalves (que seria diretor geral da DGSFA entre 1973 e 1974). Gonçalves lembrou aos deputados que Portugal ainda era o único país europeu que não possui parques nacionais ou reservas, na metrópole, embora já os tenha, e de renome internacional, no ultramar. Logo depois, o agrónomo António Leal de Oliveira sugeriu ao Governo a criação de um parque nacional de regime especial no Algarve, o único deste género possível no País, que englobaria toda a formação lagunar que se estende desde o posto da Guarda Fiscal do Ancão até à nascente da povoação de Cacela e é vulgarmente conhecida pelo nome de ria de Faro-Olhão [...] Como técnico e como algarvio, não posso pensar que a única zona lagunar do País, tão rica em potencialidades económicas, se perca por poluição ou destruição paisagística. O seguinte agrónomo participante foi António Lacerda, natural de Ponte da Barca, na zona do novo Parque Nacional do Gerês, que pediu que a criação do parque coincidisse com a reabertura da fronteira com Espanha do Lindoso, fechada desde os anos 30. Depois de Lacerda, José Malato Beliz (desde 1947 Chefe do Laboratório de Ecologia Vegetal da Estação

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de Melhoramento de Plantas de Elvas) quis comentar o novo projeto de lei. Este investigador achava necessária uma rápida criação de reservas naturais nas serras da Estrela, do Buçaco, de Sintra, da Arrábida e de Monchique, assim como na Serra de São Mamede, uma vez que, praticamente, constitui o Limite sul da loresta de folha caduca atlântica, coninante com a loresta perenifólia mediterrânica, circunstância que, do ponto de vista lorístico, a torna limite sul, na Europa, da área geográica de algumas espécies vegetais centro-europeias e atlânticas, e, sob o aspecto itossociológico, é manancial quase inesgotável de estudo, observação e interpretação do modo de transição dos dois tipos de loresta apontados. Acresce, ainda, que o estudo ornitológico a que ali tem procedido, nos últimos anos, uma missão cientíica britânica parece ser conclusivo quanto ao seu interesse também no referido campo cientíico. Na esteira do que era o comportamento habitual da Assembleia Nacional perante as iniciativas legislativas apresentadas pelo Governo, a votação na especialidade conirmou o articulado da proposta governamental, apenas com pequenas emendas. Em 29 de maio de 1970, a Comissão de Legislação da Assembleia Nacional aprovou o texto do decreto da AN sobre a Proteção da Natureza e dos seus Recursos. Em 19 de junho foi publicada, como Lei n.9/1970. Deste diploma abriu-se, com efeito, caminho para a criação

legal do Parque Nacional do Gerês (8 de junho de 1971). Para além do Gerês, o diploma abria a possibilidade de criação de outros parques ou reservas, tal como se referiu no parecer da Câmara Corporativa, como a Reserva da serra da Arrábida (16 de agosto). A Reserva seria administrada pela DGSFA, e mais concretamente pelo Serviço de Inspeção de Caça e Pesca, dirigido nesse momento pelo silvicultor José Maria Saldanha Lopes. Antes destes decretos, em outubro de 1970, foi inaugurado o Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), de novo com a presença de Américo Tomás. No seu discurso, o silvicultor José Lagrifa Mendes (primeiro diretor do Parque depois de ter trabalhado quatro anos na América Latina com a FAO, e de ter estagiado dois meses nos Estados Unidos), reconhecia a evolução que o conceito de Parque tinha sofrido nos anos anteriores: A experiência colhida no Canadá e na

Dia da inauguração do Parque Nacional da Peneda-Gerês, em 1970.

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Europa, levou os especialistas, em face dos novos condicionalismos, a uma nova concepção. Assim, nasceu a ideia de supervisionar maiores espaços envolvendo o território do Parque de um pré-parque, que servirá ao acolhimento das massas que procuram o contacto com a Natureza, à reconversão para novos tipos económicos, de acordo com o nosso tipo de civilização, de um importante sector agro-pecuário, e à abertura de novos horizontes turísticos (Lagrifa, 1970). Prevaleceu a proposta de criação de um Parque Nacional com duas áreas distintas: o Parque propriamente dito e o Pré-Parque. A primeira seria a zona não habitada, constituída por espaços naturais onde os objetivos de conservação dos valores naturais se sobrepunham a todos os outros, e representaria um terço do total da área do PNPG. A área designada de Pré-Parque ou Zona de Proteção seria a parte do território habitada e explorada pelo homem, funcionando como zona de “tampão” em relação à primeira. Constituída por espaços de proteção paisagística e espaços de turismo, onde seriam permitidas actividades ligadas ao recreio e ao desenvolvimento sócio-económico. A solução encontrada, com diferentes níveis de proteção e de intervenção, foi bem aceite pela comunidade cientíica. De acordo com o silvicultor Moreira da Silva, foi uma forma inteligente de proteger das pressões de carácter turístico e urbanístico, da qual sofrem na generalidade, os Parques Nacionais, afastando-as da região (Larcher & Simões, 2007).

