BIAZATTI, Bruno de Oliveira. “Conflitos Normativos entre Direitos Humanos e Regras do Direito Comercial Internacional: Repercussões Práticas do Princípio Pro Homine”, Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais, v.2, 2015, p.133-166.
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CONFLITOS NORMATIVOS ENTRE DIREITOS HUMANOS E REGRAS DO DIREITO COMERCIAL INTERNACIONAL: REPERCUSSÕES PRÁTICAS DO PRINCÍPIO PRO HOMINE BRUNO DE OLIVEIRA BIAZATTI1 Resumo A fragmentação do Direito Internacional contemporâneo é um fenômeno marcante que os jusinternacionalistas já não podem mais se esquivar. Um dos maiores desafios que esta complexificação jurídica traz são os conflitos entre regras e princípios de diferentes subsistemas, especialmente o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Comercial Internacional. Nesse prisma, o presente artigo pretende analisar os conflitos normativos entre estes dois subsistemas, destacando a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso sobre a Comunidade Indígena Sawhoyamaxa v. Paraguai (2006). Em consonância com o julgamento deste processo, defender-se-á a prevalência dos direitos humanos, tendo em vista a inteligência do princípio pro homine (cláusula de prevalência da norma mais favorável ao ser humano) e a própria natureza especial das normas sobre direitos humanos, que não possuem qualquer relação de dependência com a vontade e consentimento dos Estados. Entretanto, o Direito Internacional também outorga direitos aos Estados e entre eles está a proteção de seus interesses comerciais e econômicos. Os governos podem tomar medidas para perseguir estes interesses, ainda quando afetam negativamente os direitos fundamentais de indivíduos, desde que assumam a forma de uma limitação.
Palavras-Chave: Direito Internacional dos Direitos Humanos; Direito do Comércio Internacional; conflito de normas internacionais; regimes autossuficientes; princípio pro homine; derrogações e limitações de direitos humanos. Abstract The fragmentation of contemporary International Law is an important phenomenon that scholars can no longer avoid. One of the biggest challenges that this legal complexification brings is the conflict between rules and principles of different set of norms, in particular International Human Rights Law and International Trade Law. Taking this into account, it is intended to analyze the normative conflicts between these two legal subsystems, highlighting the decision of the Interamerican Court of Human Rights in the Case of the Sawhoyamaxa Indigenous Community v. Paraguay (2006). In light of this judgment, it will be argued the prevalence of human rights over international trade rules, bearing in mind the pro homine principle (clause of the prevalence of the most favorable rule to the individual) and the special nature of human rights rules, which do not have any relationship of subordination to the will and consent of the States. However, International Law also grants rights to the States, as the protection of its commercial and economic interests. Governments can take steps to pursue these objectives, even if when some harm to the exercise of fundamental rights of individuals will be inflicted. In this regard, the legality of such measures rests in the fulfillment of the criteria to perform limitations.
Keywords: International Human Rights Law; International Trade Law; normative conflicts; self-contained regimes; pro homine principle; derogations and limitations of human rights.
1
Aluno de graduação em Direito, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tutor do Grupo de Estudos sobre Direito Internacional - Corte Internacional de Justiça (GEDI-CIJ) e do Grupo de Estudos sobre Direito Internacional Humanitário, ambos da Faculdade de Direito da UFMG. Monitor da disciplina Direito Internacional Público e pesquisador do Centro de Direito Internacional (CEDIN). Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
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Sumário 1 Introdução; 2 O Direito Comercial Internacional como um regime autossuficiente e sua relação com os direitos humanos; 2 A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a supremacia dos direitos humanos; 2.1 Da natureza especial das normas sobre direitos humanos; 2.2 Do princípio pro homine; 3 Medidas econômicas públicas e direitos humanos: um estudo sobre o regime legal das limitações e derrogações; 4 Conclusão; 5 Referências.
Saab
1 Introdução O fenômeno jurídico internacional é muito complexo, vez que reflete a densidade e
definiu
como
complexificação
"um
consciente"
processo do
de
Direito
5
Internacional. (tradução livre)
Sociedade
Esse processo de institucionalização do
Internacional.2 Para atender a demanda por
Direito Internacional se tornou tão relevante e
regras capazes de lidar com os problemas
intricado
específicos das relações internacionais, o Jus
Internacional, órgão ligado a Assembleia Geral
Gentium contemporâneo é segregado em vários
da Organização das Nações Unidas (ONU) cujo
ramos, governados por seus próprios princípios
objeto é a "promoção do desenvolvimento
especiais, capazes de lidar com estas questões
progressivo do Direito Internacional e a sua
precisas.3 Em decorrência deste processo de
codificação"6 (tradução livre), institui, em
sistematização normativa, emergiram-se novos
2002, um mandado específico para estudá-lo.7
a
própria
complexidade
da
que
a
Comissão
de
Direito
órgãos deliberativos e judiciais, com mandatos
Uma das consequências mais latentes
especialmente concebidos para lidar com
deste processo é a presença de conflitos
questões em seus respectivos campos jurídicos.
normativos, não somente entre regras do
4
2
Isso é o que o jurista egípcio Georges Abi-
mesmo ramo do Direito Internacional, mas
ABI-SAAB, Georges. "Fragmentation or unification: some concluding remarks", International Law and Politics, vol. 31, 2009, 919-933, p.925[ABI-SAAB]. 3 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. "Report of the Study Group on Fragmentation of International law: Difficulties arising from the Diversification and Expansion of International Law", finalized by Martti Koskenniemi, UNDoc.A/CN.4/L.682, 13 April 2006, para.8[Relatório da CDI de April de 2006]; LINDROOS, Anja e MEHLING, Michael. "Dispelling the Chimera of 'Self-Contained Regimes' International Law and the WTO", European Journal of International Law, vol.16, No.5, 2005, 857-877, p.858[LINDROOS e MEHLING]; MILANOVIC, Marko. "Norm conflict in International Law: Whither Human Rights?", Duke Journal of Comparative & International Law, vol.20, 2009, 69-131, p.69[MILANOVIC]. 4 LINDROOS e MEHLING, ibid.; MILANOVIC ibid.; ABI-SAAB, nota supra 2, p.925. 5 ABI-SAAB, ibid. 6 Statute of the International Law Commission, GARes.174(II), UNGAOR, 21 November 1947, art.1(1). 7 GARes.57/21, UNGAOR, 21 January 2003, para.2; COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. "Report of the International Law Commission on the work of its fifty-fourth session (2002)", UNDoc.A/CN.4/529, 14 January 2003, paras.215-235. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
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também entre regras de diferentes grupos.8 O
Contudo, não se deve negar que
presente trabalho se dedicará a estudar os
medidas estatais, incluindo as econômicas,
choques entre regras de dois subsistemas
ainda quando afetam o exercício de direitos
específicos: o Direito Comercial Internacional
fundamentais, não são sempre consideradas
e o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
ilegais. Há uma zona de tolerância no Direito
Adentrar-se-á principalmente na natureza das
Internacional onde tais medidas tomadas
normas que impõe direitos fundamentais, a fim
segundo o interesse do Estado ou da
de compará-la com a natureza das normas
coletividade são permitidas, ainda quando
comerciais. Acreditamos que normas sobre
produzem fricção ao pleno exercício de direitos
direitos humanos possuem uma natureza
individuais. O estudo aqui desenvolvido se
especial em relação as outras, pois aquelas não
propõe a investigar qual é o grau de ingerência
constituem meros deveres contratuais baseados
nos direitos humanos tolerado pelos parâmetros
na reciprocidade entre Estados. São, na
legais internacionais.
verdade, imperativos gerais da humanidade, cujo interesse é coletivo e compartilhado por
2 O Direito Comercial Internacional
toda a Comunidade Internacional.
Como um Regime Autossuficiente e Sua Também se aprofundará na análise do princípio pro homine, também chamado de
Relação Com os Direitos Humanos Como
cláusula da norma mais favorável, de forma a
acima
descrito,
o
Direito
defender que princípios comerciais, cuja
Internacional de nossos dias é composto por
aplicação lesionará em demasia o exercício de
uma
direitos humanos, não podem sobrepujar a
especiais.
proteção humana. Adotando a máxima do
jurídicos, que possuem regras e órgãos
princípio pro homine, há uma presunção
próprios, projetados e adotados para lidar com
legalmente vinculante de que normas sobre
os desafios funcionais e técnicos específicos de
direitos humanos tem preferência em relação a
seu campo de vigência.9 Alguns desses ramos
qualquer outra, incluindo as comerciais. Diante
do Direito Internacional são tão autônomos que
disso,
eles possuem amplo grau de autossuficiência
choques
normativos
devem
ser
plêiade
de
subsistemas
Constituem
normativos
verdadeiros
nichos
resolvidos dando precedência aos direitos humanos.
8
COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. Law", UNDoc.A/CN.4/L.644, 18 July 2003, "Report of the Study Group on Fragmentation of paras.6, 9-10. 9 International law: Difficulties arising from the Relatório da CDI de Abril de 2006, nota supra 2, Diversification and Expansion of International para.15. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
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normativa,10 recebendo, então, o nome de
quanto as suas regras secundárias e não apenas
"regimes autossuficientes" (tradução livre pelo
as suas regras primárias que impõe condutas.13
autor do termo em inglês self-contained
Em outras palavras, regimes autossuficientes
regimes).
