BIAZATTI, Bruno de Oliveira. “A teoria Jusnaturalista dos Princípios de Antônio Augusto Cançado Trindade e a sua Reconstrução à luz da Teoria do Discurso de Jürgen Habermas”. In: Anais do I Congresso de Direito Constitucional e Filosofia Política, Belo Horizonte: Initia Via, 2015, v.2, p.183-194.

June 30, 2017 | Autor: Bruno Biazatti | Categoria: International Law
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A TEORIA JUSNATURALISTA DOS PRINCÍPIOS DE ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE E A SUA RECOSNTRUÇÃO À LUZ DA TEORIA DO DISCURSO DE JÜRGEN HABERMAS Bruno de Oliveira Biazatti1

Introdução As fontes do Direito Internacional podem ser definidas como “aqueles métodos e procedimentos legais para a criação de regras de aplicação geral e que são juridicamente vinculantes aos seus destinatários” (BROWNLIE, 1998, p.1). O cânone clássico de fontes internacionais, apesar de não exaustivo, é o art.38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ), onde se lista tratados, costume e princípios. Diante disso, não há dúvida que os princípios internacionais possuem natureza normativa autônoma na seara internacional (WIPPMAN, DUNOFF e RALFNER, 2010, p.105; TRINDADE, 2006, pp.54-57; SHAW, 2008, p.98). Apesar de sua existência normativa ser sólida, persistem certas incertezas acerca do sentido e significado dos princípios internacionais. O brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade possui uma interpretação própria destas normas, lhes atribuindo uma natureza axiológica que encontra fulcro no Direito Natural. O presente estudo visa descrever tal tese e apresentar soluções possíveis a suas deficiências.

Os princípios internacionais no pensamento de Cançado Trindade Segundo Trindade, no decorrer do século XX, o Direito Internacional sofreu um processo de humanização que se prolonga Bruno de Oliveira Biazatti é estudante do 8º período do curso de Graduação em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]

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DOI: 10.17931/dcfp_v2_art14

184 • A teoria jusnaturalista dos princípios... até os dias atuais (TRINDADE, 1999, p.11). As notáveis transformações no cenário mundial, ocorridas no século passado, levaram a uma reavaliação global de conceitos político-jurídicos, solidificando os direitos humanos (TRINDADE, 2006, p.91). O fator-motor desta transformação é o despertar de uma consciência jurídica universal, entendida como a opinio juris da humanidade e que se concentra na proteção da humanidade (TRINDADE, 2000, nota de rodapé 19). Os princípios internacionais derivam diretamente desta consciência jurídica universal, que atua como fonte suprema de validação normativa (TRINDADE, 2012, p.11-12). Dessa forma, os princípios gerais devem ser entendidos como fonte inspiradora do processo de elaboração das normas internacionais. Eles refletem a opinio juris da humanidade, onde repousa a base de formação do Direito Internacional e, portanto, se identificam com os fundamentos de todo o sistema legal, revelando valores e os fins últimos da ordem jurídica internacional, a guiando a fim de proteger a humanidade contra as incongruências da prática estatal e atender as demandas da Comunidade Internacional (TRINDADE, 2010a, p.207). Nessa linha, os direitos humanos têm primazia sobre as prerrogativas dos Estados (TRINDADE, 2012, p.57-58). Tendo em vista que os princípios são a expressão do ideal de justiça, eles possuem um escopo universal e, como tal, vinculam todos os Estados, ao mesmo tempo em que asseguram a unidade da ordem legal. Eles são independentes da vontade e consentimento dos Estados, vez que os princípios se vinculam a consciência jurídica universal da humanidade que se encontra acima da própria vontade estatal (TRINDADE, 2010b, p.600) Segundo Trindade, está concepção só pode prosperar no seio de uma concepção jusnaturalista, onde os princípios são, em última análise, princípios de Direito Natural que se legitimam como pressupostas de natureza axiológica, enquanto garantem coesão, coerência e legitimidade ao corpo normativo (TRINDADE, 2005, p.86; TRINDADE, 2003, p.17-18). Trindade afirma que o Direito Internacional precisa da proeminência de valores superiores, capazes de orientar a dinâmica internacional e atender as aspirações humanas, como única forma de transpor uma ordem normativa a mercê dos Estados e do mercado. (TRINDADE, 1997, p. 469-470) Segundo Trindade, a teoria jusnaturalista do Direito internacional jamais desapareceu, pelo contrário, sempre superou as crises a qual enfrentou e nunca deixou de estar presente na doutrina