e etnográicos ímpares, apresentam aspectos de rara e prodigiosa beleza. Nela se veriica a necessidade urgente de se tomarem medidas proteccionistas. Por outro lado, o seu conteúdo humano permite-nos um ordenamento territorial dirigido para as inalidades cientíicas, educativas e turísticas (Lagrifa, 1970).

No Gerês, bem como na Arrábida, patenteava-se uma vasta região do país onde a degradação não atingiu aspectos irreversíveis; onde a vida social e o espaço disponível se enquadram nos conceitos internacionais; onde a paisagem, a lora e a fauna, além de motivos históricos 69

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7. 1974-1992 Entre a revolução de 1974 e a sua jubilação deinitiva como catedrático, passaram mais de 12 anos. Para alguns dos seus colegas de proissão, foram momentos de esperança e de novas oportunidades: o seu cunhado e companheiro do departamento lorestal do ISA, António Manuel Azevedo Gomes, ter sido nomeado Secretário do Estado das Florestas em julho de 1976; o silvicultor Manuel Gomes Guerreiro ter sido nomeado Secretário do Estado do Ambiente em 1977; meses antes, Gonçalo Ribeiro Telles, agrónomo e professor do ISA, ter ocupado a nova Subsecretaria de Estado do Ambiente no I Governo Provisório. Este foi responsável pela criação de um novo Serviço de Parques Nacionais, independente dos Serviços Florestais, e da conversão da Reserva da Arrábida em Parque Natural. Neste período, para Baeta Neves, mesmo sendo próximo da família Azevedo Gomes, e assim de políticos como Mário Soares, nenhuma porta nova foi aberta. Antes pelo contrário. Devido a confrontos mais pessoais do que proissionais, foi afastado de uma instituição que tinha ajudado a criar e a equipar: o Laboratório da Defesa Fitossanitária dos Produtos Armazenados. Da presidência da LPN, que recuperou em 1969, possivelmente por discussões de índole política (Vaz, 2000, 89), pede a sua demissão em julho de 1975. Para a sua própria casa na Tapada da Ajuda, que lhe estava atribuída desde 1947, o Casal Saloio, foi aprovada uma moção, depois de várias reuniões de trabalhadores do ISA, para que a abandonasse em março de 1975 (Neves, 1975).

A situação chegou a tal limite que a sua saúde sofreu por isso. Assim o explicava numa carta ao Reitor da Universidade Técnica de Lisboa, em dezembro de 1976: Para além das deiciências auditivas, ainda não corrigidas por aparelho apropriado, por só agora ter sido aconselhado pelo especialista, acontece que durante dois anos o signatário tem aguardado o resultado de um processo de saneamento e reclassiicação, relacionado com o Lugar de Director do Laboratório da DFPA, da DGSA, à criação do qual se dedicou para conseguir juntar ao ensino das cadeiras de Entomologia a seu cargo a indispensável investigação. Dois anos de expectativa, a partir da mais clamorosa injustiça, com o conhecimento de que o resultado do mesmo já desde 15 de Agosto se encontra decidido e entregue naquela DG, sem ser dado ao signatário notícia da sua situação, é mais que bastante para justiicar a impossibilidade de desempenhar o referido cargo perante as consequências quanto à sua saúde, apesar do tratamento a que há muito e persistentemente tem vindo a sujeitar-se. Durante este período foi transferido para o Gabinete do DG dos SF para tratar de assuntos de Protecção da Natureza, conforme despacho do então Secretário do Estado da Agricultura Esteves Belo. Tendo sido substituído na direção daquele Laboratório por um seu ex-colaborador, para evitar situações menos favoráveis à apreciação dos factos, não tem podido assim ali voltar há cerca de dois anos, pelo que se tem visto privado de instalações próprias, que foram consideradas pelo atual Diretor do Laboratório homólogo de Inglaterra, como as segundas melhores do 71

