BLOGS E AS IMPLICAÇÕES DA VISIBILIDADE EM DOMÍNIO DIGITAL.pdf

May 31, 2017 | Autor: Rita de Cássia | Categoria: Discourse Analysis, Blogs, Blogging, Foucault power/knowledge - discourse, Visibility/invisibility
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Disponível em< http://www.uesc.br/cursos/graduacao/licenciatura/letras/proeda/arquivos/anais_iiisediar_20 16.pdf>. P. 4080-90.

BLOGS E AS IMPLICAÇÕES DA VISIBILIDADE EM DOMÍNIO DIGITAL1

Rita de Cássia S. Santos Mestre em Letras pela Universidade Federal de Sergipe Resumo O momento presente caracteriza-se por um discurso que enfatiza um ideal de liberdade incondicional. O sujeito, na contemporaneidade, transita por redes sociais como se, no domínio digital, tudo lhe fosse permitido. Abundam vídeos caseiros com temáticas variadas e produções em que qualquer um pode ser humorista, ator ou consultor. Abundam blogs em que qualquer um pode dar conselhos como um psicólogo ou compartilhar experiências de vida. Entretanto, se por um lado, o âmbito digital proporciona essa sensação de liberdade irrestrita, por outro, a visibilidade dada ao sujeito possibilita a utilização de diversificados mecanismos de controle. Cria-se, dessa forma, um contrassenso à naturalização do ideário de liberdade irrestrita de expressão tão caro aos usuários de redes sociais, sites e blogs. A fim de comprovar essa proposição, numa perspectiva da Análise do discurso, tomo os conceitos foucaultianos de panoptismo e comentário (FOUCAULT, 2009) aplicados aos blogs.

Palavras-chave: Visibilidade. Blog. Controle. Discurso.

Abstract The present moment is characterized by a discourse that emphasizes ideal of unconditional freedom. The subject, in contemporary times, uses social networks as if, in the digital domain, everything was allowed. There are lots of home videos with various themes and productions in which anyone can be humorist, actor or consultant. There are lots of blogs where anyone can give advice as a psychologist or share life experiences. However, if on one hand, the digital domain provides the feeling of unrestricted freedom, on the other, the visibility given to the subject enables the use of various control mechanisms. This is contrary to naturalization of the unrestricted freedom idea, so dear to the users of social networks, websites and blogs. In order to prove this proposition, from the perspective of discourse analysis, I take the Foucault's concepts of panopticism and comment (Foucault, 2009) applied to blogs.

Keywords: Visibility. Blog. Control. Discourse.

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Uma versão deste texto foi apresentada no 3º ENPOLE.

Introdução Vivemos um tempo em que a visibilidade se coloca como algo primordial. Não nos basta ser conhecidos nos ambientes familiares, escolares ou de trabalho; queremos abraçar o mundo e para isso uma multiplicidade de aparatos tecnológicos se põe a nosso dispor. O domínio digital, com seus sites, blogs, redes sociais, amplia nossas possibilidades de abrangência espacial, além de intervir em nossa relação com o tempo e com o outro. Ultrapassamos uma necessidade primeira de identificação com os famosos; queremos nós ser celebridades. A facilidade de acesso proporcionada pelo desenvolvimento da internet móvel e dos recursos multiplataforma potencializou um discurso que prega a liberdade de expressão incondicional ao navegar no domínio digital. Cria-se um contrassenso, contudo, se pensarmos no monitoramento constante que o estar on-line implica. Com o objetivo de comprovar essa proposição, numa perspectiva da Análise do discurso, traço uma breve caracterização do blog, em seguida, parto dos conceitos foucaultianos de panoptismo e comentário (FOUCAULT, 2009a, 2009b) e discorro sobre visibilidade, controle e poder no domínio digital com o propósito de mostrar que, embora essa tão almejada visibilidade pressuponha uma liberdade de expressão irrestrita, esta é aparente quando consideramos a gama de mecanismos de controle que comporta. 1. A visibilidade através do escrito: os blogs Weblog – contração de web log, que uns traduzem por arquivo na rede, outros por diário virtual, diário eletrônico ou ainda diário de bordo - é uma página eletrônica originalmente feita para funcionar como lista para acessar outras páginas da web; similar ao site, mas que, ao contrário deste, não exige conhecimentos específicos da linguagem de programação para ser editada e, na maioria das vezes, pode ser feita gratuitamente. Vários softwares para publicação de textos on-line precederam o formato weblog, entretanto, quando o Pyra Labs introduziu no Blogger o permalink (mecanismo que possibilita a cada post um endereço permanente de forma a facilitar sua referenciação), isso proporcionou a ampliação do alcance do conceito de blog.

