BEDE GRIFFITHS: SUA PARTICIPAÇÃO NO DIÁLOGO RELIGIOSO ENTRE ORIENTE E OCIDENTE

May 30, 2017 | Autor: M. Quaranta Gonça... | Categoria: Diálogo interreligioso, Ciências da Religião, Dom Bede Griffiths
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BEDE GRIFFITHS: SUA PARTICIPAÇÃO NO DIÁLOGO RELIGIOSO ENTRE ORIENTE E OCIDENTE

Márcio Quaranta – ICMBio
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CONVERSÃO
Alain Richard Griffiths (1906-1993) nasceu na Inglaterra, foi batizado e educado como anglicano. Quando aluno de escola, em virtude de seu amor pela natureza e pela poesia, passou por uma experiência mística ao ouvir o canto de pássaros em um pôr-do-sol. Formou-se em jornalismo e teve como um de seus professores o intelectual C. S. Lewis, que muito o influenciou esse tornou seu amigo. Jovem, insatisfeito com o modo de vida ocidental, para ele extremamente material, consciente e racional, afastou-se da religião e da sociedade em que vivia; porém, continuava a encantar-se com a poesia e a natureza. A fase de ateísmo passou após novas experiências e a leitura da Bíblia. Superados os preconceitos anticatólicos de sua educação, converteu-se ao catolicismo romano, adotou o nome de Dom Bede Griffiths OSB (ordem beneditina) e viveu cerca de vinte anos em abadias na Inglaterra e Escócia (GRIFFITHS, 1992).

A ÌNDIA
Todavia, novo período de mudanças sobreviria na vida de Griffiths (1992, 2000, 2011): ao buscar novas descobertas sobre Deus, Cristo e a Igreja, ele deparou-se com o Vedanta indiano e percebeu como era significativo para a tradição da Igreja. Por tal motivo, além de ansiar por um novo modo de vida, diverso do ocidental, e querer descobrir o lado intuitivo de sua alma, decidiu dirigir-se à Índia e penetrar nos segredos de sua sabedoria, integrar o racional com o intuitivo, casar o Ocidente com o Oriente em sua própria vida. Lá aportou em 1955, adotou o nome devocional sânscrito Dhayananda (bem-aventurança da compaixão) e viveu em ashrans cristãos; ajudou a implantar o Kristaya Sanyasa Samaj, Montanha da Cruz, em Kurisumala (1958-1968), Kerala, depois se mudou para Shantivanam (Floresta da Paz), em Tamil Nadu, sul da Índia (fundado pelos padres franceses Monchanim e Le Saux, que procuraram integrar a tradição espiritual da Índia em sua vida como cristãos), onde faleceu em 1993.
Embora tentasse, no início, preservar um modo de vida simples e monacal para os padrões ocidentais, ainda vestir o hábito beneditino tradicional, utilizar talheres para comer e uma capela no estilo de construção ocidental, Bede, para se adaptar melhor ao seu novo lar, dispensou objetos que sentia serem desnecessários para o modo de vida das famílias pobres a que atendia, em um padrão muito além de tudo que imaginara na Europa; passou a utilizar o hábito alaranjado kavi do sannyasi (homem santo) hindu, a andar descalço, alimentar-se com as mãos, sentado no chão, a habitar uma choupana de barro com teto de folhas; no ashram, promovia leituras das escrituras de diferentes religiões (muçulmana, sikh, hinduísta, etc.) junto com as do cristianismo, cedia a palavra a poetas místicos, além de receber hóspedes (como o bioquímico e botânico Rupert Sheldrake).
