BARBARA TANNURI MALUF A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA EM LAVOURA ARCAICA NITERÓI 2016

May 26, 2017 | Autor: Barbara Tannuri | Categoria: Narrativity, Enunciation, Textual Semiotics
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BARBARA TANNURI MALUF

A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA EM LAVOURA ARCAICA

NITERÓI 2016

Barbara Tannuri Maluf1

A construção da narrativa em Lavoura Arcaica

“Saltei num instante para cima da laje que pesava sobre meu corpo, meus olhos de início foram de espanto, redondos e parados, olhos de lagarto que abandonando a água imensa tivesse deslizado a barriga numa rocha firme; fechei minhas pálpebras de couro para proteger-me da luz que me queimava, e meu verbo foi um princípio de mundo (...)” (NASSAR, 1989, p.86)

O objeto de análise

Escrito em 1975, Lavoura Arcaica foi considerado um clássico da literatura desde o início: "uma revelação, dessas que marcam a história da nossa prosa narrativa", segundo o professor e crítico Alfredo Bosi. (Companhia das letras, 2016). Sua narrativa lírica e poética, mesclada de parábolas, passagens bíblicas e mitológicas, revela o avesso dos preceitos morais e autoritários da sociedade, trazendo questionamentos que perpassam o tempo e barreiras sociais e culturais. A história possui um sopro mediterrâno, em uma narrativa onde simbolismo, semissimbolismo e matéforas se entrelaçam. Seu discurso mostra o avesso de uma das instituições mais antigas da humanidade – a família – e suscita reflexões acerca dos mais antigos paradigmas religiosos e morais que moldam a estrutura social tal como a conhecemos. Talvez isso justifique suas adaptações ao longo dos anos – o filme homônimo, lançado em 2001, e, em 2016, sua versão para o inglês para uma das mais renomadas editoras inglesas, a Penguin Modern Classics, o que faz de Nassar o terceiro escritor brasileiro a dividir a prateleira com George Orwell e Marcel Proust.

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Universidade Federal Fluminense- Mestranda em Estudos de Linguagem - Trabalho de conclusão da disciplina de Semiótica do Discurso: metodologia e análise da Prof.ª Dr.ª Silvia Maria de Sousa

A narrativa em primeira pessoa conta a história pela perspectiva de André, filho arredio que foge da fazenda de sua família libanesa imigrante no Brasil para se livrar da rigidez das tradições e da educação austera impostas pelo pai, que encarna o papel de transmissor de valores morais e religiosos, sempre passados à família na hora da refeição através de sermões e parábolas bíblicas. Por não aceitar os preceitos e as regras que lhe são impostas, André foge de casa numa tentativa de ser dono do próprio destino; e é a partir de seu programa narrativo, sua busca por liberdade, pertecimento e reconhecimento social que a história se desenrola. André é um sujeito insatisfeito, sempre em conflito com a realidade que o cerca. Quando pequeno, vê em sua relação com a mãe uma abertura para a sexualidade, a qual será culminada de maneira exacerbada diante da consumação de sua relação incestuosa com a irmã. Embora não seja esse o mote principal da narrativa, é a figurativização de temas e ideologias profundas engendradas na narrativa, como a ruptura e a desconstrução de saberes e tradições institucionalizadas. A família é retratada como unidade social primordial, como centro do universo; é a representação da comunidade, e as relações familiares tematizam os embates do homem como ser social e histórico. O livro é dividido em duas partes, A Partida e O Retorno. A divisão, uma analogia à parábola biblica do filho pródigo, simboliza duas narrativas diferentes, marcadas pela mudança de estilo que ajuda na construção dos efeitos de sentido presupostos no projeto enunciativo da obra como um todo de significação. Na primeira parte, instala-se o discurso quase convulsivo de André, onde o fluxo de consciência do personagem é retratado no plano de expressão pela ausência de pontuação, e todos os capítulos são percebidos como sendo um único parágrafo. Já na segunda, observamos pontuações e diálogos, o narrador-personagem assume sua parte na relação dinâmica entre

interlocutor e interlocutário. É uma obra em que as estratégias enunciativas assumem papel primordial na construção da narrativa e seus efeitos de sentido.

