Bolsa Família como atalho cognitivo em eleições presidenciais: um estudo a partir do Google Trends (2006, 2010 e 2014)

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ano 6 - n. 11 | julho/dezembro - 2014 Belo Horizonte | p. 1- 218 | ISSN 2176-1671 R. bras. Dir. Eleit. – RBDE

Revista Brasileira de DIREITO ELEITORAL

RBDE

REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO ELEITORAL – RBDE

Direção Geral Luiz Carlos Lopes Madeira Luiz Fernando Casagrande Pereira Direção Executiva Fernando Neves da Silva Guilherme de Salles Gonçalves Editor Acadêmico Luis Gustavo Motta Severo da Silva Presidente José Paulo Sepúlveda Pertence Conselho Editorial Admar Gonzaga Adriano Soares da Costa Alberto Pavie Ribeiro Ana Flora França e Silva Antonio Carlos Mendes Antonio Fernando Barros e Silva de Souza Antonio Villas-Boas Teixeira de Carvalho Armando Sobreiro Neto Arnaldo Versiani Leite Soares Carla Cristine Karpstein Carlos Ayres Britto Carlos Eduardo Caputo Bastos Carlos Mário da Silva Velloso Cármen Lúcia Antunes Rocha Célio Silva Clèmerson Merlin Clève Clóvis Augusto Veiga da Costa Cristiano Hotz Dirceu Andersen Junior Djalma Pinto

Edson Resende de Castro Eduardo Antônio Lucho Ferrão Eneida Desiree Salgado Evandro Castelo Branco Pertence Flávio Henrique Unes Pereira Francisco Peçanha Martins Gustavo Bonini Guedes Henrique Neves da Silva João Alberto Graça Joel José Candido Joelson Dias José Antonio Dias Toffoli José Antonio Fichtner José Eduardo Alckmin Leandro de Souza Rosa Luis Roberto Barroso Luiz Carlos Lopes Madeira Luiz Viana Marcelo Ribeiro Marco Aurélio Belize Marcos Ramayana

Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro Olivar Coneglian Paulo Manuel Valério Pedro Henrique Távora Niess Pedro Roberto Decomain René Ariel Dotti Roberta Maria Rangel Sérgio Banhos Sergio Souza Thales Tácito Luz de Pádua Cerqueira Walter Ramos da Costa Porto Conselho Consultivo e de Redação Carlos Luiz Strapazzon Fernando Gustavo Knoerr José Jairo Gomes Luiz Fernando Casagrande Pereira Marcus Vinicius Furtado Coêlho Néviton de Oliveira Batista Guedes Torquato Lorena Jardim

© 2014 Editora Fórum Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, de fotocópias ou de gravação, sem permissão por escrito do possuidor dos direitos de cópias (Lei nº 9.610, de 19.02.1998).

Luís Cláudio Rodrigues Ferreira Presidente e Editor Av. Afonso Pena, 2770 – 16º andar – Funcionários – CEP 30130-007 – Belo Horizonte/MG – Brasil – Tel.: 0800 704 3737 www.editoraforum.com.br / E-mail: [email protected]

R454 Revista Brasileira de Direito Eleitoral : RBDE. – ano 1, n. 1, (jul./dez. 2009)– . – Belo Horizonte: Fórum, 2009–

Semestral

Impressa no Brasil / Printed in Brazil / Distribuída em todo o Território Nacional Os conceitos e opiniões expressas nos trabalhos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. Esta revista está catalogada em: • RVBI (Rede Virtual de Bibliotecas – Congresso Nacional) • Ulrich’s Periodicals Directory • Library of Congress (Biblioteca do Congresso dos EUA)

ISSN 2176-1671

1. Direito eleitoral. I. Fórum.

CDD: 341.28 CDU: 342.8

Supervisão editorial: Leonardo Eustáquio Siqueira Araújo Revisão: Maria Elizabete de Sousa Capa: Igor Jamur Projeto gráfico: Walter Santos Diagramação: Luiz Pimenta

Sumário

DOUTRINA ARTIGOS A função social dos partidos políticos no atual modelo institucional delineado pela Constituição da República de 1988 Andrey Felipe Lacerda ..............................................................................................................9 1 2 3 3

Introdução ...................................................................................................................9 As Ideologias e o Legislativo em Crise .........................................................................10 Pós-modernidade e Democracia Pluralista ....................................................................16 O Papel dos Partidos Políticos no Estado Constitucional ...............................................20 Conclusão .................................................................................................................26 Bibliografia ................................................................................................................27

O artigo 30-A, §2º, da Lei nº 9.504/97: uma análise à luz da proporcionalidade Guilherme Rodrigues Carvalho Barcelos ...................................................................................29 1 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7 3 4

Considerações iniciais ................................................................................................29 Aspectos gerais da Representação Eleitoral lastreada no artigo 30-A ............................30 Cabimento.................................................................................................................30 Objeto jurídico protegido pela norma ............................................................................32 Legitimados...............................................................................................................33 Rito processual ..........................................................................................................34 Prazo para o ajuizamento ............................................................................................34 Representação Eleitoral e prestação de contas ............................................................35 Procedência da ação: Sanção, Recurso e execução imediata .........................................37 O artigo 30-A, §2º, da Lei nº 9.504/97 à luz da proporcionalidade.................................38 Considerações finais ..................................................................................................39 Referências ...............................................................................................................40

O Poder Judiciário no contexto do Estado democrático de direito: o Ativismo Judicial Larissa Verena Rocha Batista, Paula Zambelli Salgado Brasil ..................................................41 1 2 3 4

Introdução .................................................................................................................41 Novas vertentes do Poder Judiciário na transição do Estado Liberal para o Estado Social de Direito ............................................................................................42 Surgimento do ativismo judicial no Estado Democrático de Direito ................................47 Conclusão .................................................................................................................52 Referências ..............................................................................................................53

O controle de convencionalidade da Lei da Ficha Limpa Marcelo Ramos Peregrino Ferreira ...........................................................................................55 1 1.1 1.2 1.3

Os direitos políticos e a Corte Interamericana .............................................................55 O Caso Yatama .........................................................................................................63 Caso Castañeda Gutman v. México .............................................................................66 Caso López Mendoza v. Venezuela ..............................................................................67

1.4 1.5 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 3 4

Caso Gustavo Petro Urrego ....................................................................................... 68 As restrições possíveis............................................................................................. 69 Controle de Convencionalidade da Lei Complementar nº 135/10 em face do Devido Processo Convencional e dos Direitos Políticos ............................................... 72 O Procedimento ....................................................................................................... 73 A Proibição de Retrocesso dos Direitos Políticos ........................................................ 74 A Presunção de Inocência e o Devido Processo Convencional ...................................... 75 As Presunções ......................................................................................................... 79 A Retroatividade....................................................................................................... 88 A Contagem dos Prazos de Inelegibilidade ................................................................ 95 A Lei das Inelegibilidades ......................................................................................... 97 Conclusão ............................................................................................................. 101

A importância do sufrágio como instrumento de mudança do cenário político e social do Brasil Matheus Lopes Rezende ..................................................................................................... 105 1 1.1 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7 3 3.1 3.2 3.3 3.4

