Bordaduras na Arte Contemporânea brasileira: Edith Derdyk, Lia Menna Barreto e Leonilson

July 1, 2017 | Autor: Ana Beatriz Bahia | Categoria: Arte Contemporanea, Teoria E Critica De Arte, Costura, Jose Leonilson, Lia Menna Barreto, Edith Derdyk
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BAHIA, Ana Beatriz. Bordaduras na Arte Contemporânea brasileira: Edith Derdyk, Lia Menna Barreto e Leonilson (artigo de conclusão de curso de especialização, Linguagem Plástica Contemporânea/UDESC). Periscope Magazine, Florianópolis, n. 3, ano 2, 2002. Disponível em: http://www.casthalia.com.br/periscope/anabahia/bordadurasnaartecontemporanea.htm.

Bordaduras na Arte Contemporânea Brasileira E d i t h   D e r d y k ,   L i a   M e n n a   B a r r e t o   e   L e o n i l s o n  

 

Ana Beatriz Bahia  e­mail

  Resumo: O texto aborda, primeiramente, alguns aspectos que contextualizam historicamente a presença de práticas de tradição doméstica na produção artística brasileira das últimas duas décadas ­ especificamente, detém­se na costura e no bordado. Em seguida, pontua algumas facetas da poética de tais práticas para, desde aí, relacionar sua recorrência no ambiente artístico atual com a busca de identidade do sujeito contemporâneo.  

Abstract: First, the paper aproaches some historical contextual aspects of domestic tradition practices in brazilian art on the last two decades ­ the study mainly observes sewing and embroidery practice. After that, the text poinst out some poetic faces on those two practices. Concluding, the paper makes a connection between sewing and embroidery in contemporary art and the search for na identity on contemporary person. Palavras Chave: Arte Contemporânea, Costura/Bordado, Crítica das Artes Plásticas

                Tanto o bordado como a costura são práticas que, em nossa cultura, estiveram restritas durante séculos ao ambiente familiar, ou seja, à casa, às mulheres e crianças (nota 1). Em um estudo que remonta os caminhos da mulher na história da arte ocidental, Whitney CHADWICK (1992) relaciona a penetração de tais práticas em atividades externas ao Lar com a introdução da mulher no campo profissional: quando a  mulher  saiu  às ruas, levou consigo a tradição doméstica sobre a qual houvera se dedicado por tantos séculos. Essa penetração aconteceu  através  das  escolas  de  artes  decorativas,  no  século  XIX,  em  meio  à  disseminação  nostálgica  do modelo de produção medieval (artesanal). O Romantismo contrapôs­se, dessa forma, à falta de humanidade do  ideal  trazido  pela  revolução  industrial  e  ao  anonimato  dos  objetos  produzidos  em  longa  escala.  Esse contexto  foi  propício  para  a  eclosão  de  um  grande  número  de  oficinas  de  práticas  de  tradição  doméstica, compostas tanto por homens como por mulheres. Foi o início da re­significação de práticas como a costura e o

