BAT CAVE: quando o projeto é a obra.

June 14, 2017 | Autor: Mário Guidoux | Categoria: Minimalism, Sculpture, Museography, Cardboard, Tony Smith, Bienal Do Mercosul
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BAT CAVE: quando o projeto é a obra. GONZAGA, Mario Guidoux (1); PELLEGRINI, Ana Carolina. (2) 1. Universidade Federal do Rio Grande do Sul Ramiro Barcelos, 1517 / Sala 211 / Porto Alegre [email protected] 2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul Silva Jardim, 800/403 / Porto Alegre [email protected]

RESUMO A Revolução Industrial e o surgimento das artes reprodutíveis, levaram, em certos casos, à superação do paradigma no qual a "originalidade" da peça, e o fato de ela ter sido produzida pela mão do artista, determinava seu valor. A importância do trabalho virtuoso de manufatura do objeto como valor absoluto da obra de arte deu lugar ao protagonismo do “projeto da obra de arte”. Por vezes, a instrução para a realização de uma peça passa a ser a obra de arte em si, o que enseja a comparação com o projeto de arquitetura: assim como o valor da obra de arquitetura não reside na habilidade do arquiteto em construir fisicamente seu projeto, mas sim em determinar o conjunto de instruções necessárias e suficientes para materializá-lo, o valor da obra de arte – dependendo de sua modalidade – não decorre unicamente do talento do artista em produzir uma peça, mas de sua capacidade imaginativa e conceitual adequadamente documentada. Este trabalho visa relatar o processo de montagem de uma escultura do americano Tony Smith durante a 9ª Bienal do Mercosul | Porto Alegre, no ano de 2013, mais de trinta anos após sua morte, a partir da documentação deixada pelo artista. Smith nasceu em 1912, em New Jersey, e é considerado um dos pioneiros da arte minimalista dos Estados Unidos. Suas obras geralmente são fabricadas em aço, com placas triangulares formando poliedros espaciais de aparência monolítica. Grande parte de seu legado foi concebido para exibição em espaços abertos. A peça montada em Porto Alegre, Bat Cave, por outro lado, foi hospedada por um importante museu da cidade, e tornou-se um dos espaços mais visitados daquela edição da Bienal. Originariamente, a obra foi fruto de uma colaboração entre a Container Corporation of America, uma indústria de caixas de papelão, e o Los Angeles County Museum of Art LACMA, em um projeto conhecido como Art & Technology realizado durante os anos 1970. Smith desenvolveu a Bat Cave tirando partido da natureza efêmera do papelão para criar uma obra de característica leve e suave, como um ninho de vespas. A obra foi instalada experimentalmente em 1970 na World Expo de Osaka, antes da versão final, montada para o LACMA, em 1971. Dadas sua escala e sua condição de conformadora do espaço, apropriadamente, a recente e transitória montagem da Bat Cave foi capitaneada por um arquiteto. O presente estudo explicitará os desafios deste trabalho, realizado a partir de instruções ao mesmo tempo simples e restritivas documentadas pelo artista, desde o seu planejamento inicial e testes com diferentes materiais até a desmontagem, mostrando a integração entre modelos físicos e digitais, soluções estruturais testadas em protótipos durante a montagem e a dificuldade de manutenção de uma estrutura projetada para ser efêmera.

