BASES DIALÓGICAS PARA A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA – CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE E EDGAR MORIN

June 4, 2017 | Autor: Sebastian Reis | Categoria: Education, Educação Superior, Pedagogia
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

BASES DIALÓGICAS PARA A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA – CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE E EDGAR MORIN

Por: Sebastião Varanda Reis (S.V.Reis)

Orientador Prof. Dr. Vilson Sérgio de Carvalho

Goiânia - GO 2009

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

BASES DIALÓGICAS PARA A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA – CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE E EDGAR MORIN

Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Docência do Ensino Superior Por: Sebastião Varanda Reis

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AGRADECIMENTOS

....à Deus, minha noiva Marly e meus irmãos de coração (Rita, Rosa, Lúcia e Luis) que me apoiaram e torceram por mim.

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DEDICATÓRIA

.....dedico a minha mãe, que não está mais comigo; mas que nunca duvidou de minha capacidade

e

persistência

intelectual,

espiritual e amorosa.

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RESUMO O presente trabalho se preocupa com a discussão do diálogo como um meio na produção do conhecimento no espaço acadêmico. Focaliza-se o agir docente como parte responsável para a promoção do ato dialógico. E se apóia nas idéias do educador Paulo Freire e do filósofo Edgar Morin. Ambos os autores, de forma natural e comprometida, conseguem adentrar na questão da educação do se colocar crítico produtivo entre o aluno, o professor e o conhecimento. Ensinar é promover o fluir do saber, seja ele científico ou não. Nesse sentido o professor deve se preocupar no papel do mediador. Não é num mediador qualquer; mas naquele que sabe intermediar sem prejudicar as fontes – a “recebedora” e a “emissora”. Se bem observarmos, Freire e Morin levam-nos a concluir que a educação e os participantes dela são como orquestra; e o professor é o maestro. E na academia, quanto mais ciente e habilidoso com a dialogicidade for o maestro; mais rica e transformadora serão as melodias. Fica o convite ao exame deste trabalho imbuído do compromisso com a educação. E comprometido como missão da educação planetária; parafraseando Morin e Freire: salvaguardar a humanidade e prosseguir a hominização pautando na dialogia do A com o B.

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METODOLOGIA A metodologia utilizada visa o despertar de uma ação docente universitária, embora uma discussão teórica; reflexiva, dialógica e democrática; mas autêntica e necessária. Intenciona-se trazer a reflexão, no exercício da aprendizagem em sala de aula, o confronto produtivo entre a matéria o discente e o docente. Levando-se em consideração que o acadêmico se depara com o mundo científico, o qual não conhece e tem dificuldades de adaptações; o professor, acostumado com o ambiente deve se instrumentar das qualidades que são indispensáveis no trato humano. A presente pesquisa delimita-se ao exame comparativo das idéias, referente à dialogia no trato social e educacional. Sendo assim, ela está mais voltada para uma abordagem fenomenológica. A proposta do trabalho é se apoiar fundamentalmente em Edgar Morin e Paulo Freire; mas sempre se reportando, quando necessário, aos autores da área didático-pedagógica.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO

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CAPÍTULO I – Rastros Indeléveis no Mundo

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1.1 – Trajeto de um pensador: Vida e Obra

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1.2 - Trajeto de um pedagogo: Vida e Obra

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CAPÍTULO II - Dialogar Pensamento e Hominizar Diálogo no Espaço Acadêmico

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CAPÍTULO III – A Docência e A Discência – Participantes Sujeitos na Produção Científica

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3.1 – Concepção Problematizadora

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3.2 – Implicâncias da Complexidade

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CAPÍTULO IV – O Continuum do Conhecimento no Filósofo e no Pedagogo

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CONSIDERAÇÕES FINAS

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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INTRODUÇÃO O tema deste estudo é Construindo Dialogicidade em Sala de Aula Pautado no Pensar Certo Freiriano e Hominização Moriniano. A questão principal do mesmo é a aplicação das experiências do Educador Paulo Freire e as vivências teóricas do Filósofo Edgar Morin na docência universitária. O tema sugerido é de fundamental relevância, pois é no mundo, com o mundo e sobre o mundo que o filósofo, ser planetário, dialoga com os valores incomuns aos do pedagogo. Este levanta a bandeira da reforma do pensamento, de uma reforma paradigmática no âmbito da educação. A comunicação entre o todo e as partes. O enfrentamento do complexo. A docência universitária precisa muito das teorias dos referidos autores. Diante da globalização e das questões que se apresenta a toda raça, povo e língua; a postura docente; deve sim, pautar-se nas contribuições de Freire e Morin. Ambos tiveram experiências de vida diferentes; mas falaram de uma mesma perspectiva. Ambos escreveram em linguagens diferentes; mas de uma profundidade e destreza ímpares. Mas os dois tiveram a sensibilidade necessária e incomum a fim de serem ouvidos; no meio em que estiveram. As vozes intimantes nos pensamentos e idéias de Paulo Freire e Edgar Morin; tornaram-se aplicáveis a todos os ramos da atividade humana, sendo educadores, mais claro se fazem ao se reportarem a educação. Far-se-á aqui uma empreitada de se explorar os textos de ambos buscando examinar, comparar e discutir suas teorias e posições diante do desafio de ser docente. São objetivos, portanto, desta pesquisa identificar as contribuições dos citados autores no que se refere à docência universitária; apontando diálogos intertextuais entre os dois; discutindo a dialogicidade que deve haver democraticamente, entre a docência e a discência e examinando os pontos de convergência e divergência quanto ao método de aprendizagem de Freire e a teoria da complexidade de Morin.

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É mostrado, no primeiro capítulo, uma rápida introdução aos autores da base teórica. Faz-se um traçado de seus trabalhos principais e uma pincelada de suas vidas. É extremamente despretensioso com relação à biografia. Em seguida discute a dialogia de ambos. Dialogar pensamento é freiriano. Hominizar diálogo é moriniano. O estudante precisa se colocar politicamente em um espaço que se diz democrático – a universidade. E o professor deve favorecer e assegurar a continuação da hominização. A ação revolucionante será possível diante do aluno “freiriano” e do professor “moriniano” e vice-versa. No penúltimo capítulo, a docência e a discência são vistas pela ótica de Freire e Morin. O comportamento de professor e aluno tem características comuns a todos os níveis de ensino. No ensino superior, no entanto; é inadmissível a superficialidade do analisar e a passividade no caminhar. E no último capítulo, faz-se um paralelo da questão cíclica do conhecimento. Na busca do ser mais, o filósofo e o pedagogo usam um mesmo vocábulo para a cíclica espiral do saber – a inconclusão.

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CAPÍTULO I RASTROS INDELÉVEIS NO MUNDO O ano de 1921 foi a porta de entrada para os meninos, de então; Edgar Morin e Paulo Freire de que viriam a se tornar influentes e ativos no mundo. A vida os levou a experimentar situações diversas que um ser humano pode ter. Os dois presenciaram os horrores da ação da política. O primeiro vivenciou a Segunda Guerra Mundial defendendo as cores de seu país e o outro, a perseguição política e censura da sua terra. Os dois tiveram a sorte de nasceram em famílias de classe média e puderam estudar conhecer o mundo na teoria. Morin é de país desenvolvido; Freire, do chamado país em desenvolvimento; no entanto, ambos, ao longo de suas vidas, tiveram a sensibilidade de reconhecer as mazelas e limitações que o homem se encontra. Daí então, o mundo passou a sentir suas presenças e consequentemente seus rastros começaram a se destacarem por onde passavam. Edgar Morin e Paulo Freire tiveram uma produção muito grande de livros e foram muito úteis, com suas teorias, ao mundo ao trazer à discussão a necessidade da transformação do homem no mundo. Na verdade, o primeiro continua na ativa; como da mesma forma estaria o outro se estivesse vivo. (Este, dedicou sua vida às causas da educação e aquele, ainda se desdobra no esforço de trazer a ciência para sua função de tornar o homem reconhecedor de sua condição de ser planetário.)

