Banda Desenhada, Cinema e Literatura ou As Aventuras do Barão Wrangel

June 2, 2017 | Autor: Conceição Pereira | Categoria: Cinema, Literatura, Banda Desenhada, Banda Desenhada Portuguesa
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Banda Desenhada, Cinema e Literatura ou As Aventuras do Barão Wrangel

Conceição Pereira Universidade de Lisboa

Conceição Pereira, 2008, “Banda Desenhada, Cinema e Literatura ou As Aventuras do Barão Wrangel”, Não Vi o Livro, mas Li o Filme, Vila Nova de Famalicão: Húmus, p. 477-494.

O título do presente ensaio, “Banda Desenhada, Cinema e Literatura, ou As Aventuras do Barão Wrangel”, traz consigo a implicação de que a banda desenhada, o cinema e a literatura, considerados em conjunto, estabelecem uma relação de equivalência com As Aventuras do Barão Wrangel, uma Autobiografia. Este livro, editado em 1997 e reeditado, com alterações, em 2003, é da autoria de José Carlos Fernandes, o mais produtivo dos autores portugueses de banda desenhada contemporâneos, que, tendo começado a publicar em 1992, conta já com mais de vinte livros publicados (Boléo e Pinheiro 2000, 206). Penso que a narrativa das aventuras do barão Wrangel torna inescapável uma leitura centrada nas três artes referidas que, aliás, contam já com uma longa história de interrelações profícuas. Seria ocioso lembrar aqui todos os modos de que se têm revestido as contaminações mútuas, pelo que lembro apenas dois desses modos: por um lado, a apropriação de terminologia específica, por exemplo a efectuada pela banda desenhada relativamente ao cinema, nomeadamente na utilização de termos cinematográficos para designar os planos das vinhetas, tais como “grande plano” ou “plano geral”; por outro, todos os movimentos que implicam adaptações: narrativas literárias transformadas em filme, e vice-versa, ou adaptações de histórias em BD ao cinema, tais como as aventuras de Super-Heróis como o SuperHomem, ou o Homem-Aranha da tradição americana, e as adaptações dos clássicos da BD franco-belga: Tintin e Asterix. Como exemplo de adaptação ao cinema de uma BD mais recente, vejam-se os filmes feitos a partir livros de banda desenhada de Frank

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Miller, Sin City (2005) e 300 (2006) que não só transpõem personagens e acção, como procuram ser absolutamente fiéis aos planos e à cor do meio de representação original. Em As Aventuras do Barão Wrangel não se trata de adaptar à banda desenhada uma narrativa literária ou cinematográfica, mas sim de fazer confluir, numa mesma história, uma série de referências provenientes da banda desenhada, do cinema e da literatura, e também da realidade histórica, de épocas diferente, convocando situações e personagens que se recontextualizam no percurso aventuroso do barão Wrangel. O protagonista toma de empréstimo o nome de uma personalidade histórica, o barão Wrangel, comandante russo do exército fiel ao czar e amigo de Dostoievski. Uma nota biográfica ficcional, da autoria de José Carlos Fernandes, fornece alguns dados sobre o herói e sobre a suposta génese das aventuras e do livro: Embora insista em afirmar que descende de uma família de linhagem nobre da Prússia Oriental e que terá vindo ao mundo em Königsberg (actual Kaliningrado), tudo indica que terá nascido em 1934 num remoto povoado algarvio, no seio de uma família modesta. Embarcado aos 13 anos, primeiro num barco da pesca do atum, depois num bacalhoeiro, logo aproveita uma escala na Terra Nova para desertar. Consegue lugar como ajudante de cozinha num navio da linha Hamburgo-Nova Iorque. Acaba por tentar a sorte nesta última cidade, onde trabalha sucessivamente como vendedor de escovas, tosquiador de poodles, cartoonista e maquilhador de peixes. Mercê do seu engenho e determinação, ascende ao cargo de sócio-gerente de uma fábrica de botões. É o primeiro passo numa fulgurante carreira que o tornará, em apenas década e meia, no magnata das camisas de popeline (...). Porém, vê-se inesperadamente implicado no assassinato de um eminente sábio alemão; este funesto evento é apenas o início de um ror de aventuras (...). Propõe a vários editores a publicação das suas memórias sob a forma de banda desenhada (...) “As Aventuras do Barão Wrangel” transformam-se num sucesso editorial, com milhares de exemplares vendidos e traduções em 22 línguas. Actualmente vive isolado em Capri, numa imponente mansão sobre as falésias. (Fernandes 2003, s/p)