Bruno Biazatti • 185 internacionalista. O Direito Internacional nasceu a partir de concepções naturalistas, como se verifica em obras de seus fundadores, tais como Francisco Suárez, Christian Wolff e Vattel. O brasileiro defende um “renascimento” contínuo do jusnaturalismo no Direito Internacional, ainda que este nunca tivesse perecido, a fim de resgatar valores básicos, presentes na gênesis do sistema internacional, e afastar a influência dos Estados. (TRINDADE, 2006, pp.13-15). O resgate das teses naturalistas visa a reafirmação, de maneira enfática, de padrões mínimos de justiça para, desta forma, reforçar a universalidade dos direitos humanos, como direitos inerentes a todo ser humano. O restabelecimento do jusnaturalismo contribui para a sedimentação do primado dos valores, de forma a constituir-se, no fim, um processo de moralização do próprio Direito, como reflexo da vontade da humanidade (TRINDADE, 2006, pp.13-15). De tal modo, os princípios internacionais são indispensáveis, pois constituem o substrato da ordem jurídica internacional, baseada no conceito de “justiça objetiva”, advinda tipicamente do Direito Natural. Eles são superiores a própria vontade e consentimento dos sujeitos internacionais, vez que são o reflexo direto da busca de justiça pela humanidade e peça chave para a edificação de um sistema normativa universal. Desta forma, eles são os pilares do Direito Internacional, (TRINDADE, 2010a, p.208-209), de onde todas as normas internacionais emanam e onde essas podem encontrar seu significado e fundamento (TRINDADE, 2005, p.86). Eles se localizam na origem do Direito e, como tal, são hierarquicamente superiores, encontrando validade e sentido na consciência jurídica universal (TRINDADE, 2005, p.97).

A teoria discursiva do Direito de Jürgen Habermas e sua comparação com a tese de Trindade Apesar das contribuições de Trindade ao Direito Internacional, a sua tese jusnaturalista dos princípios não deve prosperar. Princípios não podem vir de valores cristalizados numa suposta consciência transcendental da humanidade. Os princípios que integram o Direito advêm de um processo de escolha pelos sujeitos internacionais que compõem uma efetiva comunidade política global, onde os membros desta comunidade reconhecem tais normas

186 • A teoria jusnaturalista dos princípios... como a eles vinculantes. Acredita-se que este processo de escolha segue uma moralidade procedimental universalista, a qual pressupõe um construtivismo ético na forma do modelo discursivo de formação da decisão defendido pelo alemão Jürgen Habermas. Assim, a norma internacional legítima é aquela que nasceu seguindo um procedimento de formação democrático, de forma que “válidas são as normas a que todos os afetados possam assentir como participantes em discursos racionais” (HABERMAS, 1998, p.172). Diante disso, os princípios não são descobertos pelo homem a partir de um arcabouço jusnaturalista, transcendental ao próprio homem, mas, ao contrário, os homens, através de procedimentos comunicativos visando um consenso racional, definem o Direito, sendo este ilibado de qualquer coerção ou interesse egoístico. In suma, os princípios são o resultado de um consenso entre todos os interessados, se tornando, assim, uma ordem deontológica garantidora de liberdades e não impostora de privações. Habermas acredita que, diante do multiculturalismo das sociedades, a melhor opção de formação normativa é aquela segundo a qual todos os afetados participam do processo decisório através da linguagem, trazendo suas particularidades e visões ao discurso (HABERMAS, 2007a, p.9-10). O alemão apresenta a seguinte esclarecedora lição: É só na qualidade de participantes de um diálogo abrangente e voltado para o consenso que somos chamados a exercer a virtude cognitiva da empatia em relação às nossas diferenças recíprocas nas percepções de uma mesma situação. Devemos então procurar saber como cada um dos demais participantes procuraria, a partir de seu próprio ponto de vista, proceder a universalização de todos os interesses envolvidos (HABERMAS, 2007a, p.10).

