Blow-up como Análise do Inconsciente Óptico em Walter Benjamin

July 1, 2017 | Autor: Lorrayne Colares | Categoria: Philosophy of Art, Walter Benjamin, Film Aesthetics
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BLOW-UP COMO UMA ANÁLISE DO INCONSCIENTE ÓPTICO EM WALTER BENJAMIN

Dissertação apresentada como requisito para a conclusão da disciplina Filosofia da Arte. Professora/Orientadora: Loraine Oliveira.

Lorrayne Colares e Patrick Martins 10/0111343 Julho de 2013, Brasília – DF

BLOW-UP COMO UMA ANÁLISE DO INCONSCIENTE ÓPTICO EM WALTER BENJAMIN

Resumo: Este artigo visa apresentar o conceito de inconsciente óptico no texto A Pequena História da Fotografia, de Walter Benjamin, e, através de uma análise do filme Blow-Up, de Michelangelo Antonioni, discutir sobre a centelha do acaso que foge ao consciente do fotógrafo na realização de sua arte. Palavras chave: Walter Benjamin, Michelangelo Antonioni, Blow-Up, Inconsciente óptico, Fotografia.

. Introdução "O verdadeiro ideal da fotografia é, antes de tudo, ensinar a nossos olhos - obscurecidos pelo saber e pela erudição - como observar e reconhecer o mundo que nos cerca, como incrementar nossa capacidade perceptiva." – Van Deren Coke

Entre os anos de 1925 e 1933, o filósofo alemão Walter Benjamin ganhava a vida basicamente como crítico literário e tradutor, escrevendo inúmeros textos e artigos pra revistas importantes da época. Dentre esses textos, o curto ensaio “A Pequena História da Fotografia”, foi publicado em 1931, numa revista de destaque da República de Weimar, revelando assim a importância que o tema da fotografia exercia nesse momento histórico. Um dos motivos que reacendeu esse interesse por uma teorização sobre a fotografia foi o fato de que na época em que Benjamin escrevera, a própria “invenção” da fotografia, apesar dessa não ter uma data exata e nem ter sido inventada por uma única pessoa, comemorava seu centenário. E, sendo assim, grandes retrospectivas sobre os pioneiros dessa técnica começaram a ser publicadas. Porém, Benjamin considerava essas tentativas de teorizações como rudimentares e ainda vinculadas aos preconceitos e conceitos fetichistas de arte dos debates realizados no século anterior. Sendo assim, ele se propõe a fazer uma pequena história da história da fotografia, mas seguindo sua própria definição de história, ou seja, ele não faz uma mera 2

reconstrução linear de fatos ocorridos e avanços técnicos, mas pensa a partir de seu contexto em certos momentos que podem ser distinguidos, revelando assim a “compreensão real da essência da arte fotográfica” (BENJAMIN, 1993:92). Sendo assim, podemos definir os momentos distinguidos por Benjamin em três: um momento inicial de apogeu, que revelava uma possibilidade inicial e uma propriedade particular oriunda do florescimento da fotografia, e que se revela ainda como uma técnica préindustrial, sendo assim, mais próxima a uma espécie de arte de feira, como nos é revelado nas fotografias de Hill; o segundo momento é um período de declínio e de decadência, no qual a profissão de fotógrafo passa a ser um negócio e a rigidez da produção de retratos se encontra tanto em seus resultados como em seus acessórios de pose; já o terceiro é um momento de revitalização, marcado principalmente pela figura de Atget, que para Benjamin foi um precursor da fotografia surrealista e que desinfetou “a atmosfera sufocante difundida pela fotografia convencional, especializada em retratos, durante a época da decadência” (BENJAMIN, 1993:101).

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O inconsciente óptico Entretanto, Benjamin não se prende a uma mera revisão teórica da fotografia, ele

também trata de questões relativas à magia proveniente da técnica, e é nesse momento que um importante conceito, que não o da aura, salta de seu texto: o conceito do inconsciente óptico. A fotografia, através de inúmeras técnicas, possibilita a descoberta que passaria despercebida aos olhos desatentos. Esse mistério pode ser observado, porque como nas fotos de Hill, “preserva-se algo que não se reduz ao gênio artístico do fotógrafo” e “que não pode ser silenciado” (BENJAMIN, 1993:93). Ou seja, apesar de seus interesses e possíveis manipulações na construção da fotografia, o instante captado pelo fotógrafo não é de seu total poder, existe algo que está além dele, existe uma centelha de possibilidades garantidas pelo acaso. E, por outro lado, existe algo na fotografia que está pré-configurado, mas que no presente podemos não ter acesso a ele, e só no futuro reconhecer o que já estava anunciado ali. Benjamin ilustra isso com o caso da imagem de Dauthendey, na qual o olhar desolado da noiva anuncia o seu suicídio (Figura 1). 3

Figura 1. Fotografia de Dauthendey, The Photographer Karl Dauthendey with his betrothed Miss Friedrich after their first attendance at church, 1857.

Isso exprime o caráter da dupla-revelação, pois ao mergulhar fundo na imagem podemos perceber que a técnica, por mais exata que ela tente ser, pode acabar dando às suas criações um valor mágico. Benjamin afirma que: apesar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo que existe de planejado em seu comportamento, o observador sente a necessidade irresistível de procurar na imagem a pequena centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar imperceptível em que o futuro se aninha ainda hoje em minutos únicos, há muito extintos, 4

e com tanta eloquência que podemos descobri-lo, olhando para trás. (BENJAMIN, 1993:94).