A personagem criada por Fernandes é também apresentada na contracapa do livro por comparação com uma série de heróis de proveniências diversas:

Mais perspicaz do que Sherlock Holmes, mais viajado do que Indiana Jones, mais sedutor do que James Bond, mais romântico do que Corto Maltese, mais mortífero do que Dirty Harry, mais culto do que Umberto Eco, a aventura tem um nome: BARÃO WRANGEL! Uma divertida e movimentada homenagem aos clássicos da grande aventura, revisitados pela ironia quase cínica e inimitável de José Carlos Fernandes, autor da premiadíssima série A Pior Banda do Mundo. Equivalente em BD a um encontro inesperado entre os Salteadores da Arca Perdida e O Pêndulo de Foucault, As Aventuras do Barão Wrangel é uma trepidante aventura

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intercontinental que, para além de acção, crime, mistério, sedução, (muitas) sociedades secretas e teorias conspirativas, conta ainda com a participação especial de grandes heróis da literatura e do cinema... e também do próprio José Carlos Fernandes. (Fernandes 2003, s/p).

No texto da contracapa, o barão é comparado, sempre de um modo superlativo, a Indiana Jones, James Bond e Dirty Harry, do cinema, a Corto Maltese personagem de banda desenhada e a Sherlock Holmes, da literatura, e ainda a um autor real, Umberto Eco, de quem é referido O Pêndulo de Foucault, o romance que mais influenciou o livro de Fernandes, nomeadamente no fundo pseudo esotérico que percorre toda a narrativa, assim como em alguns dos nomes escolhidos para designar as personagens, nalgumas situações vividas pelo barão, e mesmo em citações literais. Ainda de acordo com o texto citado, além do romance de Eco, estas aventuras ecoam também um dos filmes protagonizados por Indiana Jones e nelas assistir-se-á ao desfile de personagens do cinema e da literatura; aparecerá igualmente o próprio autor que, no final do livro, dialogará longamente com o protagonista e com Zacarias Sontag, a personagem que tinha sido assassinada no início da história. Refira-se ainda que se, por um lado, este livro é aqui apresentado como uma homenagem aos “clássicos da grande aventura”, por outro, o tom da narrativa é fixado como irónico. Numa entrevista a Carlos Pessoa e a Vitor Quelhas, José Carlos Fernandes refere a intenção paródica de As Aventuras do Barão Wrangel, explicando que o aspecto inconsequente da narrativa é deliberado, à semelhança da BD clássica de aventuras que, na sua opinião, é, em geral, bastante ridícula (Pessoa e Quelhas, 2000, 29). A inconsistência narrativa a que se refere o autor é evidenciada de vários modos. Em primeiro lugar, manifesta-se através da estruturação em episódios que se sucedem rápida e profusamente, mimetizando o tipo de transmissão da banda desenhada de aventuras em fascículos. Para a mencionada inconsequência, contribuem igualmente a presença de muitos clichés das histórias de aventuras e a reiterada emergência de personagens, situações e alusões com origens distintas. É de mencionar ainda que as referências raramente são directas ou imediatas e surgem em contextos inesperados. Pelo que atrás ficou exposto, torna-se claro que As Aventuras do Barão Wrangel, uma autobiografia se constitui como paródia das histórias de aventuras, nomeadamente deste género de banda desenhada que, iniciada em 1929, com Tintin na Europa, e Buck Rodgers e Tarzan nos Estados Unidos, viu surgir, na tradição dos comics norteamericanos, durante os anos 30 do século XX, inúmeros heróis como Dick Tracy, Flash