11
têm suas próprias regras secundárias que visam
Em linhas gerais, o termo "regime autossuficiente" "[...] designa uma categoria específica
Internacional, que pode ser considerado um
nomeadamente aqueles que possuem um
regime autossuficiente.15 Este subgrupo do
conjunto completo, exaustivo e definitivo de
Direito Internacional possui seus próprios
regras primárias e secundárias que objetiva
princípios
afastar a aplicação das regras gerais."12
transfronteiriço, tais como a Cláusula da Nação
(tradução
da
mais Favorecida,16 o Princípio do Tratamento
autossuficiência diz respeito à completude de
Nacional17e o Princípio da Eliminação das
um subsistema jurídico específico também
Restrições
livre)
subsistemas
Esse é o caso do Direito do Comércio
normativos,
10
de
substituir o regulamento jurídico geral.14
Portanto,
a
teoria
para
lidar
com
Quantitativas.18
o
Nesse
comércio
sistema
ABI-SAAB, nota supra 1, p.926. Contratantes ou ao mesmo destinado." Cf. General COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. Agreement on Tariffs and Trade, Geneva, 30 "Report of the Study Group on Fragmentation of October 1947, art.I, para 1[GATT 1947]. 17 International law: Difficulties arising from the O Princípio do Tratamento Nacional determina Diversification and Expansion of International que "[o]s produtos originários de qualquer Parte Law", A/CN.4/L.663/Rev.1, 28 July 2004, Contratante [do GATT 1947] importados no paras.19[Relatório da CDI de Julho de 2004]; território de qualquer outra Parte Contratante COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. gozarão de tratamento não menos favorável que o "Report of the Study Group on Fragmentation of concedido a produtos similares de origem nacional International law: Difficulties arising from the no que concerne a todas as leis, regulamentos e Diversification and Expansion of International exigências que afetem a sua venda, colocação no Law", A/CN.4/L.702, 18 July 2006, mercado, compra, transporte, distribuição ou uso no para.14(11)[Relatório da CDI de Julho de 2006]. mercado interno. As disposições deste parágrafo não 12 SIMMA, Bruno e PULKOWSKI, Dirk. "Of impedirão a aplicação das taxas diferenciais de Planets and the Universe: Self-contained Regimes in transportes, baseadas exclusivamente na utilização International Law", European Journal of econômica dos meios de transporte e não na origem International Law, Vol. 17, No.3, 2006, 483-529, p. de produtos." Cf. GATT 1947, ibid., art.III. 18 492-493[SIMMA e PULKOWSKI]. O mesmo em: O Princípio da Eliminação das Restrições Relatório da CDI de Abril de 2006, nota supra 2, Quantitativas determina que "[n]enhuma Parte para.128. Contratante [do GATT 1947] instituirá ou manterá, 13 SIMMA e PULKOWSKI, ibid., p.492-493. para a importação de um produto originário do 14 Ibid. território de outra Parte Contratante, ou para a 15 Relatório da CDI de Abril de 2006, nota supra 2, exportação ou venda para exportação de um produto para.15. destinado ao território de outra Parte Contratante, 16 A Cláusula da Nação mais Favorecida determina proibições ou restrições a não ser direitos que "[q]ualquer vantagem, favor, imunidade ou alfandegários, impostos ou outras taxas, quer a sua privilégio concedido por uma Parte Contratante [do aplicação seja feita por meio de contingentes, de GATT 1947] em relação a um produto originário de licenças de importação ou exportação, quer por ou destinado a qualquer outro país, será imediata e outro qualquer processo." Cf. GATT 1947, ibid., art. incondicionalmente estendido ao produtor similar, XI. originário do território de cada uma das outras Partes Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015. 11
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também há um mecanismo próprio de solução
o Direito dos Tratados (1969),23 que permite a
de
autoridade
controvérsias
quanto
a
aplicação
e
adjudicante,
para
fins
de
interpretação das regras comerciais, que se
interpretação de um tratado, considerar "todas
encontra regulado pelo Entendimento Relativo
as regras pertinentes do direito internacional
às Normas e Procedimentos sobre Solução de
aplicável às relações entre as partes."24
Controvérsias (Understanding on Rules and
(tradução livre) Esta teoria corrobora a
Procedures Governing the Settlement of
concepção de um sistema jurídico internacional
19
Disputes), que constitui o Anexo II do Acordo
articulado, composto por diferentes conjuntos
da Organização Mundial do Comércio (OMC).
de regras que coabitam em harmonia.25
Este acordo estabelece o Órgão de Solução de Controvérsias (Dispute Settlement Body), que forma
painéis
para
resolver
contendas
comerciais e receber recursos das decisões destes painéis, que serão adjudicados pelo
A Corte Europeia de Direitos Humanos já defendeu este entendimento no Caso Loizidou v. Turquia (1996), especificamente no tocante ao regime regional europeu de tutela dos
direitos
humanos,
estabelecido
pela
20
Órgão de Apelação (Appellate Body).
Convenção Europeia de Direitos Humanos
Todavia, necessário notar que nenhum
(1950) e que pode ser considerado um regime
regime legal, incluindo o Direito do Comércio
autossuficiente. Naquele caso, a Corte afirmou
21
Internacional, é inteiramente autossuficiente.
que "[...] os princípios subjacentes à Convenção
Todo sistema social, incluindo o próprio Direito
[Europeia de Direitos Humanos] não podem ser
Internacional, não pode existir e operar-se
interpretados e aplicados num vácuo."26
completamente isolado de seu contexto e
(tradução
22
livre)
Assim,
mesmo
que
a
realidade. Esta abordagem encontra fulcro no
Convenção Europeia tenha um caráter especial,
artigo 31, §3º, "c" da Convenção de Viena sobre
por ser um instrumento regional de proteção
19
Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes, Annex II of the Agreement Establishing the World Trade Organization, Uruguay Round Final Act, Marrakesh, 15 April 1994. 20 Ibid., art.2 21 Relatório da CDI de Julho de 2004, nota supra 10, para.26; Relatório da CDI de Abril de 2006, nota supra 2, para.192; SIMMA e PULKOWSKI, nota supra 11, p.492; ABI-SAAB, nota supra 1, p.926. 22 Relatório da CDI de Julho de 2004, ibid.; SIMMA e PULKOWSKI, ibid.; ABI-SAAB, ibid. 23 Para uma abordagem detalhada e profunda deste dispositivo, cf. VILLIGER, Mark E. Commentary on the 1969 Vienna Convention on the Law of
Treaties, Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2009, p.415-441. 24 Vienna Convention on the Law of Treaties, 23 May 1969, 1155 UNTS 331, art.31(3)(c). 25 DROEGE, Cordula. "The interplay between international humanitarian law and international human rights law in situations of armed conflict", Israel Law Review,Vol. 40, No.2, 2007, 310-355, p.337. 26 CtEDH. Loizidou v. Turkey, Application No. 15318/89, judgment of 18 December 1996, para.43[Loizidou v. Turquia]. O mesmo em: CtEDH. Bankovic and others v. Belgium and others, Decision as to the Admissibility, Application no. 52207/99, judgment of 12 December 2001, para.57[Bankovic e outros v. Bélgica e outros]. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
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dos direitos humanos, "[...] a Corte também
público."30
deve
direito
similar foi ratificado no Painel sobre a Coreia
internacional [geral] aplicáveis no momento de
- Medidas Relativas à Contratos Públicos,
decidir
emitido em 2000, quando decidiu-se que a
considerar
os
as
litígios
regras
sob
sua
do
jurisdição
[...]."27(tradução livre)
e outros (2001), a Corte Europeia aplicou esse à
livre)
Entendimento
interpretação dos acordos da OMC deve
No Caso Bankovic e outros v. Bélgica
entendimento
(tradução
dos Tratados.31
da
Portanto, mesmo no caso de regimes
responsabilidade internacional dos Estados
autossuficientes, com considerável autonomia
diante de violações da Convenção Europeia,
normativa, as normas internacionais gerais
quando decidiu que a responsabilidade destes
fluem entre suas regras, a fim de regular
sujeitos deve ser avaliada em conformidade
aspectos operacionais de caráter geral, que não
com os princípios do Direito Internacional geral
são regidos pelas regras específicas do regime
e não apenas aqueles positivados na Convenção
autossuficiente, como, por exemplo, normas de
Europeia.28
Convenção
interpretação de tratados e sucessão estatal.32
[Europeia] deve ser interpretada, na medida do
Além disso, o Direito Internacional geral
possível, em harmonia com os outros princípios
fornece soluções jurídicas subsidiárias quando
29
do direito internacional, o qual ela faz parte."
aquelas presentes em regimes especiais não
(tradução livre)
funcionam apropriadamente.33
Em
determinação
respeitar as regras costumeiras gerais do Direito
suma,
"[a]
Aplicando a mesma abordagem ao
Ademais, Antônio Augusto Cançado
Direito do Comércio Internacional, o Órgão de
Trindade, atual juiz brasileiro perante a Corte
Apelação da OMC, no Painel sobre os Estados
Internacional de Justiça, defende a existência de
Unidos - Normas para a Gasolina Aditivada e
alguns princípios do Direito Internacional que
Convencional, decidido em 1996, afirmou que
permeiam todo o sistema legal, garantindo a sua
"[...] o [GATT] não deve ser lido de forma clinicamente isolada do direito internacional
31 Loizidou v. Turquia, ibid. OMC. Korea – Measures affecting government Bankovic e outros v. Bélgica e outros, nota supra procurement, Report of the Panel, World Trade 25, para.57 Organization, WT/DS163/R, 1 May 2000, 29 Ibid. O mesmo em: CtEDH. Al-Adsani v. the para.7.96[Caso sobre os Contratos Públicos]. 32 United Kingdom, Application No. 35763/97, Relatório da CDI de Abril de 2006, nota supra 2, judgment of 21 November 2001, para.60. para.192; Relatório da CDI de Julho de 2006, nota 30 OMC. United States – Standards for supra 10, para.14(15). 33 Reformulated and Conventional Gasoline, Report of Relatório da CDI de Abril de 2006, ibid.; the Panel, World Trade Organization, Relatório da CDI de Julho de 2006, ibid., Doc.WT/DS2/AB/R, 20 May 1996, p.17. para.14(16). Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015. 27 28
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unidade e coesão.34 Mesmo que o Direito
A mesma relevância aos princípios
Internacional de nossos dias seja segregado em
gerais foi dada por Martti Antero Koskenniemi,
ramos especiais, os princípios gerais asseguram
o presidente do Grupo de Estudos da Comissão
a validade do sistema jurídico internacional em
de Direito Internacional sobre a Fragmentação
sua totalidade,
35
bem como garantem seus
aspectos axiológicos.36 Portanto, os princípios
do Direito Internacional. Ele assevera in verbis:
elemento crucial para a construção de um
Nenhum tratado, por mais especial que seja o seu objeto ou por mais limitado que seja o número de partes contratantes, aplica-se num vácuo normativo, mas, na verdade, os tratados se remetem a uma série de princípios gerais do direito consuetudinário, muitas vezes não escritos, sobre à sua entrada em vigor e sua interpretação e aplicação. Além disso, esse contexto normativo inclui princípios que determinam os sujeitos de direito, os seus direitos e deveres básicos e as formas pelas quais esses direitos e deveres são modificados ou extintos. 44 (tradução livre)
sistema
verdadeiramente
Depois de todo o exposto, conclui-se
universal.40 Em outras palavras, os princípios
que a autonomia dos regimes autossuficientes
são os pilares do Direito Internacional41 e
não significa o seu completo isolamento de
formam o substrato condicionante à natureza
outros regimes ou do Direito Internacional
sistêmica de suas normas, 42 pois se infiltram em
geral. 45 A noção de autossuficiência não sugeri
todos os regimes autossuficientes.43
nada mais do que a ideia de especialidade das
são indispensáveis, vez que constituem o próprio
fundamento
da
ordem
jurídica
internacional.37 Tais princípios são superiores a vontade e consentimento dos Estados, 38 porque refletem, de forma direta, a busca da humanidade
por
justiça39
normativo
e
constituem
regras contidas do ramo jurídico específico.46
34
CIJ. Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina Towards a New Jus Gentium, vol. I, General Course v. Uruguay), [2010] ICJ Rep.14. (Separate Opinion on Public International Law, Collected Courses of of Judge Cançado Trindade), paras.201the Hague Academy of International Law, vol. 317, 204[Opinião do Juiz Cançado Trindade no Caso das The Hague: The Hague: Martinus Nijhoff, 2005, Usinas de Celulose]. p.113[CANÇADO TRINDADE(2005)]. 35 42 Ibid., paras.192-200. CANÇADO TRINDADE (2005), ibid., p.87; 36 CtIADH. Juridical Condition and Rights of the Opinião do Juiz Cançado Trindade no Caso das Undocumented Migrants. Advisory Opinion OCUsinas de Celulose, nota supra 33, para.18. 43 18/03 of 17 September 2003, Concurring Opinion of Ibid. 44 Judge Cançado Trindade, paras.44-46[Opinião do COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. Juiz Cançado Trindade na Opinião Consultiva "Preliminary Report by the Chairman of the Study sobre os Migrantes Ilegais]. Group Study Group on Fragmentation of 37 Opinião do Juiz Cançado Trindade no Caso das International law: Difficulties arising from the Usinas de Celulose, nota supra 33, para.197. Diversification and Expansion of International 38 Ibid., paras.192 e 197. Law", UNDoc. ILC(LVI)SG/FIL/CRD.1 and 39 Ibid., para.200. Add.1, p.7. 40 45 Ibid. Relatório da CDI de Julho de 2004, nota supra 10, 41 Ibid.; CANÇADO TRINDADE, Antônio para.32. 46 Augusto. International Law for Humankind: Ibid. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
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Diante disso, o Direito do Comércio
3
A
Jurisprudência
da
Corte
Internacional não pode ser visto como um
Interamericana de Direitos Humanos e a
sistema de regras isolado em si mesmo,
Supremacia dos Direitos Humanos
hermeticamente separado das regras específicas de outros regimes legais e das regras gerais. Todavia, o Órgão de Apelação da OMC, no Painel sobre a Coreia - Medidas Relativas à Contratos Públicos, foi categórico ao defender que diante de conflitos normativos entre regras gerais e regras comerciais internacionais, estas últimas são soberanas no tocante a regulação do comércio transfronteiriço:
Uma decisão de grande relevância para responder a questão acima posta é aquela proferida, em 2006, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso sobre a Comunidade
Indígena
Sawhoyamaxa
v.