Introdução ............................................................................................................ 105 Estado Democrático de Direito ................................................................................ 107 Democracia no Brasil ............................................................................................. 108 Sufrágio universal .................................................................................................. 109 Soberania popular .................................................................................................. 110 Histórico e surgimento do sufrágio .......................................................................... 112 Conceito de sufrágio .............................................................................................. 113 Plebiscito .............................................................................................................. 115 Referendo ............................................................................................................. 116 Iniciativa Popular.................................................................................................... 116 Voto ...................................................................................................................... 117 Reforma Política..................................................................................................... 118 Voto Distrital ......................................................................................................... 119 Voto em Lista ........................................................................................................ 119 Financiamento público de campanhas ..................................................................... 120 Coligação na eleição proporcional............................................................................ 121 Conclusão ............................................................................................................. 121 Bibliografia ............................................................................................................ 123

A promessa enganosa em propaganda eleitoral: meios de controle compatíveis com o estado constitucional democrático Morton Luiz Faria de Medeiros ............................................................................................ 125 1 2 3 3.1 3.2 4

Introdução ............................................................................................................. 125 “Governo do povo” e processo eleitoral ................................................................... 126 “Governo pelo povo”, representação democrática e mandato eletivo .......................... 128 “Governo para o povo”: a propaganda eleitoral e suas promessas ............................. 130 Análise conceitual da propaganda política ................................................................ 131 Cumprimento das promessas eleitorais após a eleição: controle possível .................. 135 Considerações finais .............................................................................................. 140 Referências ........................................................................................................... 142

O embate dos princípios da legalidade e da moralidade na jurisdição eleitoral brasileira Tamira Almeida Martins ..................................................................................................... 145 1

Introdução ............................................................................................................. 145 O papel da Jurisdição Eleitoral brasileira ................................................................. 147

2

Os desvios de legalidade na busca por moralização política .................................... 156 Conclusão ............................................................................................................. 172 Referências bibliográficas ....................................................................................... 174

Bolsa Família como atalho cognitivo em eleições presidenciais: um estudo a partir do Google Trends (2006, 2010 e 2014) Thiago Perez Bernardes de Moraes, Romer Mottinha dos Santos .......................................... 177 1 1.1 2 2.1 3 4 4.1 4.2 5

Introdução ............................................................................................................. 177 Programa Bolsa Família .......................................................................................... 178 Eleições presidenciais e Bolsa Família ..................................................................... 181 Internet e pesquisa social....................................................................................... 184 Google Trends e estudos eleitorais.......................................................................... 185 Metodologia .......................................................................................................... 187 Resultados ............................................................................................................ 187 Google Trends, Eleições e Bolsa Família .................................................................. 187 Distribuição de Votos e de interesse por Bolsa Família por região do país .................. 190 Considerações finais .............................................................................................. 196 Referências ........................................................................................................... 197

PARECER Cabos Eleitorais – Artigo 100 da Lei 9.504/97 – Constitucionalidade – Ausência de vínculo empregatício – Competência da Justiça do Trabalho – Artigo 114 da Constituição Federal Rafael de Almeida Ribeiro ................................................................................................... 201 Consulta ............................................................................................................... 201 Parecer Jurídico ..................................................................................................... 202

Instruções para os autores ............................................................................ 217

Bolsa Família como atalho cognitivo em eleições presidenciais: um estudo a partir do Google Trends (2006, 2010 e 2014)

Thiago Perez Bernardes de Moraes Cientista político. Professor no Centro Universitário Campos de Andrade (UNIANDRADE). Doutorando em Psicologia Social pelo programa de pós-graduação stricto sensu da Universidad Argentina John Fitzgerald Kennedy (UAJFK). E-mail: [email protected]

Romer Mottinha dos Santos Cientista político. Mestre em ciência política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: [email protected]

Resumo: O Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda do mundo, goza de bastante popularidade e é uma das políticas mais marcantes do governo federal. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é aferir se o interesse popular pelo programa de alguma forma influenciou as eleições de 2006, 2010 e 2014. Traçamos duas hipóteses: I) há relação temporal entre o interesse por eleições e o interesse por Bolsa Família; II) nos estados onde houve maior interesse pelo programa é provável que haja uma tendência de que o PT obtenha mais votos e o PSDB menos votos. Para testar nossas hipóteses utilizamos o Google Trends para gerar frequências temporais e espaciais sobre o interesse por Bolsa Família e eleições; utilizamos também dados sobre a proporção de distribuição de votos nas eleições. Nossos resultados sinalizam que as hipóteses gozam de aderência, isso considerando que identificamos uma correlação temporal entre o interesse por eleições e por Bolsa Família; segundo, pois encontramos correlações entre o interesse pelo programa e os votos, sendo que estas correlações são positivas para com o PT e negativas para o PSDB. Palavras-chave: Bolsa Família, Eleições, Google Trends, PT, PSDB. Sumário: Introdução – 1 Programa Bolsa Família – 2 Internet e pesquisa social – 3 Metodologia – 4 Resultados – 5 Considerações finais – Referências

Introdução O Programa Bolsa Família foi criado em 2004 com a finalidade de unificar procedimentos de transferência de renda por parte do governo federal. Ao que parece,

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o programa exerceu de alguma forma influência nas eleições presidenciais. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é responder duas questões: I) há relação temporal entre o interesse por Bolsa Família e eleições?; II) o interesse pelo programa Bolsa Família afetou de alguma forma a votação dos candidatos á presidente pelo PT e pelo PSDB nas eleições de 2006, 2010 e 2014 ? Para responder essas questões traçamos duas hipóteses: I) há correlação temporal entre o interesse pelo Bolsa Família e o interesse por eleições; II) nas regiões onde é maior o interesse pelo programa Bolsa Família há uma tendência, em eleições presidenciais, de penalização eleitoral dos candidatos do PSDB e de premiação dos candidatos do PT. Para testar nossas hipóteses utilizamos duas fontes de dados distintas: 1) distribuição de votos (1º e 2º turnos) dos candidatos à presidência pelo PT e PSDB nas eleições de 2006, 2010 e 2014 (DataIpea); 2) frequências geoespaciais de interesse geradas com o Google Trends. Traçamos com o Google Trends uma frequência para o termo Bolsa Família, dentro do ficheiro de interesse “serviços sociais” e traçamos também uma frequência do tipo Beta para o conjunto Eleições dentro da categoria subcategoria de política “eleições e campanhas”. Com os dados organizados traçamos dois caminhos: 1) realizamos um estudo comparativo entre as frequências temporais de interesse relativas a eleições e ao Bolsa Família; 2) realizamos um estudo de correlações comparando a distribuição de interesse pelo tema Bolsa Família e o resultado eleitoral (1º e 2º turnos) das eleições de presidente nos anos de 2006, 2010 e 2014, considerando apenas os candidatos do PT e do PSDB. Nossos resultados sinalizam que ambas a hipóteses gozam de aderência, primeiro porque encontramos correlações temporais entre o interesse por Bolsa Família e eleições, segundo, pois houve forte correlação entre o interesse por Bolsa Família e os votos presidenciais, sendo que as correlações foram negativas para os candidatos do PSDB e positivas para os candidatos do PT.

