Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

May 31, 2017 | Autor: Paulo Pereira | Categoria: Cinema, Cinematography
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Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)  Postado por: Paulo Pereira   in Críticas   26 de janeiro de 2015   0

Paulo Júnior Em 1989 foi lançado um dos filmes mais lucrativos da história do cinema mundial: Batman, de Tim Burton. Uma das polêmicas envolvendo a produção foi a escalação de Michael Keaton para o papel principal, já que este  se  destacava  mais  em  comédias  do  que  em  dramas.  Keaton  conseguiu  destaque  internacional, tonando­se  uma  celebridade,  e  três  anos  depois  estreou  a  continuação  do  longa­metragem,  Batman:  O Retorno, também dirigido por Burton. O  filme  obteve  um  grande  sucesso  de  bilheteria  e  a  produtora  Warner  Bros.  decidiu  realizar  outro  filme, dessa vez sem Burton na direção. Após ler o roteiro da nova produção, Keaton recusou o papel, pois não havia gostado do enredo. Assim, em 1995, estreou Batman Eternamente,  dirigido  por  Joel  Schumacher  e tendo como protagonista Val Kilmer. Desde então, Keaton caiu no ostracismo, sem nenhuma participação relevante no cinema. A  tragicomédia  Birdman  ou  (A  Inesperada  Virtude  da  Ignorância),  do  mexicano  Alejandro  González Iñarritu  mostra  os  bastidores  e  o  processo  de  uma  obra  teatral  na  Broadway,  dirigida,  adaptada  e protagonizada  por  Riggan  Thomson  (Keaton),  um  ator  hollywoodiano  fracassado  que  no  passado  viveu  o super­herói Birdman e que, após recusar protagonizar o quarto filme da franquia, é esquecido pela mídia e pela indústria cinematográfica. Tentando retomar sua carreira, Riggan aposta alto em sua peça, composta pelos atores Mike Shiner (Edward Norton), Lesley (Naomi Watts) e Laura (Andrea Riseborough).

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Além dos problemas referentes à peça, Riggan tem que enfrentar­se, constantemente, com seu produtor Brandon  (Zach  Galifianakis),  com  sua  filha  problemática  Sam  (Emma  Stone),  com  sua  ex­mulher  Sylvia (Amy  Ryan),  com  a  crítica  teatral  mal­humorada  Tabitha  Dickinson  (Lindsay  Duncan)  e,  como  se  não bastasse, com seu alter­ego, a personagem Birdman, que questiona suas decisões. Percebe­se,  então,  que  a  trajetória  de  Riggan  e  Keaton  assemelha­se,  dando  a  entender  que  o  filme  de González  Iñárritu  é  uma  sátira  à  carreira  de  Michel,  entretanto,  a  obra  traz  elementos  mais  profundos. Primeiramente, Birdman é o ponto de inflexão do cineasta mexicano, que nunca se aventurou pelos lados da  comédia  (González  Iñárritu  dirigiu,  anteriormente,  grandes  dramas  como  Amores Brutos,  21  Gramas, Babel e Biutiful). Muitos críticos rotulam essa produção como comédia, eu, por um lado, classifico­a como uma tragicomédia, pelos elementos apresentados, apesar de que a rotulação de uma obra artística é uma das muitas críticas apresentadas no longa­metragem. Segundo,  o  filme  explora  magistralmente  a  metalinguagem  cinematográfica,  algo  semelhante  ao  incrível Adaptação  (2002),  de  Spike  Jonze  e  roteirizado  por  Charlie  Kaufman.  Esse  recurso  está  desde  as familiaridades existentes na trajetória das personagens e dos atores (o caso de Riggan/Keaton, em relação ao  sucesso  meteórico  e  o  fracasso,  e  também  o  caso  de  Shiner/Norton,  ambos  geniais,  mas  que  são

