BLINK: Pensar sem Pensar

September 15, 2017 | Autor: Idalina Correia | Categoria: Filosofía, Psicología, Filosofia da Mente
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1. No início era a conclusão: o efeito BLINK. ……………….. 3
2. Age duas vezes antes de pensar ………………………….. 4
3. Julgar o júri que julga ……………………………………….. 6
4. Como aprender com o BLINK ……………………………… 7

Bibliografia ………………………………………………………. 9




























1. No início era a conclusão: o efeito BLINK.

É relativamente comum ouvir alguém dizer; - Acordei com uma sensação estranha e vi logo que o dia me ia correr mal. – Não sei explicar mas não vou com a cara daquela pessoa. – Mal entrei na sala senti que a entrevista de emprego me ia correr bem e que ia conseguir o lugar. – Não sei o que me passou pela cabeça naquele momento, nem sei o que disse, mas é certo que o problema acabou por se resolver. – Levava tudo pensado, ensaiei o discurso mil vezes ao espelho, experimentei todos os ângulos e todas as variações possíveis, mas, naquele instante, tudo deixou de fazer sentido. São afirmações rápidas e assertivas, fruto de um pensamento instintivo ou de uma intuição. E tão frequentes que dificilmente nos detemos a pensar numa explicação para elas.
Sempre me causou alguma estranheza esta capacidade de concluir ou de tirar ilações em excesso de velocidade. Muitas vezes as pessoas definem-nos de forma instantânea, sem saber nada de nós e atribuem-nos rótulos tão curiosos como: - assim à primeira vista calculei que preferisse Platão a Aristóteles, que gostasse mais do campo do que da praia, mais do verso Alexandrino do que da redondilha maior, que fosse mais do género de Dostoievsky do que de P. K. Dick…!!
Não sei exatamente quanto tempo é preciso para ter uma primeira impressão sobre os meus alunos na primeira aula do ano. O certo é que obtenho um conhecimento instantâneo sobre eles, num breve período de tempo. É uma avaliação que se processa de modo inconsciente mas implica reunir informação, analisar essa informação e extrair uma conclusão. Para o bem e para o mal, o certo é que, depois de um ano de aulas, mantenho parte substancial da apreciação feita nos primeiros instantes da primeira aula. A turma A é tensa e contida. A turma B é descontraída e desprendida. Aquela aluna é determinada. Aquele parece interessado e curioso. Alunos que parecem querer esconder-se do mundo, outros têm imensa pressa ou parecem impacientes.

Pensar corretamente é tirar conclusões válidas. Os processos cognitivos subjacentes são complexos e intrincados. Como é possível, então, que possamos pensar sem pensar? Em que consiste esta cognição inconsciente que se processa num abrir e fechar de olhos? Quanto tempo demora? Que significado tem para as nossas vidas e para o nosso processo de tomar decisões?

Malcom Gladwell, escritor e colaborador da revista, The New Yorker, publica em 2005, o livro, Blink, the power of thinking without thinking sobre essa espécie de cognição rápida, sobre o pensamento que ocorre num abrir e fechar de olhos, sobre o Blink. Ao longo do trabalho entrarei muitas vezes em diálogo com as ideias que Gladwell apresenta no seu livro porque este constituiu o ponto de partida para as reflexões que fiz acerca do significado epistemológico do Blink e acerca das implicações possíveis na prática educativa e no ensino.



2. Age duas vezes antes de pensar

Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça (…)
Aja duas vezes antes de pensar.
Letra da canção, Bom Conselho, de Chico Buarque