Os posts, como são chamadas as entradas de textos feitas nos blogs, são dispostos geralmente em ordem cronológica de forma a privilegiar postagens mais recentes. A página, que pode ser escrita por uma ou várias pessoas, compõe-se de gadgets2 em que o blogueiro pode agregar textos, imagens, músicas e vídeos; costuma apresentar links para comentários, e data e horário da postagem; obrigatoriamente apresenta título e nome do escrevente. Ainda que esses elementos sejam regularidades constitutivas do blog enquanto gênero, uma vez que já fazem parte do programa fornecido pelo provedor, existe, com algum conhecimento de HTML3, a possibilidade de reformular a formatação original, alterando assim a construção composicional do texto. O conteúdo temático é diversificado: há blogs que versam sobre questões íntimas, há os que tratam de política, de educação, os sobre culinária, veterinária, jornalismo, moda, entre outras tantas possibilidades. Se, no início de 1999, a lista de blogs existentes era diminuta, dados do site Technorati4 mostram que em 2010 já havia mais de 8 milhões de blogs on-line. Mais recentemente, pesquisa de 2014, realizada pela ComScore5 coloca o Brasil em segundo lugar no mundo em relação ao alcance de blogs. A propagação do número de blogs remete ao anseio da sociedade contemporânea por visibilidade. De acordo com Bruno, [...] a entrada no campo do visível equivale à entrada no mundo comum onde o necessário reconhecimento pelo outro dignifica e autentifica a existência individual. A exposição de si na Internet constitui um segundo passo nesta demanda por visibilidade na medida em que esta se desconecta do pertencimento ao mundo extraordinário da fama, do sucesso e da celebridade para se estender ao indivíduo qualquer, naquilo mesmo que ele tem de mais ordinário e banal. (BRUNO, 2004, p.9)

Os blogs, sobretudo os que não têm cunho profissional, corroboram a incidência de um foco de visibilidade sobre o indivíduo comum, é através de escritos de caráter pessoal que, por vezes, reproduzem banalidades ou questões de foro 2

Trata-se de ferramenta, módulo ou serviço passível de ser adicionado a um ambiente maior. Linguagem para criação de programas que trabalham com textos e imagens simultaneamente numa mesma tela. 4 Motor de busca de Internet especializado em blogs, criado em 2002 por David Sifry. Dados da pesquisa disponíveis em http://technorati.com/state-of-the-blogosphere-2010/ . Acesso em 18/10/2015. 5 http://www.comscore.com/por/Imprensa-e-eventos/Apresentacoes-e-documentos/2014/2014Brazil-Digital-Future-in-Focus-Webinar. Acesso em 25/02/2016. 3