Paraguai. Nesta disputa, a Corte de São Jose da Costa Rica se debruçou sobre a (i)licitude da suposta negligência do Paraguai em reconhecer e assegurar os direitos de propriedade da
O direito internacional costumeiro se aplica, geralmente, às relações econômicas entre os membros da OMC. Tais leis internacionais gerais se aplicam na medida em que os acordos da OMC não as afastam. Em outras palavras, desde que não haja conflito ou inconsistência, ou uma regulação particular num acordo da OMC afirmando o contrário, somos da opinião de que as regras costumeiras do direito internacional são aplicáveis aos tratados da OMC e ao processo de formação destes acordos.47 (tradução livre)
Devido a sua especificidade, o Direito do Comércio Internacional deve sobrepor-se como lex specialis. Todavia, devemos nos perguntar se esta presunção ainda prevalece quando o conflito normativo ocorre diante de uma situação que opõe uma norma de direitos humanos e uma norma comercial.
comunidade indígena sawhoyamaxa sobre sua terra ancestral e a inércia do mesmo Estado em proteger o direito à vida dos membros desta comunidade, privando-os dos seus meios tradicionais de subsistência.48 Os sawhoyamaxas, uma comunidade composta atualmente por cerca de 400 indivíduos,49 vivem desde tempos remotos nos charcos paraguaios, a oeste da atual cidade de Concepción.
A
subsistência
deste
povo
dependia, principalmente, da caça, pesca e coleta da fauna e flora locais.50 Diante disso, eram um povo nômade, que se deslocava constantemente
por
uma
extensa
área
geográfica nos charcos a procura de alimento em quantidade suficente e também para lidar com as oscilações do clima.51
47
Caso sobre os Contratos Públicos, nota supra 30, para.7.96. 48 CtIADH. Case of the Sawhoyamaxa Indigenous Community v. Paraguay, IACtHR, Judgment of 29
March 2006, para.2[Caso sobre a Comunidade Indígena Sawhoyamaxa v. Paraguai]. 49 Ibid., para.73(8). 50 Ibid., para.73(2). 51 Ibid. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
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A ocupação de suas terras se iniciou no século
XIX,
britânicos,
quando
incentivados
expunham a verdadeira exploração. Além
empreendedores
disso, sofriam constantes restrições ao usufruto
pelo
de suas próprias colheitas e gado e ao exercício
governo
paraguaio, começaram a comprar terras na
de
região, sem o conhecimento dos sawhoyamaxas
tradicionais.58
que ali habitavam.
52
Nos Anos 1930, a
presença de não-indígenas na região se intensificou e os latifundiários recém chegados contratavam os próprios índios locais como mão-de-obra
nas fazendas.53
Embora os
sawhoyamaxas continuaram ocupando suas terras tradicionais, a chegada da economia de mercado e a sua incorporação na vida daqueles acabou por restringir a sua antiga mobilidade, os levando a se sedentarizar. Devido
atividades
de
subsistência
O processo de ocupação não-indígena se inverteu em agosto de 1991, quando os sawhoyamaxas começaram a reclamar a posse sobre suas terras ancestrais diante de órgãos administrativos paraguaios.59 À luz destes procedimentos, foram enviados pedidos para que as companhias proprietárias dos imóveis em tela, a Urbana Inmobiliaria S.A., a Compañía Paraguaya de Novillos S.A., a
54
Roswell y Compañía S.A. e a Kansol S.A., da
apresentassem uma cotação de preço de suas
colonização, as terras dos charcos paraguaios
terras para que o governo as comprasse e
logo
repassasse
foram
a
suas
quase
intensificação
todas
transferidas
a
sawhoyamaxas.60
aos
As
proprietários privados e gradualmente divididas
negociações não obtiveram sucesso e estas
entre eles.55 A grande consequência disso foi a
empresas rejeitaram qualquer proposta de
restrição do acesso pelos sawhoyamaxas às
compra pelo Paraguai.
suas terras ancestrais, acarretando mudanças significativas
em
suas
atividades
de
subsistência.56 Assim, cada vez mais, a sua dependência em relação ao salário e a moradia nas fazendas se intensificava.57
Devido ao processo de reclamação das terras, os empresas supra adotaram uma política
de
reclamadas,
desflorestamento o
que
nas
terras
impossibilitaria
a
sobrevivência dos índios.61 A situação de
Nestas fazendas, os índios viviam em
miséria em que viviam nas fazendas se agravou
extrema pobreza. Não tinham acesso a cuidados
ainda mais depois de 1991, pois retaliações
médicos mínimos e as condições de trabalho os
52
57 Ibid., para.73(1). Ibid. 58 Ibid., para.73(3). Ibid., para.73(61). 54 59 Ibid. Ibid., paras.73(11)-73(26). 55 60 Ibid., para.73(4). Ibid., para.73(33)- 73(36). 56 61 Ibid. Ibid., paras.73(55)-73(56). Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015. 53
R M D I N I | 142
foram tomadas em resposta ao processo de
do seu modus vivendi, seus costumes e sua
reivindicação em andamento.62
língua.67
Não suportando mais este tratamento, a maioria
dos
membros
da
comunidade
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos
moveu
ação
em
favor
dos
sawhoyamaxa deixou as fazendas e se instalou
sawhoyamaxas, contra o Paraguai, perante a
nas margens de uma rodovia federal próxima, a
Corte Interamericana de Direitos Humanos,
espera de uma decisão quanto a posse de suas
alegando que o Estado réu falhou em garantir a
terras pelos órgãos competentes.63 Enquanto
propriedade coletivo desta comunidade e em
moravam neste local, os índios estavam
assegurar de forma efetiva o direito à vida dos
expostos a condições de extrema pobreza, sem
índios, quando os privou dos seus meios
qualquer tipo de serviço básico de saúde ou
tradicionais de subsistência.68
saneamento.64 Devido a precariedade em que viviam, os sawhoyamaxas, particularmente as crianças e os idosos, estavam vulneráveis a doenças e epidemias graves, como tétano, pneumonia, sarampo e desidratação grave, sem qualquer controle ou assistência do Estado. Vários morrerem nos assentamentos.65
Em resposta as alegações da Comissão Interamericana, o Paraguai argumentou, inter alia, que as terras reclamadas eram propriedade de companhias privadas, que se recusaram a vender as terras em litígio.69 A recusa em realizar tal venda, segundo os advogados paraguaios, encontra fulcro num tratado
Da mesma forma, os sawhoyamaxas
comercial internacional entre o Paraguai e a
enfrentavam obstáculos para registrar seus
Alemanha, que regula a promoção e proteção
nascimentos, óbitos e mudanças no seu estado
recíproca de investimentos oriundos de ambos
civil, bem como a obtenção de qualquer outro
os países.70 Em sua alegação, o Paraguai
documento de identificação.66
defendeu que, nos termos deste tratado, as
Em linhas gerais, a falha do Paraguai em garantir o acesso pelos sawhoyamaxas a sua propriedade ancestral e coletiva, bem como as graves condições em que viviam, os expôs a grande sofrimento e a prejuízos à preservação
companhias supra tinham o direito de se negar a vender suas terras e, em decorrência disso, os sawhoyamaxas não poderiam ter a propriedade sobre tais imóveis.71 A Corte Interamericana de Direitos Humanos rejeitou este argumento. Ela afirmou
62
67 Ibid., para.73(61). Ibid., para.73(75) 68 Ibid., para.73(62). Ibid., para.2. 64 69 Ibid. Ibid., para.115. 65 70 Ibid., paras.73(61)- 73(74). Ibid. 66 71 Ibid., para.73(73). Ibid., paras.115 e 137. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015. 63
R M D I N I | 143
que "[...] a aplicação [de tratados comerciais] deve sempre ser compatível com a Convenção
3.1 Da natureza especial das normas sobre
72
Americana [sobre Direitos Humanos] [...]." A
direitos humanos
Corte esclareceu que, como este tratado versa sobre direitos humanos, ele é de uma espécie especial, de forma a outorgar direitos aos seres humanos de forma autônoma, não dependendo da reciprocidade ou da vontade dos Estados.73 Em linhas gerais, a Corte Interamericana decidiu que as obrigações jurídicas presentes na Convenção Americana têm prevalência em relação
as
obrigações
comerciais
Os titulares dos direitos humanos são indivíduos (pessoa humana) e não Estados.74 Tais direitos são independentes de qualquer forma de organização político-social, incluindo o Estado, pois eles precedem e são superiores ao próprio Estado.75 Nesse prisma, como já concluído no Caso sobre a Comunidade Indígena Sawhoyamaxa v. Paraguai,76 os direitos humanos possuem um status especial
internacionais.
no sistema jurídico internacional, pois são A
compreensão
dos
fundamentos
legais presentes na ratio decidendi da Corte é crucial ao entendimento da própria supremacia dos direitos humanos sobre regras comerciais internacionais. Os argumentos mais pertinentes são dois: a natureza especial dos direitos
independentes da vontade e consentimento estatal, não se aplicando a eles a inteligência clássica de que normas internacionais são imperativos
de
comando
baseados
na
reciprocidade entre os Estados.77 Em outras palavras, as normas destinadas a salvaguardar
humanos e o princípio pro homine. A estes passar-se-á a dedicar atenção.