Estudou sânscrito com Ramón Pannikar (filho de pai hindu e mãe católica), o sentido da música clássica indiana (sempre religiosa) e de outras formas de arte, assim como o profundo significado dos templos, dos épicos e dos arquétipos da religião hindu (a dimensão cósmica, o homem e a natureza sustentados por um espírito onipresente, ou seja, tudo é sagrado, e a dimensão contemplativa da existência humana). No Ocidente, o mundo é dessacralizado, contudo sua degradação não decorre da substituição do Paganismo pelo Cristianismo, no qual Deus, o Senhor transcendente da criação, está separado da natureza e colocado acima dela, para gradualmente desvelar sua imanência; o aspecto sagrado do mundo se manteve pelo menos até a Idade Média e esboroou-se a partir do Renascimento, quando o Homem se colocou no centro de todas as coisas e passou a cultivar a Ciência como único modelo válido de mundo. Por outro lado, a visão hindu tem como ponto fraco a tendência a considerar o mundo material como ilusão, maya, produto da ignorância, avydia; todavia, o mundo está impregnado por um espírito uno, eterno, indescritível (brahman); em suma, o Hinduísmo parte da imanência de um Ser supremo na criação, que habita o coração de cada criatura, e chega à percepção de sua transcendência infinita; não é panteísta, não confunde Deus com cada manifestação da natureza, apenas afirma que ele está presente em todas elas.

O CENTRO
Para Griffiths (1992), existe um fundo comum para todas as religiões; ele pesquisou em profundidade as religiões orientais, em especial o hinduísmo, no qual se tornou perito, conhecimento que lhe permitiu redigir vários livros comparando as religiões do Oriente e Ocidente, em que destacou os seus pontos comuns, especialmente do cristianismo e do hinduísmo. Preocupava-se sobremaneira não com o eu exterior (manipulado em um mundo dessacralizado), mas com a unidade do verdadeiro Eu (que, inspirado em Mircea Eliade, chamava de Centro) com o tudo e com todos, em especial com a natureza e Deus. Ao criticar o esmaecimento do aspecto sagrado do mundo, e a consequente perda de sua beleza, que despontou e cresceu com a Revolução Científica e a Reforma Protestante, ele defendeu o ponto de vista de que a Ciência e a Tecnologia eram abstrações que fugiam do verdadeiro "Eu", que deveriam se voltar ao benefício do Homem, e preconizava a sua integração com o conhecimento fundamental advindo das primeiras gerações humanas, manifestado nos mitos e rituais e muito mais identificado com Deus e com a Natureza, para o verdadeiro "Eu" se realizar plenamente nas pessoas, ou seja, nada mais que o conceito hinduísta de Ioga (harmonização de todos os aspectos da pessoa).

SACCIDANANDA
Saccidananda, nome do ashram em Tamil Nadu, é um termo hindu usado como um simbolismo da Trindade Cristã (o Pai como Ser, o Filho, ou o Verbo de Deus, como Conhecimento do Pai, e o Espírito Santo como a Bem-aventurança do Amor, a unir Pai e Filho). No ashram, um grupo de discípulos se reúne em torno de seu mestre (guru), para partilhar uma vida de oração e a experiência de Deus. Há horários para a meditação em comum, embora a vida se centre na prece pessoal de cada membro. Na meditação, vai-se além das imagens e conceitos, da razão e da vontade, até a última instância da consciência; o Último se experencia nas profundezas, na substância, no Centro de cada alma, como seu próprio solo, fonte, seu próprio ser ou Si-mesmo (atman), experiência de Deus sintetizada na palavra Saccidananda: o absoluto (sat), conhecido em pura consciência (cit), comunica bem-aventurança absoluta (ananda). Os videntes e homens santos da Índia passam por tal vivência, autotranscendência que propicia uma percepção intuitiva da Realidade; a mente racional deixa de dominar para ultrapassar suas próprias limitações. No Ocidente, a própria Ciência já supera o paradigma da racionalidade e abstração: percebe-se agora o universo como um todo dinâmico, a incluir o observador, que interfere nos resultados de suas observações, em uma aproximação com a visão da realidade oriental tradicional; a realidade única, indivisivelmente ser e consciência (sat e cit), conhecida em sua origem, se experencia como júbilo inefável (ananda). Contudo, no homem ocidental, separado de Deus e da natureza, uma consciência dividida separa o mundo "objetivo" estendido no espaço e no tempo, obediente a leis mecânicas, do mundo "subjetivo" de sentimentos, imagens e ideias, enquanto o homem védico sentia uma realidade única, expressa nos seus mitos e rituais. A própria Bíblia narra uma história mitológica e poética da origem humana e de sua queda, do rompimento de um estado de unidade original com Deus. No atual momento, deve-se valorizar o simbólico, o imaginativo e o poético para reaver tal unidade. A poesia expressa o homem por completo, como um todo, é anterior e mais natural que a prosa (GRIFFITHS, 2000).