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TRAJETO DE UM PENSADOR: VIDA E OBRA O mundo científico reconhece nesse nome a magia impar de produção e

discussão de idéias e saber nas mais diversas áreas do conhecimento. Edgar Nahoum usa o pseudônimo de Edgar Morin. Ele é francês de origem Judaica – Espanhola nascido em Paris em 8 de Julho de 1921. Morin é sociólogo e filósofo com formação em Direito, História e Geografia; mas desde tenra idade mergulhou na leitura de diverso campo do saber como teatro, novelas e política.

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Desde muito cedo, o jovem Morin aventurava na produção escrita com ensaios. Foi influenciado pelo comunismo e ao concluir os estudos na renomada Universidade francesa, Sorbonne; três cursos ao mesmo tempo; torna-se combatente voluntário da Resistência na Segunda Guerra Mundial. Foi nesta empreitada que o jovem filósofo e tenente amadurece suas reflexões sobre a vida e a morte. Edgar Morin prestou altos serviços para o governo francês; mas sem jamais esquecer da sua produção intelectual nas áreas da política, sociologia e filosofia. Na verdade ele teve uma vida produtiva e fértil e conseguia distribuir o seu tempo para a produção intelectual, trabalho e vida pessoal. Prova disso é que ele se casou mais de uma vez e teve filhos. Desde 1998, Edgar Morin direcionou suas pesquisas, estudos e produção à Educação. Começou na França e logo foi convidado pela Unesco a se juntar na discussão sobre temas educacionais que ecoam pelo mundo todo. Tendo e usando toda sua experiência homem-homem e homem-cientista; ele se reportou, desde então, à educação apontando-a como tendo a responsabilidade cidadã e planetária. Edgar Morin escreveu dezenas de livros até aqui; os quais são publicados em outras dezenas de línguas. Reportemos-nos aos mais relevantes de uma forma não cronológica. Seu primeiro livro foi L’an Zero de l’Allemagne (O Ano Zero da Alemanha). A estréia livresca tem apanhados sociológicos e tom jornalístico que retrata o período de guerra na Alemanha. O segundo livro de Edgar Morin foi uma espécie de laboratório que o preparou para sua maior aventura intelectual – a Teoria da Complexidade – L’homme et la Mort (O Homem e a Morte) em 1951. Esse trabalho exigiu dele uma forte e profunda pesquisa no filósofo Heráclito. A obra o fez lançar mão de um dos princípios básicos da Complexidade: o princípio da regeneração. Em 1977 foi o início de sua obra mais importante, uma coleção de 6 volumes intitulada de Le Méthode (O Método). O primeiro é La Nature de la Nature

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(A Natureza da Natureza). O autor faz um comparativo da ciência do homem à ciência da natureza; iniciando assim a exploração da complexidade. La Vie de la Vie (A Vida da Vida) é o segundo volume editado em 1980. Morin discute sobre a vida antes do homem nela e das questões dele, homem, na vida; sob o olhar da complexidade no nascer e no morrer. La

Connaissance

de

la

Connaissance

(O

Conhecimento

do

Conhecimento) é o terceiro volume editado em 1986. O autor faz reflexões acerca das possibilidades do conhecimento tendo o todo como foco. Les Idees (As Idéias) é o quarto volume iniciado em 1984 e publicado em 1991. É, na verdade, uma continuação do terceiro volume. Só que o autor se apóia nas vertentes da ecologia das idéias; na noosfera e na noologia. L’humanité de L’humanité (A Humanidade da Humanidade) é o quinto volume que seria publicado em 2001. Morin traz à discussão a condição humana frente ao universo planetário. O último volume, Étique (Ética), aparece três anos depois. Ele fecha sua obra-prima falando de ética; de uma ética complexa. Essa obra lhe custou muitos anos de pesquisa e a torna um panteão filosófico que penetra e atinge todas as áreas do saber. Ao se dedicar à educação; Edgar Morin, a partir de 1998, escreve livros que tinham focos no desenvolvimento na área educacional. Seus principais livros foram La Tête Bien Faite – Repenser la Reforme, Réformer la Pensée (A Cabeça Bem-Feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento); publicado em 1999. Aqui, o pensador aponta para uma necessidade impar de se pensar uma educação cidadã. Ao participar de uma discussão proposta pela Unesco, surge o livro Les Sept Savoirs Nécessaires à L’education du Futur (Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro) editado em 1999. As discussões foram tão produtivas que, da mente do filósofo francês, saíram mais livros no mesmo ano, que são: L’intelligence de la Complexité (A Inteligência da Complexidade); Relier les Connaissances – Le Defi du XXI siècle (A Religação dos saberes – O Desafio do Século XXI). Este foi em parceria com Jean – Louis Lê Moigne.

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Em 2000, Morin fez parceria com Boris Cyrulnik e lança Dialogue sur la Nature Humaine (Diálogo sobre a Natureza Humana); e com Michael de Saint Cheron, Emmanuel Lévinas e Genevière de Gaulle Anthonioz produz De la Mémoire à la Responsabilité. Em 2002, Morin com a colaboração de Emílio Roger Ciurana e Raúl Domingo Melta, publica o livro Eduquer pour l’ère Planetaire – La Pensée Complexe Comme Méthode D’apprentissage dans L’erreur e L’incertitude Humaines (Educar na era Planetária – O Pensamento Complexo como Método de Aprendizagem pelo Erro e Incerteza Humana) Hoje, as vozes de Edgar Morin, são inconfundíveis no meio científico. A teoria da complexidade o torna um marco no meio do saber acadêmico. Meio século de discussão acerca de Morin e da complexidade; é apenas um passo, referindo-se ao tempo, de muitos que o futuro reserva.

1.2 TRAJETO DE UM PEDAGOGO: VIDA E OBRA Paulo Freire é um brasileiro que, ao mesmo tempo em que é ignorado por alguns, é exaltado por outros; como afirma o Profº titular da USP, Moacir Gadotti “... não foi unanimidade, nem no movimento sindical e, muito menos, entre os pensadores”. E “há aqueles que o suportam”; continua o Profº. No entanto, a

maior e mais respeitada enciclopédia livre virtual – WIKIPEDIA – registra na página em português; que ele, Paulo Freire, “... é considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica.” Paulo Reglus Neves Freire é um brasileiro cidadão do mundo nascido no dia 19 de Setembro de 1921 em Recife, Pernambuco. Seus pais eram da classe média, mas isso não impediu de ter a experiência da fome e da pobreza aos 8 anos de idade. Isso o ajudou pensar nos pobres e oprimidos. Aos 22 anos, ele ingressou na Universidade de Recife e cursou a Faculdade de Direito. Sem exercer a profissão, dedicou também aos