Palavras-chave: Tony Smith, Escultura, Museografia, Papelão

Introdução A Arte como trabalho conceitual A fascinação pelo objeto original tem exercido forte influência nos campos da arte e da arquitetura através do tempo. Sobre cópias e réplicas, geralmente paira a desconfiança do falso e a classificação como segunda linha. Em arquitetura, é provável que a notável valorização da materialidade original tenha sido herdada das artes plásticas, como decorrência do receio de desvalorização da obra autêntica por meio da proliferação de suas cópias. Desta maneira, a polêmica é quase certa quando se pondera sobre a reprodução, reconstrução ou replicação de edifícios. O argumento do “falso histórico” é recorrente e a preservação da materialidade costuma ser mais valorizada que a da espacialidade. Nas artes plásticas, a partir da Revolução Industrial e do surgimento das artes reprodutíveis, inicia-se a superação do paradigma no qual a "originalidade" da peça e o fato de ela ter sido produzida pela mão do artista determinavam seu valor. A importância do trabalho virtuoso de manufatura do objeto como valor absoluto da obra de arte começa a dar lugar ao protagonismo do “projeto da obra de arte”. Por vezes, a instrução para a realização de uma peça passa a ser a obra de arte em si, o que enseja a comparação com o projeto de arquitetura: assim como o valor da obra de Mies van der Rohe não reside sua habilidade em materializar o que estava previsto em projeto com suas próprias mãos, mas sim em determinar o conjunto de instruções necessárias e suficientes para materializá-lo, o valor da obra de arte – dependendo de sua modalidade – não decorre unicamente do talento do artista em produzir uma peça, mas de sua capacidade imaginativa e conceitual adequadamente documentada. Portanto, assim como o Pavilhão de Mies foi construído em 1929 para a Exposição Internacional de Barcelona e reconstruído em 1986 com’era dov’era, também

uma

peça

de

arte

pode

ser

eventualmente

montada

extemporaneamente.

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e

remontada

Fig. 01 - Donald Judd - Sem título. 1974 (foto: Fred Conrado, NYT)

Em 1967, o artista americano Sol LeWitt cunhou o termo Conceptual Art, em um manifesto publicado originalmente na revista Art Forum, propondo que “na arte conceitual a ideia ou conceito é o aspecto mais importante da obra”. Assim como na arquitetura, o artista conceitual precisa fazer todo o “planejamento e tomada de decisões a priori”, transformando-se em um trabalhador intelectual “livre da dependência na sua habilidade como um artesão” (LeWitt, 1967, tradução nossa). O manifesto de LeWitt contribuiu para a legitimação de um trabalho que já vinha sendo realizado por um grupo de artistas americanos durante aquela década. Christo e JeanneClaude já embrulhavam tonéis em 1962 e o próprio Tony Smith, artista da obra cuja remontagem é narrada aqui, produziu suas primeiras estruturas – termo utilizado por ele ao falar de suas esculturas – produzidas de maneira industrial, no início daquela década.

Tony Smith Tony Smith nasceu em 1912 na cidade de South Orange, em New Jersey. É considerado um dos pioneiros da arte minimalista dos Estados Unidos. Suas obras, geralmente concebidas para serem exibidas em espaços abertos, são, em sua maioria, fabricadas com placas triangulares de aço, formando poliedros espaciais de aparência monolítica. Smith estudou pintura e arquitetura durante os anos 1930, e, na década seguinte, passou a se dedicar inteiramente à arquitetura, quando trabalhou junto a Frank Lloyd Wright. Durante esta época, Smith teve a chance de explorar e desenvolver sua sensibilidade artística extraordinária que despontaria em sua obra na década de 1960, através da convergência 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

entre arte e arquitetura. Depois de se desligar do Atelier de Wright, o artista passou a lecionar composição no Hunter College, onde experimentos com maquetes de papelão provocaram sua percepção estética, levando-o a encomendar de uma indústria local um paralelepípedo de metal soldado que, embora tenha causado estranhamento por parte dos artesãos que o produziram, acabou por mostrar a Smith que o processo industrial poderia levar a uma estética completamente nova, que seria o eixo de seu trabalho como escultor. Nas décadas seguintes, Tony Smith realizou inúmeras exposições de suas esculturas, tornando-se um dos grandes expoentes da arte abstrata minimalista dos Estados Unidos. O artista trabalhou explorando objetos e espaços através de obras fabricadas industrialmente até sua morte, em 1980. Ainda em vida, chegou a ser considerado um dos mais importantes artistas da arte abstrata americana.