íntimo e que, deliberadamente, são postos em público que o indivíduo se constitui sujeito pelo olhar do outro. É uma subjetivação que não pode prescindir do “ser visto”. E essa visibilidade é tão premente, seu potencial tão grande que não foi ignorado por empresários: hoje um bom número de empresas conceituadas mantêm blogs em suas homepages. Essa necessidade de exposição voluntária do que outrora estava restrito ao âmbito privado remete à ilusória impressão de liberdade; a internet com sua topografia de limites voláteis, sempre possíveis, com espaços como os dos blogs que com seu tratamento diferenciado à temporalidade dão relevância ao registro do prosaico como se o blogueiro desejasse “ritmar o tempo para a historização de si mesmo” (KOMESU, 2005a, p.114). E essa ilusão de poder sobre o espaço e o tempo, calcada nas facilidades de publicação e consequente visibilidade, ratifica ideais de liberdade incondicional, conduz ao também ilusório ideal de um discurso em que tudo pode ser dito. 2. A visibilidade e o poder disciplinador: o Panóptico Para Foucault (2009b), a sociedade é atravessada por mecanismos disciplinares e a disciplina nada mais é que um princípio limitador do discurso (idem, 2009a). Assim sendo, não se pode falar em liberdade incondicional na escrituração de blogs quando se sabe que [...] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. [...] Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. (FOUCAULT, 2009b, p.8-9)

Desde o começo do século XIX, de acordo com Foucault (2009b), o poder disciplinar de instituições como clínicas psiquiátricas, penitenciárias, escolas, hospitais utiliza processos de individualização como marcadores de exclusão. Tais instituições adotavam técnicas de poder próprias do “quadriculamento disciplinar” que compartimenta espaços, isola indivíduos, afastando-os do convívio social como no caso dos loucos, dos presos, ou criando estratégias de controle como nas escolas. Fica estabelecida assim uma

divisão social binária que marca e define o aceitável e o não aceitável socialmente: de um lado loucos, presidiários, doentes, ou seja, os que consistiam em perigo à ordem social; de outro lado os enquadrados a uma necessária ordenação social que, portanto, se fazem merecedores da marca da normalidade. Mas não é suficiente apenas isolar; é necessário também adotar mecanismos coercitivos de vigilância contínua e individualizada capazes de universalizar dispositivos de controle disciplinar. Contudo, essas táticas disciplinares individualizantes, esses esquemas da disciplina de exceção não se mostram suficientes para comportar “a extensão progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo dos séculos XVII e XVIII, sua multiplicação através de todo o corpo social, a formação do que se poderia chamar grosso modo a sociedade disciplinar” (Foucault, 2009b, p. 198). Propõe-se, então, uma generalização disciplinar a partir do conceito de panoptismo introduzido quando da descrição do Panóptico de Jeremy Bentham: [...] na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre: esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, [...] as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ato está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente invisível. (idem, p.190)

Essa máquina de vigiar não tem, conforme Foucault, um uso restrito, fechado em si mesmo como proposto por Bentham, seu idealizador. Ela se presta a múltiplas aplicações nas prisões, fábricas, escolas, hospícios, hospitais, enfim, em qualquer instituição em que se pretenda exercer controle sobre os corpos num determinado espaço de forma hierarquizada; presta-se a utilização sempre que se deseje impor a um grupo uma tarefa ou um

comportamento, “é na realidade uma figura de tecnologia política que se pode e se deve destacar de qualquer uso específico.” (idem, p. 194) Numa ampliação da usabilidade panóptica, trago analogamente a utilização da internet, uma rede de poder que em sua tessitura abrange uma multiplicidade de seres, não de todo cientes de estarem sob o jugo de um poderoso mecanismo de controle. Nessa era em que imperam as tecnologias de informação e comunicação (comumente nomeadas TIC) como estandartes da democratização de saberes, seu uso quase que se impõe sobre nós: ebooks, sites de relacionamento, mecanismos de busca, páginas pessoais; ferramentas com diferentes funcionalidades, mas que remetem, todas, a representações de uma realidade imaginária de liberdade ilimitada. Lévy num trabalho de 1999 já nos chama a atenção para a necessidade de percepção de uma relação menos ingênua com as TIC: Uma técnica não é [...] neutra (já que é condicionante ou restritiva, já que de um lado abre e de outro fecha o espectro de possibilidades). [...] Contudo, acreditar em uma disponibilidade total das técnicas e de seu potencial para indivíduos ou coletivos supostamente livres, esclarecidos e racionais seria nutrir-se de ilusões. Muitas vezes, enquanto discutimos sobre os possíveis usos de uma dada tecnologia, algumas formas de usar já se impuseram. Antes de nossa conscientização, a dinâmica coletiva escavou seus atratores. Quando finalmente prestamos atenção, é demasiado tarde [...] (LÉVY, 1999, p.26)