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Mundo, instalações que foram estudadas para servirem tanto à investigação como ao ensino, orientado este na sua forma mais atualizada. Nessas instalações encontra-se além de material laboratorial a maior parte da bibliograia do signatário, a qual consta de livros, coleção de revistas e de muitos milhares de separatas que durante mais de 30 anos conseguiu obter, na sua maior parte por permuta. Tendo apelado para a Direcção do Instituto e para a Secretário do Estado Maria de Lourdes Belchior, depois de reclamar à Presidência do Conselho da Revolução uma sindicância, exaustiva e juridicamente válida a todos os seus atos como cidadão e não tendo conseguido até agora mais do que responder há cerca de ano e meio a uma “nota de culpa”, compreenderá certamente V. Exa. a impossibilidade de enfrentar as situações a que o referido cargo me obrigaria, com a calma indispensável, fundamental para corresponder às responsabilidades inerentes. Acontece ainda que perante a situação em que a Escola se tem encontrado me neguei até agora a abrir as aulas das cadeiras a meu cargo, por me faltar a base para estabelecer com os alunos as normas como as mesmas seriam dadas e feita a classiicação, uma vez que em dois anos sucessivos, depois do diálogo e das condições estabelecidas os alunos, em cada ano de uma cadeira, à hora do exame se negaram a cumprir a quanto se tinham obrigado. Nestas condições, tendo nessas alturas também negado a fazer os exames, sem ser de forma estabelecida de mútuo acordo, tenho aguardado até agora a possibilidade de dispor de normas oiciais, ou pelo menos da responsabilidade da direção, para que, a veriicar-se 72

atitude idêntica da parte dos alunos, eu possa defender a posição que me compete, mas defendido pela decisão que for tomada pela direcção da Escola; o que não aceito são subterfúgios para evitar o adiar as situações delicadas a que podia vir a ser obrigado. O desagrado dos alunos perante esta atitude, querendo em desrespeito à legislação em vigor, iniciar as aulas de qualquer maneira, para conirmar assim a sua indiferença pela mesma, justiicam por último a atitude tomada pelo signatário, o qual ica assim sujeito às consequências que delas resultarem. Tendo procurado antecipar-me nos métodos pedagógicos agora preconizados e conseguido instalações apropriadas, vejo-me nesta altura reduzido a instalações mais insuicientes do que dispunha em 1945, logo de início com a responsabilidade total das Cadeiras de Entomologia Agrícola e Florestal, tal como ainda hoje acontece. De quanto relato resultou uma depressão nervosa que, contudo, não inibiu a atividade docente, graças aos cuidados médicos e à inesquecível dedicação do professor auxiliar Artur Soares de Gouveia e do pessoal auxiliar da cadeira bem como do Centro de Estudos da DFP Ultramarinos, também dirigido pelo signatário, Centro hoje integrado no MEIC mas ainda sem destino deinido. Tal depressão de que o signatário só agora se encontrava convalescente, mas que últimas circunstâncias não deixaram de contrariar na sua tão desejada e necessária evolução, é a razão fundamental da excusa solicitada. (Neves, 1975).

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Os alunos que aprenderam com Baeta Neves entre 1975 e 1986, já não encontraram o professor empreendedor e dinâmico com quem tinham contactado as gerações anteriores. O seu peril era então muito mais apagado e discreto, nervoso e distante. Com a LPN também o distanciamento foi quase deinitivo. Todavia, foram os contactos familiares de Baeta Neves a ligação necessária para que a família Freire de Andrade tomasse a decisão, em 1975, de doar à Liga o seu palácio do Calhariz de Benica. Maria do Carmo, a cunhada de Baeta Neves, tinha casado com Nuno Freire de Andrade em 1951. Este edifício é, ainda hoje, a sede central desta associação. Ao cumprir 70 anos, em julho de 1986, chegava o momento da jubilação forçosa, do inal da relação proissional com o ISA e com a família lorestal. Só apareceram referências a uma homenagem: um almoço realizado na Tapada de Mafra, no dia 27 de julho. Encontraram-se fotocópias de um discurso de quem icaria, nesse ano, como principal responsável do departamento lorestal do ISA, e primeiro presidente de uma nova associação nesse ano em criação: a Sociedade Portuguesa de Ciências Florestais. António Monteiro Alves (1931-2015), muito mais próximo a outros professores como António Manuel Azevedo Gomes, descreveu, no seu discurso, Baeta Neves, como sendo um homem sincero, um homem ingénuo ao acreditar sempre nesses ideais e na sua luta... Um homem de intervenção, de intervenção pela silvicultura e pelos silvicultores (Alves, 1986).

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Desenho no livro de curso 1937-1938, com o lema do ISA: Hoc Opus Hic Labor Est. Princípio de um verso de Virgílio, em que a sibila de Cumas explica a Eneias a dificuldade que há em voltar dos Infernos; a frase tornou-se proverbial e cita se para indicar o ponto difícil de qualquer questão. Aí é que está a dificuldade.

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