O objetivo Pretendemos analisar os mecanismos enunciativos com os quais se dá a construção da narrativa, desde a escolha de um narrador-presonagem, até os desdobramentos das debreagens, pois ao delinearmos os mecanismos sutis na trama enunciativa, damo-nos conta do papel da estratégia escolhida, e de como essa afeta o projeto narrativo . Diana Barros chama nossa atenção para o seguinte fato:

“A análise interna do texto apreende esses aspectos e mostra que as escolhas feitas e os efeitos de sentido obtidos não são obra do acaso, mas decorrem da direção imprimida ao texto pela enunciação. Ressalta-se o caráter manipulador do discurso, revela-se sua inserção ideológica e afasta-se qualquer ideia de neutralidade ou de imparcialidade do texto.” (BARROS, 2005, p.78)

O discurso do personagem André justifica a escolha da nossa circunscrição de análise; sua fala convulsiva, típica dos romances de fluxo de consciência, nos leva aos recôndidos do seu subconsciente e traz à tona o lado mais primitivo do ser humano, abafado e moldado por preceitos morais, religiosos e sociais ao longo da história. André, o filho epilético, leva os preceitos do pai até as últimas consequências, pois vira pelo avesso o discurso paterno de que “o amor na família é a suprema forma da paciência, o pai e a mãe, os pais e os filhos, o irmão e a irmã: na união da família está o acabamento dos nossos princípios” ( NASSAR, 1989,p.60-61), ao nutrir um amor incestuoso pela irmã.

Ao sermos guiados pelos olhos de André através da narração em primeira pessoa, somos colocados frente à instância da enunciação a partir da debreagem que segundo Greimas e Courtés,

“inaugura o enunciado, articulando ao mesmo tempo, por contrapartida, mas de maneira implícita, a própria instância da enunciação. O ato de linguagem aparece, assim, por um lado, como fenda criadora do sujeito, do lugar, e do tempo da enunciação, e, por outro, da representação actancial, espacial e temporal do enunciado” (GREIMAS; COURTÉS, 2016, p. 111).

André percorre sua narrativa e se transforma, atualizando as estruturas semióticas virtuais por meio desse narrador-personagem, ora pelo seu próprio discurso, quando o sujeito da enunciação se projeta no texto através das debreagens enunciativas e enuncivas, ora no discurso dos interlocutores, quando André concede voz a outros actantes da enunciação por meio de debreagens internas. Nesse jogo de vozes, a trama se adensa e se desenrola, envolvendo-nos e convidando-nos a tomar parte desse contrato de fidúcia entre enunciador e enunciatário, pois, assim como nos lembram ainda os autores do Dicionário de Semiótica, “nenhum ‘eu’ encontrado no discurso pode ser considerado sujeito da enunciação propriamente dita nem identificado como ele;”. Tudo não passa de um “simulacro da enunciação”. (GREIMAS; COURTÉS, 2016, p. 112) É a partir da subjetividade imposta pela enunciação enunciada que vamos entender os estados de alma do actante da enunciação. É também a partir dos mecanismos internos do discurso de André que encontraremos as pistas que nos levarão à ideologia engendrada na narrativa; ainda nas palavras de Diana Barros,

(...) “não basta reconhecer que ‘este é um discurso em primeira pessoa’, mas é preciso, pela análise completa do texto, explicar as razões dessa escolha, e quais os efeitos que, com essa opção se obtêm. (...) O enunciador determina como o enunciatário deve interpretar o discurso, deve ler “a verdade”. (...) O enunciatário, por sua vez, para entender o texto, precisa descobrir as pistas, compará-las com seus conhecimentos e convicções e, finalmente, crer ou não no discurso.” (BARROS, 2005, p.60).

Traçaremos, então, o papel actancial do narrador-personagem enquanto sujeito da enunciação e do enunciado e analisaremos a construção da narrativa sob sua perspectiva, sua busca e sua transformação.

A análise Neste trabalho, optamos por inserir as noções conceituais que servirem de embasamento teórico para a análise da discursivização do narrador-personagem ao longo do processo, a fim de estreitarmos a relação teoria-prática. Uma vez que analisaremos a construção da narrativa sob a perspectiva de um actante sincrético, estaremos tratando de instâncias enunciativas que operam em diferentes níveis: no nível da enunciação encontramos o enunciador e o enunciatário - o autor e o leitor pressupostos, implícitos no texto; no nível do enunciado, projetados em seu interior, estão o narrador e o narratário, sujeitos da enunciação enunciada; é nesse nível que também podem estar projetados os personagens que dialogam dentro do enunciado, ou seja, o interlocutor e o interlocutário, sujeitos do enunciado, cujas vozes são dadas pelo narrador.

