Bloqueio de verba pública e dispensa de licitação administrativa na execução forçada contra a Fazenda Pública (nas demandas de saúde)

June 7, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Saúde
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Agravo de Instrumento - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0000305-30.2016.4.02.0000 (2016.00.00.000305-0) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO AGRAVANTE : ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROCURADOR : Procurador do Estado do Rio de Janeiro AGRAVADO : ANA CRISTINA MACHADO AMORIM E OUTROS DEFENSOR PUBLICO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO E OUTROS ORIGEM : 03ª Vara Federal do Rio de Janeiro (01646657320144025101) EMENTA   QUESTÃO DE ORDEM. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS. 1. Em princípio, cabe a execução forçada contra a Fazenda Pública, como medida inerente à própria concepção  de  tutela  judicial  efetiva  (Convenção  Americana  de  Direitos  Humanos,  arts.  8º  e  25; Constituição Federal, art. 5º XXXV; STF, STA 36-8, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ. 7.9.2005).   2. Na ausência de recursos públicos [orçamentários, materiais e humanos] próprios para o atendimento a uma ordem judicial, as medidas administrativas procedimentais típicas e destinadas à satisfação de bens e serviços públicos [junto à iniciativa privada], como um certame administrativo prévio, não podem ser um obstáculo  intransponível  à  concretização  de  decisões  judiciais  (TRF2,  5ª  Turma  Especializada,  AI 0012219-38.2009.4.02.0000, E-DJF2R 10.2.2012).  3. No entanto, tal conclusão não afasta o dever de o juiz considerar incidentalmente os parâmetros legais e administrativos indispensáveis a uma pretensão material em face do poder público, isto é: se a execução forçada  depende  de  um  comportamento  administrativo  que,  em  condições  normais,  requer  um procedimento prévio (licitação administrativa), a dispensa desse procedimento legal, por ordem judicial, dependerá de fundamentação quanto à efetiva idoneidade e necessidade de adotar-se, no caso concreto, outro  meio  destinado  à  escolha  do  prestador  de  serviço  ou  compra  dos  produtos  de  saúde,  o  qual, entretanto, não se distancie dos princípios norteadores da licitação administrativa. Do contrário, corre-se o risco de um conflito essencialmente de direito público vir a ser solucionado, desproporcionalmente, com base em princípios de direito privado (Novas perspectivas para a judicialização da saúde no Brasil. Disponível em: ).  4.  A  execução  de  decisões  referentes  a  interesses  individuais,  mediante  expropriação  judicial  do patrimônio público, não é capaz de alcançar bens indispensáveis ao cumprimento de tarefas públicas ou cuja alienação [judicial] comprometa o interesse público (Código Modelo Euro-Americano de Jurisdição Administrativa, art. 58. Disponível em: ). 5. Deve-se atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento quando a decisão agravada determina o “bloqueio” nos cofres públicos de quantia superior a R$ 300.000,00, sem, entretanto, considerar as condições  (supramencionadas)  sine qua non  ao  deferimento  de  uma  medida  jurisdicional  com  tal invasividade. 6. Questão de ordem acolhida para atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento.      

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ACÓRDÃO  

            Rio de Janeiro,  23 de fevereiro de 2016 (data do julgamento).  

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RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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               Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, acolher a questão de ordem para atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento, na forma do relatório e voto do Relator,  constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado.

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo ESTADO DO RIO DE JANEIRO em face de ANA CRISTINA MACHADO AMORIM, objetivando a reforma de decisão que determinou o bloqueio de verba pública no total de R$ 301.617,21, em razão da omissão estatal no cumprimento da decisão que determinara a realização de procedimento cirúrgico. Na origem, a demandante Ana Cristina Machado Amorim ajuizou a ação ordinária nº 016466573.2014.4.02.5101 em face da União, do Estado do Rio de Janeiro e do Município do Rio de Janeiro alegando, em síntese, que sofre de síndrome complexa de dor regional (SCRD), recebe tratamento no Hospital dos Servidores do Estado e necessita realizar cirurgia para implante de eletrodo na coluna, a fim de tratar sua doença. Contudo, afirma que a referida cirurgia não está na tabela de custeio do SUS e que, caso o procedimento não seja realizado, há risco de haver piora em seu estado de saúde. De início, o juiz considerou que havia complexidade no caso e determinou a intimação do Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde (NAT) para que apresentasse parecer em 48 horas. Então, o NAT ofereceu manifestação em que considerou adequada a cirurgia de implantação do neuroestimulador. Prestados os esclarecimentos solicitados, a tutela antecipada foi deferida, determinando que os demandados "adotem as providências necessárias para o tratamento de Síndrome Complexa de Dor Regional de que padece a parte Autora, com a implantação de eletrodo medular aprovado pela ANVISA". A União ofereceu manifestação nos autos, na qual esclareceu que o colégio de neurocirugiões do Hospital dos Servidores do Estado havia deliberado por não realizar a intervenção cirúrgica, tendo em vista a melhora da saúde da demandante pela via medicamentosa. Diante dessa informação, o juízo a quo determinou nova intimação do NAT para que se manifestasse conclusivamente sobre o caso, no prazo de três dias. Em resposta, o NAT ofereceu parecer em que desaconselhou a intervenção cirúrgica. Por sua vez, a demandante acostou aos autos laudo médico proveniente do Hospital dos Servidores do Estado que indica a necessidade de realização da cirurgia para implantação do aparelho neuroestimulador. Diante dessas manifestações antagônicas, o juiz determinou a intimação do Hospital dos Servidores do Estado para que, em três dias, apresentasse as razões pelas quais o procedimento cirúrgico pleiteado pela demandante ainda não havia sido realizado. Em resposta, o chefe do serviço de clínica de dor do HSE afirmou, em síntese, que era necessário comprar o material indispensável para a realização da cirurgia da demandante. Nesse contexto, foi proferida nova decisão judicial com o seguinte teor:

[...] confirmo o deferimento da tutela antecipada (já deferida às fls. 73-76) e fixo o prazo de 60 (sessenta) dias para que os Réus comprovem o integral cumprimento da medida de urgência deferida, com a efetivação do tratamento médicocirúrgico que for considerado adequado para a Autora, fazendo a aquisição emergencial do material e dos equipamentos que se fizerem necessários para tanto. Caso não seja comprovado o cumprimento da tutela antecipada no referido prazo, cada um dos entes federativos suportará multa única no valor de R$ 20.000,00 vinte mil reais), sem prejuízo de futura majoração, caso permaneça a recalcitrância em prestar o atendimento médico de que a Autora necessita, sem prejuízo das sanções penais e civis cabíveis.

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Agravo de Instrumento - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0000305-30.2016.4.02.0000 (2016.00.00.000305-0) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO AGRAVANTE : ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROCURADOR : Procurador do Estado do Rio de Janeiro AGRAVADO : ANA CRISTINA MACHADO AMORIM E OUTROS DEFENSOR PUBLICO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO E OUTROS ORIGEM : 03ª Vara Federal do Rio de Janeiro (01646657320144025101)     RELATÓRIO

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Este Juízo concedeu antecipação dos efeitos da tutela, em 2 de dezembro de 2014, para determinar aos Réus que adotem as providências necessárias para o tratamento de Síndrome Complexa de Dor Regional de que padece a parte Autora, com a implantação de eletrodo medular aprovado pela ANVISA, conforme laudos médicos apresentados e informação do NAT (fls. 73/76). Decorrido um ano desde que a parte Autora obteve provimento jurisdicional antecipatório favorável ao seu pleito, os Réus permanecem descumprindo a ordem judicial. Trata-se de situação excepcional, em que a impenhorabilidade dos bens públicos conflita com o direito fundamental à saúde e o respeito aos Poderes Constituídos, em razão da não prestação do serviço público de saúde à Autora, bem como da indiferença dos Réus ao provimento jurisdicional antecipado deferido. Deve prevalecer, no caso concreto, o direito subjetivo à saúde, corolário da dignidade da pessoa humana, cujo atendimento poderia ter sido prestado diretamente pelos Réus, dentro de sua rede de hospitais públicos, dentre os quais há hospitais de referência, como o Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer. Deve prevalecer, também, o respeito às decisões judiciais, já que os Réus poderiam se valer dos recursos processuais cabíveis para a reforma da decisão vigente, mas optaram pelo descumprimento da decisão. Tendo em vista que os graves efeitos da doença da autora estão amplamente documentados nos autos e que a recalcitrância dos Réus em cumprir comando contido em decisão judicial não foi debelada com as medidas judiciais anteriormente adotadas (fls. 73/76 e 179/180), determino o bloqueio de verba pública no valor de R$ 100.539,07 de cada Réu, no total de R$ 301.617,21 (fl. 225), tendo em vista que está comprovada a omissão estatal no cumprimento da decisão que determina a realização de procedimento cirúrgico, restando evidenciado que a mora dos Réus pode acarretar risco à saúde e à vida do jurisdicionado. Nesse sentido posicionou-se o Colendo STJ: [...] Isto posto, deverão o Secretário Estadual de Saúde, o Secretário Municipal de Saúde e o Chefe do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro informar a este Juízo, no prazo de 02 (dois) dias, dados de conta bancária da União, do Estado do Rio de Janeiro e do Município do Rio de Janeiro para fins de bloqueio de numerário. Faculto aos Réus a possibilidade de apresentar, em igual prazo, três outros orçamentos atualizados de preço, nos termos do Enunciado n° 54 da II Jornada de Saúde do CNJ. A parte autora, devidamente representada pela DPU, também deverá apresentar mais dois orçamentos antes da liberação dos recursos.