Fig. 02 - Tony Smith - The Snake is Out. 1967 (foto NYT)

Bat Cave Nos anos 1970, a Container Corporation of America, uma indústria de caixas de papelão, trabalhou em colaboração com o Los Angeles County Museum of Art - LACMA em um projeto chamado Art & Technology, que culminou na realização de uma exposição homônima, em 1971. Durante este período, Jane Livington, curadora do museu, convenceu Smith a colaborar com a Container Corporation. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Tony Smith vinha experimentando combinações de poliedros modulares em grelhas tridimensionais desde os anos 1960, explorando as conexões entre as peças e a tensão entre espaço negativo e positivo resultante em estruturas metálicas. O papelão, por sua vez, possui características antagônicas em relação ao metal, material que Smith utilizava em suas peças mais conhecidas. Enquanto o metal é preciso, essencialmente liso e homogêneo, o papelão é rugoso, menos homogêneo e sujeito a dilatação e imprecisões na fabricação. Mais importante: o papel tem um caráter efêmero que é diametralmente oposto ao metal, perene e estável. Smith decidiu tirar partido da natureza efêmera do papelão para criar uma obra de característica leve e suave, como um ninho de vespas que ele havia encontrado em uma viagem ao deserto. A obra foi montada experimentalmente em 1970, na World Expo de Osaka, antes da versão final montada para o LACMA, em 1971. Para aumentar a percepção do espaço negativo da obra, considerado por Smith a sua parte principal, o artista trabalhou com iluminação semelhante àquela dos cenários do século XIX, intensificando a tensão entre a leveza do espaço negativo e a massividade do restante da estrutura. Acostumado a trabalhar com materiais auto-estruturados, como o aço, Smith desejava que as peças fossem presas umas às outras utilizando apenas cola, sem necessidade de uma estrutura resistente independente revestida por uma casca de caráter estético. Segundo o artista, a escultura deveria se comportar como um sistema de elementos lineares presos pelas articulações, eliminando a necessidade de quaisquer outras peças exceto os componentes que fizeram a forma. Smith tinha a intenção de que a Bat Cave fosse, assim como uma caverna, labiríntica em sua totalidade, e que cada peça deste gigantesco labirinto – de aproximadamente 4,5 metros de altura por quase 12 x 11 metros de largura e extensão – se estabelecesse como uma peça chave no complexo conglomerado de uma caverna tetraédrica e octaédrica. (PEREZ, 2013, p. 426)

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Fig. 03 - Tony Smith e um modelo preliminar da Bat Cave. (foto: Tony Smith Estate)

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9a Bienal do Mercosul | Porto Alegre Se o clima for favorável A Bienal do Mercosul é realizada desde 1997, em diversos espaços expositivos de Porto Alegre. A mostra de arte é organizada pela Fundação Bienal do Mercosul que, além de levantar fundos e administrar as montagens, aponta o curador de cada edição, que deve explorar uma temática para aquela edição da Bienal através da seleção de obras que formem um conjunto coerente. Em 2013, a curadoria da 9a Bienal do Mercosul | Porto Alegre ficou sob responsabilidade de Sofia Hernandez Chong Cuy, especialista em arte latinoamericana contemporânea. Em sua carta curatorial, Sofia afirma que o título da Bienal, Se o clima for favorável “apresenta-se como um convite para ponderar sobre quando e como, por quem e por que algumas obras de arte e ideias carecem de ou têm visibilidade física ou cultural em um determinado momento” (CUY, 2013, p. 32), provocando o debate sobre a temporalidade das obras, dos paralelos entre o que foi pensado em uma época e o que foi executado em outra. O programa Máquinas da Imaginação, no qual a Bat Cave estava incluída, foi inspirado diretamente no projeto que originou a obra de Tony Smith nos anos 1960: o Arts and Technology do Los Angeles County Museum of Art, que consistia em parcerias entre artistas e empresas de manufatura e tecnologia. Sofia Cuy aponta diversos paralelos entre os contextos da época da concepção da obra e a situação brasileira atual, afirmando: Assim como nos Estados Unidos em fins dos anos 1960, o Brasil abriga hoje grandes indústrias. Da mesma forma, tanto o conselho do LACMA quanto o da 9a Bienal do Mercosul | Porto Alegre são empreendedores culturais e profissionais de liderança. Embora a organizadora da exposição, a Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, não seja um museu permanente nem uma instituição colecionadora como o LACMA, a educação é a sua principal missão, não um adendo. (CUY, 2013, p. 32)

Neste sentido, parece ser muito apropriado trazer uma obra criada para se beneficiar das possibilidades da indústria.