72
77 Ibid., para.140. CIJ. Reservations to the Convention on the Ibid. Prevention and Punishment of the Crime of 74 CIJ. Accordance with International Law of the Genocide, Advisory Opinion, [1951] ICJ Rep.15, Unilateral Declaration of Independence p.23; CtEDH. Ireland v. The United Kingdom, in Respect of Kosovo, Advisory Opinion, Application no. 5310/71, judgment of 18 January [2010] ICJ Rep.403 (Separate Opinion of 1978, para.239; CtIADH. The Effect of Reservations Judge Cançado Trindade), on the Entry into Force of the American Convention para.198[Opinião do Juiz Cançado on Human Rights (Arts. 74 and 75). Advisory Trindade na Opinião Consultiva sobre o Opinion OC-2/82 of 24 September 1982, para.29; Kosovo]. CtIADH. Case of the Mapiripán Massacre v. 75 Ibid.; CIJ. Application of the Convention on the Colombia, judgment of 15 September 2005, Prevention and Punishment of the Crime of para.104[Caso sobre o Massacre de Mapiripán]; Genocide (Croatia v. Serbia)[2015] ICJ Rep.1 ORAKHELASHVILI, Alexander. "Restrictive (Dissenting Opinion of Judge Cançado Trindade), Interpretation of Human Rights Treaties in the para.58[Opinião do Juiz Cançado Trindade no Caso Recent Jurisprudence of the European Court of sobre o Genocídio na Croácia]. Human Rights", European Journal of International 76 Caso sobre a Comunidade Indígena Law, vol.14, No.3, 2003, 529-568, p.531Sawhoyamaxa v. Paraguai, nota supra 47, para.140. 533[ORAKHELASHVILI]. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015. 73
R M D I N I | 144
os
valores
humanos
fundamentais
não
constituem obrigações sinalagmáticas.78
elas são obrigações erga omnes."79 Deve-se
Além disso, a própria CIJ, no Caso sobre a Companhia Barcelona Traction, Light, and Power, atestou que os princípios e regras relativas aos direitos básicos da pessoa humana, "[p]ela
sua
própria
natureza,
são
possuem um interesse jurídico na sua proteção;
uma
preocupação de todos os Estados. Tendo em vista a importância dos direitos envolvidos, pode-se considerar que todos os Estados
destacar ainda o caráter jus cogens de certas normas do universo dos direitos humanos.80 Isso corrobora a tese de que a proteção da pessoa humana não se encontra sob o poder discricionário e unilateral dos Estados, mas constituem normas de interesse coletivo de toda a Comunidade Internacional. São regras de ordem pública internacional.
TPIEI. Prosecutor v. Kupreškic, Decision on Interpretação da Declaração Americana dos Evidence of the Good Character of the Accused and Direitos e Deveres do Homem]; CtIADH. Case of the Defence of Tu Quoque, Trial Chamber, Case No. Blake v. Guatemala, judgment of 24 January 1998, IT-95-16-T, 17 February 1999; TPIEI. Prosecutor v. Separate Opinion of Judge Cançado Trindade, Kupreškic, Trial Chamber, Case No. IT-95-16-T, 14 paras.26-30[Opinião do Juiz Cançado Trindade no January 2000, para.517[Prosecutor v. Kupreškic]. Caso Blake v. Guatemala]. 79 80 CIJ. Barcelona Traction, Light and Power Opinião Consultiva sobre os Migrantes Ilegais, Company, Limited, (Belgium v. Spain) [1970] ICJ ibid., paras.97-101; Opinião do Juiz Cançado Rep.3, paras.33-34. O caráter erga omnes das Trindade na Opinião Consultiva sobre os Migrantes obrigações envolvendo direitos humanos também já Ilegais, ibid., paras.68-69; Opinião do Juiz Cançado foi defendido em: CANÇADO TRINDADE(2005), Trindade no Caso Blake v. Guatemala, ibid., nota supra 40, p.335-365; Opinião do Juiz Cançado paras.23-25; CANÇADO TRINDADE (2005), nota Trindade na Opinião Consultiva sobre os Migrantes supra 40, p.335-365; Prosecutor v. Kupreškic, nota Ilegais, nota supra 35, paras.74-85; CIJ. East Timor supra 77, para.520; CtIADH. Case of Yatama v. (Portugal v. Australia) [1995] ICJ Rep.90, para.29; Nicaragua, judgment of 23 June 2005, para.184; CIJ. Legal Consequences of the Construction of a CtIADH. Case of Atala Riffo and daughters v. Chile, Wall in the Occupied Palestinian Territory, judgment of 24 February 2012, para.79[Caso Atala Advisory Opinion, [2004] ICJ Rep.136, paras.155Riffo e filhas v. Chile]; CtIADH. Case of the Xákmok 159[Parecer Consultivo sobre o Muro na Kásek Indigenous Community v. Paraguay, Palestina]; CIJ. Application of the Convention on judgment of 24 August 2010, para.269; CtIADH. the Prevention and Punishment of the Crime of Case of the Cantoral Benavides v. Peru, judgment Genocide (Bosnia and Herzegovina/Serbia and of 18 August 2000, paras.102 e 103; CtIADH. Case Montenegro), [2007] ICJ Rep.43, para.31; CIJ. of the Maritza Urrutia v. Guatemala, judgment of Legal Consequences for States of the Continued 27 November 2003, para.92; CtIADH. Case of the Presence of South Africa in Namibia (South West Gómez-Paquiyauri Brothers v. Peru, judgment of 08 Africa) Notwithstanding Security Council July 2004, paras.111-112; CtIADH. Case of the Tibi Resolution 276 (1970), Advisory Opinion, [1971] v. Ecuador, judgment of 07 September 2004, ICJ Rep.16, para.126[Parecer Consultivo sobre a para.143; TPIEI. Prosecutor v. Furundzija, Trial Presença Contínua da África do Sul na Namíbia]; Chamber, Case No. IT-95-17/1-T, 10 December CtIADH. Juridical Condition and Rights of the 1998, paras.153-157[Prosecutor v. Furundzija]; Undocumented Migrants. Advisory Opinion OCTPIEI. Prosecutor v Delalic and Others, Trial 18/03 of 17 September 2003, para.109[Opinião Chamber, Case No. IT-96-21-T, 16 November 1998, Consultiva sobre os Migrantes Ilegais]; CtIADH. para.454; TPIEI. Prosecutor v. Kunarac, Trial Interpretation of the American Declaration of the Chamber, Case No IT-96-23-T e IT-96-23/1-T, 22 Rights and Duties of Man Within the Framework of February 2001, para.466; TPIEI. Prosecutor v. Article 64 of the American Convention on Human Radislav Krstic, Trial Chamber, Case No. IT-98-33Rights, Advisory Opinion OC-10/89 of 14 July T, 2 August 2001, para.541. 1989, para.38[Parecer Consultivo sobre a Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015. 78
R M D I N I | 145
Diante disso, seria descabido defender
dos
Estados,82garantindo
prioridade
aos
que tratados comerciais poderiam prejudicar o
métodos hermenêuticos que beneficiam os
exercício de direitos humanos, vez que não é
interesses estatais sobre o bem-estar e direitos
cabível
dos indivíduos.83
à
comerciais
Estados com
barganhar
direitos
interesses
pertencentes
a
indivíduos, bens jurídicos que os Estados não têm titularidade. Tratados comerciais refletem interesses estatais e, como tais, não podem suprimir direitos fundamentais dos indivíduos. Esse argumento só pode prosperar hoje devido
a
derrocada
positivismo
internacional,
afirma
que
"[i]ndependente de seu objeto, um tratado continua a ser um ato jurídico baseado na vontade dos Estados, cujo significado não pode ser presumido ou inventado."84 (tradução livre)
compreensão
Pellet acredita que esse raciocínio também se
Direito
aplica aos tratados de direitos humanos, vez que
Esta visão arcaica e obsoleta
"seu objeto e finalidade não implicam qualquer
defende que as regras do Direito Internacional
'transubstanciação' e não os transformam numa
se
'legislação'
positivista/voluntarista Internacional.
81
originam
e
da
O francês Alain Pellet, defensor do
do
encontram
fundamento
internacional,
que
vincularia
exclusivamente na vontade e consentimento
81
Opinião do Juiz Cançado Trindade na Opinião Gex (France v. Switzerland), (1932) PCIJ (Ser A/B) Consultiva sobre os Migrantes Ilegais, nota supra No.46, p.166; CPJI. Interpretation of the Statute of 35, paras.24-25; CtIADH. The Right to Information the Memel Territory (The United Kingdom, France, on Consular Assistance in the Framework of the Italy and Japan v. Lithuania) (1932) PCIJ (Ser A/B) Guarantees of the Due Process of Law, Advisory No 49, p.313-314; CPJI. Case of the S.S. “Lotus” Opinion OC-16/99 of 1 October 1999, Concurring (France v Turkey) (1927), PCIJ (Ser A) No 10, p.18; Opinion of Judge Cançado Trindade, CPJI. Case of the S.S. “Lotus” (France v Turkey) para.14[Opinião do Juiz Cançado Trindade no (1927), PCIJ (Ser A) No 10, Dissenting Opinion of Parecer Consultivo sobre Assistência Consular]; Judge Finlay, p.56; CPJI. Case of the S.S. “Lotus” D'AMATO, Anthony. "Consent, Estoppel, and (France v Turkey) (1927), PCIJ (Ser A) No 10, Reasonableness: Three Challenges to Universal Dissenting Opinion of Judge Nyholm, p.60; International Law", Virginia Journal of TUNKIN, Grigory. Politics, Law and Force in the International Law, vol.10, no.1, 1969, 1-31, p.3Interstate System, General Course on Public 10[D'AMATO]; BESSON, Samantha. "The International Law, Collected Courses of the Hague Authority of International Law - Lifting the State Academy of International Law, vol.219, The Hague: Veil", Sydney Law Review, Vol.31, 2009, 343-380, Martinus Nijhoff, 1989, p.260-266[TUNKIN]; p.371-372[BESSON]; JACKSON, John H. HENKIN, Louis. International Law: Politics, "Sovereignty - Modern: A New Approach to an Values and Functions, General Course on Public Outdated Concept", American Journal of International Law, Collected Courses of the Hague International Law, vol.97, 2003, 782-802, p.796Academy of International Law, vol.216, The Hague: 797[JACKSON]. Martinus Nijhoff, 1989, p.45-47[HENKIN]. 82 83 Essa tese é defendida em: CORTE HENKIN, ibid., p.127-141. 84 PERMANENTE DE ARBITRAGEM. Award in the COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. Arbitration regarding the Iron Rhine (‘Ijzeren Rijn’) "Second Report on Reservations to Treaties", (Belgium v. Netherlands) (2005), Reports of Special Rapporteur Mr. Alain Pellet, International Arbitral Awards, vol.27, para.232; UNDoc.A/CN.4/477, 1996, para.229. CPJI. Free Zones of Upper Savoy and the District of Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
R M D I N I | 146
Estados contra a sua vontade."85 (tradução
seres humanos, e não vice-versa.91 In fine, o
livre)
Direito Internacional existe para reforçar a Na verdade, o Direito Internacional
contemporâneo não encontra lastro na vontade dos Estados,86 mas na proteção dos interesses comuns
da
Internacional
humanidade.87 sofreu
um
O
Direito
processo
de
proteção humana e não pode ser aplicado como um
sistema
estatocêntrico
de
normas,
ignorando a salvaguarda das aspirações e necessidades da humanidade.92 Esse
entendimento
tem
sido
humanização progressiva, no qual o ser humano
firmemente desenvolvido e aplicado por
foi deslocado do patamar de mero objeto para o
Antônio Augusto Cançado Trindade, com
88
destaque as suas opiniões individuais no Caso
Considerações mínimas de humanidade ecoam
das Imunidades Jurisdicionais dos Estados
por todo o sistema jurídico internacional,
(2012) e na Opinião Consultiva sobre a
alocando a pessoa humana como fim último do
Legalidade da Declaração de Independência
centro
das
normas
internacionais.