Assim, os princípios não podem se fundar em razões puramente éticas, presumivelmente compartilhadas por toda a humanidade. Habermas assume que os agentes de formação das normas são distintos, tanto em questões éticas, quanto culturais: “uma cultura política, construída sobre princípios constitucionais, não depende necessariamente de uma origem étnica, linguística e cultural comum a todos os cidadãos.” (HABERMAS, 1997, p.289) Assim, todos devem

Bruno Biazatti • 187 compartilhar uma “cultura política liberal” baseada no pluralismo, sendo esta independente de similaridades éticas (HABERMAS, 1997, p.289) Nesse prisma, a juridicidade (legality) não pode ser compreendida sem ter em mente que os direitos subjetivos constituem o seu ponto central (HABERMAS, 2012, p.113). Eles devem ser entendidos numa lógica intersubjetiva de colaboração e reconhecimento mútuo no âmbito social, tendo em vista que a liberdade de cada um deve ser compatível com a liberdade de todos (HABERMAS, 1996, p.120). Portanto, direitos subjetivos não estão referidos [...] a indivíduos atomizados e alienados, que se antesam possessivamente uns contra os outros. Como elementos da ordem jurídica, eles pressupõem a colaboração de sujeitos, que se reconhecem reciprocamente em seus direitos e deveres, reciprocamente referidos uns aos outros como membros livres e iguais do direito. (HABERMAS, 2012, p.121).

Assim, o Direito deve ser desenvolvido num método de criação através do qual todos os agentes, iguais entre si, se veem representados num processo de autorregulação. A única forma de alcançar este fim é um processo decisório onde todos participam, pois, desta forma, todos regulam todos e cada um regula a si mesmo, por meio de uma conclusão consensual por todos (HABERMAS, 2012, p.127). Deve ficar claro que este consenso habermasiano não se confundi com a “consciência jurídica universal” do pensamente de Trindade. Este presume que toda a humanidade compartilha uma cartilha de valores comuns e que estes encontram fulcro no Direito Natural. Habermas presume que cada ser humano possui uma definição axiológica própria já estabelecida e que destoa dos valores de outros. De início, não há um consenso no tocante ao que cada um acredita ser o melhor. Habermas lembra que isso é ainda mais evidente na esfera internacional, onde disparidades culturais e religiosas são latentes, de forma a gerar até conflitos armados entre os interessados. Ao contrário do brasileiro, Habermas cria um método decisório democrático, de forma a mediar, sem repressão e interesses egoísticos, todas as teses divergentes. (HABERMAS, 2012, p.137).

188 • A teoria jusnaturalista dos princípios... Habermas defende que uma norma deve ter o “interesse simétrico de todos”, ou seja, um consenso marcado por uma “aceitabilidade racional” geral, de forma que “todos os possíveis envolvidos deveriam poder dar a ela o seu assentimento, apoiado em boas razões” (HABERMAS, 2012, p.137). Este acordo racional e universal é alcançado por meio de condições discursivas pragmáticas, onde o melhor argumento prevalecerá consensualmente, porque ele é o melhor argumento e não porque os agentes decisórios foram coagidos a aceitá-lo. (HABERMAS, 2012, p.137). Este entendimento específico encontra fulcro na Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados (1969), que torna inválido qualquer tratado assinado sob coerção contra o representante do Estado (art.51) ou contra o próprio Estado através do uso ou ameaça de força militar (art.52). Diante disso, o Direito deve fundar-se no princípio democrático, entendido como a institucionalização de processos estruturados por normas que garantam a possibilidade de participação discursiva de todos pelas normas no processo de tomada de decisões. Todo e qualquer destinatário de um direito deve ser visto como coautor da norma que lhe outorga tal direito (HABERMAS, 2002, p.301; HABERMAS, 1996, p.120). Assim, Trindade, ao defender que princípios são regras jusnaturalistas transcendentais, não apresenta uma tese convincente, pois não cria um sistema internacional democrático, mas cria uma carta axiológica onde os titulares dos direitos garantidos por estes princípios não se veem como coautores de tais direitos. Todavia, os direitos humanos não são negligenciados na tese de Habermas, pois, segundo este autor, a legitimação das normas jurídicas segue dois aspectos: o da soberania popular, que se expressa nos direitos à comunicação e participação por todos os afetados por uma norma, no processo de sua formação, garantido a autonomia pública daqueles afetados; e o domínio das leis garantido pelos direitos humanos, efetivando a autonomia privada dos afetados (HABERMAS, 2007b, p.298-299). Assim, o Direito deve ser visto como garantidor de liberdades, vez que a norma jurídica legítima é aquela que todo afetado por ela deve se ver como seu coautor (autonomia pública), bem como protetora de seus direitos fundamentais (autonomia privada). O Direito é o resultado de um equilíbrio equânime entre a autonomia pública e a autonomia privada, marcado pela equiprimordialidade entre elas (HABERMAS, 2007b, p.298-299). Nesse prisma, para Habermas, o Direito não pode ser legítimo sem a efetivação de direitos humanos subjetivos (HA-