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Museografia A montagem da Bat Cave para 9a Bienal do Mercosul | Porto Alegre foi o resultado direto da colaboração intensa entre o conselho curatorial local, o Tony Smith Estate (fundação que administra os diretos autorais do artista, falecido há mais de 30 anos), a Lippincott (fabricante de longa data do trabalho de Smith) e a empresa catarinense Celulose Irani, que forneceu o material para a montagem da obra. A equipe de museografia da 9a Bienal decidiu ocupar a pinacoteca do Museu de Artes do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, chamado, a partir de agora, simplesmente de MARGS) de uma maneira inédita. Ao invés da atmosfera imaculada e branca que se tornou a imagem clássica de uma galeria de exposições com suas divisórias leves e iluminação praticamente invisível, a pinacoteca do MARGS foi despida de tudo que não fosse original do edifício, liberando o espaço para a invasão da caverna de Tony Smith. A posição da escultura em relação ao museu permitiria que os visitantes não apenas experienciassem o labirinto da Bat Cave mas também observassem a obra a distância. O visitante contaria, portanto, com duas perspectivas bem distintas, pois, se, desde o nível do térreo, ao lado da escultura, tudo era labirinto, vista a partir das janelas do segundo pavimento, a iluminação projetada para a exposição realçava as faces dos poliedros, transformando-se enquanto os visitantes circulavam ao redor da estrutura.

Equipe A produção executiva da Bat Cave ficou a cargo da artista visual porto-alegrense, Adauany Zimovski, que lidou com a obra desde o contato com a Tony Smith Estate até a composição da equipe de montagem. A assistente Luiza Mendonça teve participação direta na administração da montagem da obra, uma vez que Adauany não pode estar presente durante o processo. Para coordenar a equipe de montagem, Adauany e Luiza chamaram Sandro Torquetti, um montador de São Paulo com experiências em edições passadas da Bienal do Mercosul, além de participações na Bienal de São Paulo. A fundação Bienal do Mercosul exigia, no entanto, que um arquiteto estivesse disponível durante o processo para auxiliar com questões estruturais e assumir a responsabilidade técnica da estrutura – que flutuava entre as escalas escultural e arquitetônica – frente ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo; para desempenhar esta tarefa, foi convidado Mario Guidoux Gonzaga, coautor deste relato.

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A equipe de montagem foi dividida em dois times: de um lado estavam estudantes de arquitetura responsáveis pela montagem dos octaedros e tetraedros que chegavam da Celulose Irani desmontados; o outro grupo era formado por artistas porto-alegrenses responsáveis por unir e justapor os poliedros de acordo com a combinação projetada por Tony Smith.

Montagem Modificações estruturais Tony Smith deixou os modelos físicos e as instruções relativas à forma que a Bat Cave deveria assumir. A falta de registros mais completos, somada à ausência do autor, abre espaço para suposições e tentativas ad hoc para cada problema que surgiria durante a montagem. Antes mesmo do início da montagem, nas reuniões realizadas para o estudo da maquete em escala da escultura e dos modelos tridimensionais realizados pela equipe da Bienal, foi aventada a possibilidade de se construir um pilar complementar, no centro da estrutura, onde três “vigas” se encontravam. Como se tratava de uma montagem póstuma, coube à Tony Smith Estate a tarefa de analisar a mudança. O parecer veio rapidamente na forma de um e-mail que aceitava a modificação da obra desde que não houvesse comprometimento de sua fruição espacial. Esta mudança foi fundamental para assegurar a estabilidade da estrutura que receberia milhares de visitantes.