Já não mais se tem o espaço restrito, palpável do panóptico, entretanto, a web6 (teia, em inglês) lança sua rede invisível e exerce duplo mecanismo de controle. Duplo, não só à medida que nos impõe seu uso sob pena de não estarmos atualizados, mas também à proporção que comporta cada vez mais mecanismos passíveis de vigilância e controle. Num interessante artigo sobre cooperação e controle verificados a partir da análise de um site7 criado a fim de estimular a postura colaborativa na rede, mas que contraditoriamente

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A expressão, originariamente uma redução de World Wide Web (www), designa sistema de documentos em hipermídia que são interligados e executados na Internet e tem sido correntemente usada como sinônimo de internet. 7 Cujo endereço é .

desenvolveu um sistema de monitoramento da contribuição de seus colaboradores, Martins (2004), relata que As demandas que surgiram com o crescimento exponencial da rede de redes e, consequentemente, das informações disponíveis, pressionaram para que aquele espaço liso e livre fosse mapeado e rastreado. Do lado do usuário, era preciso pensar numa bússola para auxiliar a navegação, ou seja, ajudar a encontrar algo relevante no excesso de dados. Do lado da empresa, era necessário garantir uma forma de gerar lucro na rede, isto é, inventar novas tecnologias que ajudassem a encontrar seus potenciais consumidores e a se relacionar com eles. Do lado do Estado, prevalece a premência de monitorar o risco: vigiar cidadãos suspeitos. (p. 4-5)

Foucault vê no Panóptico a ilustração de um dispositivo para automatização e desindividualização do poder, na medida em que estabelece a dissociação do par ver/ser visto. Se, na primeira imagem da disciplina, há um esquema de exceção que estagna o tempo, pois isola o indivíduo, rompendo possibilidades comunicacionais, priva-o da visão do mundo exterior, impõe pela vigilância constante; no panoptismo tem-se “um dispositivo funcional que deve melhorar o exercício do poder tornando-o mais rápido, mais leve, mais eficaz, um desenho de coerções sutis” (2009b, p. 198), visto que o papel do vigilante, do disciplinador pode ser abarcado por quem quer que adentre a torre sem que o vigiado possa ter a certeza (porque é visto, mas não vê) de que naquele exato momento há alguém a controlá-lo. O indivíduo se sabe visto e, portanto, se torna seu próprio algoz, a todo o momento é lembrado da onipresença do elemento disciplinador. E isso faz com que o esquema panóptico seja um modelo disciplinar, um exemplo de inversão na economia da visibilidade no exercício do poder; já não mais o detentor do poder precisa estar à tona, visível no processo e os que se submetem apagados; no poder disciplinador do panóptico, a sujeição se dá mesmo por se saber vigiado incessantemente sem, contudo, visualizar a quem se está submetido. E essa constância, que pressiona e subjuga, conduz a um processo de naturalização do mecanismo de controle pelo qual se processa um apagamento das condições de assujeitamento, assim o indivíduo não mais se apercebe de que passou ele próprio, voluntariamente, a respeitar limites, a

responder positivamente aos dispositivos disciplinares, a ser partícipe nas relações de poder instauradas pelo panoptismo. Atravessado por essa naturalização dos sistemas disciplinares de controle, o sujeito, numa representação do real, constitui-se enquanto se coloca na posição de de blogueiro e acredita no discurso da liberdade irrestrita de expressão. A sociedade em que emergem os blogs é então “lida” como a sociedade do futuro que se faz presente na instantaneidade das relações sociais mediadas pelas novas tecnologias; é a sociedade que visa a atingir a chamada democratização do conhecimento por meio da internet; sociedade de indivíduos que acreditam tudo poder dizer – assim constituindo-se nos “novos formadores de opinião” no espaço público, mediante novas ferramentas de comunicação. (KOMESU, 2005b, p. 58)