bordado,  em  fina  expressão  artística.  Anunciou­se  aqui  um  longo  processo  de  assimilação,  pelo  circuito artístico,  das  práticas  de  tradição  doméstica  em  suas  complexidades.  No  deslanchar  desse  caminho,  alguns artistas  serviram­se  da  técnica  da  costura  descomprometidamente,  ou  seja,  restringiram­se  ao  uso  da plasticidade e praticidade desses recursos. Outros, adentraram  os  meandros da tradição  de  tais  práticas:  da memória que foi e continua sendo construída de mão em mão. Costurando alguns momentos desse caminho, intento contextualizar determinadas  obras  recentes  da  arte  brasileira  e  destacar  aquelas  em  que  a  prática  da costura  (ou  do  bordado)  mostra­se  em  sua  plenitude,  como  um  corpo  complexo,  latente  de  uma  memória particular.                         Continuando  pelo fio  do  Romantismo...,  não  localizo  nesse  momento  histórico  as  transformações estéticas  determinantes  para  a  penetração  da  costura  e  do  bordado  no  circuito  da  arte  erudita.  Pois,  mesmo com  toda  a  exacerbação  das  práticas  artesanais  pelo  Romantismo,  nas  galerias  e  museus  daquela  época predominaram  obras  executadas  desde  as  técnicas  artísticas  tradicionais,  seguidoras  dos  padrões  estéticos acadêmicos. O enraizamento da estética vigente, mantinha à margem todas as novas pesquisas plásticas que tentavam  penetrar  o  circuito  artístico  erudito  ­  como  a  estética  impressionista,  por  exemplo.  Teixeira COELHO  (1986:  125)  comenta  a  deflagração  pelo  Romantismo  de  um  estado  de  emergência  das  artes plásticas: uma situação onde a seriedade da produção artística estivera ameaçada pelo crescente relaxamento dos  padrões  estéticos  nas  camadas  mais  elevadas  da  sociedade.  Mais  que  isso,  os  artistas  estiveram acreditando  em  demasiado  na  qualidade  dos  padrões  estéticos  utilizados  e  na  eficácia  visual  da  maestria técnica.  Esse  foi  justamente  o  ponto  questionado  pelo  Modernismo  artístico  ­  então  sua  eficácia,  enquanto movimento, para aquela época. O Modernismo, em toda sua pesquisa dita "formalista" revisou e redefiniu o fazer  nas  artes  plásticas.  Ao  romper  com  a  rigidez  dos  cânones  artísticos,  ele  permitiu  a  incorporação  de uma infinidade de novas técnicas e materiais.                         A  Obra  moderna,  segundo  Clemente  GREENBERG,  em  Pintura  Modernista  (1997:  101),  é  o resultado  das  inúmeras  tentativas  de  se  encontrar  novas  formas  de  construção  de  uma  imagem  artística.  O autor  defende,  em  diversos  artigos,  que  esse  foi  um  momento  da  arte  essencialmente  pragmático.  Ele  usa termos como "pragmatismo" e "artesanal" ­ a fim de evitar o termo "formalismo" (nota 2) ­ para comentar  a preocupação  com  o  processo  de  elaboração  da  obra  entre  os  modernistas.  Foi  uma  preocupação  que  abriu novas possibilidades para a criação nas artes plásticas.                         Essa  abertura  no  processo  criativo  conquistada  ali  foi  ­  e  continua  sendo  ­  desfrutada  na contemporaneidade  (nota  3).  Só  para  citar  um  exemplo,  entendo  que  a  presença  de  práticas  de  tradição doméstica  no  ambiente  artístico  contemporâneo  mostra­se  como  sintomatologia  daquele  passado transformador. Mais do que apenas desfrutar da grande flexibilidade (quase inexistência) de padrões estéticos, o  artista  de  nossa  época  vive  um  processo  criativo  povoado  por  incertezas  e  questionamentos  decorrentes daquela liberdade no fazer.                         O  que  percebo  como  curiosa,  em  uma  visão  bastante  geral  sobre  as  mega­exposições,  galerias  e museus  de  prestígio  internacional  de  hoje,  é  a  "multiplicidade"  como  elemento  próprio  das  artes  plásticas deste tempo. Essa opinião aparece no discurso de críticos de nossa época. Suzi GABLIK (1987: 13) marca a multiplicidade  contemporânea,  como  diferença  fundamental  entre  os  artistas  deste  século  e  os  anteriores historicamente:  antes  existia  algum  consenso  quanto  às  técnicas,  visão  de  mundo  e  convicções  religiosas. Melhor dizendo, as  divergências  eram  sutis,  comparadas  às  do  século XX.  Ronaldo  BRITO  também  reflete sobre esse assunto: Quem  desaparece  diante  da  produção  contemporânea  é  a  nitidez  da instância genealógica da História da Arte e multiplica­se a densidade e complexidade  da  instância  teórica.  Não  pode  existir  uma  Teoria  de Contemporaneidade.  O  próprio  desta  contemporaneidade  é  ser  um 'amontoado'  de  teorias  coexistindo  em  tensão,  ora  convergente,  ora divergente. (1988: 07).                         Parar  em tal constatação acerca da contemporaneidade não nos ajuda em muito para  o  desfrute  e análise  da  arte  produzida  agora.  Então,  como  pensá­la?  Entendo  que  as  inúmeras  particularidades,  que compõem  a  diversidade  de  nossa  época,  são  pontuáveis.  Mas  se,  por  um  lado,  querer  abarcar  todas  essas particularidades parece­me uma empreitada digna de forças supra­humanas, por outro, vejo a possibilidade de destacar algumas delas, a fim de que se possa construir uma reflexão acerca do assunto.