1 Programa Bolsa Família O Programa Bolsa Família foi criado em 2003,1 com a finalidade de unificar procedimentos e ações de transferência de renda do governo federal. Em pouco

1

O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o país. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria, que tem como foco de atuação os milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 77 mensais e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. O Bolsa Família possui três eixos principais: a transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza; as condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social; e as ações e programas complementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade. Todos os meses, o governo federal deposita uma quantia para as famílias que fazem parte do programa. O saque é feito com cartão magnético, emitido preferencialmente em nome da mulher. O valor repassado depende do tamanho da família, da idade dos seus membros e da sua renda. Há benefícios específicos para famílias com crianças, jovens até 17 anos, gestantes e mães que amamentam (BRASIL, 2015).

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tempo, o programa se consolidou como um carro-chefe das políticas sociais do governo federal, presente em 26 estados, no Distrito Federal e em 5.563 municípios (LICIO; RENNÓ, CASTRO, 2009). O Programa tem sua matriz em quatro programas sociais do governo federal que foram criados entre os anos de 2001 e 2002 (Bolsa Escola, Programa Nacional de Acesso à Alimentação, Bolsa Alimentação e Auxílio Gás).2 Nesse sentido, pode-se dizer que o Bolsa Família é a continuidade destes programas anteriores, notadamente, vem se destacando como o principal programa de transferência de renda aplicado em todo mundo, abrangendo atualmente mais de 13 milhões de famílias (COSTA; LOBO, 2014). A pobreza é um problema complexo e, como tal, não admite uma solução fácil. Então, não pode ser resolvida simplesmente por meio de um programa de transferência direta de renda como o Bolsa Família. Todavia, tal programa enfrenta importantes questões ligadas à pobreza, oferecendo uma resposta pelo menos parcial; melhor ainda, lida com algumas de suas facetas (REGO; PINZANI, 2014, p. 19-20). O Bolsa Família pode ser visto como política de urgência moral, capaz de estabelecer as condições mínimas para o desenvolvimento de autonomia ética e política (REGO; PINZANI, 2014, p. 223).

Tabela 1. Distribuição anual de número de benefícios Bolsa Família concedidos e totais em R$ de valores gastos com o programa

Ano

Número de benefícios Bolsa Família concedidos

Total em R$ gastos com o Bolsa Família

2004

6.571.839

439.870.605,00

2005

8.700.445

549.385.527,00

2006

10.965.810

686.701.812,00

2007

11.043.076

831.106.698,00

2008

10.557.996

905.899.897,00

2009

12.370.915

1.174.266.196,00

2010

12.778.220

1.239.042.080,00

2011

13.352.306

1.602.079.650,00

2012

13.900.733

2.012.526.564,00

Fonte: DataIpea, elaboração dos autores.

2

Dois fatores justificam a junção destes quatro programas sociais em apenas um, o Bolsa Família. Primeiro, havia uma coincidência constante entre as famílias beneficiadas nestes programas, ou seja, as famílias que eram beneficiadas por um programa na maioria das vezes faziam jus para receber outros, logo, não fazia sentido cadastros diferenciados para cada um dos programas. Segundo, essa unificação melhorou os mecanismos de fiscalização e transparência (COSTA; LOBO, 2014).

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Gráfico 1. Distribuição anual de número de benefícios Bolsa Família concedidos e total em R$ de valores gastos com o programa

Fonte: DataIpea, elaboração dos autores.

Conforme se observa na Tabela 1 e no Gráfico 1, houve de 2004 a 2012 uma tendência forte de aumento quanto ao número de concessões de benefícios do Bolsa Família e também consequentemente, houve expressivo aumento no que diz respeito aos gastos com o programa. É só observar que em 2004, foi gasto com o beneficio R$ 439.870.605,00 e em 2012, foi gasto mais que o quádruplo deste valor, R$ 2.012.526.564,00. Esse grande aumento no valor gasto com o programa, conseguiu sustentar uma sólida elevação no número de benefícios concedidos, indo de 6.571.839 em 2004 para 13.900.733 em 2012. No que diz respeito ao funcionamento do programa, o governo federal é o responsável por coordenar, financiar a gestão e também por pagar os benefícios diretamente para as famílias. Já os governos estaduais dão apoio técnico para os municípios que por sua vez executam diretamente o programa por meio dos cadastros dos beneficiários, do acompanhamento das famílias, gestão de benefícios e controle das condicionalidades. Podemos considerar que o Programa Bolsa Família

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é descentralizado e fortemente focalizado.3 Os indivíduos que querem ter acesso ao beneficio, além de terem de cumprir com as condicionalidades devem se cadastrar junto ao seu município (LICIO; RENNÓ; CASTRO, 2009). A Consolidação desse programa, indubitavelmente, trouxe largos benefícios para a sociedade. Isso se considerarmos que o Bolsa Família ajudou de forma direta a reduzir a desigualdade e a pobreza extrema, não obstante, gerou impactos positivos sobre indicadores educacionais sem representar pressão negativa sobre a participação da forma de trabalho. Outro avanço inegável foi a significativa redução da mortalidade infantil (segundo a Organização das Nações Unidas, o Bolsa Família fez diminuir em 17% a mortalidade infantil) (SOARES; RIBAS; OSÓRIO, 2010; COSTA; LOBO, 2014; SHEI et al., 2014).

1.1 Eleições presidenciais e Bolsa Família Um dos maiores desafios da sociologia e da ciência política reside na identificação dos fatores que podem interferir em resultados eleitorais. No caso brasileiro, a maioria dos estudos tem buscado explicar as características e os processos de representação partidária por meio da ênfase nas instituições, no funcionamento dos partidos e também nas determinantes do voto (MARQUES et al., 2009). A pobreza que, como categoria social, costuma ser medida estatisticamente sobretudo por meio de critérios fundamentados em níveis de renda, é visível a olho nu, incomoda a todos em geral e é maior desgraça que pode existir sobre a face da terra, em especial para os que são pobres. Como sempre existiu, a pobreza foi considerada durante muito tempo como algo natural. Hoje em dia, muitos ainda pensam assim (BARBOSA, 1988, p. 13). A falta de instrução intimamente relacionada às carências de todas as espécies que compõem a situação de pobreza, em especial da pobreza extrema, sempre foi encarada pela sociedade como um obstáculo à participação política daqueles que, não possuindo nenhum grau de escolaridade, seriam considerados incapacitados por ignorância a participar da vida pública (BARBOSA, 1988, p. 126). Nem sempre dinheiro ou favores, exclusivamente, conquistam o voto. Incluindo os mais pobres, o candidato para impor-se precisa de algo mais, e a “compra” do voto é um processo muito mais complexo do que se pode imaginar. Para o indivíduo pobre, a busca de identificação com o candidato é vital. Vem por meio de um discurso que aborde problemas cotidianos, de uma retórica exaltada em moralismo ou eivada

3

A maior parte dos recursos é destinada ao Norte e ao Nordeste do país, o que possibilitou em larga medida um aumento do PIB nas regiões mais pobres do país e também das taxas de consumo, contudo, é possível visualizar que parte deste crescimento ocorreu em detrimento do crescimento do centro-sul do país. Apesar de o programa ter promovido intensas mudanças socioeconômicas, não se pode considerar que ele seja uma eficiente política de crescimento econômico (SILVA, 2014).