O personagem André de Lavoura arcaica sincretiza dois papéis

actanciais no nível do enunciado: o de narrador e o de interlocutor. Como narrador, é actante da enunciação enunciada, isto é, as “marcas e traços que a enunciação propriamente dita deixou no enunciado” (FIORIN, 2015,p.80). A narrativa começa com a seguinte passagem:

“Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo; eu estava deitado no assoalho do meu quarto, numa velha pensão interiorana, quando meu irmão chegou para me levar de volta; minha mão, pouco antes dinâmica e em dura disciplina, percorria vagarosamente a pele molhada do meu corpo, (...)” (NASSAR, 1989, p.7-8)

A aproximação e a subjetividade intrínsecas à debreagem enunciativa projetam no enunciado o actante da enunciação, nesse caso, através do olhar de André, instaura-se a cena enunciativa, composta pelos mecanismos de actorialização, espacialização e temporalização, ou seja a instauração de pessoas, espaços e tempos em um enunciado. Na passagem, é possível perceber a instauração do ego, hic et nunc a partir das dêixis referenciais, que servirão também para homologar os efeitos de sentido de concomitância, anterioridade e posterioridade ao longo da narrativa; mecanismo bastante explorado por Nassar, que, nesta obra, opta pela ruptura da linearidade temporal. A princípio, instaura-se o tempo presente: “o quarto é”, “se colhe”, “nos objetos que o quarto consagra estão”. A referência temporal nos leva ao espaço, o quarto de pensão, local onde começa a narrativa. Em seguida, percebe-se o mecanismo da actorialização através dos pronomes pessoais, “eu”, “meu”, “me”, ao mesmo tempo em que os dêixis temporais remetem ao passado: “eu estava deitado no assoalho do meu quarto”. Com essas pistas, sabemos que seremos guiados pelos passos de André ao longo do caminho. Damo-nos conta de que ele não mais se encontra no quarto de pensão, mas, antes de sairmos, percebemos o lugar como ele, deitados no chão, olhamos para o teto, e experimentamos a solidão, a angústia e o desespero; sentimentos reiterados pela escolha das cores frias com as quais narrador-personagem descreve o ambiente; róseo, azul, violáceo, branca. Vale ressaltar o trabalho com a rima e os efeitos sonoros em violáceo-inviolável, individual-catedral, e até mesmo o eufemismo em se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero artifícios que dão um sopro lírico e poético ao que parece ser a descrição de uma cena de masturbação de André no seu quarto de pensão.

O trabalho lírico e poético encontra eco em um narrador-personagem, pois este traz consigo a subjetividade capaz de mobilizar e suscitar emoções no enunciatário pressuposto, aproximando-o do texto e de seus fundamentos ideológicos. André figurativiza a transgressão às regras e a subversão aos valores morais impostos pela sociedade. Encarna o papel do excluído, do pervertido, do transgressor; e mostra o avesso das leis, o colapso do sistema. Levando ao extremo os ensinamentos do pai sobre o amor fraternal, consuma a relação de incesto com a irmã, em um discurso ideológico baseado em nada mais do que a verdade; e é com ela que o personagem a desconstroi:

“foi um milagre descobrirmos o que aconteceu entre nós, querida irmã, o mesmo tronco, o mesmo teto, nenhuma traição, nenhuma deslealdade (...) foi um milagre descobrirmos acima de tudo que nos bastamos dentro dos limites da nossa própria casa, confirmando a palavra do pai de que a felicidade só pode ser encontrada no seio da família;” (NASSAR, 2006, p.118).