89
Direito, de forma que a efetivação da proteção
do Kosovo (2008). No primeiro caso, Cançado
humana tem preeminência e supremacia sobre
Trindade concluiu que a Alemanha não poderia
os interesses estatais.90 Estudiosos, juízes e
alegar o princípio da imunidade de jurisdição
políticos não podem se esquecer que os Estados
perante os tribunais nacionais na Itália, pois tal
foram criadas e existem para o bem-estar dos
ato seria um obstáculo ao pleno exercício do
85
Ibid. Provisional Measures requested by the InterD'AMATO, nota supra 80, p.3-10; BESSON, nota American Commission on Human Rights, Order of supra 80, p.371-372; JACKSON, nota supra 80, 18 August 2000, Concurring Opinion of Judge p.796-797. Cançado Trindade, nota de rodapé 19; Opinião do 87 TUNKIN, nota supra 81, p.261; Opinião do Juiz Juiz Cançado Trindade no Caso das Usinas de Cançado Trindade na Opinião Consultiva sobre o Celulose, nota supra 33, para.191; Opinião do Juiz Kosovo, nota supra 73, para.209; CANÇADO Cançado Trindade na Opinião Consultiva sobre o TRINDADE, Antônio Augusto. A Humanização do Kosovo, nota supra 73, paras.169-170; CANÇADO Direito Internacional, Belo Horizonte: Editora Del TRINDADE (2006), nota supra 86, p.91. 91 Rey, 2006, p.402-404[CANÇADO TRINDADE CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. "La (2006)]. recta ratio dans les fondements du Jus Gentium 88 CANÇADO TRINDADE (2005), nota supra 40, comme Droit International de l’Humanité", Revista p.19-171. da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, 89 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, n.58, 2011, p.91-122, p.105-106; CtIADH. Case of 27 ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p.313; Opinião do Barrios Altos v. Peru, Judgment of 14 March 2001, Juiz Cançado Trindade no Parecer Consultivo Concurring Opinion of Judge Cançado Trindade, sobre o Kosovo, nota supra 73, paras.169-170; para.26; Opinião do Juiz Cançado Trindade no Opinião do Juiz Cançado Trindade no Caso sobre o Parecer Consultivo sobre o Kosovo, nota supra 73, Genocídio na Croácia, nota supra 74, paras.83-84; para.176. 92 Opinião do Juiz Cançado Trindade no Parecer CANÇADO TRINDADE (2006), nota supra 86, Consultivo sobre Assistência Consular, nota supra p.91; Opinião do Juiz Cançado Trindade no Caso 80, para.35. sobre o Genocídio na Croácia, nota supra 74, 90 CtIADH. Case of Haitian and Haitian-origin paras.58-59. Dominican Persons in the Dominican Republic, Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015. 86
R M D I N I | 147
direito humano de acesso à justiça pelos
3.2 Do princípio pro homine
cidadãos italianos.93 Na opinião consultiva, segundo caso, o brasileiro argumenta que os Estados não podem invocar o princípio da integridade territorial quando cometem graves violações de direitos humanos contra os seus cidadãos e estes, com base no princípio da
No dicta do Caso sobre a Comunidade Indígena Sawhoyamaxa v. Paraguai, a Corte Interamericana claramente se baseou no princípio pro homine,95 um princípio geral do Direito
Internacional,
96
já
adotado
na
jurisprudência,97 em leis domésticas de diversos
autodeterminação dos povos, se rebelam contra o Estado, a fim de se separar territorialmente e criar um novo Estado independente.94 Em linhas gerais, em ambas as opiniões individuais, Cançado Trindade reitera que as razões e interesses dos Estados não podem ter prioridade sobre os direitos humanos.
93
CIJ. Jurisdictional Immunities of the State jurisdicional da convencionalidade das leis: o novo (Germany v. Italy: Greece intervening), [2012] ICJ modelo de controle da produção normativa Rep.99 (Dissenting Opinion of Judge Cançado doméstica sob a ótica do 'diálogo das fontes'", Trindade), paras.199, 203 e 213. Revista Argumenta - UENP, No.15, 2011, 77-114, 94 Opinião do Juiz Cançado Trindade no Parecer p.93 [MAZZUOLI (2011)]. 97 Consultivo sobre o Kosovo, nota supra 73, para.176. Caso Atala Riffo e filhas v. Chile, nota supra 79, 95 Também chamado de princípio pro persona ou para.85; Caso sobre o Massacre de Mapiripán, nota Cláusula de Prevalência da Norma Mais Favorável supra 76, para.106; ComIADH. Juan Carlos Abella ao Homem. v. Argentina (La Tablada), Case 11.137, Report Nº 96 CtIADH. Case of Raxcacó Reyes v. Guatemala, 55/97, 18 November 1997, paras.164-165[Caso Judgment of 15 September 2005, Separate Opinion sobre o Forte La Tablada]; ComIADH. Coard et al. of Judge García Ramírez, para.12; CtIADH. Case of v. United States, Case 10.951, Report No. 109/99, the Mayagna (Sumo) Awas Tingni Community v. 29 September 1999, para.42; ComIADH. Andres Nicaragua, Judgment of 31 August 2001, Separate Aylwin Azocar et al. v. Chile, Case 11,863, Report Opinion of Judge García Ramírez, para.2[Opinião nº 137/99, 27 December 1999, para.146[Andres do Juiz García Ramírez no Caso sobre a Aylwin Azocar v. Chile]; CtIADH. 19 Tradesmen v. Comunidade Mayagna]; CtIADH. Case of Bámaca Colombia, Judgment of 5 July 2004, para.173; Velásquez v. Guatemala, Judgment of 25 November CtIADH. Certain Attributes of the Inter-American 2000, Separate Opinion of Judge García Ramírez, Commission on Human Rights (Arts. 41, 42, 44, 46, para.3; VILLAREAL, Amaya. "El principio pro 47, 50 and 51 of the American Convention on homine: interpretación extensiva vs. el Human Rights), Advisory Opinion OC-13/93 of 16 consentimento del estado", Revista Colombiana de July 1993, para.50 e 54; CtIADH. Compulsory Derecho Internacional, Vol.5, 2005, p.337-380; Membership in an Association Prescribed by Law MAZZUOLI, Valério de Oliveira. "Teoria geral do for the Practice of Journalism (Arts. 13 and 29 controle de convencionalidade no direito brasileiro", American Convention on Human Rights). Advisory Revista de Informação Legislativa, No. 181, ano 46, Opinion OC-5/85 of 13 November 1985, 2009, 113-139, p.125 [MAZZUOLI (2009)]; para.52[Parecer Consultivo sobre a Prática de MAZZUOLI, Valério de Oliveira. "O controle Jornalismo na Costa Rica]. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
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Estados98 e em muitos tratados internacionais.99
gravosa/intrusiva no exercício dos direitos
Segundo esta norma, entre as inúmeras
humanos.100
interpretações concebíveis no âmbito de uma regra específica ou diante do choque entre duas ou mais normas com escopos protetivos diferentes, a interpretação ou a norma a ser escolhida será aquela que mais concretiza a proteção humana, isto é, aquela que é menos
O principal objetivo do princípio pro homine é impedir que os Estados invoquem uma norma específica para limitar direitos mais favoráveis à proteção humana.101 Nesse prisma, "[e]m caso de dúvida, a ambiguidade deve ser interpretada a favor dos direitos das vítimas," 102 (tradução livre) jamais se esquecendo que os
98
100 PERU. Constitución Política del Perú, 1994, art.3; Parecer Consultivo sobre a Prática de EQUADOR. Constitución de la República del Jornalismo na Costa Rica, nota supra 96, para.52; Ecuador, 2008, art.417; REPÚBLICA Caso sobre o Massacre de Mapiripán, nota supra DOMINICANA, Constitución de la República 76, para.106; Caso Atala Riffo e filhas v. Chile, nota Dominicana, 2010, art. 74(4); MÉXICO. supra 79, para.84; CtIADH. Case of Cabrera Constitución Política de los Estados Unidos García and Montiel Flores v. Mexico, Judgment of Mexicanos, Diario Oficial de la Federación, 1917, 26 November 2010, Concurring Opinion of the Ad art.1; VENEZUELA. Constitución de la República Hoc Judge Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, Bolivariana de Venezuela, Gaceta Oficial de la para.38; CANÇADO TRINDADE, Antônio República de Venezuela, 1999, art.23; BOLÍVIA, Augusto. Co-Existence and Co-Ordination of Constitución política del Estado Plurinacional de mechanisms of International Protection of Human Bolivia, 2009, art.256; BRASIL, Constituição da Rights, The Hague: Martinus Nijhoff, 1987, p.113República Federativa do Brasil, 1988, art.4(II). 122[CANÇADO TRINDADE(1987)]; 99 Protocol Additional to the Geneva Conventions of MAZZUOLI, Valerio de Oliveira e RIBEIRO, 12 August 1949, and relating to the Protection of Dilton. "The Japanese Legal System and the Pro Victims of International Armed Conflicts (First Homine Principle in Human Rights Treaties", Civil Additional Protocol), 8 June 1977, art.75(8); & Legal Sciences, vol. 3, No.3, 2014, American Convention on Human Rights, "Pact of p.6[MAZZUOLI e RIBEIRO]; MAZZUOLI (2009), San Jose", Costa Rica, 22 November 1969, nota supra 95, p.125; MAZZUOLI (2011), nota art.29.b[Pacto de San Jose da Costa Rica]; supra 95, p.93. 101 International Covenant on Civil and Political Rights, Caso sobre o Forte La Tablada, nota supra 96, 999 U.N.T.S. 171, 16 December 1966, art.5.2[Pacto para.164. 102 Internacional dos Direitos Civis e Políticos]; Andres Aylwin Azocar v. Chile, nota supra 96, International Covenant on Economic, Social and para.146. Cultural Rights, 993 UNTS 3, 16 December 1966, art.5(2)[Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais]; European Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms, ETS 5, 4 November 1950, art.60[Convenção Europeia sobre Direitos Humanos]; European Social Charter, ETS n.035, 18 October 1961, art.32; Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women, New York, 18 December 1979, art.23; Convention against Discrimination in Education, Paris, 14 December 1960, art.10; Convention on the Rights of the Child, New York, 20 November 1989, art.41; Convention against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment, New York, 26 June 1987, art.1(2) e 16. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
R M D I N I | 149
tratados de direitos humanos têm um propósito
do Pacto de São José da Costa Rica,104 deve ser
humanitário.103
natureza
interpretada de forma a compreender a
especial destes tratados lhes garante uma
condição sexual de um indivíduo como
hierarquia inerente, impendente se a norma
categoria de discriminação.105
inerentemente
A
conflitante é mais especial/específica ou cronologicamente mais recente.