É contra essa decisão que se insurge o Estado do Rio de Janeiro no presente agravo de instrumento, no qual alega, em síntese, que: a) o sequestro de verbas públicas é medida excepcional que não deve ser deferida antes de serem adotadas outras medidas menos gravosas, sob pena de afronta ao devido processo legal e ao princípio da menor onerosidade para o devedor; b) a medida caracteriza violação ao princípio da isonomia e desrespeita a necessidade de expedição de precatórios; c) não há amparo legal para a realização de cirurgias em hospitais privados; d) não deve ser autorizada a realização de procedimentos na rede privada quando houver vagas em hospitais públicos; e) não cabe ao paciente, ou ao Judiciário, escolher em qual hospital privado o paciente receberá o tratamento, pois o atendimento deve ser realizado em instituição filantrópica com participação complementar ao SUS, formalizada através de contrato ou

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A União interpôs o agravo de instrumento nº 0006214-87.2015.4.02.0000 em face dessa decisão e acostou aos autos documento no qual relatou as dificuldades encontradas para cumprir a decisão antecipatória da tutela. Então, o juízo exarou nova decisão na qual manteve a multa diária cominada e determinou que a demandante fornecesse orçamento de preços para atendimento por instituição privada, mediante custeio solidário dos entes públicos. Em cumprimento à ordem judicial, a demandante apresentou orçamento elaborado pela Clínica São Vicente, que estimou que os gastos para os procedimentos relacionados ao caso seriam de R$ 301.617,21. Assim, foi determinado o bloqueio de verbas públicas até esse valor, na seguinte decisão:

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convênio; f) estão presentes os requisitos necessários para concessão de efeito suspensivo ao agravo, na forma do art. 558, do CPC (fls. 1/11). É o breve relatório. Determino a inclusão do feito em mesa, como questão de ordem, na pauta de 23 de fevereiro de 2016.

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RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

  VOTO      Em princípio, cabe a execução forçada contra a Fazenda Pública, como medida inerente à própria concepção de tutela judicial efetiva (Convenção Americana de Direitos Humanos, arts. 8º e 25; Constituição Federal, art. 5º XXXV; STF, STA 36-8, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ. 7.9.2005). Nesse contexto, na ausência de recursos públicos [orçamentários, materiais e humanos] próprios para o atendimento a uma ordem judicial, as medidas administrativas procedimentais típicas e destinadas à satisfação de bens e serviços públicos [junto à iniciativa privada], como um certame administrativo prévio, não podem ser um obstáculo intransponível à concretização de decisões judiciais (TRF2, 5ª Turma Especializada, AI 0012219-38.2009.4.02.0000, E-DJF2R 10.2.2012). No entanto, tal conclusão não afasta o dever de o juiz considerar incidentalmente os parâmetros legais e administrativos indispensáveis a uma pretensão material em face do poder público, isto é: se a execução forçada depende de um comportamento administrativo que, em condições normais, requer um procedimento prévio (licitação administrativa), a dispensa desse procedimento legal, por ordem judicial, dependerá de fundamentação quanto à efetiva idoneidade e necessidade de adotar-se, no caso concreto, outro meio destinado à escolha de prestador de serviço ou compra de produtos de saúde, o qual não se distancie dos princípios norteadores da licitação administrativa. Do contrário, corre-se o risco de um conflito essencialmente de direito público vir a ser solucionado, desproporcionalmente, com base em princípios de direito privado (Novas perspectivas para a judicialização da saúde no Brasil. Disponível em: ). Ademais, a execução de decisões referentes a interesses individuais, mediante expropriação judicial do patrimônio público, não é capaz de alcançar bens indispensáveis ao cumprimento de tarefas públicas ou cuja alienação [judicial] comprometa o interesse público (Código Modelo Euro-Americano de Jurisdição Administrativa, art. 58. Disponível em: < http://bit.ly/1KGijow>). A decisão impugnada determinou o “bloqueio” nos cofres públicos de quantia superior a R$ 300.000,00, sem, entretanto, considerar as condições [supramencionadas] sine qua non ao deferimento de uma medida jurisdicional com tal invasividade. Ante o exposto, DEFIRO O EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO. Comunique-se com urgência. Intime-se a agravada para contrarrazões e, após, ao MPF. Por fim, tornem conclusos. RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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