VEDAS E UPANIXADES
No entender de Griffiths (2000), no hinduísmo há três mundos: o da matéria (corpo), o da mente (alma) e o do Espírito. Os três constituem de fato um só, não se separam. A ignorância e a ilusão (o Pecado e a Queda em termos cristãos) levam o ser humano a se sentir internamente dividido. Toda religião procura refazer essa unidade, meta chamada moksha (libertação) no Hinduísmo, nirvana no Budismo e Redenção do Homem no Cristianismo.
O poder que impregna o universo e a mente do homem, intuído por poetas no Ocidente, foi revelado nos Vedas (1500 AC – 500 AC), livros sagrados do Hinduísmo, talvez a mais antiga literatura em um idioma indoeuropeu (o sânscrito). Prevaleceu na Índia a verdade da imaginação, a verdade primordial, concreta, simbólica e intuitiva, não a abstrata, lógica e racional. Os Vedas são tidos como shruti, "Revelação", aquilo que foi ouvido, e nitya, "eternos", sem origem no mundo temporal (reflexos do eterno). Seus autores humanos foram os rishis, videntes que viram a verdade, e os kavi, poetas de expressão inspirada. A imaginação vincula mente e coração, intelecto e sentidos, pensamento e sentimento, forma um elo, rompido pelo homem moderno e seu mundo da ciência e razão, com linguagem em prosa, isolado das fontes do imaginário. O homem antigo vivia no mundo da imaginação, da totalidade plena, expressado pelo mito, criado em níveis profundos de consciência que ligam a natureza humana com o universo ao seu redor, reflexo na imaginação humana de ideias arquetípicas, princípios e poderes, anjos e deuses do mundo antigo; pelo mito, o homem se integra com a própria experiência interior e com o mundo transcendente do espírito. Na linguagem dos Vedas, rica de significados, a imaginação se expressa em símbolos, que refletem a multiplicidade de sentidos de uma única palavra, algo comum na fala primitiva (a mente racional surgiu mais tarde para distinguir vários aspectos de uma palavra, separar seus sentidos). Os Vedas trazem uma compreensão da natureza tríplice do mundo, física, psicológica e espiritual, aspectos interdependentes; a realidade física tem um aspecto psicológico e ambos se integram na visão espiritual. O aspecto físico da matéria (prakriti) constitui o princípio feminino, do qual tudo evolui; a consciência (purusha), o princípio masculimo da razão e da ordem no universo; na tradição védica, toda a criação passa a existir pela interação entre ambos que, por sua vez, provém do Espírito Supremo, Uno, além de toda mudança e multiplicidade. Os deuses dos Vedas, aspectos do Uno, equivalem aos poderes cósmicos citados por São Paulo; na teologia de São Tomás de Aquino (e para Bede) corresponderiam a anjos que mantêm a ordem no mundo (GRIFFITHS, 2000).
São Paulo e os primeiro padres da Igreja defendiam a compreensão do homem como corpo, alma e espírito (o Espírito é o pneuma de Paulo, correspondente ao atman hindu), visão substituída visão de corpo e alma de Aristóteles, a partir do século XIV.