A Corte Interamericana reconheceu "[...] que os tratados de direitos humanos são
Esta abordagem foi aplicada pela Corte
instrumentos vivos, cuja interpretação deve
Interamericana de Direitos Humanos no Caso
caminhar de mãos dadas com a evolução dos
Atala Riffo e filhas v. Chile (2012), concernindo
tempos e com as condições de vida atuais." 106
a legalidade de uma decisão da Corte Suprema
(tradução livre) Além disso, a Corte sublinhou
do Chile, que revogou a custódia da senhora
que "[...] é sempre necessário escolher a
Atala Riffo sobre suas três filhas, simplesmente
alternativa que é mais favorável à proteção dos
porque ela é homossexual. Neste dicta, a Corte
direitos consagrados no referido tratado, com
teve que determinar se a expressão "qualquer
base no princípio da norma mais favorável ao
outra condição social", adotada no artigo 1º, §1º
103
ORAKHELASHVILI, nota supra 76, p.535. Framework of the Guarantees of the Due Process of O artigo 1º, §1º da Convenção Americana de Law, Advisory Opinion OC-16/99 of 1 October Direitos Humanos afirma in verbis: "Os Estados1999, para.114; CtIADH. Case of the Mayagna partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar (Sumo) Awas Tingni Community v. Nicaragua, os direitos e liberdades nela reconhecidos e a Judgment of 31 August 2001, para.146[Caso da garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que Comunidade Mayagna v. Nicarágua]; CtEDH. esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação Tyrer v. United Kingdom, Application no. 5856/72, alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, judgment of 25 April 1978, para.31; CtEDH. religião, opiniões políticas ou de qualquer outra Marckx v Belgium, Application no. 6833/74, natureza, origem nacional ou social, posição judgment of 13 June 1979, para.41; CtEDH. Schalk econômica, nascimento ou qualquer outra condição e Kopf v. Austria, Application no. 30141/04), social." (grifei) judgment of 24 June 2010, paras.93-94; CtEDH. 105 Caso Atala Riffo e filhas v. Chile, nota supra 79, Selmouni v. France, Application no. 25803/94, paras.83-93. judgment of 28 July 1999, para.101; CtEDH. 106 Ibid., para.83. O mesmo em: Parecer Consultivo Loizidou v. Turkey, Preliminary Objections, sobre a Presença Contínua da África do Sul na Application no. 15318/89, judgment of 23 March Namíbia, nota supra 78, para.52-53; CIJ. Dispute 1995, para.71; CtEDH. Soering v. the United regarding Navigational and Related Rights (Costa Kingdom, Application no. 14038/88, judgment of 07 Rica v. Nicaragua), [2009] ICJ Rep.213, para.64; July 1989, para.102; CtEDH. Burghartz v. CIJ. Aegean Sea Continental Shelf (Greece v. Switzerland, Application no. 16213/90, judgment of Turkey), [1978] ICJ Rep.32, para.77; CIJ. Pulp Mills 22 February 1994, para.28; CtEDH. Kress v. on the River Uruguay (Argentina v. Uruguay), France, Application no. 39594/98, judgment of 7 [2010] ICJ Rep.14, para.204; CIJ. GabcíkovoJune 2001, para.70; CtEDH. Christine Goodwin v. Nagymaros Project (Hungary v. Slovakia), [1997] the United Kingdom, Application no. 28957/95, ICJ Rep.7, paras.112; Caso sobre o Massacre de judgment of 11 July 2002, para.75; CtEDH. Mapiripán, nota supra 76, para.106; Parecer Bayatyan v. Armenia, Application no. 23459/03, Consultivo sobre a Interpretação da Declaração judgment of 7 July 2011, para.102; CtEDH. Austin Americana dos Direitos e Deveres do Homem, nota and Others v. the United Kingdom, Applications supra 78, para.37; CtIADH. The Right to nos. 39692/09, 40713/09 and 41008/09, judgment of Information on Consular Assistance in the 15 March 2012, para.53. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015. 104
R M D I N I | 150
ser
humano."107
(tradução
livre)
Em
prevalência
as
normas
da
Convenção
decorrência disso, decidiu-se que tratamentos
Americana de Direitos Humanos, em desfavor
diferenciais adotados devido a orientação
das normas comerciais contidas no tratado
sexual de uma pessoa é uma categoria proibida
bilateral paraguaio-germânico, pois aquela
de discriminação,108 vez que a interpretação dos
possui uma regulação jurídica mais favorável
tratados deve seguir "[...] a opção mais
aos sawhoyamaxas. O tratado comercial em tela
favorável ao ser humano e [...] a evolução dos
privava o pleno exercício do direito humano a
direitos fundamentais no direito internacional
propriedade da Comunidade Sawhoyamaxa e,
contemporâneo."109 (tradução livre)
por isso, deve assumir uma posição secundária.
Diante disso, à luz do princípio pro homine, a interpretação e a aplicação das normas internacionais devem ser executadas de forma a alcançar a proteção mais completa das pessoas, tendo em vista o propósito último do sistema jurídico internacional de preservar a
4 Medidas Econômicas Públicas
Direitos Humanos: um Estudo Sobre o Regime
humano.
110
Conforme
defendido
pelo
Legal
das
Limitações
e
Derrogações Apesar
dignidade humana, a garantia dos direitos fundamentais e o fomento ao desenvolvimento
e
de
concorrermos
com
a
conclusão de que normas relativas a direitos humanos
têm
prevalência
sobre
normas
jusinternacionalista francês Emmanuel Decaux,
comerciais internacionais, devido ao império
o princípio pro homine supera o fundamento
do princípio pro homine e a própria natureza
111
peculiar dos direitos humanos, a seguinte
demonstrando que o reconhecimento do valor
pergunta se torna relevante para a adequada
da pessoa humana impacta a evolução, a
exegese do problema aqui estudado: toda e
interpretação e os fundamentos do Direito
qualquer medida econômica/comercial adotada
voluntarista
do
Internacional geral. No
pelo Estado e que afeta negativamente o ao
Indígena a
Internacional,
112
tocante
Comunidade Paraguai,
Direito
Corte
Caso
sobre
Sawhoyamaxa Interamericana
a v. deu
exercício de direitos humanos é ilícita à luz do Direito Internacional? Acreditamos que não. O Direito Internacional outorga direitos a Estados e muitos deles se colidem com os direitos da
107
Caso Atala Riffo e filhas v. Chile, nota supra 79, para.84. 108 Ibid., para.93. 109 Ibid., para.85. 110 Opinião do Juiz García Ramírez no Caso sobre a Comunidade Mayagna, nota supra 95, para.2.
111
DECAUX, Emmanuel. "Article 60", 897-903, p.898. In Louis-Edmond Pettiti; DECAUX, Emmanuel e IMBERT, Pierre-Henri (ed.). La Convention Européenne des Droits de l'Homme: Commentaire Article par Article, Paris: Economica, 1995. 112 MAZZUOLI e RIBEIRO, nota supra 99, p.5. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
R M D I N I | 151
pessoa humana. Ainda assim, tais direitos
estatais impactantes nos direitos humanos não
estatais são juridicamente vinculantes na seara
são consideradas internacionalmente ilegais.
internacional.
Essa zona de tolerância se assenta na
Para fins de ilustração, aponta-se a
necessidade de equilibrar a promoção de
prerrogativa dos Estados de adotar medidas de
direitos individuais e a proteção dos interesses
controle migracional em suas fronteiras, lhes
dos Estados e da coletividade. Esse imperativo
dando o direito de negar a entrada e
se
permanência
seu
internacionais sobre direitos humanos que
Não há que se negar que tais
permitem aos Estados contratantes aplicar
medidas de controle aduaneiro afetam a
medidas restritivas ao exercício de certos
liberdade de trânsito dos indivíduos,114 mas
direitos dos indivíduos.115 Tais medidas são
ainda assim são permitidas pela Comunidade
instituídas a fim de lidar com a realidade de
Internacional. Diante disso, resta claro que há
cada Estado e acomodar a proteção dos direitos
113
território.
de
estrangeiros
em
reflete
nas
disposições
de
tratados
uma zona de tolerância na qual certas medidas
113
115 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DA ONU. BELLO, Emmanuel. The African Charter of A. v Australia, Communication No 560/1993, 30 Human Rights – A Legal Analysis, General Course April 1997, CCPR/C/59/D/560/1993, para.9(4); on Public International Law, Collected Courses of CtEDH. MSS v Belgium and Greece, Application the Hague Academy of International Law, vol. 194, No.30696/09, judgment of 21 January 2011, The Hague: Martinus Nijhoff, 1985, p.69; para.216; CtEDH. Hirsi Jamaa et al. v. Italy, HIGGINS, Rosalyn. “Derogations under Human Application No. 27765/09, judgment of 23 January Rights Treaties”, British Yearbook of International 2012, para.113; CtEDH. N. v. United Kingdom, Law, vol.48, no.1, 1976, 281-319, p.281 Application no. 26565/05, judgment of 27 May [HIGGINS]; Pacto Internacional dos Direitos Civis 2008, para.30; CtEDH. D v. United Kingdom, e Políticos, nota supra 99, arts.12.3, 18.3, 19.3, 21, Application no. 30240, judgment of 21 April 1997, 22.2; Pacto de San Jose da Costa Rica, nota supra para.46; CtEDH. Saadi v Italy, Application no. 98, arts.7.2, 12.3, 13.2, 15, 16.2, 16.3, 21.1, 21.2, 37201/06, judgment of 28 February 2008, para.124; 22.3; Convenção Europeia sobre Direitos CtEDH. N v Finland, Application no. 38885/02, Humanos, nota supra 98, art.5.1, 8.2, 9.2, 10.2, 11.2; judgment of 26 July 2005, para.158; Protection of Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, migrants, GARes.61/165, UNGAOR, 19 December Sociais e Culturais, nota supra 98, arts.4, 8.2; Banjul 2006, para.7; REZEK, José Francisco. Direito Charter, ibid., arts.6, 10, 11, 12.2, 14; Protocol No. Internacional Público: Curso Elementar, 8 ed., São 4 to the Convention for the Protection of Human Paulo: Saraiva, 2000, p.184-185. Rights and Fundamental Freedoms, securing 114 Universal Declaration of Human Rights, certain rights and freedoms other than those already GARes.217A(III), UNGAOR, 10 December 1948, included in the Convention and in the first Protocol art.3; Pacto de San Jose da Costa Rica, nota supra thereto, ETS 46, 16 September 1963, art.2.3; Carta 99, art.7; Pacto Internacional dos Direitos Civis e Árabe dos Direitos Humanos, ibid., arts.24.7, 30.1, Políticos, nota supra 98, art.9; Convenção Europeia 30.2, 32.2, 35.2. sobre Direitos Humanos, nota supra 98, art.5; African Charter on Human and Peoples' Rights, (Banjul Charter), OAUDoc.CAB/LEG/67/3 rev. 5, 27 June 1981, art.6[Banjul Charter]; Arab Charter on Human Rights, League of Arab States, 22 May 2004, art.14[Carta Árabe dos Direitos Humanos]. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
R M D I N I | 152
humanos com as necessidades razoáveis e
contestaram a decisão do Conselho Florestal
justificadas do interesse geral.116
Central Finlandês que autorizou a assinatura de
Esse mesmo imperativo reflete-se nas medidas econômicas adotadas pelo Estado para incentivar o seu próprio desenvolvimento. Apesar de permissíveis,117 tais medidas não estão dentro de uma margem discricionária plena
dos
Estados.