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de uma ideologia cabocla de justiça social. É preciso ressaltar a diferença entre ricos e pobres e clamar por vingança contra os que no momento detêm o poder, os quais, geralmente não conseguem nem pretendem de fato satisfazer as aspirações populares (BARBOSA, 1988, p. 45). O voto não constitui, necessariamente, um precioso instrumento democrático, sendo mais um dever do que um direito do cidadão brasileiro. Principalmente para a pobreza extrema, o ato de votar nunca significou qualquer acréscimo importante que mudasse a escassez de seus recursos políticos econômicos. A percepção que o voto quase ou nada pode mudar a situação, bem nítida entre os indivíduos pobres, não altera, contudo, o seu interesse em votar (BARBOSA, 1988, p. 49). Os teóricos econômicos quase sempre examinaram as decisões como se elas fossem tomadas por mentes racionais.4 Esta simplificação é necessária para a previsão de comportamento, pois as decisões tomadas aleatoriamente, ou sem qualquer relação entre si, não obedecem a nenhum padrão. A análise econômica consiste de dois importantes passos: descoberta dos objetivos que aquele que toma decisão está perseguindo e análise de quais meios de atingi-los são os mais razoáveis, ou seja, exigem a menor aplicação de recursos escassos. Todas as vezes que os economistas se referem a um homem racional, eles não estão designando um homem cujos processos de pensamento consistem exclusivamente de preposições lógicas, ou um homem sem preconceitos, ou um homem em que as emoções são inoperantes. A definição econômica se refere unicamente ao homem que se move em direção a suas metas de um modo que, ao que lhe é dado saber, usa o mínimo insumo possível de recursos escassos por unidade de produto valorizado (DOWNS, 1999, p. 26-27). A incerteza altera toda essa situação ao remover a competência perfeita dos eleitores em relacionar cada decisão partidária a suas próprias ideologias. Os eleitores não conhecem em detalhe o que são as decisões do governo, e não conseguem descobrir isso, exceto a um custo significativo. Também não sabem, antecipadamente, que problemas o governo possivelmente enfrentará no próximo período eleitoral (DOWNS, 1999, p. 119). Por conta disso, quando defrontado com a necessidade de realizar uma tomada de decisões, é comum que os eleitores busquem atalhos cognitivos (REBELLO, 2011) que em um sentido lato nada mais são que

4

Um homem racional é aquele que se comporta da seguinte forma: sempre consegue tomar uma decisão quando confrontado com uma gama de alternativas; classifica todas as alternativas diante de si em ordem de preferência de tal modo que cada uma é ou preferida, indiferente, ou inferior a cada uma das outras; seu ranking de preferências é transitivo; sempre escolhe, dentre todas as alternativas possíveis, a que fica em primeiro lugar em seu ranking de preferências; e sempre toma a mesma decisão cada vez que é confrontado com as mesmas alternativas (DOWNS, 1999, p. 28). Claro que tal modelo de racionalidade, altamente sofisticada é por assim dizer, improvável, contudo, a noção de que há tendência em maximizar a utilidade nas relações tem alguma aderência. Assim, a teoria da escolha racional se usada com moderação, oferece um arcabouço amplo de aplicação para os problemas de ciência política, sobretudo os que se referem a problemas de ação coletiva (MORAES; MILLANI, 2014).

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simplificações, fragmentos da imagem do cenário politico que são utilizados como pontos de referência. Nesse diapasão, sugerimos neste trabalho que o Bolsa Família talvez seja um importante atalho cognitivo utilizado na tomada de decisão eleitoral em eleições presidenciais brasileiras. Quanto à reeleição de 2006, há evidências que apontam para um forte influência do “fator” Bolsa Família sob a cognição do eleitorado. Primeiro, podemos elencar o desvio de publicidade do Programa Fome Zero para o Programa Bolsa Família. Podemos elencar também a estimativa de que nas eleições de 2006, pelo menos 83% dos beneficiários do Bolsa Família votaram em favor da reeleição de Lula (AGUIAR, 2014). Há de se considerar que em 2006 houve um fenômeno distinto, Lula conseguiu obter votação praticamente idêntica à que o elegeu em 2002 (60,9% e 61,3%), em um terreno de intenso fluxo de mudança das bases geoeleitorais. A análise econométrica geoespacial do período revela um novo padrão na distribuição espacial de votos, onde de um lado Lula continua a receber apoio de suas bases históricas (2002), contudo, houve significativa perda de votos em municípios onde, em 2002, Lula obteve grandes votações, indicando perda de coesão. Essa perda quanto acesso a votos em redutos geoeleitorais tradicionalmente coesos se deu com mais força nos territórios metropolitanos populosos do Sul, Sudeste, e também, em regiões de municípios do Sudoeste do Paraná e Oeste de Santa Catarina. Ao que tudo indica, o Bolsa Família5 exerceu grande participação na renda local de redutos específicos, gerando uma motriz de formação de um novo contorno de bases geoeleitorais, sendo que, a explicação do voto municipal se mostra mais rígida (SOARES; TERRON, 2008). Vale lembrar que as eleições de 2006 foram marcadas por escândalos de corrupção6 contra o governo Lula, mas nem isso conseguiu diminuir o “efeito Bolsa Família”, o que sinaliza que para boa parte da população brasileira o atendimento de necessidades básicas, tais com aquelas que o Bolsa Família permite atingir, representa maior peso na cognição eleitoral, estando acima de questões de ética, combate à corrupção e transparência (HUNTER; POWER, 2007). Esse peso que o Bolsa Família teve nas eleições de 2006 parece ter feito significativo efeito também nas eleições de 2010, possibilitando de alguma forma o acesso de Dilma Roussef à Presidência. O Destaque dessa eleição foi o enfoque que a campanha deu ao Bolsa Família e também o apoio direto da figura do ex-presidente Lula (AGUIAR, 2014). Um estudo recente (SOARES; TERRON, 2008), identificou

5

6

Em relação à votação de 2002, a proporção de votos alcançados por Lula em regiões centro-sul do país (até então onde ele obtinha bons resultados) diminuiu, em contrapartida, houve significativo aumento de votações nas regiões Norte e Nordeste, sobretudo em municípios onde o Programa Bolsa Família cadastrou mais beneficiários. Apesar de o efeito mensalão ter “blindado” a votação de Lula, esse efeito não se estendeu ao Partido dos Trabalhadores, visto que pela primeira vez na história o partido não conseguiu melhorar o desempenho eleitoral para a Câmara dos Deputados em relação à eleição anterior (TERRON; SOARES, 2010).