            Em meio à diversidade contemporânea interessa­me um aspecto particular: a recorrência de práticas de tradição doméstica,  como  a  cestaria,  o  trabalho  com  a  agulha  e  linha  e  a  cerâmica,  nas  artes  plásticas brasileira das duas últimas décadas.             Tadeu CHIARELLI (1997: 08) constata, na arte brasileira dos anos 80­90, uma nova atitude  dos artistas em seu processo ­ isso como reflexo de influências nacionais (Neoconcretismo) e internacionais (Pós­ mínimal).  Ele  vê  a  incorporação  das  práticas  de  tradição  cultural  não  hegemônica  (costura,  cestaria, marcenaria)  como  um  dos  reflexos  dessa  nova  atitude.  É  partindo  de  tal  informação  que  teço  algumas considerações sobre essas influências em suas relações históricas, culturais e/ou individuais, que envolvem o trabalho com agulha e linha de alguns artistas brasileiros das décadas de 80­90.                         Para  pensar  essa  questão,  dois  pontos  me  parecem  singularmente  relevantes:  primeiro,  como  já introduzi,  é  a  relação  existente  entre  a  abertura  que  se  deu  no  processo  criativo  desde  o  Modernismo  e  a incorporação  de  procedimentos  como  o  bordado  e  a  costura  pelo  circuito  artístico  internacional.  Do Modernismo  em  diante,  são  vários  os  momentos  da  história  da  arte  que  podem  ser  entendidos  como predecessores  (estéticos  e/ou  conceituais)  dessa  redefinição  dos  limites  da  arte  erudita.  Segundo,  é  a vinculação  que  percebo  existir  entre  o  bordado/costura  com  questões  poéticas  marcantes  na  arte contemporânea.  Devido  ao  seu  historial  doméstico,  essas  práticas  estão  ligadas  a  uma  memória  coletiva  de ambiente  familiar,  da  infância  e  do  lar.  Essa  memória  mostra­se  como  transfiguração  de  uma  questão recorrente  na  arte  de  hoje:  a  intimidade  do  indivíduo.  Percebo  esse  intuito  poético  como  expressão  da necessidade do indivíduo de nossa época em firmar sua identidade (nota 4). Mostrar origens é um eficaz modo de falar das nossas raízes.  