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estudos de filosofia da linguagem. Identificou-se profundamente com a pedagogia e trabalhou como professor de português. Freire, ao longo de sua vida teve dois casamentos e 3 filhos. Sendo Católico e defensor dos pobres e oprimidos, aproximou-se da Teologia da Libertação. E na década de 60, Freire começou ter uma participação mais intensa nos cargos políticos ligados à educação no estado de Pernambuco. Em 1962, fez um trabalho de alfabetização com 300 trabalhadores rurais em 45 dias. Foi sua primeira experiência na constituição do Método Paulo Freire. A eficácia desse método levou o presidente de então; João Goulart a estender esse método a todo o país num Plano Nacional de Alfabetização a fim de erradicar o analfabetismo da nação. Poucos meses depois, instaurou-se o golpe militar em 1964 e o mentor do plano, Paulo Freire foi preso por 70 dias. E logo depois, ele inicia seu exílio produtivo, reflexivo e indelével pelo mundo. Passou um tempo na Bolívia e trabalhou por 5 anos no Chile atuando em movimentos sociais e pela ONU – Organização das Nações Unidas. Lecionou na Universidade de Havard nos Estados Unidos como professor visitante. Passou pela Inglaterra e trabalhou como consultor educacional na Suíça. Foi consultor educacional, também, em Guiné-Bissau e Moçambique. Em 1979, veio a Anistia e Paulo Freire, no ano seguinte volta para o Brasil. Nessa época, passou a atuar na política pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em são Paulo; exercendo a função de supervisor para o programa do partido para alfabetização de adultos; ao ocupar o cargo de secretário de educação entre 1989 e 1991, no governo de Luiza Erundina. Ao longo desses dois anos, o Educador deixou rastros com a criação da MOVA – Movimento de Alfabetização. Paulo Freire escreveu dezenas de livros, retratando a dor dos oprimidos e provocando a reflexão da condição humana. Com suas idéias 14

simples e contundentes, ele ganhou a simpatia e o respeito de pessoas ao redor do mundo. Algumas de suas obras foram traduzidas em várias línguas como sua obra prima Pedagogia do Oprimido que tem tradução até no Hebraico. Sendo extensa sua produção, expõem-se a seguir os mais relevantes e marcantes. Em 1966, Paulo Freire escreve Educação Como Prática da Liberdade. Esta obra foi escrita durante o seu exílio e reflete a maturação e a autocrítica; foi o primeiro texto que se preocupou com a reflexão sobre suas experiências pedagógicas. Em 1970, o educador Freire lança sua obra-prima, Pedagogia do Oprimido. Ela é considerada a mais importante proposta pedagógica pensada a partir da realidade do terceiro mundo. Esta obra de Paulo Freire é referência, e leitura imprescindível ao estudo da pedagogia. Em 1971, Freire lança Extensão ou Comunicação. O autor faz comparação ao observar no meio rural a convivência de técnicos da assistência agrícola, com formação teórica e acadêmica, e homens simples. Ele toca nas questões culturais, lingüísticas e na reforma agrária. Em 1976, Freire reúne textos onde faz uma reflexão sobre a alfabetização e sobre os métodos que ele considera retrógrado e alienante. E no ano seguinte, ele escreve sobre suas experiências de Guiné-Bissau no livro Cartas a Guiné-Bissau. E em 1981, o autor reúne outros textos sob o título Educação e Mudança. Em 1982, Paulo Freire apresenta um dos seus livros mais lidos; A Importância do Ato de Ler. Aqui ele fala sobre a importância do ato de ler relacionando a biblioteca popular com a alfabetização de adultos desenvolvida em São Tomé e Príncipe. A leitura é tratada aqui como ferramenta substancial, no desafio de reconstruir o mundo.

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Em parceria com Sergio Guimarães e outros autores ele escreve muitas outras obras sobre a educação; como o livro Cultura Popular, Educação Popular. Em 1987, Freire escreve o livro Aprendendo com a Própria História e em 1991, ele põem em um livro suas experiências como Secretário Municipal de Educação no governo de Luiza Erundina no período de 1989 e 1991. E em 1992, ele escreve Pedagogia da Esperança onde discute questões sociais e educacionais. Um ano depois, Paulo Freire provoca uma boa discussão acerca da política, radicalidade e bom gosto do ‘ser professor’ no livro Professora Sim, Tia Não: Cartas a Quem Ousa Ensinar. E continua estendendo a discussão com outro livro, produzido em 1992 e editado em 1993, Política e Educação. Em 1994, Paulo Freire beira o ficcional com a obra Carta a Cristina. E em 1995, Paulo Freire faz um devaneio mostrando sabedoria de suas experiência no mundo e com o mundo editando A Sombra Desta Mangueira. Em 1996, Freire lança o livro Pedagogia da Autonomia-Saberes Necessários à Prática Educativa. Nesta obra o autor fala de uma pedagogia pautada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando. É um cotidiano do dia-a-dia de sala de aula e fora dela. E, um ano depois, Paulo Freire não termina a obra em curso; mas sua esposa reuniu artigos e publicou Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas a Outros Escritos. Paulo Freire foi um brasileiro que põem até hoje o nome do Brasil no meio acadêmico por todo o mundo. 6 anos antes de sua morte, ele viu erguerem uma fundação em São Paulo com seu nome; o Instituto Paulo Freire. E em 2 de maio de 1997, ele morre de um ataque cardíaco no Hospital em São Paulo. Paulo Freire se foi, mas suas idéias ficaram para permear, aguçar e continuar o debate nas mentes presente e futura em todo 16

o mundo quanto à condição humana de sujeito na sociedade onde está inserida.

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CAPÍTULO II DIALOGAR PENSAMENTO E HOMINIZAR DIÁLOGO NO ESPAÇO ACADÊMICO – O MUNDO NO CENTRO “(...) na teoria dialógica da ação, os sujeitos se encontram para a transformação do mundo em colaboração.” (Freire, 1970, p. 165) “Podemos, porém, explicitar nossas finalidades: a busca da hominização na humanização, pelo acesso à cidadania terrena.” (Morin, 2007, p. 115).

A academia surgiu para ser um espaço democrático, agregador e acolhedor de idéias. Nela podem se encontrar posições que são distintas, antagônicas e simpatizantes. Isso é possível porque as mentes que a povoa tem o ‘seu mundo’; “Eu diria, que a primeira definição do sujeito seria o egocentrismo, no sentido literal do termo: posicionar-se no centro de seu mundo” (Morin, 1999, p.120). Ela, a mente, tem um posicionamento próprio, porque todos estão apoiados em algum ponto e cada posição projeta um ponto de vista. As pessoas são diferentes, porque têm perspectivas diferentes. O eu, mente única e impar, como diz Morin (1999); “(...) é o ato de ocupação de um espaço que se torna centro do mundo.” (p. 120) Qual seria o jeito certo, do espaço acadêmico fazer jus à sua finalidade frente a tamanha diversidade de perspectivas que a compõem? Como estamos sempre apoiados em alguma coisa e toda visão tem nuances distintas dependendo de onde vem; a essa pergunta as nuances das respostas, se não são iguais, no mínimo se cruzam quando se apóiam em Freire e Morin. Embora ambos falarem a públicos diferentes, apóiam-se na mesma via – o diálogo.

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Ensinar requer o mesmo espírito de entusiasmo para qualquer nível de ensino. E o diálogo permeia a todos, da mesma forma que as barreiras a ele também: “Podemos

lembrar

aqui

que

nascemos

com

grande

capacidade de admiração, com grande curiosidade. Vemos isso nas crianças que perguntam coisas como POR QUE O MATO É VERDE? Mas a criança aprende logo a perguntar e a responder o que o adulto espera, a não ser ridículo (‘menino, não diga bobagens’). Quando chegamos ao colégio, e até mesmo à universidade, nossas perguntas e respostas não são arriscadas, mas conformistas. As perguntas orais que o professor faz na classe podem estimular a capacidade crítica inata do aluno, mas, para fazêlas, temos de trazer à consciência essa função tão importante.” (Morales, 1999, p. 115)

A curiosidade e as perguntas estão arraigadas ao diálogo. As duas são inseparáveis no cotidiano da dialogia. A primeira faz parte naturalmente do universo infantil. No entanto, proporcionalmente ao crescimento, a curiosidade vai ficando estranha e intrusa e as perguntas vão ficando conformistas. No espaço onde é finalidade a democracia do debate e o crescimento intelectual e científico, essas características do universo infantil são extremamente necessárias se fazerem presentes. A vida estudantil começa com as perguntas arriscadas, mas chega à universidade com indagações desprovidas da curiosidade instigadora. Isso acontece devido às críticas recebidas cada vez que um grande questionamento vem formatado pela simplicidade. Talvez por ser o primeiro contato do aluno com o universo novo que o cerca; no entanto não são tolerados. O filósofo é contundente quanto a esta questão:

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“De fato, o sentimento, a raiva, o amor e a amizade podemnos cegar. Mas é preciso dizer que já no mundo mamífero e, sobretudo, no mundo humano, o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou científica”. (Morin, 2007, p. 20)

Ela, a curiosidade, é a mola da pesquisa porque atiça a mente humana a enfrentar riscos em nome da descoberta científica e do avanço intelectual. Ela impulsiona o homem ao perigo do erro “e nenhuma teoria científica está imune para sempre contra o erro”. O pedagogo é taxativo ao relacionar curiosidade e educação: “Como professor devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino. Exercer a minha curiosidade de forma correta é um direito que tenho como gente e a que correspondem o dever de lutar por ele, o direito à curiosidade”. (Freire, 1996, p. 85)

Diante de um quadro desses, somente o diálogo poderia permitir que essa mola pairasse num ambiente tão policiado e tão carente da indagação autêntica produtiva. Por que a criança aprende tanto e com tamanha facilidade? Seria porque elas dão oportunidades para si mesmas diante de suas indagações? A academia necessita urgentemente voltar-se ao que diz Paulo Freire: “O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos”. (Freire, 1996, p.86)

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Não é podando a maneira do manifestar dos educandos que o professor vai tornar o grupo forte e efetivo e produtivo. Não é ignorando-os ou forçando-os a deixar o seu mundo e entrar em outro que o professor os tornará cidadão consciente das realidades e das ciências que o cerca. Freire e Morin são adeptos da incorporação de saberes. Assim como “não posso (...) pensar sem os outros” (Freire, 1996, p.101), não posso ter solidez na estrutura sem o fundamento da base. Freire é defensor da solidificação das raízes para galgar novos horizontes, novos saberes. O mover-se no próprio mundo, na própria realidade leva a transformação do agir e do pensar. “Não posso investigar o pensar dos outros, referido ao mundo, se não penso. Mas, não penso autenticamente se os outros também não pensam. Simplesmente, não posso pensar pelos outros nem para os outros, nem sem os outros. A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeito de seu pensar. E se seu pensar é mágico ou ingênio, será pensando o seu pensar, na ação, que ele mesmo se superará. E a superação não se faz no ato de construir idéias, mas no de produzi-las e de transformá-las na ação e na comunicação”. (Freire, 1970, p.101)

Morin (2003) diz que: “Cada um de nós, como indivíduos, trazemos em nós a presença da sociedade da qual fazemos parte. A sociedade está presente em nós por meio da linguagem, da cultura, de suas regras, normas. Etc.” (p.34) E dentro da sala de aula, há um encontro de mundos com suas diversas maneiras de se expressarem e portarem. E como o professor deveria se comportar para atengir o objetivo primeiro da educação? Segundo o filósofo, “O principal objetivo da educação na era planetária é educar para o despertar de uma sociedade-mundo” (Morin, 2003, p.63). É aqui que se encaixa a conjugação do verbo hominizar. Porque, como ele mesmo prossegue:

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“A Terra não é só um lugar onde se espraia a globalização, mas uma totalidade complexa física/biológica/antropológica. Em outras palavras; é conseqüência da história da Terra e a humanidade como conseqüência da história da vida na terra.” (Morin, 2003, p.63)

No mínimo, estar sensível a condição humana no mundo deveria ser um imperativo para aqueles que mediam o saber na academia. Como diz Morin: “podemos, porém, explicitar nossas finalidades: a busca da hominização na humanização, pelo acesso à cidadania terrena” (Morin, 2007, p.115). Se essa é uma posição aplicável a todo ser humano, que dirá dos educadores. A educação deve se preocupar sim neste sentido porque, como cita Morin: “A importância da hominização é primordial à educação voltada para a condição humana, porque nos mostra como a animalidade e a humanidade constituem, juntas, nossa condição humana” (Morin, 2007, p.50-51). É bem verdade que somos meio animal, meio homem. A diferença é que os animais imergem no mundo e nós seres humanos emergimos dele. Como afirma Freire; somos da práxis: “Desta maneira, começaremos reafirmando que os homens são seres da práxis. São seres do quefazer, diferentes, por isto mesmo, dos animais, seres do puro fazer. Os animais não ‘admiram’ o mundo. ‘Imergem’ nele. Os homens, pelo contrário, como seres do quefazer ‘emergem’ dele e, objetivando-o, podem conhecê-lo e transformá-lo com seu trabalho. Mas, se os homens são seres do quefazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo”. (Freire, 1970, p.121)

A hominização seria o quinto nascimento humano. Da animalidade à hominização, ou seja, à sociedade-mundo; Morin idealizou o progresso constante, a ação revolucionante, o aperfeiçoamento singular ”o desdobramento de uma

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ação paradoxal, porque toda ação conservadora requer o complemento de uma ação revolucionante, que assegure a continuação da hominização” (Morin, 2003, p.101). E ele prossegue, “A resistência à barbárie torna-se, portanto, condição conservadora da sobrevivência da humanidade e condição revolucionante que permite o progresso da hominização. É preciso ensinar, então, esse vínculo recursivo dialógico entre resistência, conservação e revolução” (Morin, 2003, p.102). Surge então um ‘questionamento’: Onde e como ensinar “esse vínculo recursivo dialógico”? Ambos estudiosos em questão são unânimes que o onde não importa. Pode ser em qualquer lugar, dentro e fora do ambiente educativo. E os mesmos são retumbantes em seus discursos que o como ensinar está fundamentado no diálogo. Porque é mediante ele, o diálogo, que facilitará a compreensão do porquê, o que e o para quê educativo. A palavra é veículo que atinge a todos os públicos e está presente em todos os níveis de ensino. A palavra é o elemento essencial do diálogo, do discurso, das idéias. É o tijolo que constroe abrigos ou paredes. Ela pode servir para o progresso ou para retrocesso. Ela, a palavra, pode formar pontes para ligar os homens e tornar o mundo uma sociedade ou erigir grandes e infindáveis paredes para fragmentar os homens; dividi-los e consequentemente enfraquecê-los. “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”. (Freire, 1970, p.78) e continua o pedagogo: “O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu” (Freire, 1970, p.78) Dialogar é condição primária do existir. “Se é dizendo a palavra com que, ‘pronunciando’ o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homem”. (Freire, 1970, p.79) Dialogar é um ato impar de o homem fazer política, ou seja, mostrar-se não neutro; mas posicionado e consciente no mundo. No espaço acadêmico; mais imprescindível se faz ao educando e ao educador o pronunciar idéias, discursos...