Fig. 04 - Maquete eletrônica mostrando o novo ponto de apoio no centro da estrutura. (desenho: Mario Guidoux) 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Mesmo com a adição deste pilar extra, ao final da montagem sobrava apenas um último elemento – o menor de todos – que parecia ser o mais simples de montar. Quando esta peça foi concluída, no entanto, notou-se que a viga em balanço que partia deste elemento estava começando a cair vagarosamente. Após consulta à curadora da 9ª Bienal do Mercosul | Porto Alegre e envio de nova documentação para a Tony Smith Estate comprovando o parcial desabamento da estrutura, foi aprovada a instalação de tirantes de nylon que prendiam a face superior desta viga às janelas do segundo pavimento do MARGS.

Fundações O primeiro desafio na montagem da Bat Cave foi a escolha precisa do posicionamento da peça em relação à pinacoteca do MARGS. A equipe de museografia havia definido, em linhas gerais, o local em que a escultura deveria se posicionar com objetivo de enriquecer o percurso do visitante. Esse lançamento estava disponível em uma maquete eletrônica executada pela própria equipe da Fundação Bienal do Mercosul que, embora trouxesse uma ideia de localização, apresentava falhas espaciais graves. Em alguns pontos, por exemplo, as bases da estrutura atravessavam um dos pilares do MARGS, resultado da falta de uma equipe de arquitetura dedicada exclusivamente à Bat Cave na etapa preliminar de organização da Bienal. Com base neste lançamento foi realizada a precisa determinação dos pontos a partir dos quais a estrutura de papelão nasceria. Após a localização definitiva da escultura, a equipe desenhou peças de marcenaria que atuariam como sapatas de fundação para a obra. O desenho destes elementos seguia precisamente o tamanho dos poliedros de papelão que formariam a Bat Cave, servindo tanto de contrapeso quanto de gabarito. Tratando-se de uma edificação antiga, havia diferenças entre os níveis de diversos pontos do piso da pinacoteca. Foram utilizadas cunhas de madeira para garantir que toda a estrutura estivesse nivelada desde o início, a fim de evitar que a escultura se movimentasse quando já estivesse montada e solidarizada.

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Fig. 05 - Planta das sapatas. Em vermelho, área sobre desnível no piso. (desenho: Mario Guidoux)

A locação das fundações foi feita com base nos desenhos em CAD realizados durante a montagem, com medidas relativas a pontos de referência dentro do próprio museu, como pilares e portas. Quando todas as peças estavam colocadas em seus respectivos lugares, um ajuste fino foi realizado com a ajuda de prumos e níveis a laser, evitando movimentações desnecessárias de grandes elementos de papelão e, acima de tudo, garantindo a execução fiel da escultura.

Montagem de poliedros Os módulos octaédricos e tetraédricos foram fornecidos a 9ª Bienal do Mercosul | Porto Alegre pela empresa Celulose Irani ainda planificados. Desta maneira, o primeiro passo para a construção da obra foi a montagem de todos os poliedros. A empresa entregou o equivalente a 120% do que seria necessário para a armação da Bat Cave, o que possibilitou o teste de diferentes tipos de cola até que se encontrasse a ideal. Embora Tony Smith tenha trabalhado em colaboração direta com a Container Corporation of America na idealização da Bat Cave, não havia instruções claras sobre o tipo de adesivo 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

que deveria ser utilizado para a montagem. A colaboração com a Celulose Irani, somada à experiência da equipe de montagem, levaram à escolha de adesivos em spray 90, da marca 3M, uma cola de contato com secagem rápida e altíssima capacidade adesiva. Ficou claro, desde o início da montagem, que a resistência final da estrutura estava diretamente relacionada à força individual de cada poliedro. Os vincos de cada octaedro e tetraedro funcionaram como as hastes de uma treliça espacial, resistindo a esforços de tração e compressão, permitindo que a forma das faces ficasse intacta. Quando um dos lados da peça se solta, toda estrutura entra em colapso e a resistência estrutural se torna nula.