          Um outro lado de Duchamp             O Modernismo marcou as artes plásticas como tendência à especialização das disciplinas artísticas (pintura,  escultura,  desenho);  definindo  as  questões  pertinentes  à  serem  discutidas  por  cada  uma  delas, delimitou fronteiras entre elas. Uma das conseqüências de tal atitude, é o aspecto rigoroso, sóbrio, "frio" que marca a obra de algumas investidas modernistas, como as do Construtivismo, Cubismo Sintético e do grupo De Stijl. Mas, como coloca GREENBERG (op.cit.: 128), esse foi seu mal necessário. Tal sobriedade reflete questões que contagiaram nossa cultura no início deste século, externas a própria arte, como o cientificismo e o  criticismo.  O  autor  apoia­se  em  Kant  para  comentar  a  tendência  ao  auto­exame,  à  crítica  de  si  mesmo, presente na sociedade Moderna: "Identifico o modernismo com a intensificação, a quase exacerbação dessa tendência autocrítica que teve início em Kant. Por ter sido o primeiro a criticar os próprios meios da crítica, considero Kant o primeiro verdadeiro modernista" (ibid.: 101).             Para Greenberg, a autocrítica, provinda da filosofia, fez­se necessária já desde fins do século XIX para consolidar ­ ou preservar a reputação de ­ diversas instâncias de nossa cultura. A Arte adotou tal postura; por isso  o  intuito  crítico  dos  ismos  modernistas  ­  sobre  a  Arte  e/ou  História  da  Arte.  A  postura  extremada  de Duchamp é um exemplo marcante desse criticismo na arte Moderna.             Duchamp não se deteve em aspectos estéticos da arte para fazer sua crítica, intentou  sim  atacar  a própria  instituição  Arte  ­  e  nesse  aspecto  suas  investidas  foram  mal  sucedidas  (nota  5).  No  entanto,  essas atitudes repercutiram além de suas intenções. Mesmo sem planejar, Duchamp trouxe uma série de ganhos para arte do século XX. Por um lado, mais específico, ele é o responsável maior pela inauguração de uma vertente artística que privilegia o caráter objetivo da arte (em detrimento do intuitivo), onde o artista adota uma postura bastante  racional  em  seu  processo  (menos  subjetiva  e  auto­expressiva).  Se  partimos  dos  seus  Readymades, podemos  rastear  essa  tradição  e  chegarmos  na  Arte  Conceitual  e  Mínimal.  Por  outro  lado,  as  atitudes duchampianas  instituíram  questões  que  contagiam  de  forma  mais  abrangente  a  arte  posterior  a  ele:  em primeiro, o desmonte da idéia de que uma nova linguagem artística deve reavaliar as linguagens que a precederam. Em segundo, a indiferença total, por parte do artista, aos códigos hegemônicos da Arte.             Esse entendimento fragmentado das atitudes  Duchampianas,  faz  com  que possamos  reconhecê­lo  em  boa  parte  da produção  artística  atual.  Entendo  que  alguns artistas  brasileiros  ­  como  Edith  Derdyk, Leonilson e Lia Menna  Barreto ­ têm débito

para com Duchamp (nota 6),  principalmente, pela  postura  descomprometida  que  adotam em relação à tradição erudita da arte (nota 7). Não  quero  dizer  com  isso  que  eles adotaram/adotam a postura anárquica daquele artista  em  relação  à  Arte,  nem  mesmo  que intentam  se  portar  como  herdeiros  dele. Defendo sim que a postura flexibilizada de E. Derdyk e Leonilson diante da criação plástica só  é  possível,  hoje,  pelas  transformações encabeçadas nas pesquisas modernas e, mais especificamente,  pela  atitude  decisiva  de Duchamp.

Eva Hesse, (sem título), 1970

 

"Inteligência Artesanal"(nota 8)

            

            Uma série de artistas das décadas de 50 a 70 (nota 9) que, no desfrute da já conquistada abertura para uso de métodos e materiais diversos nas artes plásticas, adotaram firmemente a postura de 'artista explorador de materiais'. Foram os chamados "artistas do processo". Vertente cujo fazer destacava­se pela diversidade e complexidade de elementos. Todos os materiais que se encontravam próximos do artista, assim como todas as ações que o mesmo tinha condições de executar, eram materiais/práticas artísticos em potencial. Um processo que  fez  surgir  um  grande  número  de  obras,  cuja  forma  (predominantemente  tridimensional)  e  plasticidade destacavam­se em relação a visualidade artística predominante na época.             Mais do que a diversidade plástica, o que singularizou a obra desses artistas na história da arte foi a "lógica" particular que regia as suas criações: "os processos de criação [fazer] eram tratados como assunto"; ali  "os  meios  se  transformavam  em  fins"  (WALKER,  1977:  37).  Eram  formas  exóticas  para  a  época,  que brotavam do manuseio do material escolhido, em um processo que se definia no exato momento em que era executado.  O  resultado  plástico,  decorrente  desse  processo  intuitivo,  sempre  era  bem  recebido,  sem  levar muito em conta seu valor visual.                         O  ato  do  fazer,  pela  importância  que  adquiriu  para  esses  artistas,  nunca  era  encoberto,  mas evidenciado  na  visualidade  da  obra.  Esse  fazer  aparente  é  o  registro  da  vivência  intensa  do  um  processo artístico (nota 10).  Tal  característica  está  presente  na  obra  de  Eva  Hesse.  O  gosto  da  artista  pelo  fazer  está expresso nas obras que nos deixou, na escolha que fez por métodos repetitivos e minuciosos (costura, trabalho com as rendas e bandagens) de construção de cada obra. Suas formas tridimensionais (geralmente designadas pela  crítica  como  esculturas),  construídas  a  partir  de  materiais  provindos  de  contextos  diferentes, possibilitaram­lhe diálogos bastante interessantes entre visualidades e materialidades diversas.             Alguns críticos caracterizam os procedimentos de Hesse como pós­minimalista, ou seja, como uma artista que foi, ao mesmo tempo, descendente e oposta ao seu antecessor histórico Mínimal. Agrupada dessa forma,  a  artista  em  questão  ­  juntamente  com  outros  artistas  norte­americanos  da  década  de  70,  cujos processos de criação davam­se pelo relacionamento direto e intenso com a matéria natural e/ou pré­industrial ­ é tida como referência maior de uma vertente significativa nas artes plásticas das últimas décadas.