Bruno Biazatti • 189 BERMAS, 2012, p.113). Trindade enfatiza em demasia a autonomia privada, outorgando uma hierarquia superior aos direitos fundamentais, frente a qualquer outra regra do sistema legal internacional. Ele seguiu essa linha de argumentação a fim de retirar a influência do consentimento dos Estados do processo de formação do Direito Internacional, de forma a expurgar as normas internacionais de qualquer influência “tirânica” do voluntarismo estatal. A desvantagem desta tese é que o próprio indivíduo, titular dos direitos humanos, é excluído do processo de formação, defesa e promoção de tais garantias. Os direitos fundamentais não são resultantes de um auto-entendimento jusnaturalista da humanidade, mas sim em razão de interações intersubjetivas igualitárias entre os seres humanos (HABERMAS, 2007b, p.299). Em suma, direitos humanos são intrinsecamente intersubjetivos, pois é através destas regras que os homens reconhecem os outros como seus semelhantes em direitos (HABERMAS, 2012, p.113). Nesse prisma, a força legitimadora do Direito Internacional não recai sobre o Direito Natural, mas sobre o procedimento de sua formação. Somente através de um método decisório democrático, tendo em vista a ética do discurso e o pluralismo social e de perspectivas de mundo, as normas internacionais encontram fundamento (HABERMAS, 2007b, p.300). A institucionalização jurídica de uma conduta deve ser efetuada através da liberdade comunicativa de cada participante. Em homenagem a equiprimordialidade, os direitos humanos não podem superar a autonomia pública, de forma que todo direito possa ser consensualmente aceito pelos seus titulares. Em outras palavras, cada destinatário deve ser capaz de se ver como legislador da norma em tela e, como tal, esta norma não pode violar direitos fundamentais de um grupo ou indivíduo (HABERMAS, 2007b, p.300). Portanto, a ideia da autonomia jurídica dos cidadãos exige a identificação destes como autores do Direito (HABERMAS, 2007b, p.301), participando do processo efetivo de sua criação e não meramente o “encontrando” no campo da moral e o trazendo para o bojo da normatividade (HABERMAS, 2007b, p.301). Normas discriminatórias que violam os direitos humanos de um grupo não podem ser vistas como em conformidade com o procedimento democrático, pois violam o direito destes (HABERMAS, 2007b, p.300). Isso implica dizer que no processo democrá-

190 • A teoria jusnaturalista dos princípios... tico os atores coparticipam como sujeitos de direitos e não menos, isto é, “a ideia democrática da autolegislação não tem opção senão validar-se a si mesma no medium do direito” (HABERMAS, 2007b, p.301; HABERMAS, 1996, p.120). O processo democrático presume que todos os participantes se reconhecem como iguais em direitos e deveres e não podem ter tais direitos restringidos ou anulados para a aprovação de leis de interesse majoritário. Sem a autonomia privada dos coparticipantes não há que se falar em medium do direito para que a autonomia pública seja exercida (HABERMAS, 2007b, p.301). Assim sendo, a autonomia privada e a pública pressupõe-se mutuamente, sem que os direitos humanos possam reivindicar um primado sobre a soberania popular, nem essa sobre aquela. A intuição expressa-se, por um lado, no fato de que os cidadãos só podem fazer uso adequado de sua autonomia pública quando são independentes o bastante, em razão de uma autonomia privada que esteja equanimemente assegurada; mas também no fato de que só poderão chegar a uma regulamentação capaz de gerar consenso, se fizerem uso adequado de sua autonomia política como cidadãos do Estado (HABERMAS, 2007b, p.301).