Os
mandamentos
um contrato com uma companhia privada, a Arctic Stone Company, em 1989, a permitindo extrair rochas numa área de dez hectares de extensão no flanco da Montanha EteläRiutusvaara, local tradicionalmente pertencente aos samis, onde eles pastoreiam suas renas.120
inafastáveis da humanidade devem ser lidos
Os samis alegaram que a região objeto
como a circunscrição do poder estatal para
do contrato é a única área remanescente na
perseguir
e
Finlândia onde se pode encontrar uma
econômicas. As dificuldades surgem em saber
população homogênea e sólida deste grupo
qual é o limite entre o que é permitido e o que é
étnico.121 A exploração das pedreiras e o
juridicamente reprovável.
transporte dos blocos rochosos iria perturbar as
suas
ambições
financeiras
Nesse liame, mister analisar o corpo decisório do Comitê de Direitos Humanos da ONU118, onde se defende que medidas econômicas que não negam completamente o exercício
de
direitos
fundamentais,
mas
produzem apenas impactos lesivos ao exercício de tais direitos não podem ser consideradas ilícitas.119 Um caso notável a citar é o Ilmari Länsman e outros v. Finlândia, decidido pelo Comitê, em 1994. Neste litígio, os autores, todos criadores de renas do grupo étnico sami,
116
HIGGINS ibid.; CANÇADO TRINDADE(1987), nota supra 99, p.40. 117 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DA ONU. Ilmari Länsman et al. v. Finland, Communication No. 511/1992, UNDoc.CCPR/C/52/D/511/1992 (1994), para.9.4[Länsman e outros v. Finlândia]. 118 O Comitê de Direitos Humanos da ONU é um órgão formado por dezoito especialistas independentes, cuja função é monitorar a implementação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos pelos Estados que o ratificaram.
suas atividades de criação de renas, além de danificar o complexo sistema de cercas que fora construído conforme as condições naturais da região para guiar os animais para áreas de pastoreio específicas.122 Apesar das práticas de abate das renas ter se modernizado a várias décadas, eles acrescentaram que a Montanha Etelä-Riutusvaara é um local sagrado para a antiga religião sami, onde, em tempos antigos, suas
renas
tradicional.
119
eram
abatidas
de
forma
123
Ibid.; COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DA ONU. Apirana Mahuika et al. v. New Zealand, Communication No. 547/1993, UNDoc.CCPR/C/70/D/547/1993 (2000), para.9.9; COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DA ONU. Ivan Kitok v. Sweden, Communication No. 197/1985, UNDoc.CCPR/C/33/D/197/1985 (1988). paras.9.2-9.3. 120 Länsman e outros v. Finlândia, nota supra 116, paras.2.1-2.3. 121 Ibid., para.2.5. 122 Ibid. 123 Ibid., para.2.6. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
R M D I N I | 153
Tendo em vista estes argumentos, o
atividades econômicas por parte de empresas
senhor Ilmari Länsman e seus coautores
privadas."128 (tradução livre) O alcance desta
solicitaram que o Comitê declarasse que o
liberdade estatal são as obrigações contraídas à
contrato com a Arctic Stone Company é ilegal,
luz do Direito Internacional dos Direitos
pois os privam do pleno direito de criar suas
Humanos, que no caso sub judicio se resumem
renas, elemento-chave da cultura sami e, em
ao artigo 27 do PIDCP.129
decorrência disso, protegido pelo artigo 27 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), que assegura, inter alia, o direito de manifestação cultural de minorias.124
Segundo o Comitê, o "artigo 27 determina que um membro de uma minoria não pode ter seu direito a cultura negado. Assim, medidas
que
impactam
em
intensidade
O Comitê observou, ab initio, que é
suficiente para negar o direito não serão
incontestado pelas partes que os autores são
compatíveis com as obrigações à luz do artigo
membros de uma minoria na acepção do artigo
27."130 (tradução livre) Em sentido contrário,
27: os samis.125 Como tal, eles têm o direito de
"medidas que têm um certo impacto limitado
desfrutar de sua própria cultura, que no caso em
sobre o modo de vida de pessoas pertencentes a
litígio seria a criação de renas.126 O Comitê
uma minoria não serão necessariamente
ressaltou que cultura não implica apenas os
equivalentes a uma privação [ilegal] do direito
aspectos tradicionais seculares de um grupo, de
assegurado pelo artigo 27."131 (tradução livre)
forma que, apesar da criação de renas na
O Comitê criou então um teste que analisa a
Finlândia ter se modernizado nas últimas
legalidade da medida econômica em questão
décadas, esta atividade econômica ainda pode
conforme a intensidade da sua intrusão no
127
ser considerada exercício de uma cultura.
exercício do direito humano: se esta medida
Assim, a criação de renas pelos samis
denega in totum ou de forma desproporcional o
representa sua cultura e, como tal, está
exercício do direito humano relevante, ela resta
protegida pelo artigo 27.
ilícita;
Posto este primeiro aspecto, faz-se necessário analisar a legalidade das medidas tomadas pela Finlândia. Na visão do Comitê, "[u]m
pode
se
provoca
mera
limitação/restrição, a medida econômica será considerada legal. Diante disso, a questão relevante no
compreensivelmente
caso em análise, seria saber se as atividades
encorajar o desenvolvimento ou permitir
econômicas perpetradas pela Arctic Stone
124
Estado
porém,
128 Ibid., para.3.1. Ibid., para.9.4 129 Ibid., para.9.2. Ibid. 126 130 Ibid. Ibid. 127 131 Ibid., para.9.3. Ibid. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015. 125
R M D I N I | 154
Company, tendo como lastro o contrato com a
não são suficientes para permitir restrições,
Finlândia, efetivamente negaram o exercício da
sendo necessário haver uma autorização
cultura sami, isso porque, baseando-se no teste
específica e individualizada referente ao direito
acima descrito, se tais medidas impactaram,
humano em questão, explicitando, se houver, as
mas não anularam o gozo de tais direitos, elas
condições exclusivas à limitação daquele.136
não podem ser consideradas ilícitas.132 Diante disso, depois de atestar que os samis foram consultados sobre a extração de rochas na região antes da assinatura do contrato com a Arctic Stone Company133 e que a criação de renas não foi e não seria negada em sua totalidade no futuro pelas atividades dessa companhia, o Comitê decidiu que o contrato é internacionalmente lícito.134
Além disso, restrições devem ser estabelecidas por via de lei,137 com vistas a constranger a arbitrariedade dos Estados e assegurar
previsibilidade
e
publicidade/acessibilidade àquilo que está sendo limitado pelas autoridades públicas138. Deve ser entendido por lei, as normas escritas aprovadas em órgãos legislativos competentes e também as regulações com hierarquia
Contudo, nota-se que o precedente do
inferior, desde que assegurem os elementos de
Comitê no caso Ilmari Länsman não lida com
previsibilidade e publicidade.139 Acredita-se
certos aspectos relevantes e imperativos no
que as leis impondo limitações também
tocante as limitações dos direitos humanos.
precisam exaurir aspectos materiais referentes
Primeiramente, limitações não podem ser
ao seu conteúdo,140 de forma que esses
implementadas quando os Estados meramente
instrumentos normativos "[...] devem ser
desejam, mas somente quando o tratado em
acessíveis às pessoas em questão e formulados
questão expressamente os autoriza.
135
Nesse
com precisão suficiente para permitir-lhes [...]
prisma, adverte-se que cláusulas gerais em
prever, com um certo grau de razoabilidade, as
tratados, afirmando que o exercício dos direitos
consequências que uma determinada ação pode
humanos ali positivados podem ser limitados,
implicar".141 (tradução livre).
132
Ibid., paras.9.4-9.5. 34[Maestri v. Italy]; CtEDH. Dogru v. France, Ibid., para.9.6. Application no. 27058/05, judgment 134 Ibid., paras.9.7-9.8. of 4 December 2008, para.49[Dogru v. France]; 135 CtIADH. The Word "Laws" in Article 30 of the CtEDH. N.F. v. Italy, Application no. 37119/97, American Convention on Human Rights, Advisory judgment of 2 August 2001, paras.26-29. 139 Opinion OC-6/86 of 9 May 1986, para.17[Parecer Dogru v. France, ibid, para.52. 140 Consultivo sobre a Palavra "Leis"]; HIGGINS, nota Maestri v. Italy, nota supra 137, para.30. 141 supra 114, p.281. CtEDH. The Sunday Times v. the United 136 Parecer Consultivo sobre a Palavra "Leis", ibid., Kingdom, Application no. 6538/74, judgment of 26 paras.17-18. April 1979, para.49[The Sunday Times v. the United 137 Ibid., paras.26-27. Kingdom]; CtEDH. Larissis and Others v. Greece, 138 CtEDH. Maestri v. Italy, Application no. Application no. 140/1996/759/958–960, judgment 39748/98, judgment of 17 February 2004, paras.33of 24 February 1998, para.40; CtEDH. Metropolitan Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015. 133
R M D I N I | 155
Essa exigência se faz necessária, porque "[...] seria contrário ao Estado de Direito, um dos princípios básicos de uma sociedade democrática [...], conceder uma margem
de
discricionariedade
legal
ao
executivo na forma de um poder ilimitado" 142 (tradução livre). Em decorrência disso, "[...] a lei deve indicar, com suficiente clareza, o alcance desse poder discricionário e o modo de seu exercício"143 (tradução livre). Outro ponto relevante a notar é o fato de que as limitações devem ser adotadas para promover o "bem-estar geral" ("general welfare").144 Ao lidar com esse critério, a Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu que o "bem-estar geral" nada mais é do um elemento macroscópico que engloba a "ordem pública" ("public order"), ou seja, a "ordem pública" é uma demanda do "bem-estar geral".145 Enquanto aquele conceito, a "ordem pública", pode ser definido como "[...] as
princípios,"146 (tradução livre) o "bem-estar geral" abrange: [...] as condições de vida social que permitem aos membros da sociedade alcançar o mais alto nível de desenvolvimento pessoal e a realização ótima dos valores democráticos. Nesse sentido, é possível conceber a organização da sociedade de modo a fortalecer o funcionamento das instituições democráticas e preservar e promover a plena realização dos direitos da pessoa humana como um imperativo do bem-estar geral.147 (tradução livre)
Cita-se
ainda
o
princípio
da
necessidade, segundo o qual as limitações devem ser necessárias para atingir o objetivo o qual elas se propõem.148 Apesar do critério da necessidade não exigir exclusivamente o que seria indispensável para alcançar este fim, o que criaria um patamar rigorosíssimo de exigência dos Estados, as restrições não podem assumir a forma de medidas apenas desejáveis, úteis ou razoáveis, sob pena de infringir a regra da necessidade.149
condições que asseguram o funcionamento
Diante disso, qual medida pode ser
normal e harmônico das instituições baseado
considerada necessária? A Corte Europeia de
em um sistema coerente de valores e
Direitos Humanos defende que os Estados
Church of Bessarabia and Others v. Moldova, Limitation and Derogation of Provisions in the Application no. 45701/99, judgment of 13 International Covenant on Civil and Political December 2001, para.109. Rights, UNESCOR, UNDoc.E/CN.4/1984/4 (1984), 142 Maestri v. Italy, nota supra 137, para.30; CtEDH. para.10[Princípios de Siracusa]. 149 Hasan and Chaush v. Bulgaria, Application no. Parecer Consultivo sobre a Prática de 30985/96, judgment of 26 October 2000, para.84. Jornalismo na Costa Rica, nota supra 96, para.46; 143 Ibid. CIJ. Oil Platforms (Islamic Republic of Iran v. 144 Parecer Consultivo sobre a Palavra "Leis", nota United States of America), [2003] ICJ Rep.225 supra 134, para.38. (Separate Opinion of Judge Simma), para.11; The 145 Parecer Consultivo sobre a Prática de Sunday Times v. the United Kingdom, nota supra Jornalismo na Costa Rica, nota supra 96, para.63. 140, para.59; CtEDH. Handyside v. the United 146 Ibid., para.64. Kingdom, Application no. 5493/72, judgment of 7 147 Ibid., para.66. December 1976, para.48[Handyside v. the United 148 Parecer Consultivo sobre o Muro na Palestina, Kingdom]. nota supra 78, para.136; Siracusa Principles on the Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
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possuem uma considerável, mas não ilimitada,
Além disso, nota-se que o princípio da
margem de apreciação para determinar o que
necessidade compreende também o elemento
seria necessário.150 Dessa forma, o legislador e
da proporcionalidade,153 de forma que a
o
ampla
limitação deve ser a medida menos intrusiva no
discricionariedade para aplicar e interpretar as
direito humano a ser restringido.154 Ademais,
suas leis, inclusive com o poder para
aplicando o precedente do Ilmari Länsman e
estabelecer
outros v. Finlândia, a essência do direito
juiz
limitações.