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através de um modelo de regressão beta que, o impacto do Bolsa Família sob a eleição presidencial de Dilma em 2010 foi tão grande que, caso o programa não existisse, a candidata poderia ter perdido aproximadamente 2.125 milhões de votos na região Nordeste (segundo maior sítio eleitoral do país). Todos esses estudos que elencamos, assim como a maior parte da literatura recente, encara a relação x efeito que o Bolsa Família pode incitar sob as votações dos candidatos à presidência pelo Partido dos Trabalhadores, entretanto, estes trabalhos não levantam hipóteses sobre a relação que o Bolsa Família pode ter sob as votações presidenciais do PSDB. Nesse sentido, nosso trabalho objetiva preencher duas grandes lacunas na literatura nacional: 1) o uso do Google Trends para o encontro de delimitantes do voto presidencial no Brasil; 2) a influência que o Programa Bolsa Família exerce sob o voto presidencial de candidatos do PSDB.

2 Internet e pesquisa social A internet hoje desempenha um papel central na vida de quase 40% da população do mundo (três bilhões de pessoas) e tal proporção, cresce em ritmo exponencial junto com a complexidade onde a internet passa a se entrelaçar de forma direta com a vida cotidiana. Isso trouxe implicações praticamente inexoráveis para a sociedade, trouxe também um novo leque metodológico para cientistas sociais. Considera-se que, nesse sentido, é fortuita uma integração entre ciências sociais e estudos de internet, visto que teremos meios cada vez mais rígidos de recolher dados sobre comportamentos reais a custos cada vez mais reduzidos, o que ad hoc representa um avanço sem pretendente não só para ciência política, mas também, para as demais ciências sociais (GOSLING; MASON, 2015). De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, apesar da crescente importância da internet no Brasil é alto o percentual que ainda não utilizam a internet (51%). Todavia, entre os usuários, a exposição é intensa e com um padrão semelhante: 76% dos indivíduos acessam a internet todos os dias, com uma exposição média de 4h59 de segunda a sexta-feira e de 4h24 nos finais de semana. Eles estão em busca de informação (67%), de diversão e entretenimento (67%), de uma forma de passar o tempo livre (38%) e de estudo e aprendizagem (24%). No Brasil, as características sociodemográficas da população têm um grande impacto no uso da internet, principalmente se comparada aos outros meios de comunicação. Renda e escolaridade criam um hiato digital entre quem é um cidadão conectado e quem não é. Já os elementos geracionais ou etários mostram que os jovens são usuários mais intensos das novas mídias (BRASIL, 2014, p. 49). Um dos métodos mais atuais para mensurar o interesse público é o acompanhamento das buscas realizadas em motores de internet em que uma das ferramentas mais populares é o Google Trends (MORAES; SANTOS, 2014).

184

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BOLSA FAMÍLIA COMO ATALHO COGNITIVO EM ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS: UM ESTUDO A PARTIR DO GOOGLE TRENDS...

Na econometria, alguns estudos recentes têm aplicado pesquisas com o Google Trends como método para medir a temperatura do mercado financeiro, o preço das ações, ritmo de empreendedorismo e criação de empresas (KULKSRINI et al., 2009; SMITH, 2012; MARTÍNEZ; ROMÁN; IDOETA, 2015 ). Outra área na qual o Google Trends mostrou grande eficiência foi na epidemiologia. Por exemplo, a ferramenta com sucesso mensurou surtos de gripe (KANG et al., 2013; CHO et al., 2013), dengue (CHAN et al., 2011), distribuição geográfica de desordens mentais (AYERS et al., 2013) e de muitas outras doenças; além disso, mensurou a procura por procedimentos cirúrgicos como cirurgias bariátricas (LINKOV et al., 2014), cirurgias plásticas (DAVIES et al., 2011). Apesar de o Google Trends estar ganhando mais espaço nas agendas de pesquisa, no âmbito das ciências sociais e políticas podemos dizer que a utilização da ferramenta está ainda em fase embrionária, nesse ponto, este trabalho visa contribuir para o preenchimento dessa lacuna.

2.1 Google Trends e estudos eleitorais O economista Seth Stephens-Davidowitz foi um dos primeiros a utilizar o Google Trends para estudar as preferências e seus efeitos nas campanhas eleitorais americanas. Ele argumenta que a ferramenta pode ser usada para prever a taxa de participação (de votantes), nas diferentes partes dos Estados Unidos (STEPHENSDAVIDOWITZ, 2013). Seth Stephens-Davidowitz também realizou um estudo sobre as eleições presidenciais de 2008 e o efeito que o racismo exercia sobre a distribuição de votos. Ele utilizou os dados sobre a distribuição estadual de votos para presidente e a distribuição estadual de interesse pelo termo nigger (um termo ofensivo para negro) e outros termos correlatos, formando a frequência média que ele denomina como racially charged search rate. O resultado do estudo aponta que, nos estados onde foram mais elevados os valores do racially charged search rate, menor foi o desempenho eleitoral de Barack Obama. Isso sinaliza que o fator racismo influenciou de forma direta e negativa o desempenho eleitoral de Obama e de forma positiva John Kerry. Dificilmente institutos de pesquisa de opinião tradicional iriam conseguir mensurar esse efeito, considerando que há uma tendência muito grande das pessoas mentirem em relação a assuntos constrangedores como racismo (STEPHENSDAVIDOWITZ, 2012). Outro estudo de dados em painel econométrico mostrou que as estatísticas geradas pelo Google Trends têm largo poder preditivo no que diz respeito aos votos nas eleições espanholas, de tal forma que aumentos quanto à média total de buscas por partidos e candidatos eleva no mundo real a quantidade de votos válidos para os mais procurados nos motores de busca. Para gerar o modelo, foi extraído do Google Trens séries referente a buscas de termos relativos aos partidos políticos espanhóis e a posteriori comparou-se com os resultados eleitorais, de forma que se encontrou R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 6, n. 11, p. 177-198, jul./dez. 2014

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THIAGO PEREZ BERNARDES DE MORAES, ROMER MOTTINHA DOS SANTOS

significativa correlação entre os resultados apresentados pelo Google e as eleições na Espanha (MARTÍNEZ; ROMÁN, 2014). Recentemente avaliou-se o padrão de acesso dos motores do Google no Brasil, correlacionaram-se frequências de interesse relacionadas ao tema eleições a cinco grandes áreas das políticas públicas: I) educação, II) transporte, III) saúde, IV) economia, e V) segurança. Não se encontrou relação entre os períodos eleitorais e o interesse por esses temas, sinalizando que a maior parte dos internautas brasileiros em períodos eleitorais segue um padrão econômico de distribuição de interesse mais instrumental, preocupado com a burocracia a cumprir para poder votar e menos antenado aos temas de política pública. Esse resultado parece refletir uma histórica apatia política e também, com uma racionalidade, afinal, tempo também é um recurso, logo, os indivíduos distribuem seu interesse não podendo por assim dizer, num sentido schumpeteriano,7 gastar tempo com o entendimento de assuntos relacionados a políticas públicas (algo cognitivamente confuso e desgastante ao eleitor comum) (MORAES; SANTOS, 2014). O interesse manifesto por ideologias e grupos sociais foi estudado com o Google Trends através da análise da quantidade de acessos por termos de pesquisa relacionados à ideologia feminista e a distribuição da qualidade da democracia nos países e de proporção de assentos ocupados por mulheres nos congressos em 101 países dos seis continentes. O resultado indica que, onde os indivíduos são mais interessados por feminismo, há maior qualidade democrática e também, mais mulheres ocupando os assentos nos congressos como legisladoras. Isso não quer dizer que haja uma causalidade ad hoc implícita, mas podemos conjecturar que o amadurecimento e um maior compartilhamento por valores igualitários, de alguma forma, colaboram para a melhoria da sociedade (MORAES et al., 2014). Podemos citar também um estudo recente, desta vez nos Estados Unidos, que testou a influência do interesse relacionado à campanha de Barack Obama, rumores de tomadas de decisão política e o agendamento da mídia. De forma comparativa, o interesse maior por temas substantivos relacionados à campanha de Obama antecedeu de forma consistente a forma com que a mídia agendou seu enquadramento (WEEKS; SOUTHWELL, 2010).