A sensação de tudo poder dizer propiciada pela visibilidade imanente ao meio virtual é, contudo, ilusória; descamba numa armadilha, visto que técnicas disciplinares como a do panóptico proporcionam o controle, primeiro sob a forma de uma vigilância geral, depois sob a forma de treinamentos disciplinares com o propósito de internalizar, pela continuidade e consequente naturalização, procedimentos de obediência aos hábitos, às regras, às ordens de forma que funcionem automaticamente (Gregolin, 2003). Os blogs se constituem assim em práticas discursivas apenas supostamente libertadoras. A condição de visibilidade alçada pelo blogueiro o coloca no cerne de uma questão problemática para sua laureada liberdade: é livre para dizer o que quer aquele que não pode prescindir da condição de reconhecimento que a materialidade linguística constitutiva do post representa? França, em um estudo sobre a linguagem nos blogs, cita postagem8 de um escrevente que se diz triste e sem história por seus arquivos terem sido apagados do site. O fato impressiona a pesquisadora que sugere:

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“o sistema varreu minhas palavras ao vento. Estar sem arquivo é estar sem história. assim, não me resta outra opção a não ser fechar as portas. (...) Voltarei, se conseguir recuperar minha história.” (WWW.quelquechose.blogger.com.br apud França, 2009, p. 143)

[...] talvez estejamos sendo atacados por um novo tipo de enfermidade, a ‘amnésia digital’. Brincadeiras à parte, o desespero do blogueiro caracteriza a importância que os suportes digitais de armazenamento de informações ganharam nas últimas décadas. Nossas memórias parecem destinadas a ficar gravadas num HD anônimo de um servidor qualquer e uma pane poderia causar uma depressão tão grave quanto à causada, por exemplo, por uma perda de memória. (FRANÇA, 2009, p.143)

A visibilidade do estar na rede constitui o sujeito escrevente; fora do domínio digital, o indivíduo não se encontra. A visibilidade pode ser vista, então, como elemento controlador do qual não se pode prescindir. Contraditoriamente,

a

liberdade

de

expressão

torna-se

condição

de

aprisionamento voluntário, visto que, em sua constituição, o sujeito, que não pode prescindir de ser visto, sofreu, pela naturalização, o apagamento das relações coercitivas que o conduziram a tal situação. 3.

A visibilidade na seção de comentários: ecos de si Como mencionado anteriormente, blogs possuem espaços para comentários

dos leitores; quanto mais comentada uma postagem for, tanto maior o número de visitações e possíveis comentários em outros blogs gerados por links deixados pelos leitores em suas próprias páginas, assim, levando a maior visibilidade. O comentário é a materialização da interação com o outro e o marco de que tal blog atingiu níveis consideráveis de popularidade. É imprescindível à dinâmica do blog esse procedimento de interação e, para potencializá-lo, o blogueiro dispõe de recursos como propagandas e links que tecem a rede cibernética conduzindo o texto a uma amplitude hipertextual e criando comunidades em torno de si que mantêm o status de sua visibilidade e o prestígio da página eletrônica. Cabe aqui observar a formulação de comentário feita por Foucault para quem [...] o desnível entre texto primeiro e texto segundo desempenha dois papéis que são solidários. Por um lado permite construir [...] novos discursos: o fato de o texto primeiro pairar acima, sua permanência, seu estatuto de discurso sempre reatualizável, o sentido múltiplo ou oculto de que passa por ser detentor, a reticência e a riqueza essenciais que lhe atribuímos, tudo isso funda uma possibilidade aberta de falar. Mas, por outro lado, o comentário não tem outro papel