Para Griffiths (2000), nos Upanixades (a partir de 600 AC), base do Vedanta, tratados filosóficos que tentam iluminar os Vedas, as visões intuitiva e racional se integram, os conceitos vêm a tomar o lugar das imagens e o espírito humano emerge para a autoconsciência. (Tal tipo de intuição também existe nos Evangelhos.) Para alcançar a sabedoria suprema (jnana), era necessário partir para a floresta e meditar. Só o sannyasi, o monge, poderia alcançar a libertação, moksha. Três palavras descrevem a Realidade última: Brahman (o universo Uno, princípio de unidade a impregnar todas as coisas, essência sutil de tudo, origem de toda a criação e da diversidade da natureza), Atman (Si-mesmo, conhecimento de Si-mesmo, consciência de Ser, em que o espírito do homem toca o espírito de Deus) e Purusha (homem cósmico e arquetípico, macrocosmo), aparentado ao Adão Kadmon da tradição hebraica e ao Homem Universal da muçulmana. O pequeno espaço dentro do coração humano é tão vasto quanto o universo (o homem, microcosmo, com sua mente, o abarca por inteiro). Purusha contém toda a criação em si mesmo e a transcende; como princípio espiritual, une corpo e alma, matéria e inteligência consciente na unidade de uma consciência transcendente. Quem exclui o mundo dos sentidos, silencia a mente discursiva (científica), passa ao intelecto ou inteligência pura (buddhi), onde se unifica a personalidade e a mente humana, abre-se à luz divina, percorre parte da trilha que leva à união com a consciência cósmica, isto é, Brahman = Atman = Purusha. Intelecto puro, mente intuitiva, da buddhi derivam os princípios da razão e da moralidade; ela se assemelha ao intellectus de São Tomás de Aquino, contraposto à razão; constitui o ponto a partir do qual alguém se torna verdadeiramente humano.
Para Griffiths (2000), nos Upanixades também surge a noção de Deus pessoal. Dois deuses, pouco citados nos Vedas, cujos mitos evoluíram, passam a assumir tal caráter: Shiva e Vishnu. Eles passam a se constituir na Realidade última, unos com brahman, a verdade absoluta. Shiva desvela-se como Deus de amor, mas com o poder de destruir e renovar o mundo; Vishnu tem o caráter de preservador e, em momentos de profunda crise, pode descer à Terra na forma de uma figura humana, o avatar, manifestação de Deus na Terra, casos de Parashurama, Rama e Krishna. Cabe notar que ambos os deuses não possuem uma origem ariana; Krishna costuma ser representado na cor azul.

BHAGAVAD GITA
Conforme Griffiths (2000, 2011), no Bhagavad Gita, parte do épico Maabárata (composto entre IV AC e IV DC), o herói Arjuna sente seu Eu dividido e vê-se frente a uma grande batalha: a de promover a própria integração como pessoa. Para conseguir efetuá-la, ouve o discurso de Krishna. O livro, ligado à smriti, tradição, recordação (ao contrário dos Vedas), resume a doutrina hindu e representa uma quebra quanto aos Upanixades, associada ao fim do período védico e ao início do período heroico (500 AC), quando se valoriza a classe dos kshatryas em detrimento dos brâmanes, outrora predominantes; constitui uma resposta hindu ao surgimento do Budismo e do Jainismo (onde não existe um princípio último, um Deus), dos quais incorpora elementos (sobremaneira do budismo, como o conceito de Nirvana); transmite preceitos sobre as formas de ioga (da ação, do conhecimento, da devoção), sobre cumprir o dever (dharma), sobre a bhakti, entrega, devoção (superior à meditação), sobre o amor entre Deus e o Homem, e a graça divina, vias para a libertação (Salvação cristã) da pessoa, desde que esta se desapegue dos sentidos, dos sentimentos, da mente e do egoísmo, não vise às consequências dos atos. A não-dualidade entre os deuses e entre deus e a pessoa devota se apoia nas ideias do pensador Sankharacharya. Porém, o principal aspecto do Gita se refere à devoção a um Deus pessoal, Vixnu, na forma de Krishna, de modo a se afirmar que Krishna = Brahman = Atman = Purusha, ou seja, o deus cósmico e o pessoal se tornam um único, o Senhor do Universo. Ao contrário do que citam os Upanixades, a pessoa comum pode obter a sabedoria suprema, libertação, graças à bhakti, a devoção a deus; o caminho de sacrifício (ligação com o universo) e meditação do sannyasi, tido como árduo, para poucos, continua válido.