7

Joseph A. Schumpeter na obra “Capitalismo, Socialismo e Democracia” descreve que quando nos afastamos mais dos interesses privados da família e do trabalho e mergulhamos no domínio dos negócios nacionais e internacionais que necessitam de vínculo direto e inconfundível com esses interesses, o conhecimento dos fatos e os métodos de inferência deixam logo de satisfazer às necessidades. As grandes questões políticas tomam seu lugar na economia psíquica do cidadão típico lado a lado com os interesses das horas de lazer, que não alcançaram ainda a posição de hobbies, e com assuntos sem importância. Esse reduzido senso de realidade explica não apenas a existência de um reduzido senso de responsabilidade, mas também a ausência de uma vontade eficaz (SCHUMPETER, 1961, p. 312).

186

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BOLSA FAMÍLIA COMO ATALHO COGNITIVO EM ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS: UM ESTUDO A PARTIR DO GOOGLE TRENDS...

3 Metodologia Neste trabalho utilizamos duas fontes de dados distintas: 1) distribuição de votos (1º e 2º turnos) dos candidatos à presidência pelo PT e PSDB nas eleições de 2006, 2010 e 2014 (DataIpea); 2) frequências geoespaciais de interesse geradas com o Google Trends. Traçamos com o Google Trends uma frequência para o termo Bolsa Família, dentro do ficheiro de interesse “serviços sociais” e traçamos também uma frequência do tipo Beta para o conjunto Eleições dentro da categoria subcategoria de política “eleições e campanhas”. Escolhemos estratificar as frequências por categorias ao invés de adotar o padrão neutro (todas as categorias) a fim de diminuir o ruído em nossa amostragem e possibilitar uma média com maior aderência a proposta. Depois de organizadas as frequências, nós realizamos dois passos: 1) realizamos um estudo comparativo entre as frequências temporais de interesse relativas a eleições e ao Bolsa Família; 2) realizamos um estudo de correlações comparando a distribuição de interesse pelo tema Bolsa Família e o resultado eleitoral (1º e 2º turnos) das eleições de presidente nos anos de 2006, 2010 e 2014, considerando apenas os candidatos do PT e do PSDB.

4 Resultados 4.1 Google Trends, Eleições e Bolsa Família Abaixo, no Gráfico 2 e 3 expomos as frequências relativas ao interesse mensurado por eleições e o relativo ao Programa Bolsa Família, no período de janeiro de 2004 até outubro de 2014, totalizando 565 semanas de dados.

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THIAGO PEREZ BERNARDES DE MORAES, ROMER MOTTINHA DOS SANTOS

Gráfico 2. Frequência temporais separadas de interesse por eleições e por Bolsa Família

Fonte: Google Trends, elaboração dos autores.

Nota-se que a frequência por eleições segue uma sazonalidade bastante regular, marcada por picos regulares em outubro a cada dois anos, ou seja, reflete o período eleitoral, em que os eleitores buscam mais informações sobre esta arena, mais do que em outros períodos. É interessante notar que, o maior pico de interesse sobre o programa Bolsa Família foi em 19.05.2013, período em que, ao que parece, houve um grande boato (com enorme repercussão, inclusive na mídia) de que o governo pretendia extinguir o benefício Bolsa Família. É interessante notar que esse boato, além do fluxo de buscas on-line, causou grande procura por agências da Caixa Econômica Federal, sobretudo nas capitais: Rio de Janeiro, Belém e Manaus. Tal interesse demonstra um medo em relação à perda do benefício, algo esperável em perspectiva racional, mesmo tratando-se de um boato. Na época, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e a Caixa Econômica Federal, negou os boatos e prometeu abrir um inquérito junto à Polícia Federal a fim de apurar a origem do boato. Já o segundo maior pico de pesquisa, outubro de 2014, está claramente ligado ao período eleitoral. É importante notar também que há uma tendência constante de crescimento de interesse pelo Bolsa Família, o que mostra, em alguma medida, que os brasileiros estão cada vez mais antenados neste tema.

188

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BOLSA FAMÍLIA COMO ATALHO COGNITIVO EM ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS: UM ESTUDO A PARTIR DO GOOGLE TRENDS...

Gráfico 3. Frequências temporais comparadas de interesse por eleições e por Bolsa Família

Fonte: Google Trends, elaboração dos autores.

Tabela 2. Estatística descritiva das frequências de interesse por eleições e Bolsa Família; correlação de Pearson entre eleição e Bolsa Família Grupo

Semanas

Média

CI 95%

Desvio Padrão

Bolsa Família

565

11.697

10.984 - 12.411

8.654

0.0

100.0

Eleições

565

3.407

2.717 - 4.097

8.370

0.0

100.0

Correlação

r

Bolsa Família x Eleições

0.141

Min

Max

p < 0.001

Fonte: elaboração dos autores.

É visível na estatística descritiva (Tabela 2) que o Bolsa Família possui uma média de interesse que representa mais do que o triplo do interesse por eleições, entretanto, o desvio padrão entre essas faixas de interesse é bastante semelhante. Expomos também que há uma consistente correlação (r=0.141, p< 0.001) entre o interesse temporal por Bolsa Família e o interesse por Eleições, o que quer dizer que há uma tendência de elevação do interesse por Bolsa Família em períodos eleitorais. No Gráfico 4 traçamos um gráfico de dispersão para melhor ilustrar essa relação.

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189

THIAGO PEREZ BERNARDES DE MORAES, ROMER MOTTINHA DOS SANTOS

Gráfico 4. Dispersão entre o interesse temporal por eleições e por Bolsa Família (2004 – 2014)

Fonte: elaboração dos autores.

Essa correlação temporal entre interesse por Eleições e por Bolsa Família é ainda mais interessante se considerarmos que em um estudo anterior (MORAES; SANTOS, 2014) buscou-se, sem sucesso, correlações entre o interesse por eleições e cinco grandes áreas das políticas públicas. Isso de alguma forma reforça a ideia de que o Bolsa Família é um dos principais atalhos cognitivos em eleições presidenciais brasileiras.