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Aconteceu na ditadura, mas ainda hoje se pode observar o não incentivo da discussão política no espaço acadêmico. Procuram se ocupar mais com os conteúdos programático do que com a posição do educando quanto às questões do mundo que o atinge direta ou indiretamente como cidadão terrestre. “A despolitização da educação, por ingenuidade ou astúcia, deve ser rechaçada, na medida em que ela, na verdade, esconde uma pretensão dominadora que se disfarça, politicamente, sob a negação da política. (...) Enquanto ato de gnosiológico, o ato educativo é o processo de leitura crítica do mundo, para que nele possamos intervir, a fim de orientar o sentido daquelas determinações para um projeto de sociedade mais democrático, mais humano e mais feliz para todos”. (Romão, 2002, p.130-131)

Nesse turbilhão de riqueza discursiva e política, o professor, principalmente o universitário, deveria ser um maestro. Ele está na posição de tirar belíssimas melodias de pensamento. O mundo singular de um, ao se confrontar com a do outro; pode despertar um terceiro a apontar para um tema nunca explorado; mas de excepcional importância para a formação de todos. Morin fala nesse sentido comparando à arquitetura; mas uma “arquitetura do movimento”: “Pensar é construir uma arquitetura das idéias, e não ter uma idéia fixa. A inspiração não nasce de uma idéia fixa, mas nasce se essa idéia for poética. É possível ser genial, se a idéia for genial. Pensar é reconhecer a validade e situar no mesmo plano a idéia poética e genial. As chaves da abóbada do pensamento surgem do encontro de fantásticas pressões antagônicas. Essa metáfora da arquitetura é, porém, muito estática, já que o pensamento, arquitetura do discurso, deve ser também arquitetura do movimento. As idéias são leitmotiv que se desenvolvem como numa sinfonia, o

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pensamento é a direção orquestral de polifonias ordenadas e fluentes”. (Morin, 2003, p.38)

Se há, de forma escassa na sociedade, na academia; deveria haver uma preocupação atuante quanto ao diálogo, à comunicabilidade entre si primeira para depois se chagar ao mundo alheio e intolerante a essa questão. Porque se é lá, na faculdade que se diz um espaço do conhecimento; então é de lá que deve partir para a prática da compreensão, tolerância e comunicação humana. Morin é enfático: “é necessário aprender a ‘estar aqui’ no planeta. Aprender a viver, a dividir, a comunicar, a comungar; é o que se aprende somente nas – e por meio de – culturas singulares. Precisamos

doravante aprender a ser, viver, dividir e

comunicar como humanos do planeta Terra, não mais somente pertencer a uma cultura, mas também ser terrenos. Devemo-nos dedicar não só a dominar, mas a condicionar, melhorar compreender” (Morin, 2000, p.76)

O próprio Morin (2000) define o que é o espaço acadêmico, muito diferente de como deveria ser: “O mundo dos intelectuais, escritores ou universitários, que deveria ser mais compreensivo, é o mais gangrenado sob o efeito da hipertrofia do ego, nutrido pela necessidade de consagração e glória”. (p.97) Como que a curiosidade e os questionamentos vão sobreviver, ou até mesmo aparecer num cenário desse? Como é que o diálogo vai surgir e multiplicar num terreno hostil? O conhecimento e a sabedoria ficam subdesenvolvidas diante desse clima. Romão (2000) diz que: “a educação não tem conteúdo nem finalidade em si mesma, porque é na sociedade em que está inserida ou no projeto de sociedade que busca construir que ela encontra suas referencias“ (p.131)

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E Paulo Freire responde aos questionamentos, apontando para uma tomada de posição do professor. É dele que tem de partir o exemplo. Ele tem que se por numa situação horizontal; “A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizado pelo mundo” (Freire, 1970, p.84) e completa: “Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise de falar a ele (...) O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele” (Freire, 1996, p.113)

Ser ético é dar o direito a quem tem direito e: “Como professor não me é possível ajudar o educando a suprir sua ignorância se não supero permanentemente a minha. (...) É concretamente respeitando o direito do aluno de indagar, de duvidar, de criticar que ‘falo’ desses direitos. A minha pura fala sobre esses direitos a que não corresponda a sua concretização não tem sentido”. (Freire, 1996, p.95)

A curiosidade tem que ser promovida sempre e em qualquer nível de ensino. O questionamento deve ser o teor dos diálogos para que aconteça o progresso intelectual. Morin afirma que: “A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Este uso total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e a mais viva durante a infância e a adolescência, que com freqüência a instrução extingue e que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar” (Morin, 2000, p.39)

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O agir correto da docência, está pautado na trilha da compreensão humana. Deve percorrer a via do dialogar nos mundos. É, como disse Morin, uma Odisséia que requer do professor mediador sensibilidade com o trato social e compromisso a ética. “A odisséia da humanidade permanece desconhecida, mas a missão da educação planetária não é parte da luta final, e sim da luta inicial pela defesa e pelo devir de nossas finalidades terrestres: a salvaguarda da humanidade e o prosseguimento da hominização” (Morin, 2003, p.111).

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CAPÍTULO III A DOCÊNCIA E A DISCÊNCIA – PARTICIPANTES SUJEITOS NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA “A reforma da Universidade não poderia contentar-se com uma democratização do ensino universitário e com a generalização do status de estudante. Falo de uma reforma que leve em conta nossa aptidão para organizar o conhecimento – ou seja, pensar” (Morin, 1999, p.83). “Tem-se procurado formar profissionais mediantes um processo de ensino em que conhecimentos e experiência profissionais são transmitidos de um professor que sabe e conhece para um aluno que não sabe e não conhece, seguido por uma avaliação que indica se o aluno está apto ou não para exercer determinada profissão. Em caso positivo, recebe o diploma ou certificado de competência que lhe permite o exercício profissional. Em caso negativo, repete o curso” (Masetto, 2003, p.12) “... na co-laboração, exigida pela teoria dialógica da ação, os sujeitos dialógicos se voltam sobre a realidade mediatizadora que, problematizada, os desafia” (Freire, 1970, p.167)

Entre o professor, o aluno e os saberes; há um espaço esquecido por parte dos educadores. Os participantes do processo educacional fogem aos seus verdadeiros papeis na medida em que confundem tal questão. O professor Marcos T. Masetto chama isso de paradigmas e propõem: “O paradigma que propomos é substituir a ênfase no ensino” (Teodoro e Vasconcelos, 2003, p.82). A ênfase no ensino é onde estão focados os professores e consequentemente os alunos. Os saberes e os conhecimentos que circundam o ambiente acadêmico giram em torno do como ensinar. Há um perigo em se preocupar quase que exclusivamente com o como ensinar. O como ensinar é muito importante, mas não é a única face

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da docência. Acompanha o como; o porquê, o quê, o para quê e o quando ensinar. Ao se focalizar um, e exclusivamente um; alguém será sacrificado. O ambiente educativo passará a ser um caminho de mão única. E onde ficará o feedback? A ênfase no ensino pode levar o educador a cair na mesmice da aula expositiva. Ainda que o professor utilize variadas técnicas e recursos, mesmo assim, ao final, reduzirá na exposição. Os educandos se tornarão em simples objetos. Agindo assim, os potenciais individuais e de grupos se atrofiará. Pode-se constatar que Paulo Freire e Edgar Morin são defensores ferrenhos do desenvolvimento tanto individuais quanto grupais.

2.1 CONCEPÇÃO PROBLEMATIZADORA As palavras e as idéias freiriana contidas nos seus livros, que estão entre nós, têm autoridade impar para falar de competência e desempenho. Sua voz tem ressoado em todos os níveis de ensino, porque ele a gravou em vida e espírito. Freire diz que a educação, praticamente, tem uma doença. E para a educação e os educadores, isso é horrível. Tal enfermidade vem de muito tempo. Mas poucos são os que sabem que o “narrar, sempre narrar” (Freire, 1970, p.57) abala e compromete o vigor de alunos e professores. O educando passa a ser vítima do escutar. Isso remete ao que Edgar Morin chama de “cabeça bem cheia”. É na verdade uma educação do dissertar. Será que isso acontece só na educação básica? Paulo Freire denuncia a educação chamando-a de “educação bancária”. Ele até imuniza uma parcela de professores que pratica o “bancarismo” inconscientemente, mas diz que: “O que não percebem os que executam a educação ‘bancária’, deliberadamente ou não (porque há um semnúmero de educadores de boa vontade, que apenas não se sabem a serviço da desumanização ao praticarem o ‘bancarismo’); é que nos próprios ‘depósitos’ se encontram

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as contradições, apenas revestidas por uma exterioridade que as oculta. E que, cedo ou tarde, os próprios ‘depósitos’ podem provocar um confronto com a realidade em devenir e despertar os educandos. Até então passivos, contra a sua ‘domestificação” (Freire, 1970, p.61).