Griffiths (2011) analisou o Bhagavad-Gita sob o olhar das escrituras cristãs e encontrou, entre outros, estes pontos de semelhança:
Os discursos de Krishna e o de Jesus nos Evangelhos pregam a Salvação.
O equilíbrio frente aos opostos, como prazer e dor ("sagrada indiferença" de Santo Inácio de Loyola).
O jogo de deus (lila), do amor (transbordamento de bondade de São Boaventura de Bagnoreggio).
A graça divina, que vem de Jesus e do deus pessoal hindu.
As três emoções básicas, paixão, ira e medo (concupiscentia, ira, timor, segundo São Tomás de Aquino).
As dádivas provêm de Deus (Epístola de São Tiago).
O trabalho como forma de sacrifício (Santo Agostinho) e de contemplação (regra de São Bento).
A pessoa participa da natureza divina (Epístola de São Pedro).
O amor de Deus vive, age e se movimenta nas pessoas (em São João da Cruz).
Observar inimigos e amigos com equanimidade (Evangelho de São Mateus).
Os sacrifícios de Purusha e de Jesus.
Além do aspecto não manifestado da natureza está a Pessoa Não Manifestada, imperecível (brahman), que pode ser entendido a partir do conhecimento ligado à doutrina da Trindade Cristã (O Pai como Fonte, Origem; o Filho, o Verbo, Pessoa não manifestada, Suprema, além de todas as criaturas e fonte de toda a Criação).
O desapego do mundo (Evangelho de São Lucas).
A potencialidade da natureza, sementes no útero de prakriti (razões seminais de Santo Agostinho).
Todo o universo encontra centro e apoio na Pessoa Cósmica (Epístola aos Colossenses, São Paulo).
A não-dualidade (Epístola aos Romanos, São Paulo).
O poder dos espíritos do mal, forças do inconsciente (Epístola aos Gálatas, São Paulo).
O mundo como imagem, reflexo de Deus (tradição bíblica, Padres Gregos).
Toda criatura participa da vida interior da divindade, comunhão de amor (Doutrina do Corpo Místico de Cristo).
O termo OM se aproxima de "Verbo" (Evangelho de São João).
Deus imanente em toda a criação, sem se identificar com ela (Deus presente em todas as coisas, por seu poder, sua presença, sua essência, conforme São Tomás de Aquino).
Nada há na criação sem estar contido em Deus (Evangelho de São João).
O terceiro olho, identificado como o ajna chakra (terceiro olho de Cristo na iconografia bizantina).
O aspecto terrível de Deus (Antigo Testamento).
A dissolução de todas as coisas pelo fogo (Apocalipse, segunda Epístola de São Pedro).
A visão da forma cósmica de Krishna (glória de Yahweh no Antigo Testamento, Transfiguração de Jesus no Evangelho de São Mateus, a visão de Jesus no Apocalipse).
As cinco maneiras de se relacionar com Deus (devoção ao menino Jesus).
A oferenda da mente e do coração do devoto a Krishna (Jesus estabelece sua morada no devoto, Evangelho de São João).
O caminho do serviço devotado a Deus (Madre Teresa de Calcutá).
O sannyasi sereno, em paz, sem ira ou medo (Padres do Deserto, Epístola aos Colossenses de São Paulo).
O homem entende que o Deus em seu interior é o mesmo Deus no interior de tudo que existe (Doutrina do Corpo Místico de Cristo, Epístola de São Paulo aos Romanos).
O ato de ferir a outro é como ferir a si mesmo (Evangelho de São Mateus).