4.2 Distribuição de Votos e de interesse por Bolsa Família por região do país Na Tabela 3 elencamos os dados referentes à porcentagem total da distribuição de votos de primeiro e segundo turnos nas eleições de 2006, 2010 e 2014 (considerando apenas os candidatos do PT e do PSDB). Agregamos também na Tabela 3 médias relativas a faixas de distribuição de interesse pelo tema Bolsa Família por estado mensuradas com o Google Trends.

190

R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 6, n. 11, p. 177-198, jul./dez. 2014

BOLSA FAMÍLIA COMO ATALHO COGNITIVO EM ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS: UM ESTUDO A PARTIR DO GOOGLE TRENDS...

(continua)

Tabela 3. Distribuição por Estado de votos para os presidenciáveis e média de interesse pelo tema Bolsa Família

63

61

44

70

54

36

47

43

49

40

53

100

44

73

36

86

47

55

37

61

0

54

57,12

50

78

0

43,67 52,41

67

73

67

45,3

88

55

88

78,6

66

0

66

42,89

0

0

0

46,15

100

0

100

38,1

0

Média interesse em Bolsa Famíli (2004 – 2010) 64

76.70

Média interesse em Bolsa Família 2004 - 2014

Média de interesse em Bolsa Família 2004 - 2006

69,79

53,18

64,11

39,54 37,51 43,48

62,31 57,12

69,56

27,57

41

32,1

44,47 41,32 39,75

53,2

Dilma 2º turno 2014

33,12

11,62

48,89 44,87 58,45

46,8

42,88 23,02

41,55

79,09

51,11 55,13 41,55

47,93

56,33 47,59 68,3

35,12

49,25

20,91

42,94 39,86 46,98

37,7

54,7 61,44

36,1

49,17

50,75

70,65

44,16 42,35 30,76

21,4 54,54

14,97

52,81

50,83

42,23

15,09

57,11 51,1

18,28

77,35

47,19

37,25

39,48

53,85

49,94

19,41

70,85

22,65

31,74

35,44

61,9

27,98

22,12 25,44

19,43

29,15

66,3

24,3

23,3

Dilma 1º turno 2014 29,09

53,63 62,66

80,57

62,62

16,36

30,21

Aécio Neves 1º turno 2014 30,33

46,37 37,34

64,98

20,98

35,89

Dilma (PT) – 2º turno 2010

69,67

50,92 47,38

8,47

37,69 42,88

José Serra (PSDB) – 2º turno 2010

24

36,46 21,36

59

Dilma (PT) 1º turno 2010

52

Maranhão

191

R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 6, n. 11, p. 177-198, jul./dez. 2014

Aécio Neves 2º turno 2014

José Serra (PSDB) 1º turno 2010

Mato Grosso

55,02

39,88 17,62

34,8 21,92

50,3

13,19

15,37

29,6

45,22

38,56

56,96

34,46

47,64

82,38

43,04

Geraldo Alckmin (PSDB) - 2º turno 2006

78,08

60,12 86,8

49,69 44,98 65,19 70,4

37,15

84,63

61,45

44,11

54,78

62,36

22,79

65,54

Lula (PT) - 2º turno 2006

26,03

41,69 12,45

Goiás

40,17

54,82 56,25 40,62 37,79 32,19

Espírito Santo

52,97

18,81

51,79

Distrito Federal

37,05

51,5

Geraldo Alckmin (PSDB) 1º turno 2006

Ceará

71,22

51,78

Bahia

66,55

50,8

Amazonas

78,06

38,65 35,99 54,4

75,5

Amapá

Estados

Alagoas

46,63

Pará

42,62

Minas Gerais

Lula (PT) 1º turno 2006

Mato Grosso do Sul Acre

THIAGO PEREZ BERNARDES DE MORAES, ROMER MOTTINHA DOS SANTOS

(conclusão) Paraíba

65,31

27,87

75,01

24,99

28,14

51,76

38,45

61,55

23,38

55,61

35,74

64,26

94

79

45

Paraná

37,9

53,01

49,24

50,75

43,94

38,94

55,44

44,56

49,79

32,54

60,98

39,02

30

32

40

Pernambuco

70,93

22,86

77,32

22,68

17,37

61,74

24,35

75,65

5,92

44,22

29,75

70,25

92

64

87

Piauí

67,28

28,05

77,32

22,67

20,93

67,09

30,02

69,98

13,84

70,61

21,78

78,22

76

51

80

Rio de Janeiro

49,18

28,86

69,69

30,31

22,53

43,76

39,52

60,48

26,94

35,62

45,06

54,94

60

51

71

Rio Grande do Norte

60,17

31,57

69,73

30,27

28,14

51,76

40,46

59,54

19,82

60,06

30,04

69,96

56

59

66

Rio Grande do Sul

33,07

55,76

55,33

44,67

40,59

46,95

50,94

49,06

41,42

43,21

53,53

51,64

34

35

43

Rondônia

45,06

47,04

55,32

44,67

45,39

40,74

52,63

47,37

44,91

41,7

54,94

45,06

54

77

55

Roraima

59,73

26,15

38,5

61,49

51,03

28,72

51,03

28,72

43,63

33,2

57,97

42,03

0

0

0

Santa Catarina

33,22

56,61

45,47

54,53

45,77

38,71

56,61

43,39

52,89

30,76

64,59

35,41

19

22

33

São Paulo

36,77

54,2

47,73

52,26

40,66

37,31

54,05

45,95

44,22

25,82

64,3

35,7

45

50

55

Sergipe

47,33

44,36

60,15

39,84

38,05

47,67

46,44

53,56

22,68

54,93

32,99

67,01

85

0

67

Tocantins

58,62

37,31

70,27

29,73

27,99

50,98

41,12

58,88

27,67

50,24

40,52

59,48

68

0

0

Fonte: DataIpea, Google Trends, elaboração dos autores.

Para nosso estudo, ilustramos a distribuição de votos nos candidatos do PT e PSDB, e também, o interesse temporal e espacial de interesse no tema Bolsa Família; traçamos um conjunto de mapas, como exposto na figura 1 que retratam a distribuição de votos para cada candidato (considerando um único valor médio para primeiro e segundo turnos) e a média quanto à distribuição de interesse por Bolsa Família.

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192

BOLSA FAMÍLIA COMO ATALHO COGNITIVO EM ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS: UM ESTUDO A PARTIR DO GOOGLE TRENDS...

Figura 1. Interesse regional por Bolsa Família e média dos votos (1º e 2º turnos) dos presidenciáveis do PSDB e PT nas eleições de 2006, 2010 e 2014 Fonte: DataIpea, Google Trends, elaboração dos autores.

Para melhor compreender a relação entre interesse regional por Bolsa Família e distribuição de votos para os presidenciáveis do PT e do PSDB nas eleições de 2006, 2010 e 2014, realizamos um estudo de correlações comparando a distribuição dos votos em primeiro e segundo turno, com o interesse médio pelo tema Bolsa Família (Tabela 4).