Nas últimas décadas têm-se multiplicado estudos e pesquisas no domínio da psicologia e, mais concretamente, da psicologia social, sobre o BLINK. O facto de nos acontecer tomar decisões muito rápidas que antecedem o fluxo do pensamento consciente ou de sermos capazes de avaliar os outros, os factos e as situações no contexto de uma primeira impressão, não é despiciente para a compreensão da mente humana e dos nossos comportamentos. Em 1992, a psicologia social, Nalini Ambadi, da Universidade de Stanford, nos EUA, inaugura a investigação académica sobre o pensamento das primeiras impressões, o qual denomina de THIN SLICING. O termo designa os julgamentos rápidos que se fazem a partir de quantidades mínimas de informação, num processo inconsciente que acontece num período muito breve de tempo. Foram realizadas diversas experiências para demarcar esse período de tempo. Verificou-se que durante os primeiros cinco minutos, as reações e as inferências são muito distintas das produzidas após esse tempo. Esses cinco minutos parecem corresponder a uma fatia de pensamento com propriedades muito particulares e essencialmente estáveis.
Nalini Ambadi, numa experiência que tinha o objetivo de determinar quanto tempo é que os alunos necessitam para avaliar da eficácia dos seus professores a ensinar, pôde concluir que dois segundos são o quanto basta. Numa primeira fase, mostrou três vídeos de dez segundos a um grupo de estudantes e descobriu que eles não tinham dificuldade em fazer uma avaliação da eficácia dos professores. Depois, cortou os vídeos para apenas metade do tempo e o resultado foi idêntico. Quando experimentou apresentar aos alunos apenas dois segundos do vídeo, verificou, ainda assim, os mesmos resultados. De seguida, comparou as avaliações instantâneas dos estudantes acerca de professores com as opiniões dos alunos desses professores no final de um semestre de aulas e verificou que eram muito parecidas. Assim, uma pessoa que observa um vídeo mudo com a duração de dois segundos, que mostra um professor que não conhece chegará às mesmas conclusões que um aluno que frequentou as suas aulas durante um semestre inteiro. (Gladwell, 2005:20)
Que poder é este? Como é que apreciações tão ínfimas, como as feitas pelos alunos aos professores, podem revelar-se uma boa maneira de compreender o mundo?
Estudos sobre o cérebro humano e sobre o nosso funcionamento neurológico atestam que exista uma parte responsável, o inconsciente adaptável, que nos permite a tomada de decisões rápidas e "quase" instintivas perante as mais diversas situações. Como decidir rapidamente sobre o que fazer quando atravesso a estrada e se aproxima um enorme camião que não tinha visto. O termo é oriundo da psicologia cognitiva e designa justamente o conjunto de processos mentais que influenciam os nossos julgamentos e as nossas tomadas de decisão. No artigo, Knowing When To Ask: Introspection and the Adaptive Unconscious, Timothy D. Wilson, faz um ponto de situação sobre os limites da introspeção, do conhecimento explícito e da consciência:

"1. Consciousness is a small part of human functioning, even smaller than the 'tip of the iceberg' Freud imagined. There is a pervasive set of mental processes that can be referred to as an adaptive unconscious, adaptive in the sense that these processes are vital to human survival.
2. One view of the mind is that low-level processes such as those involved in perception are nonconscious, whereas higher-order thinking and information processing are reserved for consciousness. According to this view, consciousness is the chief executive of the mind, setting policy and making major decisions, while nonconscious modules carry out more mundane mental tasks. This view has become untenable, however, as more and more research (largely by social psychologists) demonstrates the power and scope of nonconscious processes. Bargh and Chartrand (1999), for example, argue persuasively that mental processes previously thought to be the function of consciousness, such as the implementation of goals and the evaluation of one's experiences, often occur nonconsciously. The exact terrain of what people cannot access consciously continues to be mapped, but as the lines are redrawn, more and more mental territory is being allocated to nonconsciousness — so much so that some have argued that consciousness is a vastly overrated commodity, and that our very sense of having consciously willed our actions is often an illusion (Wegner, 2002)." (Wilson, 2003: s/p)

O conceito de inconsciente adaptável não deve confundir-se com o conceito freudiano de inconsciente por razões de diversa ordem. A distinção essencial reside no facto do inconsciente adaptável ser um conceito funcional que descreve os mecanismos de processamento de informação e cognitivos que nos são indispensáveis enquanto seres humanos. Tudo indica que a sua explicação possa residir nos nossos mecanismos de adaptação e de evolução. A nossa sobrevivência enquanto espécie, se refletirmos um pouco, terá dependido enormemente da rapidez de uma tomada de decisão em contextos de parca informação. Escapar a um animal feroz, decidir o que fazer numa luta ou encontrar formas de sobreviver à fúria dos elementos, descobrir rapidamente padrões no meio-ambiente.
Somos educados, em grande medida, a evitar agir sem pensar. Pais e educadores demonstram que o ideal será pensar duas vezes antes de tomar uma decisão. A introspeção, a ponderação das variáveis, o critério, a reflexão são valorizadas em detrimento dos ímpetos e da instintividade. Gladwell descreve uma experiência de avaliação da competência dos médicos a partir da visualização de registos de breves conversas entre um médico e os pacientes. Os resultados são inacreditáveis na medida em que parecem demonstrar que não existe a correlação que se esperava entre a análise das credenciais e o exame da experiência clínica. E, que, pelo contrário, é elevada a possibilidade de se obter uma previsão certa acerca da competência de um médico a partir de uma amostra de uma conversa. (Gladwell, 2005: 47)
O trabalho de trazer à luz os processos inconscientes que influenciam e condicionam as nossas atitudes, comportamentos e forma de estar, ironicamente, tem servido para alargar as fronteiras do território do inconsciente. O que nos poderá levar a colocar a questão, como fez Wilson, sobre se a consciência será apenas uma comodidade muito sobrevalorizada. (cf. Wilson, 2003)