A relação entre brahman e o Deus pessoal interpretada pelo ideal de circuncessão dentro da Trindade Cristã.
Deus presente no coração de tudo e todos (Doutrina Cristã do Sagrado Coração).
As virtudes do homem espiritualizado e os vícios (São Paulo, Epístola aos Gálatas).
A fé como fundamento de toda a ação (justificação pela fé, São Paulo).
A sabedoria que discerne (prudência, para São Tomás de Aquino).
O dharma, lei do universo como um todo (lex eterna, São Tomás de Aquino)
Deus transmite seu amor aos homens (primeira Epístola de São João).
Pontos de possível desacordo: a questão da transmigração, na qual Bede, dentro da visão tripartite hindu, entende que o espírito, atman, transmigra, não a alma; o tempo cíclico na religião hindu, com eras que se sucedem, em que deuses reencarnam como seres humanos (avataras), enquanto a tradição hebraico-cristã sustenta uma orientação histórica, escatológica; no cristianismo, somente Cristo se encarna como autorrevelação de Deus; na tradição hindu, deus é pai e mãe (o segundo aspecto é muito descurado no cristianismo).
O Gita, para Griffiths (2011), pode ser um guia espiritual prático para um cristão ou qualquer outro que esteja à procura de algum para seguir o caminho da espiritualidade; ele lança novas luzes em diversos aspectos do Evangelho e adquire novos significados, se analisado do ponto de vista do Evangelho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No entender de Griffiths (2000), atualmente, não é mais possível uma religião viver isolada das outras; com sua estrutura de linguagem e pensamento semíticos, o Cristianismo precisa aprender o que as religiões do Oriente, o Hinduísmo, o Budismo, o Taoísmo e o Confucionismo, outros aspectos da verdade, têm a lhe ensinar. Qualquer religião precisa sustentar a verdade fundamental de sua própria tradição e permitir que esta se desenvolva pelo contato com outras. A religião em si está em julgamento no mundo hodierno; torna-se necessário um movimento ecumênico entre as religiões, em que cada uma aprenda a aceitar e valorizar a verdade e a santidade presente nas outras.
Para tanto, cada religião, cada Igreja, deve realizar profunda autorreflexão sobre seus escritos, suas leis, seus dogmas e suas práticas; sobre sua intolerância com relação a outras (postura mais arraigada naquelas oriundas do Oriente Médio, ou seja, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo); dialogar constantemente com outras para encontrar caminhos a fim de superar as diferenças e valorizar as similaridades. Não há mais espaço no mundo atual, a não ser entre fanáticos, para o fundamentalismo religioso e para as perseguições inter-religiosas, formas de apego que recrudescem em vastas regiões do planeta, até mesmo nas religiões antes tidas como relativamente tolerantes (como o Hinduísmo). Enquanto a maioria dos seres humanos continuar dividida internamente, sem seguir realmente o que pregam escrituras sagradas como o Gita, haverá tais conflitos e também aqueles entre os portadores da mente discursiva, permeada pela razão, contra os de mente intuitiva, repleta de imaginação. Os dois grupos precisam entender que ambos os tipos de mente devem se integrar em uma só, para resgatar uma visão de mundo que inclua tanto o racional como o imaginativo, em que as pessoas possam adquirir as capacidades de se desapegar de tudo o que as limita, de superar dicotomias, de se autotranscender e de se tornar verdadeiramente humanas, libertas, no sentido ensinado pelo Gita.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
GRIFFITHS, B. Casamento do Oriente com o Ocidente: Hinduísmo e Cristianismo. São Paulo, Paulus, 2000.
GRIFFITHS, B. Retorno ao centro: o conhecimento da verdade; o ponto de reconciliação de todas as religiões. São Paulo: IBRASA, 1992.
GRIFFITHS, B. Rio de compaixão: um comentário cristão ao Bhagavad Gita. São Paulo: É Realizações, 2011.

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