domésticos
o
que
seria
teriam
necessário
nas
151
Contudo, essa não nos parece ser a melhor definição. Adotar a tese da margem de apreciação exporia o indivíduo e seus direitos fundamentais a uma perigosa análise subjetiva pelos Estados no processo de limitação desses
fundamental a ser limitado jamais pode ser impedida.155
Portanto,
a
regra
da
proporcionalidade deve ser lida como um balanço entre o interesse legítimo que motivou a restrição e a proteção do direito humano em questão.156
direitos. Assim, concorremos com a Corte
Por fim, relevante destacar que as
Interamericana de Direitos Humanos, quando
limitações não podem ser impostas com
esta determina que as restrições permitidas,
propósitos ou sob uma forma discriminatória.157
segundo a máxima da necessidade, seriam
Nesse
aquelas adotadas para atender "um interesse
discriminação, uma conduta cuja proibição
governamental imperativo" ("a compelling
pertence ao universo do
governmental interest"),152 o que já limita o
compreende aqueles tratamentos diferenciais
espaço de manobra dos Estados ao adotar as
impostos a certa pessoa ou grupo baseado numa
restrições.
característica particular desse grupo ou pessoa,
prisma,
mister
destacar
que
a
jus cogens,158
sem uma motivação objetiva e razoável e com
150
The Sunday Times v. the United Kingdom, ibid., Comment n.27, CCPROR, para.59; Handyside v. the United Kingdom, ibid., UNDoc.CCPR/C/21/Rev.I/Add.9 (1999), paras.48-49. para.14[General Comment n.27]; Parecer 151 Ibid. Consultivo sobre a Prática de Jornalismo na Costa 152 Parecer Consultivo sobre a Prática de Rica, nota supra 96, para.46. 156 Jornalismo na Costa Rica, nota supra 96, para.46. Dogru v. France, nota supra 137, para.66. 153 157 CIJ. Oil Platforms (Islamic Republic of Iran v. General Comment n.27, nota supra 154, para.18; United States of America), [2003] ICJ Rep.225 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DA ONU. (Separate Opinion of Judge Higgins), para.48. General Comment n.22, CCPROR, 154 Parecer Consultivo sobre o Muro na Palestina, UNDoc.CCPR/C/21/Rev.1/Add.4 (1993), para.8; nota supra 78, para.136; Princípios de Siracusa, COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DA ONU. nota supra 147, para.11; Parecer Consultivo sobre a General Comment n.28, CCPROR, Prática de Jornalismo na Costa Rica, nota supra 96, UNDoc.CCPR/C/21/Rev.1/Add.10, (2000), para.46. para.21. 155 158 Princípios de Siracusa, ibid., para.2; COMITÊ Opinião Consultiva sobre os Migrantes Ilegais, DE DIREITOS HUMANOS DA ONU. General nota supra 78, para.121. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
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o propósito ou efeito de prejudicar o pleno
A privação total do exercício de
exercício de seus direitos humanos.159 Frisa-se
direitos humanos, apesar de permissível por
ainda que o conceito de discriminação também
meio das derrogações,163 só pode ocorrer
indireta",160
quando expressamente autorizada em tratado
entendida como toda "[...] lei ou prática que,
internacional e somente de forma a afetar
embora redigida em termos neutros, tem efeitos
direitos permitidos, sabendo que há alguns
particularmente prejudiciais à um grupo
inderrogáveis, tais como o direito à vida, à
abarca
a
específico".
"indiscriminação
161
Em outras palavras, constitui
liberdade religiosa e a proibição de tortura.164
uma situação fática que, apesar de ter sido
Tais
estabelecida
intenção
somente em circunstâncias muito excepcionais,
prejuízos
que assumem a forma de emergências públicas
desproporcionais a um certo grupo específico,
sérias,165 tais como guerras, perigo público e
por ser incapaz de se moldar às peculiaridades
calamidades.166 Na falta destas, os Estados só
desse grupo, lesionando os direitos e garantias
podem restringir/limitar o exercício dos direitos
sem
discriminatória,
qualquer provoca
fundamentais de seus membros. Depois
de
vencidos
162
todos
derrogações
podem
ser
executadas
humanos, sabendo que os limites acima esses
descritos são soberanos.167
critérios vinculantes, medidas econômicas
Assim, a mera persecução de interesses
tomadas com fulcro em tratados comerciais
comerciais e econômicos, ainda quando
internacionais podem assumir a forma de
fundada em tratado comercial internacional,
restrições legais de direitos humanos, o que lhes
não pode ser usada para frustrar o pleno
garantiria o poder de frustrar, de forma apenas
exercício de direitos humanos, vez que não
parcial,
configuram emergências públicas graves a fim
o
individuais.
exercício
de
certos
direitos
de autorizar uma derrogação. Mister notar, por fim, que a mera presença de dificuldades
159
163 CtEDH. Okpisz v. Germany, Application no. Pacto de San Jose da Costa Rica, nota supra 98, 59140/00, judgment of 25 October 2005, paras.27art.27; HIGGINS, nota supra 114, p.281; CtIADH. 33. Habeas Corpus in Emergency Situations (Arts. 160 COMITÊ DA ONU SOBRE OS DIREITOS 27(2) and 7(6) of the American Convention on ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. Human Rights), Advisory Opinion OC-8/87 of 30 General Comment No.20, CESCROR, January 1987, para.18. 164 UNDoc.E/C.12/GC/20, (2009), para.10. Princípios de Siracusa, nota supra 147, para.58. 161 165 CtIADH. Case of Artavia Murillo et al. v. Costa Ibid. 166 Rica, Judgment of 28 November 2012, Ibid., para.39. 167 para.286[Artavia Murillo et al. v. Costa Rica]; Parecer Consultivo sobre a Prática de CtEDH. Hugh Jordan v. United Kingdom, Jornalismo na Costa Rica, nota supra 96; Parecer Application no. 24746/94, judgment of 4 May 2001, Consultivo sobre a Palavra "Leis", nota supra 134, para.154. para.14. 162 Artavia Murillo et al. v. Costa Rica, ibid. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015.
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econômicas per se não justificam a imposição
imperativo hermenêutico segundo o qual,
de derrogações.168
dentre as várias interpretações possíveis no bojo de uma certa norma, aquela a ser escolhida será a mais favorável ao homem.
5 Conclusão Tratados comercias trazem regulações Não há dúvida que "[n]o direito
voltadas ao interesse dos Estados e, por isso,
internacional, há uma forte presunção contra o
possuem
conflito normativo. Interpretação de tratados é
normativo internacional, que é concebido, em
diplomacia, e é o negócio da diplomacia evitar
última instância, para proteger a pessoa
ou atenuar conflitos."169 (tradução livre)
humana.171 É desarrazoado acreditar que
Contudo, de forma inexorável, a fricção entre
interesses comerciais podem ser aplicados para
normas é inevitável no Direito Internacional,
subjugar o exercício de direitos humanos em
sendo cabível ao intérprete solucionar tais
sua totalidade, pois os próprios direitos da
conflitos.
pessoa humana são os limites do poder estatal.
Como
bem
defende
Cançado
lugar
secundário
no
sistema
Trindade e o internacionalista italiano Natalino Não obstante, os direitos humanos não
Ronzitti, é dever de qualquer jurista, em caso de dúvida
sobre
a
aplicação
das
normas
internacionais, esclarecer estas incertezas e nunca perpetuá-las, como a única maneira de efetivamente trazer justiça para o processo de resolução de litígios.170
possuem seu exercício completamente imune os interesses da coletividade e dos Estados, inclusive os comerciais. Os Estados podem executar medidas de cunho econômico que possuem efeitos prejudiciais ao pleno exercício de direitos fundamentais, desde que os critérios
Essa tensão normativa se encontra
para
a
imposição
de
limitações
sejam
presente nos pontos de choque entre as regras e
estritamente
princípios dos direitos humanos e do Direito
condições diz respeito a impossibilidade de
Comercial Internacional. A fim de solucionar
negar a essência do direito objeto da restrição.
estes casos difíceis, o magistrado deve aplicar o
A suplantação absoluta do gozo de tais direitos
princípio da prevalência da norma mais
só tem lugar em situações de extrema
favorável à proteção humana (princípio pro
excepcionalidade, como guerra, perigo público
respeitados.
Uma
dessas
homine), que constitui nada mais do que um
168
Princípios de Siracusa, nota supra 147, para.41. NATO Bombing against the Federal Republic of Relatório da CDI de Abril de 2006, nota supra 2, Yugoslavia Acceptable?", International Review of para.37. Red Cross, No.840, 2000, 1017, p.1020. 170 171 Opinião do Juiz Cançado Trindade no Caso das Opinião do Juiz Cançado Trindade no Parecer Usinas de Celulose, nota supra 33, para.193; Consultivo sobre Assistência Consular, nota supra RONZITTI, Natalino. "Is the Non Liquet of the Final 80, paras.3-4; Prosecutor v. Furundzija, nota supra Report by the Committee Established to Review the 79, para.183. Revista Mineira de Direito Internacional e Negócios Internacionais (RMDINI), v. 2, n. 1, jan./jun. 2015. 169
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ou outra emergência que coloca em risco a
comerciais não se encontra neste rol, não sendo,
independência ou a segurança do Estado em
assim, justificativa válida para privar o
questão. A mera persecução de interesses
exercício integral de direitos fundamentais.
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