Mais adiante, no diálogo entre André e seu irmão sobre a partida daquele, evidencia-se a leitura que o personagem faz do silêncio e do olhar da mãe. Não percebemos a partida do filho sob a perspectiva dela, mas sim sob o ponto de vista de André; além do fluxo contínuo da ausência de pontuação, o trabalho sinestésico com a linguagem auxilia na construção da emotividade da passagem, revelando-nos o emaranhado de sensações que envolviam o personagem:

“Não tinha ainda abandonado nossa casa, Pedro, mas os olhos da mãe já suspeitavam minha partida” (...) “quando fui procurar por ela, eu quis dizer a senhora se despede de mim agora sem me conhecer, e me ocorreu que eu pudesse também dizer não aconteceu mais do que eu ter sido aninhado na palha do teu útero por nove meses e ter recebido por muitos anos o toque doce das tuas mãos e da tua boca; (...) mas meus olhos naquele momento não podiam recusar as palmas prudentes de velhos artesãos, me apontando pedras, me apontando paisagens esquisitas, calcinadas, me moldando calos, modelando solas nos meus pés de barro; (...)” (NASSAR, 1989,p.64-65).

Estamos absortos nos pensamentos de André, que nos revela, através de suas elucubrações, o fator desencadeador da sua inadequação ao modus operandus da estrutura familiar imposta pela austeridade paterna; é por causa do excesso de afetividade da mãe, pelo seu carinho extremo, que há o desajuste em André, sua falta de pertencimento, sua incapacidade de fazer parte do sistema. Não temos acesso ao olhar da mãe sobre as coisas, estamos imersos no universo exacerbado de um personagem que encarna o sujeito do excesso; é o exagero do amor, dos ensinamentos sobre retidão e moral que move e transforma o sujeito. Ao não estabelecer um diálogo com a mãe, André se priva de conhecer uma outra realidade e uma outra perspectiva; ao escolher esse projeto enunciativo, o enunciador, aquele que não aparece no discurso, mas está pressuposto nele, nos oferece uma visão parcial dos acontecimentos; talvez a mãe, ao longo da vida, tenha dedicado a André a mesma afeição que dedicara aos outros irmãos, ou talvez tenha sido ele o objeto de todo o seu amor maternal. A escolha por uma debreagem enunciativa faz parte do projeto narrativo do sujeito André. É como se o fato de conhecermos o “outro lado da moeda” pudesse destruir o contrato fiduciário entre o texto (enunciador), que prioriza o programa narrativo de André, e o seu leitor, o enunciatário pressuposto. É como se, caso conhecêssemos a verdade de outros personagens, suas perspectivas sobre o mesmo fato, o véu do parecer se desfizesse, e o personagem de André perdesse toda a riqueza conflituosa do seu drama existencial. É na segunda parte do livro que a narrativa assume uma perspectiva nova. Os parágrafos e os diálogos, agora presentes, conferem ao discurso um andamento diferente, além de nos aproximar de outros actantes da narrativa. André retorna à

casa depois de seu irmão mais velho ir buscá-lo no quarto de pensão onde estava morando desde a sua partida. O diálogo que trava com o pai, aqui representado de forma direta, representa a inserção das debreagens internas, ou seja, “quando o narrador dá a palavra a uma das pessoas do enunciado ou da enunciação já instaladas no enunciado”, são “simulacros de diálogos nos textos” e “proporcionam ao enunciatário a ilusão de ouvir o outro, ou seja, suas verdadeiras palavras” (FIORIN, 2014, p.67). Estamos falando de inserir em um discurso até então unilateral, pontos de vista e perspectivas de realidades diferentes, vindas de outros actantes. Há nessa estratégia a vontade de desconstruir um pouco o isolamento do narrador-personagem que se desenvolveu ao longo da narrativa. A solidão que lhe foi imposta - seja pelo seu sentimento de não pertencimento, pela sua vontade de ruptura com sistemas estabelecidos socialmente, ou ainda pela sua fuga propriamente dita- é agora desfeita no diálogo de André com seu pai. Percebemos a ambiguidade do papel actancial do pai: para André, o anti-sujeito, aquele que o impedia de entrar em conjunção com seu objeto de desejo, a liberdade- figurativizada, além de outros elementos, pelo amor impossível pela irmã. Para a família, o destinador, aquele capaz de causar a transformação no sujeito, dotando-o de competências através de seus sermões e ensinamentos, para depois, ao final da busca, retornar para aplicar a sanção final. No diálogo, André trava um embate com o pai, e tenta revelar-lhe toda a sua verdade, mas por fim, sente-se vencido e desiste de sua argumentação:

“E que veleidade a minha, expor-lhe a carcaça de um pensamento, ter triturado na mesa imprópria uns fiapos de ossos, tão minguados diante da força poderosa de sua figura à cabeceira. (...) - Estou cansado, pai, me perdoe. Reconheço minha confusão, reconheço que não me fiz entender, mas agora serei claro no que vou dizer: não trago o coração cheio de orgulho como o senhor pensa, volto para casa humilde e submisso, não tenho mais ilusões, já sei o que é solidão, já sei o que é miséria, sei também agora, pai, que não devia ter me afastado um passo sequer da nossa porta; (...)