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Gordon, Mandrake ou o Agente Secreto X-9 (Marny 1970, 23-24). Embora o autor assuma a presente narrativa como paródia, esta não deixa de ser uma BD de aventuras que, como tal, inclui, necessariamente, acontecimentos perigosos, vilões, e um herói que a tudo resiste e que, tipicamente, está do lado do bem e actua desinteressadamente. Tal como registado no título, o livro é ainda classificado genologicamente como “uma autobiografia”, que vem a revelar-se falsa, pois Wrangel não é um autor real, mas uma personagem criada por um autor que optou pela narração na primeira pessoa e pela simulação de uma autobiografia. Tarzan, banda desenhada adaptada de Tarzan of the Apes de Edgar Rice Burroughs, desenhada por Hal Foster, e depois por Burne Hoghart1, constitui um marco importante na história da BD, visto ter sido com esta primeira adaptação de um romance à nona arte que o tema das aventuras foi introduzido e, simultaneamente, o estilo de representação se tornou mais realista. Hal Foster inovou igualmente no que diz respeito a uma maior elaboração no enquadramento dos planos das vinhetas e na inclusão de pormenores paisagísticos e arquitectónicos (Walker 2004, 189). Na linha de Foster, José Carlos Fernandes opta, em As Aventuras do Barão Wrangel, por um tipo de representação realista a preto e branco. No entanto, nas personagens do autor português é notória uma tipificação quase caricatural, que permite filiá-lo também na tradição da BD franco-belga, nomeadamente em Hergé. A influência de Hergé é visível igualmente no percurso do barão, que, tal como Tintin, viaja por todo o mundo. A presença do Tarzan de Foster e Hoghart verifica-se logo na primeira imagem do livro, onde está representado uma grande macaco que guincha, num ambiente de selva. Nas duas vinhetas seguintes, contactamos com o herói, vítima de um acidente de aviação, já no culminar das suas aventuras. É pouco depois, quando pensa que a sua vida vai acabar com o iminente ataque de um tigre, que Wrangel inicia a longa analepse, ao longo da qual dá conta das suas aventuras, durante as quais empreende um percurso equivalente ao de um herói épico, que atravessa lugares inóspitos, não em busca da Índia, mas do “imponderável segredo dos Superiores Desconhecidos” (Fernandes 2003, 71).

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Tendo iniciado a publicação de Tarzan em 7 de Janeiro de 1929, interrompida em Março do mesmo ano, Foster retomá-la-ia de 1931 a 1937, ano em que Hoghart passou a ilustrar Tarzan e que levaria até 1950, com uma interrupção de dois anos entre 1945 e 1947 (Walker 2004, 189, 311).

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As duas características referidas, a opção por uma narração “in medias res”, assim como o tipo de percurso do protagonista, evidenciam o carácter épico das aventuras do barão que, embora não “assinalado” como os “barões” referidos no primeiro verso de Os Lusíadas (Camões 1989, 1) perdeu o olho direito, tal como Camões, e vem a encontrar-se numa situação que evoca o poeta nacional, pois, ao procurar salvar-se de um naufrágio, segura, numa das mãos, um papiro e um mapa enrolados. Todavia, ao contrário de Camões, que terá salvo o seu manuscrito, o barão perde os dois documentos.

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Na longa analepse empreendida, ficamos a saber que as aventuras são desencadeadas pelo suposto envolvimento de Wrangel num crime que não cometeu, mas cuja autoria lhe é imputada, numa referência implícita a filmes como The 39 Steps (1935) ou North by Northwest (1959) de Alfred Hitchcock, onde um inocente a quem é atribuído um crime se vê obrigado a fugir, simultaneamente, das forças da ordem e dos verdadeiros assassinos, enquanto procura provar a sua inocência. Wrangel tem de escapar continuamente aos membros das sociedades secretas que o perseguem, assim como à polícia internacional, aqui representada pelos comissários Brook, Brock e Brocca, três polícias de fato e chapéu pretos, com cara redonda, numa clara evocação dos famosos e desastrados polícias Dupont e Dupont das aventuras de Tintin.

A tentativa de prender o protagonista revelar-se-á infrutífera, porque o navio Gigantic, representado como o transatlântico Titanic, em que, nesse momento, viajavam afundar-se-á. A relação entre os dois navios, coincidente no que diz respeito ao modo como são configurados, pois navio desenhado por Fernandes apresenta-se como um grande navio de cruzeiro com quatro chaminés, é também equivalente no que diz respeito à designação usada, que, a partir de uma referência mitológica semelhante, constrói uma palavra do mesmo tipo, tendo por base Gigante, em vez de Titã. Outra cena passada a bordo, revelar-se-á mais calma, até porque o capitão, um Corto Maltese envelhecido e gordo, apenas recorda com nostalgia as suas aventuras passadas. A

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personagem que contracena com o barão, tal como o Maltese de Hugo Pratt, usa boné de marinheiro, tem longas patilhas, usa uma argola na orelha esquerda e fuma finos cigarros russos.