[...] senão o de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro. [...] O comentário conjura o acaso do discurso fazendo-lhe sua parte: permite-lhe dizer algo além do texto mesmo, mas com a condição de que o texto mesmo seja dito e de certo modo realizado. [...] (FOUCAULT, 2009a, p. 24-5-6)

Importa-me aqui trazer à baila a seguinte proposição: o comentário nos blogs corrobora um ideal de visibilidade não apenas por hipoteticamente estimular a interação entre pares, interação condutora de um fluxo maior de visitantes ao diário virtual, mas também por instaurar uma prática discursiva que se configura por reafirmar o texto primeiro, então reforçando o ideal de reconhecimento - ainda que veladamente expresso - almejado pelo blogueiro. Na articulação das várias vozes expressas nos comentários, institui-se uma cadeia que exalta a voz do blogueiro na medida mesma em que a nega ou a ratifica; e esse destaque é constitutivo na imagem que faz de si. Considerações finais Práticas linguísticas materializam o discurso que, em toda sociedade, tem sua produção selecionada, ordenada, controlada por procedimentos como os descritos nesse trabalho. É indiscutível o poder da escrita, ela própria exercendo, por vezes, engrenagens disciplinadoras. Pressupor a produção escrita como prática libertadora onde se pode dizer o que se quer calcado na abrangência do suporte escolhido para sua divulgação é desconsiderar que o sujeito é perpassado por determinações coercitivas que lhe impõem o que pode e deve ser dito. Cabe atentar, no entanto, como nos lembra Foucault (2009b), que tais mecanismos disciplinadores que atravessam a sociedade não comportam uma visão maniqueísta de bem/mal. A disciplina traz a ordenação necessária ao andamento da máquina social que intenta, numa vigilância abrangente, internalizar, pela continuidade que leva à naturalização, procedimentos de obediência de uso automatizado. A despeito disso, não se pode ver o poder como algo absoluto ou permanente, mas como múltiplo, como transitório e com rupturas indispensáveis à introdução de estratégias de resistência a tais relações de poder. A disciplinarização, conquanto seja inevitável à ordenação social, conquanto se apresente como princípio regulador de corpos e discursos, nos dá brechas necessárias ao deslocamento propício a possíveis reflexões sobre a incessante busca atual por visibilidade. Referências

BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: visibilidade e subjetividade nas novas tecnologias de informação e de comunicação. Rio Grande do Sul, Famecos, vol. 1 nº 24, 2004. Disponível em: . Acesso em 23 de junho de 2010. FRANÇA, Lílian. Cultura blogger – termos e expressões que compõem o universo dos ciberdiários brasileiros. In CORRÊA, Leda, BEZERRA, Ponciano, CARDOSO, Denise Porto (orgs). O texto em perspectiva. São Cristovão: Editora da UFS, 2009. p. 141-149 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. 19. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2009a. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; trad. Raquel Ramalhete. 37. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009b. GREGOLIN, Maria do Rosário. O acontecimento discursivo na mídia: metáfora de uma breve história do tempo. In ______ (org). Discurso e mídia: a cultura do espetáculo. São Carlos: Claraluz, 2003. p. 95-110 HEWITT, Hugh. Blog: entenda a revolução que vai mudar o seu mundo; trad. Alexandre Martins Morais. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2007. KOMESU, Fabiana Cristina. Blogs e as práticas de escrita sobre si na Internet. In: MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos (orgs). Hipertexto e gêneros digitais. 2 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005a. p. 110-119 ______ . Entre o público e o privado: um jogo enunciativo na constituição do escrevente de blogs na internet. Tese. UNICAMP, Campinas, 2005b. Disponível em:< http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000358660>. Acesso em 02 de maio de 2010. LÉVY, Pierre. Cibercultura; trad. Carlos Irineu Costa. São Paulo: editora 34, 1999. MARTINS, Beatriz Cintra .[s.d.] Cooperação e controle na rede: uma leitura da Internet a partir do site Slashdot.org. Disponível em: . Acesso em 23 de junho de 2010.

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