3. Julgar o júri que julga

O filme americano, THE RUNNAWAY JURY, de 2003 é um thriller que se passa nos corredores dos tribunais. É muito interessante por vários aspetos mas recordo-me que mostrava muito bem como é que as grandes empresas contratam consultores e especialistas para controlar todos os detalhes dos processos jurídicos de que são alvo. Em particular, este filme, mostra o casting de jurados e a respetiva seleção da composição final do júri. A empresa de consultoria contratada monta, com enorme aparato, uma vigilância cerrada aos membros do júri. Regista em vídeo todos os detalhes do seu comportamento desde que entram na sala de audiências. São analisados à escovinha, os traços do rosto, as suas mais ínfimas variações, os seus gestos, os olhares, as oscilações da voz. A ideia que preside a esta forma de atuar é, naturalmente, a de que se pode conhecer algo de importante e decisivo sobre as pessoas através de uma espécie de retrato robot a três dimensões e de curta duração. E, de que, para obter um conhecimento realmente fidedigno que possa assegurar o cumprimento dos objetivos suspeitos a que se propuseram, não basta investigar a vida e o passado das pessoas.
Quando um professor entra na sala de aula está também a ser o epicentro de muitas linhas de pensamento impensado, está a fornecer uma quantidade gigantesca de válvulas que fazem despoletar ou que acionam as estratégias inconscientes dos alunos. Está ali a meio de todos os BLINKS. Os BLINKS acabarão por gerar um conhecimento por reflexo anterior ao reflexivo. O processo inverso também ocorre. Em que medida e que percentagem de BLINK leva consigo o professor para o momento das avaliações do desempenho dos alunos? Depois das aulas, os alunos mantém ou não, e em que medida, a avaliação instantânea que fizeram nos primeiros momentos de contacto? Estou convicta de que um estudo sério sobre este fenómeno possa revelar-nos dados fundamentais sobre o que significa ensinar e transmitir conhecimento. Pode acrescentar mais conhecimento ao conhecimento, desde logo. Mas pode, o que me parece realmente fundamental, mostrar outras vias e formas de ação pedagógica porque permitirá circunscrever o que realmente está presente e influencia as nossas decisões, a nossa forma de estar e de pensar e o nosso entendimento sobre as coisas.

4. Como aprender com o BLINK
Para além do estudo dos mecanismos cognitivos, da perceção e do processamento de informação da mente humana e da velocidade galopante com que se tem desvendado a arquitetura neurológica do nosso cérebro, têm vindo a ser realizadas experiências e estudos de casos com contributos decisivos para a nossa maneira de pensar o pensamento da primeira vez. Gladwell elenca uma série fascinante de testes, de questionários e de experiências de todo o género que visam delimitar seriamente a questão.
Decidir num piscar de olhos, ou o BLINK é um processo de pensamento inconsciente. Falar de pensamento inconsciente não é anódino do ponto de vista das conceções vigentes e dominantes sobre a racionalidade dos seres humanos. E contém algo de subversivo se considerarmos as testes fortes da razão, pura e imaculada, abstrata e apriorística oriundas do iluminismo e ainda hoje prevalecentes. Encerra, desde logo, uma contradição: pensar e não pensar, consciência e não consciência num só processo e num ápice!
As implicações do BLINK na nossa vida e nas representações que temos sobre ela não são sempre positivas. Há precipitação e impulso em tomadas de decisão que carecem de maior esclarecimento e de trabalho árduo de ponderação e de reflexão. Todos nos referimos a situações em que lamentamos o facto de não ter sido possível pensar um pouco mais sobre o assunto. No entanto, creio que desmistificar estes processos subterrâneos que nos levam a agir e que intervêm nas decisões que tomamos, nos pode fornecer instrumentos para a compreensão da mente humana. Sendo este um pressuposto central da definição de modelos educativos, tenho enormes expectativas na investigação a realizar sobre o BLINK e o pensamento sem pensar ou a decisão que é feita num piscar de olhos.












BIBLIOGRAFIA
Ambady N.; Rosenthal R. (1992). Thin slices of expressive behavior as predictors of interpersonal consequences: A meta-analysis. Psychological Bulletin, Vol 111(2), Mar 1992, 256-274;

Gladwell, M. (2005). Blink: decidir num piscar de olhos. Lisboa. Publicações D. Quixote;

Wilson T. D. (2003). Knowing When to Ask: Introspection and the Adaptive Unconscious. Journal of Consciousness Studies, 10. No. 9–10, 2003, pp. s/s. Acedido na web em http://people.virginia.edu/~tdw/journal.of.cons.studies.pdf

Winerman, L. (2005) 'Thin slices' of life. Monitor on Psychology. American Psychological Association. Março de 2005. Vol. 36, Nº 3, 54;






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