Nas palavras do professor Marcos T. Masetto, pode-se concluir que o ‘bancarismo’ é praticado na universidade porque “tem-se procurado formar profissionais mediante um processo de ensino em que conhecimentos e experiências profissionais são transmitidos de um professor que sabe e conhece para um aluno que não sabe e não conhece...” (Masetto, 2003, p.12). Isso acontece devido a disseminação da idéia de que “quem sabe, automaticamente sabe ensinar.” (Masetto, 2003, idem) A concepção que se tem do aluno que só recebe é um desserviço para o conhecimento científico. Ela mata aquilo que deveria ser regado e incentivado – a curiosidade indagadora. Essa concepção tem ainda espaço nos ambientes educativos de todos os níveis porque é menos trabalhoso e mais controlador, ou centralizador. Estar com o outro e para o outro é muito trabalhoso, político e requer muita paciência. Como diz o professor Casemiro de Medeiros Campos: “(...) a atividade docente é destinada ao outro, para o outro, com o outro; (...) é um trabalho paciente” (Campos, 2007, p.55). Freire diz que a vocação do homem é buscar o mais. É ontologicamente humanizar-se. O educador precisa imbuir-se da sensibilidade do trato humano, a fim de promover e mediar o saber. Ele precisa entender, inteirar-se e sensibilizarse com a condição humana nas suas várias vertentes, para poder contribuir efetivamente com o poder criador de cada um. “Um educador humanista, revolucionário, não há de esperar esta possibilidade. Sua ação, identificando-se, desde logo, com a dos educandos, deve orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e não no sentido da doação, da entrega do saber, sua ação deve estar

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infundida da profunda crença nos homens. Crença no seu poder criador” (Freire, 1970, p.62)

Na educação depositária, que infelizmente está presente na educação superior; a consciência do estudante é palco para o mundo. Já no pensar certo freiriano, o contrário que deveria acontecer; o mundo seria o palco para o pensar reflexivo. Como fica a sociedade recebedora de profissionais e cidadãos fruto de uma educação dessas? Como inquirir, opinar, exigir, propor; depois que passar por tal educação? A educação bancária causa um estrago na sociedade-mundo. Torna os “homens espectadores e não recriadores do mundo” (Freire, 1970, p.62). E Freire ainda diz mais: “O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos homens não podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens, não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-los” (Freire, 1970, p.67)

Os que compõem o espaço acadêmico, do reitor ao professor, devem compreender que os discentes são homens conscientes de seu mundo e seres dotados da consciência pensante. Eles não são “seres ‘vazios’ a quem o mundo ‘encha’ de conteúdos” (Freire, 1970, p.68). Eles são únicos e diferentes. Nem eles (que estão na academia) e nenhum outro ser humano podem ser feito uma espécie de lata ou qualquer outro recipiente para serem; “depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com mundo” (Freire, 1970, p.70) Na concepção bancária o diálogo é anulado; entendendo que a dialogia freiriana compreende uma fala de A com B. O autêntico diálogo que favorece a educação problematizadora é horizontal. Ao mesmo tempo em que o professor compartilha novidades, o aluno também promove novidades aos colegas e ao

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mestre. Freire é profundo ao afirmar que: “É através deste que se opera a superação de que resulta um novo: não mais educador do educando, não mais educando do educador, mas educador-educando com educando-educador.” (Freire, 1970, p.68) Na concepção problematizadora, proposta por Freire. O mundo tem um papel importante. Ele passa a ser referência. Não é o mundo do educador, mas o mundo do educando. Ele, o educando, vai em “busca da emersão da consciência, de que resulte sua inserção crítica na realidade” (Freire, 1970). O educador passa a pautar-se no diálogo de A com B. Continua Freire: “(...) o educador problematizador re-faz, constantemente, seu ato cognoscente, na cognoscitividade dos educandos. Estes, em lugar de serem recipientes dóceis de depósitos, são agora investigadores críticos, em diálogo com o educador, investigador crítico também.” (Freire, 1970, p.69)

2.2

IMPLICÂNCIAS DA COMPLEXIDADE O

discurso

da

complexidade

moriniana

é,

à

primeira

vista,

incompreensível. Mas ao entendê-la, ela torna uma chave que passa a abrir janelas. O ser humano é complexo por natureza. Ao mesmo tempo em que é constante; é inconstante, ou seja, ele é paradoxal. Daí se faz necessário conhecer os meandros para se ter acesso a janelas. Sendo o homem repleto delas; talvez a teoria do complexo de Morin, torna mais fácil de compreender o homem; ou, no mínimo, comunicar com ele. Os participantes da educação deveria se preocupar em destrinchar essa teoria porque “as aprendizagens mais complexas devem ser decompostas em unidades mais simples” (Teodoro e Vasconcelos, 2003, p.81). O conhecimento científico é exato, na sua ótica, certo; mas nasce da incerteza,

da

dúvida,

da

inquietação, da

curiosidade

questionadora. O

conhecimento precisa da incerteza para se orientar; como diz Morin:

32

“Reaprender a aprender com a plena consciência de que todo conhecimento traz em si mesmo e de forma ineliminável a marca da incerteza. Não se trata de uma ode ao vale tudo nem ao ceticismo generalizado, mas de uma luta contra o absolutismo e o dogmatismo disfarçados de verdadeiro saber. ‘Ciência com consciência’ portanto. Esse é o imperativo do pensamento complexo”. (Morin, 2003, p.55-56)

A educação, ou seja, os participantes do processo educativo deveriam seguir os passos do pensamento complexo. Porque ele “como modo de pensar, (...) se cria e se recria no próprio caminhar”. (Morin, 2003, p.39) O professor que tem um discurso fincado seu diálogo no que Freire chama de dialogia de A sobre B ou de A para B não tem respaldo na teoria do complexo. Morin diz: “O pensamento complexo sabe que existem dois tipos de ignorância: a daquele que não sabe e quer aprender e a ignorância (mais perigosa) daquele que acredita que o conhecimento é um processo linear, cumulativo, que avança trazendo a luz ali onde antes havia escuridão, ignorando que toda luz também produz sombras como efeito”. (Morin, 2003, p.55)

Aqueles que pensam o saber como um processo linear e cumulativo é um dissipador de trevas. O saber é um dos mais autênticos hospedeiro do complexo. A idéia do linear e cumulativo induz a um pensamento ao total, ao completo. Mas “um pensamento complexo é um pensamento articulante e multidimensional” (Morin, 2003, p.43). No pensamento complexo a onisciência é impossível. E a idéia do finito de um saber, conhecimento, científico ou não, é repudiado.

33

A professora Cleide Leitão, comentando Morin e o complexus fala que é um desafio e uma motivação para o pensar, as idéias da diversidade e multiplicidade discutida na teoria. E prossegue: “Complexus (...) aquilo que foi tecido junto. Tecido na multidimensionalidade do humano. Homem que é ao mesmo tempo isto e aquilo; o mesmo homem da racionalidade é também o da afetividade; o homem do jogo; o sábio é também o louco; o prosaico é também o da poesia; o angelical e o demoníaco habitam esse mesmo homem” (Filho e Monteiro, 2002 p. 43)

O pensamento não é formado de forma pura, ou seja, só do lado prosaico ou só do lado poético. Ele não sabe dos limites, se é que existe entre as várias facetas do homem; sendo assim, os que devem entender isto, são os professores. A teoria da complexidade envolve tudo isso porque ela é tecida junta. Junto de tudo que está no mundo, que compreende o mundo, que faz parte do mundo. Como cita Morin: “É preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une. É preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido originário do termo complexus: o que é tecido junto” (Morin, 1999, p.89).