Fig. 06 - Montagem dos poliedros. (foto: Mario Guidoux)

Pilares O trabalho de montagem de uma escultura como a Bat Cave transita entre a Arte, a Arquitetura e a Arqueologia. Se a forma final da estrutura era clara para todos os envolvidos, os métodos e as técnicas utilizados para alcançá-la eram nebulosos até para os maiores conhecedores da obra de Tony Smith. O artista não havia deixado instruções claras para a maneira como a estrutura deveria ser montada, Smith só especificou que a estrutura deveria ser resultado da associação das células octaédricas e tetraédricas, e não uma estrutura monolítica com um revestimento de papelão. A forma, portanto, deveria ser o resultado da estrutura. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

No que acabou se tornando um laboratório de experimentação, a equipe de montagem começou a colar os primeiros módulos da escultura. Poliedro por poliedro foram sendo colados às bases da madeira através de um trabalho lento e pouco preciso. A operação modificou-se quando se percebeu que a produção seria consideravelmente acelerada se peças menores fossem montadas em conjuntos maiores no chão e só depois levadas para o local definitivo, como em uma linha de montagem.

Fig 07 - Montagem das bases e pilares. (foto: Mario Guidoux)

Este método de colagem de elementos maiores no chão e posterior instalação na posição final foi levado até o fim da montagem, resultando em rapidez do processo de montagem e redução dos erros que levavam a trabalho dobrado.

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Vigas O ritmo da montagem dos pilares serviu como uma injeção de otimismo para a equipe. Tudo indicava que o restante do processo correria de maneira tranquila e sem maiores percalços a partir daquele momento. A estrutura desenhada por Tony Smith era incrivelmente resistente a compressão e cada poliedro suportava também solicitações consideráveis de tração em seu modelo teórico de treliça espacial. A instrução encontrada na biografia de Smith era de que a resistência estrutural da escultura como um todo deveria ser resultado da articulação entre os elementos tridimensionais aderidos entre si com a utilização de adesivos. Os primeiros testes das vigas mostraram que, embora nos pilares a resistência fosse suficiente, nos elementos que sofriam solicitações de tração o adesivo não era suficiente para segurar toda a carga que seria impressa sobre eles. Embora as peças se mantivessem intactas, suas ligações não eram suficientemente fortes e ocasionavam o rompimento das vigas. Em meio ao caos que havia se tornado o campo de montagem da escultura, quando faltava pouco mais de um mês para a abertura da mostra, era urgente encontrar uma solução estrutural que não comprometesse a intenção clara de Tony Smith, de que a forma final da peça fosse o resultado direto de sua estrutura resistente.

Fig. 08 - Colapso de uma das peças sem reforço durante a montagem. (foto: Mario Guidoux) 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Após alguns testes, a solução encontrada foi a utilização de um tecido de algodão com função estrutural análoga à dos vergalhões de aço no concreto armado. Seu papel era o de garantir a solidariedade das peças, mantendo os poliedros em contato e evitando o colapso das vigas. Um primeiro modelo, mais simples, foi testado nas vigas com vãos menores (até três metros), quando foi montada uma base plana com apenas uma camada de poliedros sobre a qual se colou o tecido. Sobre esta base, eram colocadas as outras camadas, já sem a necessidade do tecido, uma vez que a solicitação de tração em uma viga biapoiada se concentra próxima à face inferior do elemento. Para as vigas maiores, esse modelo simples não funcionaria. Alguns testes mostraram que, mesmo sem nenhuma sobrecarga sobre a base, essa primeira camada não resistiria ao processo de içamento e colocação na posição definitiva, que deveria vencer vãos de até 7,5m. Foi proposta uma solução que toma como modelo as vigotas de sistemas de lajes prémoldadas: uma base horizontal e um elemento central mais alto. Estas peças foram montadas no solo, utilizando o tecido como armação para o elemento central que resistiria à tração e manteria todas as camadas superiores em seu devido lugar. O içamento destas peças, algumas com mais de nove metros, foi uma operação delicada, uma vez que já havia outras obras – como as dos artistas Allora e Calzadilla – dividindo o espaço do MARGS com a Bat Cave. Para evitar danos aos vizinhos ilustres, foi elaborado um sistema de cordas que fosse ao mesmo tempo delicado e forte o suficiente para segurar o elemento no ar; somente desta maneira foi possível a instalação da maior viga do conjunto.