- Tuas palavras abrem meu coração, querido filho, sinto uma luz nova sobre essa mesa, sinto meus olhos molhados de alegria, apagando depressa a mágoa que você causou ao abandonar a casa(...) E o meu suposto recuo na discussão com o pai logo recebia uma segunda recompensa: minha cabeça foi de repente tomada pelas mãos da mãe, que se encontrava já então atrás da minha cadeira(...)” (NASSAR, 1989, p. 168-169)

Com as debreagens enunciativas, André faz suas considerações sobre sua discussão com o pai, temos, então, os actantes do nível narrativo – o narrador assume sua função de personagem em uma debreagem interna, e se estabelece como sujeito da busca; enquanto o pai desempenha seu papel de destinador, dotado do saber e do poder de sancionar o sujeito. Ao delegar voz ao pai por meio da debreagem interna, o narrador nos coloca a par da sanção infligida a ele. André então recebe sua recompensa, a aprovação do pai, e o carinho da mãe, muito embora essa conjunção logo irá se desfazer, ao final do livro, quando a obra assume um viés mais trágico, remontando uma tragédia grega. Em meio à festa para celebrar o retorno de André, Pedro conta ao pai sobre a relação incestuosa de André e sua irmã Ana, o que acaba levando-o a tirar a vida da própria filha antes de se matar.

Considerações finais

Este trabalho se prestou a apresentar como se deu a construção da narrativa através das escolhas e estratégias de enunciação, e como essas influenciaram os efeitos de sentidos do projeto enunciativo. Das debreagens internas, pudemos abstrair elementos e marcas que reiteraram o contrato de veredicção entre enunciador e enunciatário, de onde também foi possível abstrair os conceitos ideológicos subjacentes ao discurso, as categorizações mais abstratas. Através das debreagens enunciativas do narrador-personagem, construímos o

universo de um sujeito em conflito com estruturas preestabelecidas e travamos questionamentos acerca das escolhas enunciativas presentes no discurso, a fim de levar o enunciatário a interpretar as marcas deixadas ao longo da narrativa. Vimos na teoria semiótica uma ótima oportunidade de “explicitar as estruturas significantes que modelam o discurso social e o discurso individual”, (BERTRAND, 2003,p.15) presentes não só na literatura, mas também nas mais variadas manifestações textuais. Nesta análise, pretendemos apontar conceitos de enunciação capazes de aprofundar nosso entendimento de mundo, pois segundo Benveniste, “toda enunciação que suponha um locutor e um ouvinte e, no primeiro, a intenção de influenciar, de algum modo, o outro” (BENVENISTE, 1976, p.267). É a concepção semiótica do discurso que nos leva a enveredar pelo caminho da enunciação para entender o processo de interpretação de um determinado texto por seu enunciatário. Sabemos do papel que a literatura exerce sobre o indivíduo como ser social, histórico e cultural; ela “exerce uma função crítica sobre a língua, (...) No âmbito da cultura, a literatura é um imenso reservatório da memória coletiva,(...) se fixa e se institui como referência cultural.” (BERTRAND, 2003,p.25). Consideramos, então, importante o trabalho com análises semióticas das estruturas constitutivas do discurso, para que possamos nos tornar leitores e produtores e repetidores culturais cada vez mais reflexivos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, Diana Luz Pessoa. Teoria Semiótica do Texto. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2005. BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral. São Paulo: Nacional/ EDUSP, 1976. BERTRAND, Denis. Caminhos da semiótica literária. Bauru: EDUSC, 2003.

Companhia Das Letras: Disponível http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10130; 17/08/2016.

em

FIORIN, José L. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Ática,1996. ________________. Em busca do sentido: estudos discursivos.2ª ed. São Paulo: Contexto, 2015. GREIMAS, A. J. ; COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. 2ª ed., 3ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2016. NASSAR, Raduan. Lavoura Arcaica. 3º edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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