A questão do isolar e do separar deveria ser revisto pelos professores do ensino superior. Quem dissocia os saberes de mundo dos seus alunos, ou o conhecimento anterior, frente ao mundo científico da universidade, está cometendo equívoco. O conhecimento científico da universidade deveria acolher o da sociedade porque: “A cultura (...) controla a existência da sociedade humana arcaica ou moderna, desprovida de cultura, mas cada cultura é singular” (Morin, 2003, p.73)

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E “os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles” (Morin, 2000, p.25). Sendo assim, a academia será muito mais produtiva se os professores trouxerem os alunos para o processo científico como sujeitos capazes de pensarem o mundo cientificamente do seu jeito. Respeitar a ordem, a velocidade e a cultura discente é estar aberto para caminharem juntos, comunicarem coisas novas por meio de vias diferentes. Consequentemente a educação cumprirá com seu papel. Como diz Morin (1999): “A Educação deve contribuir para a autoformação da pessoa e ensinar como se tornar cidadão”. (p.65) Morin aponta para os caminhos encontrados na educação que, às vezes, são inconciliáveis na faculdade. O caminho da cultura científica e da cultura das humanidades poderia ser de mão dupla. No entanto não são. Como ele mesmo afirma no seu livro “Cabeça Bem Feita”: “Uma educação para uma cabeça bem-feita, que acabe com a junção entre as duas culturas, daria capacidade para se responder aos formidáveis desafios da globalidade e da complexidade na vida quotidiana, social, política, nacional e mundial” (Morin, 1999, p.33).

Ao se chegar à universidade, o aluno, automaticamente se ver obrigado a romper com seus paradigmas, suas estruturas pensantes ou até mesmo, suas bases pensantes. Seria excelente se essa mudança fosse a favor do crescimento de sua liberdade crítica, pensante; produção intelectual própria. No entanto, eles são levados ao mecanicismo, chavões, radicalismo alienante consciente ou inconscientemente. Passam a viver na superficialidade e a servir ao “bancarismo” freiriano ou ao que Morin (1999) denominou de “cabeça bem cheia”. Isto é: ”uma cabeça onde o saber é acumulativo, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido” (p.21). Vivemos

na

era

da

informação.

O

conhecimento

está

numa

acessibilidade tão grande e facilitada que requer do homem mais organização para poder mover-se corretamente afim de não se perder, porque “cada vez mais, 35

a gigantesca proliferação de conhecimentos escapa ao controle humano” (Morin, 1999, p.17). E o próprio Morin afirma que os desafios sociológicos são três: “I – a informação é uma matéria-prima que o conhecimento deve dominar e integrar; II – o conhecimento deve ser permanentemente revisitado e revisto pelo pensamento; e III – o pensamento é, mais do que nunca, o capital mais precioso para o indivíduo e a sociedade” (Morin, 1999, p.18).

É desenfreada a velocidade da multiplicação do conhecimento. Diante de tal fato só o “cabeça bem-feita” pode sobressair na sociedade-mundo. A cabeça bem-feita sabe que: “Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando que a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental

da

mente

humana,

que

precisa

ser

desenvolvida, e não atrofiada” (Morin, 1999, p.16).

O estímulo para tornar os alunos em verdadeiros “cabeça bem-feita” deveria estar em todos os níveis de ensino e principalmente no ensino superior. A cabeça bem-feita não ‘acumula’ saber no sentido de empilhar; ele simplesmente tem “uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas; princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido” (Morin, 1999, p.44). A seleção, a organização, aliada a dúvida e a curiosidade podem ser grandes auxiliares dos educando para trilhar num mar de saberes e podendo se apoiar em suas próprias bases para se atingir o pensamento unificador. Organizar e selecionar seu próprio conhecimento são muito melhor que receber já pronto. Ser mediador é permitir que o próprio aluno faça isso. Seu trabalha de professor-

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mediador é apenas trazer a discussão para a sala de aula e orientá-lo no papel do mais vivido; mas sempre se eximindo da imposição. No entanto sempre incutindo a idéia da problematização. Como diz o professor Marcos T. Masetto, deve-se privilegiar a aprendizagem, pois: “Dentro do paradigma que privilegia a aprendizagem, transmitir informações por meio da técnica da aula expositiva não é aconselhável, uma vez que buscar informação e trabalhar com ela é muito mais importante que ouvir as informações já organizadas, absorvê-las e depois reproduzilas” (Teodoro e Vasconcelos, 2003, p.96).

O docente e o discente serão sujeitos do processo quando encararem a educação de forma diferente como vem sendo encarada. Dar ênfase à aprendizagem é desdobrar na focalização do saber procurando se inteirar através da organização do conhecimento, pois: “Quando se sabe que o conhecimento não é o acúmulo de dados ou de informação, e sim sua organização” (Morin, 2003, p.37).

37

CAPÍTULO IV O CONTINUUM DO CONHECIMENTO NO FILÓSOFO E NO PEDAGOGO “Tudo

o

que

vive

deve

regenerar-se

incessantemente o Sol, o ser vivo, a biosfera, a sociedade, a cultura, o amor. É nossa constante desgraça e também é nossa graça nosso privilégio: tudo que há de preciosa na terra é frágil, raro e destinado a futuro incerto. O mesmo acontece com a nossa consciência” (Morin, 1999, p.59). “(...) a educação se re-faz constantemente na práxis. Para ser tem que estar sendo” (Freire, 1970, p.73).

O conhecimento é um vai-e-vem exclusivo. É um vai-e-vem de novidade. O conhecimento que vem do aluno e vai até o professor, volta ao mesmo modificado. Tantas vezes ele vai; tantas vezes ele modifica. Ele é vivo porque no ir e vir; cresce, amadurece e multiplica-se. Ele está em constante caminhar; como afirma Morin: “Em seu diálogo, o pensamento complexo não propõe um programa, mas um caminho (método) no qual ponha à prova certas estratégias que se revelarão frutíferas ou não no próprio caminhar dialógico”. (Morin, 2003, p.31)

Nesse ir e vir se faz a busca incessante da verdade. Esse movimento proporciona a proximidade da verdade e diminui a possibilidade do erro. Como diz o filósofo que “é uma busca sem fim (...), a busca da verdade só pode ser feita através do vagar e da itinerância” (Morin 2003, p.27). O ciclo do saber só é possível àqueles que permitem o diálogo freiriano; o de A com B. Pois é impossível a cíclica numa comunicação de A sobre B ou de A para B. Só é possível e realizável o ciclo crescente e enriquecedor do

38

conhecimento quando se considera o ‘tu’ como sujeito do processo dialógico. Sem o ‘tu’, o diálogo não cumpre seu papel, sua função. Como diz Paulo Freire: “O eu dialógico, pelo contrário, sabe que é exatamente o tu que o constitui. Sabe também que constituído por um tu – um não eu -, esse tu que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Desta forma, o eu e o tu passam a ser, na dialética destas relações constitutivas, dois tu que se fazem dois eu” (Freire, 1970, p.165).