Fig. 09 - Içamento de uma Viga T (foto: Juliana Silva) 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Desgaste e manutenção O papelão foi o material escolhido por Tony Smith para a Bat Cave por dois motivos: seu aspecto visual e tátil se assemelhava ao dos ninhos de vespas pelos quais o artista se interessava na época do projeto da escultura, além disso, Tony Smith estava interessado nas modificações da matéria ao longo do tempo, na efemeridade intrínseca ao papel. A 9ª Bienal do Mercosul | Porto Alegre ficaria aberta durante dois meses, ao longo dos quais milhares de pessoas transitariam pelo labirinto criado por Tony Smith. Havia, por parte da Fundação Bienal do Mercosul e dos responsáveis pela montagem da Bat Cave uma grande preocupação com a resistência da estrutura ao longo de sessenta dias. Durante a montagem notou-se que algumas peças das primeiras camadas dos pilares estavam sofrendo solicitações maiores do que sua forma poderia tolerar. Devido a imprecisões no processo de montagem, algumas das sapatas de fundação não estavam apoiando os vértices dos poliedros, mas sim algum ponto de suas arestas e até mesmo de suas faces, amassando e rasgando muitas peças. Se a forma geométrica dos poliedros estivesse danificada, suas arestas deixariam de resistir aos esforços necessários, desencadeando uma reação que levaria ao colapso completo da estrutura. Uma solução encontrada ainda durante a montagem foi a chave para a conservação da escultura durante os meses de Bienal. As peças que já estavam com sua forma danificada foram perfuradas com serra-copo de 5cm de diâmetro e seus interiores receberam injeções de espuma expansível, fazendo com que sua forma congelasse. Desta maneira, todas as solicitações de compressão foram transferidas para a espuma, resistente a este tipo de esforço. Sobre essas peças reforçadas foi necessário instalar uma nova face de papelão para que o visitante não notasse os reforços estruturais necessários para manter a estrutura em pé. Durante o andamento da 9ª Bienal do Mercosul | Porto Alegre, manutenções periódicas garantiam que a escultura se mantivesse intacta e resistente. Toda semana eram realizadas inspeções na busca dos pontos críticos, que eram reforçados com o uso da espuma e arrematados com faces novas. Além dos desgastes decorrentes da compressão, em alguns pontos próximos aos grandes balanços, a estrutura começou a se abrir devido à tração derivada dos grandes braços de alavanca das vigas inclinadas; nestes pontos foi aplicada outra solução. Desta vez, grandes tiras de tecido foram coladas perpendicularmente às fendas, garantindo que nenhuma parte da estrutura se soltasse.

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Desmontagem O caráter efêmero desta obra de Tony Smith significava que, ao final da 9ª Bienal do Mercosul | Porto Alegre, a estrutura seria desmanchada e os elementos seriam encaminhados para reciclagem. Ao contrário de diversas obras presentes na mesma Bienal, a importância intelectual da Bat Cave é muito maior do que sua materialidade. Portanto, não seria pertinente manter a obra como acervo de alguma das instituições que recebeu a exposição. O próprio Smith projetou esta obra consciente da natureza efêmera do material utilizado. Como todos os aspectos da história desta Bat Cave, a desmontagem precisou de um planejamento prévio que se provou insuficiente devido ao ineditismo da empreitada que se enfrentou. Durante os dois meses de bienal a obra foi monitorada durante 24 horas por dia por seguranças, que garantiram que nenhum visitante se encostasse na estrutura. Um dia após o evento de encerramento da mostra, a mesma equipe que desenvolveu estratégias heterodoxas para garantir a integridade estrutural da escultura enfrentou um ultimo desafio: trazer as mais de 7.200 peças para o chão e encaminhar o material (já desprovido de seu caráter de obra de arte) para a reciclagem. Se, para levantar pilares, pré-montar vigas em T e desenvolver um sistema de armadura com tecido, foram necessários quase dois meses de trabalho e experimentação, a desmontagem da estrutura levou pouco mais de dois dias, sendo que, destes, apenas algumas horas foram utilizadas para trazer o conjunto abaixo e o restante foi dedicado ao carregamento dos resíduos para reciclagem e à limpeza da pinacoteca do MARGS.