Este encontro, quase no fim da narrativa, permite um momentâneo descanso ao herói, depois das muitas situações perigosas que vive e das quais se salva sempre, tal como James Bond ou Indiana Jones. Por exemplo, em apenas três páginas, Wrangel quase é atirado de um avião, após o que escapa da explosão de um carro armadilhado, do descarrilamento de um comboio e ainda de ser esmagado por um contentor. Noutra ocasião, não só tem de se proteger dos disparos de um gangster, como é impedido de entrar na catedral de Chartres que tinha sido embrulhada pelo famoso escultor Krasnapolsky, numa referência implícita a Christo, conhecido por ter embrulhado o Reichstag, em Berlin, mas tomando de empréstimo o nome de um conhecido hotel de

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Amesterdão. Wrangel sairá também ileso do ataque de gangsters que, mais tarde, em Nova Iorque, tentam empurrá-lo do Empire State Buiding e, depois, o atiram ao rio Hudson,

embrulhado

à

semelhança

de

uma

escultura

ou

instalação

de

Christo/Kranapolsky.

Além destas, sucedem-se outras cenas de evocação cinematográfica, tais como uma situação de perigo típica de filme mudo, com a rapariga, deitada na linha de caminho de ferro e que é preciso salvar do iminente acidente ferroviário, assim como a inevitável cena romântica que se lhe segue, com Wrangel a segurar nos braços uma mulher fatal, exclamando cada um o nome do outro. A mulher salva pelo barão é Tatiana Blavatsky, nome que Fernandes decalca de Helena Blavatsky, conhecida esotérica russa do século XIX, de quem Fernando Pessoa traduziu um ensaio.2

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Trata-se do texto A Voz do Silêncio, publicado em 1889, que Pessoa traduziu em 1915.

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Mais tarde, depois de inúmeras peripécias perigosas, e de quase ser atropelado por “uma horda de loucos que demandavam Dakar” (Fernandes 2003, 99), o barão chega a Casablanca, onde entra no Rick’s Café, onde Rick, representado como Humphrey Bogart no filme Casablanca (Michael Curtiz 1942) lhe confidencia o paradeiro de Tatiana, que entretanto tinha desaparecido.

Wrangel fica a saber que Tatiana regressou à Rússia, tendo casado com o Conde Potiomkine, “um próspero exportador de ovas de esturjão do Cáspio!” (Fernandes 2003, 100). O herói dirige-se, então, para Odessa, onde enfrenta o conde na escadaria da 9

cidade, numa alusão explícita a O Couraçado de Potemkin (Sergei Eisenstein 1925), e à famosa cena na escadaria em Odessa.

Num outro momento da história, Wrangel aceita um assassinato por encomenda do Sultão do Brunei, pois tinha ficado arruinado devido à crise vivida no mercado das camisas de popeline, de que detinha o monopólio, crise que atribui “às maquinações da Fraternidade Gnóstica do Lagarto Verde do Professor Lakost!” (Fernandes 2003, 82), numa clara alusão à marca Lacoste, cujo símbolo é um lagarto verde. Wrangel aceita, então, levar a cabo o assassinato de Konrad, representado como Kurtz, personagem interpretada por Marlon Brando em Apocalypse Now (Francis Ford Coppola 1979) filme inspirado em Heart of Darkness de Joseph Conrad.

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No filme de Coppola, o capitão Willard tem como missão assassinar Kurtz que enlouqueceu durante a guerra do Vietname e vive na selva, enquanto a personagem de Conrad é encontrada por Marlowe no interior do Congo Belga. No livro e no filme, Kurz profere “The horror! The horror!” (Conrad 1982, 106) imediatamente antes de morrer. Konrad, a personagem de Fernandes, adopta do nome do escritor inglês, mas com K, a letra inicial de Kurtz. Konrad, antes de morrer, também articula uma frase, mas o seu teor é diferente. Diz que “A vida não imita a arte! A vida imita o folhetim, a banda desenhada...”, citando uma fala Belbo, personagem de O Pêndulo de Foucault (Eco 2006, 428) com o acréscimo da referência à banda desenhada. A frase de Konrad remete ainda para a inversão da teoria clássica da mimese veiculada por Oscar Wilde em The Decay of Lying, onde este autor afirma que a vida imita muito mais a arte do que a arte imita a vida (Wilde 1996, 64). Em As Aventuras do Barão Wrangel arte e vida misturam-se, através da sucessão de referências concretas, que tanto têm como referente textos e imagens dos universos específicos do cinema, da literatura e da banda desenhada, como aludem a acontecimentos e a pessoas reais, esbatendo-se, muitas vezes, a fronteira entre ficção e realidade.3 No final da narração das aventuras, no momento em que o herói conclui a sua longa analepse, na iminência do ataque do tigre, ocorre-lhe que não existem tigres em África, provocando o desaparecimento do felino e o reaparecimento de Zacharias Sontag, que tinha morrido no início da história, assim como o surgimento do autor, figurado como personagem. Neste momento, Wrangel é confrontado com o seu estatuto de mera personagem, dependente da vontade de um autor que cria as personagens, e a acção, que pode mesmo decidir errar deliberadamente, representando tigres em África, e que pode incluir-se na história que está a contar. O autor ficcionado empreende, em seguida, uma discussão com Sontag sobre a BD de aventuras. Sontag critica o género, desvalorizando a sua importância, assim como o tipo de público a quem se dirige, classificando-o como “Puro escapismo... Entretenimento inócuo para crianças e adultos retardados.” (Fernandes 2003, 111), enquanto o autor assume a sua defesa através de um vocabulário rebuscado, apresentando um argumento de autoridade ao afirmar que estas 3