Edgar Morin e Paulo Freire são estudiosos crentes no poder pulsante do pensamento cíclico. Morin crer mais no pensamento que considera o movimento e a imprecisão do que os que os desconsideram e Freire, o formar e o reformar. Pois: “quem forma se reforma e re-forma ao formar ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (Freire, 1996, p.23). E Morin (2003) diz: “Um pensamento que reconhece o movimento e a imprecisão é mais potente do que um pensamento que os exclui e os desconsidera” (p.39). O que permeia a mente moriniana e freiriana se faz muito necessário aos participantes da promoção do saber no espaço acadêmico. A idéia do ir e vir; a evolução constante e crescente do conhecimento, o trato e a consideração como sujeito e transformador dos discentes, se passarem a fazer parte das mentes pensantes universitária, mentes essas que exercem o papel de educador; a educação estaria com uma dívida menor com a sociedade. Pois: “O conhecimento do conhecimento, que comporta a integração do conhecedor em eu conhecimento, deve ser, para a educação, um princípio e uma necessidade permanentes”. (Morin, 2000, p.31) Tomar o conhecimento como um ciclo espiral crescente é levar em consideração a condição humana. Pois como aponta Morin (2000): “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza” (p.59). E Morin continua dizendo que a Universidade tem o caráter conservador; mas pode ser bom ou ruim, ou seja, vital ou estéril.

39

“A conservação é vital quando significa salvaguarda e preservação, pois só se pode preparar um futuro salvando um passado, e estamos em um século onde múltiplos e poderosas forças de desintegração cultural estão em atividade. Mas a conservação é estéril quando é dogmática, cristalizada, rígida” (Morin, 1999, p.81).

Parece paradoxal, mas é compreensível ao pensamento complexo ao se por lado a lado o papel da Universidade de ser conservadora e enriquecedora do pensamento. O conhecimento deve-se ir para sociedade e voltar para ela, Universidade, e prosseguir o seu ir e vir cíclico crescente e transformador tomando o mundo como sociedade. Pois: “A Universidade deve, ao mesmo tempo, adaptar-se às necessidades da sociedade contemporânea e realizar sua missão

transecular

de

conservação,

transmissão

e

enriquecimento de um patrimônio cultural, sem o que não passaríamos de máquinas de produção e consumo” (Morin, 1999, p.82).

Assim como o educando e os educadores precisam da comunicação horizontal; também a Universidade deve ter com a sociedade. “Não

podíamos

compreender,

numa

sociedade

dinamicamente em fase de transição, uma educação que levasse o homem a posição quietistas ao invés daquela que o levasse à procura da verdade em comum; ‘ouvindo, perguntando, investigando’” (Freire, 1996, p.59).

A idéia do continuum deve adentrar de fato no ambiente educativo e ela se faz no ir e vir do pensamento. “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate” (Freire, 1966, p.43). Por isso, ela deve ser constante. A relação Universidade – sociedade e Professor – aluno deve ser 40

dialógica e contínua e trazer sempre ao debate e desprezar a imposição de qualquer uma das partes. Ambas as relações devem distanciar da imposição. Comentando o que observara no cotidiano da prática educativa, diz Freire: “Ditamos idéias. Não trocamos idéias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos

meios

para

o

pensar

autêntico,

porque

recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforça de recriação e de procura. Exige reinvenção” (Freire, 1966, p.104).

E Freire (1966) complementa ao dizer que tal fato está arraigado em todo os níveis, “na primária, na media e na universitária” (p.105) Morin

(2000)

tem

uma

posição

contundente

ao

afirmar

que

“compreender é também aprender e reaprender incessantemente” (p.102). E vai mais longe ao comentar e lançar a idéia do estudo da literatura. Diz ele que “A cultura das humanidades foi, e ainda é, para uma elite, mas de agora em diante deverá ser, para todos; uma preparação para vida” (Morin, 1999, p.48). E prossegue a favor da literatura: “Literatura, poesia e cinema devem ser considerados não apenas, nem principalmente, objeto de análises gramaticais, sintáticos ou semióticas, mas também escolas de vida, em seus múltiplos sentidos” (Morin, 2000, p.51). Na verdade a literatura é um mundo em miniatura. Aqui, na literatura seria “escolas

da

complexidade

humana

(...)

porque

o

conhecimento da complexidade humana; faz parte do conhecimento da condição humana; e esse conhecimento

41

nos inicia a viver, ao mesmo tempo, com seres e situações complexas” (Morin, 1999, p.49).

E continua: “é, pois, na literatura que o ensino sobre a condição humana pode adquirir forma vívida e ativa, pra esclarecer cada um sobre sua própria vida” (idem). Edgar Morin (2000) fecha o assunto ao falar do dever na educação: “O dever principal da educação é de armar cada um para o combate vital para a lucidez” (p.33) e continua: “Finalmente, seria preciso demonstrar que a aprendizagem da compreensão e da lucidez, além de nunca ser concluída, deve ser continuamente recomeçada (regenerada)” (p.53).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da correria do dia-a-dia que a modernidade impôs; percebe-se na universidade um descaracterizar do agir docente, ao viver a mesma pressa. O tempo ficou curto para tudo. Daí nasceu a falta de espaço para a curiosidade indagadora, para a apresentação contextualizada, para a reminiscência, para a discussão e para as avaliações por ambas as partes (professor e aluno) na academia. Privilegia-se o ensino e desfocaliza; ou não dão a devida importância ou atenção, à aprendizagem. A condição humana é o ground de Freire e Morin para o pensar a existência, praticar teorias e teorizar práticas. Eles acreditam que cada um tem capacidade de pensar e mover o mundo. E quando cada um se apodera da palavra que transforma e comunica entre si e entre os outros; há a sinergia – união de partes que torna o todo fortíssimo. Eles se colocam como defensores da aprendizagem significativa. São evidentes as contribuições de Paulo Freire e Edgar Morin à docência universitária. Divergências entre os dois, grosso modo, não há. Mas a convergência é total, embora discursem e usem palavras distintas. É realmente um desafio atuar na docência, seja ela universitária ou não. Mas no pensar dos autores sobre a compreensão da condição humana e sobre o uso do diálogo são condições que podem resolver problemas do cotidiano da educação de forma democrática. O filósofo Edgar Morin e o Pedagogo Paulo Freire fincam bases no relacionamento humano para progredir, evoluir o conhecimento e voltar-se para o futuro. . Quando Morin fala de reforma do pensamento, está se referindo, indiretamente, na mudança de discurso. Quando Morin se esmera na questão da complexidade, ele está tratando da elevação da complexidade, ele está tratando da elevação do espírito científico do ser humano. Pronunciar palavras e idéias de outros é permanecer no antigo. Ao se preocupar e alertar sobre o perigo de repetir o discurso pronto, Freire está se aliando ao filósofo com a bandeira da reforma do pensamento. Ao se tornar um defensor da liberdade no ato docente, Freire incita

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ao despertar do educando à teoria da complexidade; fazendo o aluno deixar as formas simples de pensar, agir e “transformar” para o deslinde da alma do ser humano. O conhecimento e a ciência devem se tornar numa busca constante. Freire diz que o homem inconcluso e consciente de sua inconclusão se envolve no movimento do ser mais, o qual Morin chama de complexidade da eterna busca do mesmo mais. O diálogo é o ponto de convergência de ambos que aborda questões da condição humana. E ambos se colocam como porta-vozes da educação evidenciando a dialogicidade como ferramenta para superar problemas e se por como seres políticos no mundo. O diálogo é o meio de exteriorizar o mundo singular pessoal ao planeta. Dialogar é condição única de alunos e professores tornarem o meio cientifico ou acadêmico acessivo à sociedade e vice-versa. A preocupação de trazer o homem, que é uma parte, ao todo que é o mundo; é comum ao filósofo e ao pedagogo. O pensamento, o conhecimento e a informação devem, inquestionavelmente, fazer parte dos participantes do processo educativo na universidade; mas de forma organizada e integradora entre o todo e a parte. O empilhamento do saber é repugnado e rechaçado por ambos. A concepção problematizadora; percebe-se que pode ser vista no conceito moriniano da cabeça bem feita e a cabeça bem cheia e o verso da concepção bancária. O desafio docente universitária é agir sob a concepção problematizadora afim que os estudantes se tornem cabeça bem feita para que, enfim, o mundo se torne sociedade-mundo hominizado.

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