Deste modo, os Estados não podem barganhar com os direitos subjetivos de cada indivíduo no processo decisório, devido a inafastabilidade da autonomia privada deles, que se manifesta na proteção de seus direitos humanos. Esse equilíbrio entre as autonomias privada e pública só se satisfaz em condições ideais para a comunicação. Nesse prisma, Habermas clarifica que regulamentações que podem requerer legitimidade são justamente as que podem contar com a concordância de possivelmente todos os envolvidos como participantes em discursos racionais. Se são discursos e negociações [...] o que constitui o espaço em que se pode formar uma vontade política nacional, então a suposição de racionalidade que deve embasar o processo democrático tem necessariamente de se apoiar em um arranjo comunicativo muito engenhoso: tudo depende das condições sob as quais se podem institucionalizar juridicamente as formas de comunicações necessárias para a cria-

Bruno Biazatti • 191 ção legítima do direito. (HABERMAS, 2007b, p.300)

Diante disso, Habermas, adotando o termo desenvolvido por Perelman, sustenta que a adoção de normas jurídicas ocorre num “auditório universal”, onde todos os seres racionais seriam participantes do processo decisório. Além de uma participação universal, a situação ideal de fala é imune de toda e qualquer repressão e desigualdade. Habermas defende que o meio para satisfazer esta exigência é a construção de condições universais de simetria, onde todos os agentes são iguais e racionais, livres de qualquer interesse egoístico, onde somente o melhor argumento seja coercitivo e aceito por todos os envolvidos de forma consensual (HABERMAS, 1996, p.322-323; HABERMAS, 2012, p.198-210). Todavia, o Direito Internacional não se desenvolve como o Direito nacional, vez que lhe falta um Parlamento centralizado, onde se adota um processo legislativo uniforme e padrão, e um poder coercitivo concentrado, que atua como garantidor da eficácia do Direito (HABERMAS, 2014, p.6). O Direito Internacional possui um sistema coercitivo central na figura do Conselho de Segurança da ONU, mas as suas resoluções coercitivas (promulgadas sob o Capítulo VII da Carta da ONU) se limitam a medidas destinadas a proteger a paz e a segurança internacionais. Assim, apesar de na prática este órgão ter um escopo de atuação muito amplo, as suas competências não se comparam com aquela que o Estado possui em sua jurisdição interna, no tocante as funções de guardião da eficácia do Direito e de detentor do monopólio da jurisdição. Diante dessas particularidades do sistema jurídico internacional, pode ser questionado se a teoria da formação discursiva das normas, desenvolvida ab initio ao Direito interno, seria aplicável ao Direito Internacional. O próprio Habermas, em uma aula magna ministrada, em 2013, no Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law, afirmou que a sua tese é aplicável à seara internacional, mas com um “formato institucional” (institutional format) que lhe seja particular (HABERMAS, 2013, p.2). O alemão justifica esta extensão da sua teoria tendo em vista a multiculturalidade identificável no planeta e a pretensão universalista do Direito Internacional, de forma a regular a conduta de todos os Estados e indivíduos independente de qualquer disparidade cultural. (HABERMAS, 2013, p.2)

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Conclusão O presente estudo, na medida em que compreende crítico-reflexivamente o arcabouço de princípios que compõe o Direito Internacional, é um discurso filosófico que visa encontrar a melhor explicação epistemológica para tais normas. Trindade não podia estar mais correto quando afirma que a doutrina internacionalista não pode mais de esquivar do difícil estudo das fontes materiais do Direito Internacional (TRINDADE, 2006, p.389). Apesar das grandes contribuições deste brasileiro, a sua fundamentação jusnaturalista dos princípios não pode prosperar. Ainda que eficientemente sobrepõe o monopólio dos Estados sobre o Direito Internacional, a participação dos seres humanos, titulares dos direitos humanos, também fica de fora do processo de formação do Direito Internacional. Diante disso, a nosso ver, tal entendimento é no mínimo incoerente. Cabe, assim, reafirmar um processo democrático de formação do corpus juris internacional, tendo em vista que cada indivíduo e cada Estado possui elementos culturais e éticos que lhe são próprios. Diante destas diferenças, a melhor forma de estabelecer um Direito Internacional legítimo é através de interações intersubjetivas por meio da linguagem, onde cada falante respeita o outro como um igual em direitos e deveres, de forma a criar normas consensualmente estabelecidas, as quais todos os afetados reconhecem como autores. In fine, a legitimidade do Direito Internacional não recai sobre elementos axiológicos transcendentais, mas na natureza democrática do procedimento de sua criação.

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