Esta mistura de referências surge igualmente ligada a outros campos, como o da música popular, a par da história antiga e da realidade contemporânea. Quando Wrangel, em viagem pelo Egipto, afirma “Desci o Nilo até Memphis, em busca do túmulo do sumo sacerdote Helvis e da chave mágica de BibhopHalulah, mas só encontrei areia, pedras e vendedores de souvenirs.” (Fernandes 2003, 74), é explorada a coincidência de existirem duas Memphis, uma das cidades na América, a outra no Egipto, sendo Elvis Presley transformado no sumo sacerdote Helvis e o início do refrão de uma das suas músicas passa a enigma por decifrar.

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aventuras em banda desenhada remetem para o universo dos romances de Raymond Chandler. Em seguida, o autor vai referir-se aos custos de produção da sua narrativa, fazendo equivaler a banda desenhada ao cinema, mencionando a reconstituição de cenários em estúdio, o guarda-roupa e os adereços necessários à consecução da sua história.

Mas, mesmo assim, o barão não se convence de que é uma personagem ficcional, sem existência real, e insiste em saber o que vai acontecer-lhe, sendo ignorado pelo autor na derradeira vinheta do livro, que lamenta não o ter deixado morrer às mãos dos tugs, aludindo a La Vendetta dei Tugs (Gian Paolo Callegari 1952), adaptação cinematográfica do romance de Emilio Salgari, I Misteri della Giungla Nera (1885). Em suma, em As Aventuras do Barão Wrangel, as alusões e citações, textuais e pictóricas, referentes à banda desenhada, ao cinema, à literatura e a acontecimentos factuais sucedem-se, num processo constante de dupla codificação. Não se trata, no entanto, de emular as artes referidas, ou o género “aventuras”, mas sim de criar distanciamento irónico. Além disso, a multiplicidade das referências a meios de representação e tempos diferenciados produz anacronismos inverosímeis que permitem enfatizar a ficcionalidade das aventuras e reforçar o seu carácter intencionalmente paródico.

Obras Citadas

Boléo, João Paulo Paiva e Pinheiro, Carlos Bandeiras. 2000. Os anos 90 e a BD de autor. In Das Conferências do Casino à Filosofia de Ponta, Lisboa: CML/Bedeteca, 204-251.

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Camões, Luís Vaz. 1989. Os Lusíadas, editado por Álvaro Júlio da Costa Pimpão, Lisboa: ICALP/Ministério da Educação (originalmente publicado em 1572). Conrad, Joseph. 1982. Heart of Drakness, Harmondsworth: Penguin Books (originalmente publicado em 1902). Eco, Umberto. 2006. O Pêndulo de Foucault. Miraflores: Difel. (originalmente publicado com o título Il Pendolo di Foucault, Milano: Fabbri-Bompiani, 1988). Fernandes, J. C. 2003. As Aventuras do Barão Wrangel, uma Autobiografia. Lisboa: Devir (originalmente publicado por Pedranocharco, 1997) Marny, Jacques. 1970. Sociologia das Histórias aos Quadradinhos. Porto: Civilização (originalmente publicado com o título Le Monde Étonnant des Bandes Dessinés, Paris: Éditions du Centurion, 1968). Pessoa, Carlos e Quelhas, Vítor. 2000. José Carlos Fernandes – Estórias do Quotidiano. Amadora: CMA/CNBDI. Wilde, Oscar, 1996. The decay of lying. In Plays, Prose Writings and Poems. London: Everyman, 48-77 (originalmente publicado em Intentions, 1891). Walker, Brian. 2004. The Comics before 1945, New York: Harry N. Abrams.

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