Conclusões: Quando o projeto é a obra. Como registro gráfico passível de ser armazenado e catalogado, o projeto é capaz de se tornar fonte de consulta a respeito de uma edificação presente concebida no passado, a qual tenha sofrido as modificações decorrentes da ação do tempo, ou pode se tornar recurso para a materialização futura de uma ideia de outrora. (PELLEGRINI, 2011, p. 20)

Tony Smith morreu em 1980, 33 anos antes do início da montagem da Bat Cave em Porto Alegre. Suas esculturas em metal estão espalhadas por museus e parques de todo o mundo, indiferentes à passagem do tempo. Grade parte da relevância histórica da Bat Cave está no método de trabalho utilizado por Smith, que vai ao encontro do Zeitgeist dos anos 1960 e 1970 nos Estados Unidos, quando o artista virtuoso tecnicamente dá lugar ao artista 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

que não necessariamente monta suas próprias obras, mas, sim, delega o trabalho a uma equipe munida de instruções precisas quanto ao como e o quê deve ser feito.

Fig. 10 - Sandro Torquetti com a maquete em escala. (foto: Cristiano Sant’Anna)

Se Tony Smith explorou, desde os anos 1960, a ausência do autor na montagem da obra – Smith não chegou a visitar a montagem de Osaka – é natural a montagem de diferentes iterações de suas explorações tridimensionais em caráter póstumo. Como bastião da obra do artista, a Tony Smith Estate zela pela integridade das montagens realizadas. Nos anos 1960, Smith trabalhou em colaboração direta com a Container Corporation of America, tomando de empréstimo a expertise técnica dos engenheiros daquela indústria. Em 2013, a equipe curatorial da Fundação Bienal do Mercosul buscou profissionais que estivessem, na medida do possível, confortáveis com a montagem desta estrutura que transita entre tantas áreas de conhecimento distintas. O papelão chegou ao museu em um caminhão descoberto num dia de chuva e saiu amassado, distribuído por várias carroças de catadores de resíduos; entre estes dois eventos, foi obra de arte. Fica claro que a Bat Cave de Tony Smith é, antes de mais nada o projeto de uma obra de arte. Assim como o Pavilhão de Barcelona poderia ter sido remontado na forma de um restaurante – como chegou a aventar Mies van der Rohe, mas 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

teve seu aço vendido como sucata, o papelão deixou o MARGS na forma de resíduo a ser reciclado. Na arquitetura e na arte, valor de algumas obras, portanto, não está na matéria, mas na espacialidade, determinada e registrada no projeto. A qualidade do projeto foi o que motivou a reconstrução do pavilhão miesiano nos anos 1980. Graças ao projeto de Tony Smith, também, a Bat Cave figurou na Bienal de Porto Alegre. E, assim como o papelão que não é mais obra pode se transformar em artefato ordinário através da reciclagem, o projeto extraordinário – que é a obra – poderá viabilizar uma nova antiga caverna de papel no futuro.

Fig. 11 - Bat Cave (foto: Juliana Silva)

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Bibliografia FUNDAÇÃO BIENAL DE ARTES VISUAIS DO MERCOSUL. Catálogo 9ª Bienal do Mercosul | Porto Alegre. Fundação Bienal do Mercosul: Porto Alegre. 2013. KENNEDY, Randy. Project Enlists the Public to Document Outdoor Sculpture by Tony Smith. ArtsBeat. Disponível em http://artsbeat.blogs.nytimes.com/2012/08/03/project-enlists-thepublic-to-document-outdoor-sculpture-by-tony-smith. Acessado em novembro de 2015. LEWITT,

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http://www.tufts.edu/programs/mma/fah188/sol_lewitt/paragraphs%20on%20conceptual%20 art.htm. Acessado em ago. 2014. PELLEGRINI, A. C. S. Quando o projeto é patrimônio: a modernidade póstuma em questão. 2011. Tese (Doutorado em Arquitetura) – Propar, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

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