R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 6, n. 11, p. 177-198, jul./dez. 2014

193

THIAGO PEREZ BERNARDES DE MORAES, ROMER MOTTINHA DOS SANTOS

Tabela 4. Correlações entre a média do interesse regional por Bolsa Família e os votos dos presidenciáveis do PT e do PSDB nas eleições de 2006, 2010 e 2014 Candidato

Partido

Ano

Turno

r

p

Lula

PT

2006



0.522

0.005

Geraldo Alckmin

PSBD

2006



-0.41

0.034

Lula

PT

2006



0.616

< 0.001

Geraldo Alckmin

PSBD

2006



-0.598

< 0.001

Dilma Rousseff

PT

2010



0.583

0.001

José Serra

PSDB

2010



-0.415

0.031

Dilma Rousseff

PT

2010



0.453

0.018

José Serra

PSDB

2010



-0.401

0.038

Dilma Rousseff

PT

2014



0.516

0.006

Aécio Neves

PSDB

2014



-0.533

0.004

Dilma Rousseff

PT

2014



0.523

0.005

Aécio Neves

PSDB

2014



-0.524

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Fonte: elaboração dos autores.

Como fica evidente no estudo de correlações proposto na Tabela 4 e também nos Gráficos 5 e 6, existe uma considerável tendência de correlações que se manifesta tanto no primeiro como no segundo turno das eleições de 2006, 2010, e 2014. Nesse sentido, é possível dizer que o interesse por Bolsa Família, historicamente, está correlacionado de forma positiva com o desempenho eleitoral dos candidatos do PT e inversamente, tal interesse, correlaciona-se de forma negativa para com o desempenho eleitoral dos candidatos do PSDB. Não há evidências de que o Bolsa Família, nas próximas eleições irá perder seu trono como fiel da balança da distribuição de votos do PT e do PSDB. Não é o objetivo deste trabalho adotar uma postura determinista em que o Bolsa Família representa um meio de acesso ad hoc a redutos eleitorais, todavia, é indubitável que esta política pública, possivelmente mais do que a maioria das outras, tem poder de influência significativo sobre a cognição do eleitorado brasileiro. Isso nos leva a crer que no sentido eleitoral, o Programa Bolsa Família8 não pode ser considerado como um brutum fulmen, mas sim, como um instrumento que tem larga influência sobre a cognição do eleitorado, primeiro como multiplicador de votos para os candidatos do Partido dos Trabalhadores, e segundo como potente deflator de votos para o PSDB. Podemos verificar que nas eleições de 2006 e de 2010 houve

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Além de beneficiar os votos presidenciais, há indícios de que existe forte associação entre o Bolsa Família e o desempenho eleitoral do incumbente estadual, assim como também no desempenho dos aliados em nível municipal (CUNHA, 2014).

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evidência consistente de ambos os efeitos, contudo, o efeito de “multiplicador” de votos foi mais consistente do que o de deflação de votos do PSDB. Nas eleições de 2014 evidencia-se o contrário, o efeito deflator de votos do PSDB foi mais consistente do que o de multiplicador para o PT, mas ambos foram bastante aderentes. Gráfico 5. Diagramas de dispersão entre o interesse do Bolsa Família e o resultado regional das eleições de 2006, 2010 e 2014 (primeiro turno)

Fonte: elaboração dos autores.

Gráfico 6. Diagramas de dispersão entre o interesse do Bolsa Família e o resultado regional das eleições de 2006, 2010 e 2014 (segundo turno)

Fonte: elaboração dos autores. R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 6, n. 11, p. 177-198, jul./dez. 2014

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Nossos resultados em larga medida sinalizam que o Bolsa Família mais do que um entre tantos temas eleitorais é um já consolidado atalho cognitivo em eleições presidenciais no Brasil. De um lado, os mais interessados – os que apoiam política social mesmo sem receber, os que recebem e os que almejam receber o benefício apoiam, com a perspectiva da continuidade do benefício e o segundo grupo, os que não apoiam políticas sociais, os que não recebem benefícios Bolsa Família e os que não almejam receber que se sentem penalizados em arcar com o ônus dessa relação. Nesse sentido, o electoral accountability, ou a responsabilização dos candidatos através do voto ocorre por meio da posse de algumas informações, onde o comportamento do mandatário é fiscalizado pelo eleitor e eventuais transgressões de representação seriam passíveis de punição, perda de votos (PRZEWORSKI; STOKES; MANIN, 1999). O efeito do Bolsa Família muda de alguma forma as vias de responsabilização, ou seja, o foco aqui não é a transgressão, mas a distribuição de benefícios sociais. Nessa via, em eleições presidenciais, nas regiões onde o interesse por Bolsa Família é mais elevado há uma tendência consistente de penalização dos candidatos do PSDB e de premiação dos candidatos do PT. A contabilidade eleitoral do eleitor brasileiro, pelo menos em eleições presidenciais, contabiliza o fator Bolsa Família na hora de conceber o voto.

5 Considerações finais Nossos resultados apontam que, em uma perspectiva temporal, há uma tendência de elevação de interesse pelo tema Bolsa Família que coincide com os períodos de maior interesse por eleições (períodos eleitorais), o que mostra que nossa primeira hipótese é aderente. Nossa segunda hipótese também mostrou rigidez, visto que encontramos consistente correlação positiva entre a distribuição de interesse pelo Bolsa Família e na distribuição de votos para os candidatos do PT e do PSDB, sendo que essas cor relações são positivas para o primeiro e negativas para o segundo. Isso demonstra que o Bolsa Família é um atalho cognitivo importante para a contabilidade eleitoral dos brasileiros, nesse sentido, nas faixas onde há maior interesse pelo programa há uma tendência de premiação para os candidatos a presidente pelo PT e de punição para candidatos do PSDB. Tudo isso de alguma forma sinaliza um padrão econômico de voto. Sugere-se que o método de busca reversa do Google Trends que utilizamos possa também ser aplicado para a aferição de outros possíveis atalhos cognitivos existentes não só no Brasil, mas também em outros países. Bolsa Família in presidential elections as a cognitive shortcut: a study with google trends (2006, 2010, 2014) Abstract: The Bolsa Família is the largest cash transfer program in the world and stands as one of the most outstanding policies of the federal government. At this point, the aim of this work is to assess whether

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the popular interest by the program somehow influenced the elections of 2006, 2010 and 2014. Draw two hypotheses: (I)) there are temporal relationship between interest in elections and the interest in Bolsa Familia; II) in States where there has been greater interest in the program is likely to be a tendency that the PT get more votes and the PSDB less votes. To test our hypothesis we use Google Trends to generate temporal and spatial frequencies of interest in Bolsa Família and elections; we use data on the proportion of the distribution of votes in the elections. Our results indicate that the odds have grip that whereas we identified a temporal correlation between the interest in elections and by Bolsa Familia; Second, because we found correlations between the interest in the program and the votes, that these correlations are positive to the PT and negative for the PSDB. Keywords: Bolsa Família, Elections, Google Trends, PT, PSDB.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): MORAES, Thiago Perez Bernardes de; SANTOS, Romer Mottinha dos. Bolsa Família como atalho cognitivo em eleições presidenciais: um estudo a partir do Google Trends (2006, 2010 e 2014). Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 6, n. 11, p. 177-198, jul./dez. 2014.

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