BOA FÉ E DIREITO DESPORTIVO

June 5, 2017 | Autor: Tercio Souza | Categoria: Direito, Direito Desportivo, Boa Fé Objetiva Rescisão contratos
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BOA FÉ E DIREITO DESPORTIVO Tercio Roberto Peixoto Souza1 Há algum consenso no sentido de que o ser humano é essencialmente gregário, sendo a confiança a linha mestra que permite esse amalgama. Com efeito, sem confiança de que aquele que está ao meu lado é incapaz de provocar algum mal em relação a mim ou a quem quer que seja, seria impossível que o ser humano tivesse de agrupado socialmente. Nesse sentido, podemos dizer que a confiança é analisada sob diversos prismas, pelo prisma moral, pelo prisma ético, pelo prisma jurídico, pelo prisma econômico, enfim. Como dito, a confiança não é ignorada pelo Direito, mas pelo contrário, ultrapassados os dogmas do positivismo clássico, a confiança, retratada enquanto o requisito da boa fé é erigida em diversos diplomas legais como verdadeira condicionante para a celebração de quaisquer compromissos pelos sujeitos de direito. Impõe-se, por exemplo, nas contratações, o exercício da boa fé objetivai, ou à teoria dos atos próprios/venire contra factum proprium, que podem ser sintetizados, para a presente, enquanto a vedação da conduta contraditória. Não se pode esperar o comportamento diferente daquilo o que sempre se fez em um determinado sentido. No Direito Desportivo não é diferente. Apenas por exemplo, pode-se dizer que o art. art. 27-C da Lei 9615/98, em seu item “v” inquina enquanto nulos de pleno direito os contratos firmados pelo atleta ou por seu representante legal com agente desportivo, pessoa física ou jurídica, bem como as cláusulas contratuais ou de instrumentos procuratórios que infrinjam os princípios da boa-fé objetiva. Assim, apesar de livremente pactuadas, quaisquer disposições, inclusive no tocante aos contratos com atletas profissionais, ter-se-ia uma limitação das disposições de vontade à própria coerência entre tais manifestações, sendo reputado irregular a previsão que 1

Advogado. Membro do Instituto de Direito Desportivo da Bahia. Membro do Instituto

dos Advogados da Bahia. Associado da ABAT – Associação Baiana dos Advogados Trabalhistas. Procurador do Município do Salvador. Pós Graduado em Direito Público pela UNIFACS – Universidade Salvador. Mestre em Direito pela UFBA – Universidade Federal da Bahia. Professor.

espelhe comportamento diferente daquilo o que sempre se fez em um determinado sentido. Recentemente estivemos diante de quadro que desafia, no mínimo, uma reflexão acerca da boa-fé nas relações de Direito Desportivo. Diz-se que o atleta Vitor Ramos, do Esporte Clube Vitória, teria sido irregularmente escalado para uma partida de futebol do Campeonato Baiano de 2016, em razão da triangulação da sua relação contratual entre um Time do México, um Time do Brasil, e o Esporte Clube Vitória. Segundo alegam os Diretores do Esporte Clube Vitória, após o trâmite regular dos registros do atleta, tanto a Federação Baiana de Futebol, não apenas a promotora do aludido Campeonato, mas quem editou o seu regulamento, quanto a Confederação Brasileira de Futebol, teriam atestado a regularidade da situação do atleta para a sua atuação na aludida partida. E aquela agremiação atuou no mesmo sentido de que procedeu, ou seja, atuou de acordo com aquilo o que sempre se fez, seguindo o entendimento daquelas entidades. Qual não foi a surpresa de todos quando uma outra agremiação impugnou a atuação daquele atleta, reputando-a como irregular por suposto enquadramento da mencionada transferência como se internacional fosse, o que evidenciaria o descumprimento dos prazos previstos no próprio regulamento. Independente das nuances do caso concreto, que não se pretende discutir, mantidas as premissas de que tanto a promotora do aludido Campeonato, e quem editou o seu regulamento, quanto a Confederação Brasileira de Futebol teriam atestado a regularidade da inscrição do atleta para a Competição, não se poderia imputar qualquer irregularidade à conduta do atleta ou do Clube em questão, ressalvada a hipótese de direta e literal afronta ao próprio regulamento. Afinal, salvo a interpretação absurda, abusiva, por quaisquer dos agentes desportivos, inclusive os promotores da competição, não se pode conceber a imposição de penalidade contra aquele que atua de modo razoável, segundo estritamente o entendimento manifestado pelos organizadores da própria Competição. Do contrário, nos parece que em assim sendo, ter-se-ia efetiva quebra da confiança de todos: agremiações, atletas, torcedores, imprensa. Rompe-se a linha mestra que permite o amalgama do desporto. Inviabiliza-se que todos atuem no mesmo sentido de que

sempre se procedeu, gerando insegurança suficiente para romper o dever de coerência que nos é essencial para que permaneçamos juntos. Afinal, não se disputa nada sozinho! i

Sobre a boa fé objetiva e a teoria dos atos próprios, vide: COSTA, Judith Martins. A Boa-Fé no Direito Privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999; BORDA, Alejandro. La Teoría de los Actos Proprios. 4. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2005.

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