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difíceis  de  trabalhar),  até  a  introdução  de  uma  personagem  tocando  bateria  no  meio  da  rua,  enquanto pensamos que o som estava exclusivamente em off. Terceiro, há uma intensa crítica à indústria cinematográfica, às relações de Hollywood com a Broadway, e também  o  papel  do  próprio  crítico,  seja  o  de  cinema  ou  o  de  teatro,  ou  qualquer  outra  manifestação artística.  Em  relação  ao  primeiro  item,  constantemente,  observamos  no  longa­metragem  um  comentário ácido em relação aos filmes de ação e de super­heróis e sua relação com filmes mais sérios e artísticos. Essa questão é refletida na fala de Birdman a Riggan, durante um dos muitos delírios do ator, quando diz: “Dê  às  pessoas  o  que  elas  querem.  Algum  filme  pornô  apocalíptico  à  moda  antiga.  ‘Birdman,  a  Fênix Ressurge’. (…). O mundo inteiro garantido. Você é maior que a vida, cara. Você salva o povo de suas vidas chatas e miseráveis. Você os faz pular, rir, sujarem as calças. (…). Armas pesadas, tanques, mísseis. Olhe para  eles,  para  os  olhos  deles…  Eles  estão  brilhando.  Eles  amam  sangue,  amam  ação.  Nada  dessa conversa depressiva e filosófica. (…) E da próxima vez que você gritar, irá explodir no tímpano de milhões de pessoas. Brilhará em milhares de telas ao redor do mundo”. Os  dois  outros  itens  estão  relacionados,  pois  o  fato  de  atores  hollywoodianos  atuarem  em  peças  da Broadway é mal visto pela crítica, pois consideram que essas atividades não são artísticas, mas comerciais, destinadas  a  um  pequeno  grupo  de  celebridades,  sem  técnica,  inexperientes  e  sem  nenhuma  qualidade. Essa visão é reproduzida no filme através dos comentários de Tabitha, que está destinada a acabar com a peça de Riggan, visto por ela como a autopromoção de uma celebridade fracassada. É nesse ponto que entra a crítica aos críticos cinematográficos ou teatrais. Acredito que seja nesse exato momento que González Iñárritu (e também os outros roteiristas) expressa sua opinião em relação a esses profissionais. Na cena em que Riggan discute com Tabitha, este a questiona sobre seus comentários acerca das  peças  teatrais,  apontando  em  seu  texto  chavões,  comparações  infundadas,  a  ausência  de  opiniões sobre  técnicas,  estruturas  e  intensidade,  e  também  o  problema  de  sempre  rotular,  tanto  estilos  quanto pessoas. A seguir, Riggan indaga Tabitha sobre o quanto custou a ela àquela obra teatral, concluindo que não havia custado nada (qual artista não sente vontade de dizer isso a um crítico?). Quarto,  a  construção  das  personagens  nesse  filme  é  fantástica.  O  protagonista  (Riggan)  vive  uma  crise identitária e existencial, questionando o real e criando um mundo fictício (isso pode ser constatado através da voz de seu alter­ego e de imagens de cometas cruzando o céu). Mas essa crise não é apenas de Riggan, mas perpassa a todas as personagens: Sam, uma garota problema que tem uma vida deslocada; Mike, que leva uma vida patética (com sua grosseria e arrogância) e desloca para a arte toda sua frustração; Lesley, uma  atriz  insegura  que  questiona  sua  profissão  e  suas  relações  amorosas;  e  Laura,  que  demonstra  uma paixão imensa por Riggan, mas é desprezada por ele. Esses conflitos identitários/existenciais formam parte da  maioria  das  personagens  existentes  nos  filmes  de  González  Iñárritu,  destacando  21 Gramas,  Babel  e Biutifil. A interpretação do elenco está formidável, com destaque para Keaton, que certamente levará a estatueta do  Oscar  na  categoria  de  melhor  ator,  Norton  e  Stone.  Watts  e  Galifianakis,  apesar  de  seus  papéis secundários, brilham diante das câmeras. Resumindo, todos os atores têm seus momentos no decorrer do filme,  e  isso  engradece  ainda  mais  a  obra.  Dessa  forma,  o  longa­metragem  não  é  nada  mais  que  um tributo aos atores e todas as manifestações artísticas. A parte técnica é um dos pilares essenciais do filme. Utilizando longas tomadas (um mecanismo utilizado por outro cineasta mexicano, Alfonso Cuarón, em seu filme Gravidade), dando a impressão de um plano­ sequência  (algo  semelhante  ao  clássico  Festim  Diabólico,  de  Alfred  Hitchcock),  tendo  uma  fotografia impecável,  mérito  de  Emmanuel  Lubezki,  e  prendendo  o  espectador  através  do  som  de  uma  bateria eletrizante, proporcionada por Antonio Sanchez, o filme de González Iñárritu é uma obra de arte intocável que  apresenta  distintos  temas  para  a  reflexão  do  espectador.  Não  é  um  filme  fácil  de  entender,  mas  é nesse  ponto  que  está  o  seu  mérito,  pois  exige  que  o  espectador  não  apenas  “compre”  as  mensagens trazidas pelo longa­metragem, mas que pense e medite mais com as informações levadas a ele. O  amor  à  arte,  as  disputas  proporcionadas  pelo  ego,  os  dilemas  existenciais/identitários,  as  ações impulsivas e as consequências imediatas, a necessidade de superação e a redenção compõe a inesperada virtude da ignorância (entendida como um rito de passagem importantíssimo na trama).

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) – Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance) Ano: 2014 Direção: Alejandro González Iñárritu. Roteiro: Alejandro González Iñárritu, Alexander Dinelaris, Armando Bo, Nicolás Giacobone. Elenco principal: Michael Keaton, Edward Norton, Emma Stone, Naomi Watts, Zach Galifianakis. Fotografia: Emmanuel Lubezki. Gênero: Drama, Comédia. Origem: Estados Unidos.     Veja o trailer:

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SOBRE PAULO PEREIRA Natural de Porto Ferreira, interior de São Paulo, é bacharel em História­América Latina pela Universidade Federal da Integração Latino­Americana (UNILA) e mestrando em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Cinéfilo assumido, iniciou sua paixão pela sétima arte após assistir aos grandes clássicos do cinema estadunidense. A partir de um olhar crítico, busca analisar a estética, a qualidade técnica, a posição político­ideológica dos autores (roteiristas, produtores e cineastas) e a visão sócio­política existente no mercado cultural cinematográfico.

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