Tudo isso transmite a ideia de que o olhar da câmera é um olhar diferente, que, por sua vez, proporciona uma percepção diferente. E é aí que o conceito entra em jogo, pois Benjamin diferencia a natureza que fala à câmera da que fala ao olhar através de um recurso psicológico. O olhar da câmera não é trabalhado conscientemente pelo homem, mas sim inconscientemente. Ao dizer isso, Benjamin está aplicado conceitos psicanalíticos à fotografia, pois da mesma forma que a psicanálise revelaria o inconsciente pulsional, a fotografia revelaria o inconsciente óptico. Esse inconsciente é revelado na fotografia “através dos seus recursos auxiliares: câmera lenta, ampliação” (BENJAMIN, 1993:94), entre outros. Benjamin reconhece na fotografia a capacidade de registrar aspectos da realidade além do nosso olhar natural, pois muitas vezes a nossa retina capta dados que não são transformados em informação pelo nosso sistema perceptivo, tanto por serem muito pequenos, rápidos ou insignificantes à primeira vista. A conexão com a psicanálise como método para sondar o inconsciente é clara. Segundo o pensamento psicanalítico, existe uma disposição para que essa representação seja reconhecida, por mais que ela não seja percebida diretamente. Benjamin, influenciado por Freud, constata que os recursos técnicos e aparatos fotográficos possuem a disposição de nos mostrar o que antes não éramos capazes de ver, e assim transformam certas particularidades da representação, que antes eram representações latentes, em um olhar consciente.

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Uma leitura benjaminiana de Blow-up Seguindo a proposta de analisar uma obra ou intervenção artística a partir de uma ideia

anteriormente exposta, é possível propor uma leitura do famoso filme de Michelangelo Antonioni a partir de um viés benjaminiano. Porém, antes disso, é necessário falar sobre outras inspirações contidas nessa obra. O filme de 1966 foi baseado num famoso conto do escritor franco-argentino, Julio Cortázar, publicado em 1959 como integrante do livro As Armas Secretas. Cortázar é considerado um dos maiores expoentes da literatura fantástica, e muitos de seus contos também apresentar características surrealistas. Sendo assim, a própria narração do conto já é uma característica 5

importante, pois ela revela gradativamente uma consciência que vai emergindo, de um olhar inicialmente pulsional. Porém, o filme não é apenas uma adaptação do conto, o diretor italiano vai ao espírito do texto e o refaz em outra linguagem e contexto diferentes. Por exemplo, o conto ocorre em Paris enquanto o filme ocorre em Londres, o conto é a história de um fotógrafo amador enquanto o filme é a história de um famoso fotógrafo do mundo da moda. Além disso, o fotógrafo de Antonioni também é inspirado na vida do famoso fotógrafo David Bailey, cujas fotos registraram a Londres efervescente dos anos 60. A história central do filme ocorre em torno da figura de um famoso fotógrafo de moda, Thomas, que ao fotografar despretensiosamente um casal num parque em Londres, acaba por presenciar ao acaso um suposto assassinato. Porém, o crime não é percebido imediatamente, revelando assim a mesma característica da fotografia de Dauthendey, cuja pré-configuração só seria percebida depois. É apenas quando a mulher fotografada aparece em seu estúdio, exigindo seus negativos que o personagem se dá conta de que existe algo a ser observado, um mistério a ser desvendado, sendo assim, ele lhe entrega um filme virgem para que ela saia dali. No momento da revelação e ampliação dos negativos, no momento do uso da técnica, do blow-up é que a verdade inconsciente se mostra visível, ditando assim que é necessário olhar bem para não deixar nada passar despercebido debaixo do próprio nariz. Thomas descobre o que acredita ser um corpo e um suposto assassino escondido entre os arbustos do parque. A revelação da fotografia se apresenta como uma ambiguidade, pois é também uma revelação e uma redescoberta consciente dos fatos, e não apenas das fotografias. Sendo assim, a trama se desenrola na tentativa do personagem principal em descobrir a verdade relativa aos fatos observados parcialmente na fotografia.

. Conclusão Mas o que permanece entre essas diferentes linguagens, a escrita e a cinematográfica, é o que seria a característica central, do ponto de vista de Benjamin, das duas obras: a exposição da figura do fotógrafo como aquele que faz uma descoberta através das lentes da câmera que escapou aos seus olhos, uma descoberta inconsciente e mágica.

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A respeito da própria escolha de títulos, a do filme parece mais apropriado segundo uma leitura centrada no texto de Benjamin. A expressão blow-up significa explosão, mas também é uma expressão técnica utilizada na revelação fotográfica, segundo a qual consiste em se ampliar uma imagem ao máximo, com o objetivo de revelar detalhes que não seriam notados normalmente. Entendemos, então, que o filme serve como uma melhor exemplificação pro conceito de Benjamin do que a fotografia que ele havia citado.

. Referências bibliográficas CORTÁZAR, Julio. As Armas Secretas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. BENJAMIN, Walter. “Pequena história da fotografia” in: Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1993, 6ª edição. FREUD, Sigmund. “Algunas observaciones sobre el concepto de lo inconsciente en el psicoanálisis.” In: Obras completas de Sigmund Freud .Trad. Luis Lopez-Ballesteros y de Torres. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 4° edição. GONÇALVES, Renata. Walter Benjamin e a importância do cinema na modernidade. PIIC – UFSJ. In: Existência e Arte – Revista Eletrônica do Grupo PET – Ciências Humanas, Estéticas e Artes na Universidade Federal de São João Del-Rei. Número IV, janeiro a dezembro de 2008. JÚNIOR, Luiz Carlos Oliveira. A Cena Escondida: Vertigo, Blow-up, Paranoia e Pornografia. Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais. In: III Jornada Discente PPGMPA – USP. São Paulo, 19 de outubro de 2012.

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