            Tadeu CHIARELLI (1996) mostra a influência dos pós­minimalistas na arte brasileira desde a década de  70  e  pontua  que,  aqui,  ela  foi  digerida  de  uma  forma  particular.  O  caráter  amplo  da  proposta  dessa tendência ­ de trabalhar a partir da Matéria (material/método escolhidos) ­ é propício para leituras diversas: o que se entende por Matéria? Uma massa anônima, amorfa, ou um corpo mais complexo? E então, que corpo é  esse?  Qual  sua  lógica  interna?.  Para  os  pós­mínimalistas  norte­americanos,  a  concepção  industrial  de manuseio da Matéria foi a que predominou. Já no Brasil, a concretização daquelas idéias, passou pela lógica pré­industrial  de  interação  com  a  Matéria.  É  conduzindo­nos  por  essa  linha  de  pensamento  que  Chiarelli justifica  a  intensificação  e  revalorização  das  práticas  manuais  básicas  ­  como  o  trabalho  com  a  madeira,  a costura e a cestaria ­ na arte brasileira das últimas décadas.             A relação entre a postura dos "artistas do processo" e/ou dos pós­mínimalistas com a arte brasileira contemporânea envolvida com procedimentos da tradição cultural não hegemônica, não está expressa apenas no discurso crítico daquele autor, mas em depoimentos dos próprios artistas. Leonilson é um exemplo (nota 11).  Ele,  em  entrevista  concedida  a  Lisette  LAGNADO  (1998:  87),  denunciou  sua  admiração  por  Hesse. Comentou também, baseado em visitas que havia feito a uma série de exposições do eixo Rio­São Paulo no final  dos  anos  80,  a  forte  e  silenciosa  influência  dessa  artista  na  arte  brasileira  da  época.  Em  seu  discurso, ficou  evidente  a  indignação  pelo  fato  de  que  tais  resultados  plásticos  (provenientes  do  uso  da  costura  e  de panos já curtidos) estavam ali apresentados como novidade.

Lia Menna Barreto, Boneca Dorminhoca

            Quanto a  esta  última  colocação  de Leonilson, talvez isso não se tenha dado por má  intenção  dos  artistas  que  expunham; talvez eles não se percebessem tão próximos assim de Hesse, como fazia Leonilson em sua leitura.  Entendo  que  já  eram  visíveis  as diferenças  entre  a  arte  brasileira  produzida por  volta  dos  anos  80  e  a  Obra  de  Hesse. Refiro­me àquela singularidade, pontuada por Chiarelli, na arte brasileira influenciada pelos pós­mínimalistas.  Falo  da  lógica  pré­ industrial  que  foi  adotada  pelos  artistas brasileiros  em  sua  relação  com  a  Matéria. Nem  todas  as  obras  de  Hesse  apresentam práticas artesanais básicas, como a costura. A manufatura  com  materiais  pesados,  que exigem  o  uso  de  ferramentas  mais complexas, também fizeram parte da "paleta" da artista.

            Os artistas brasileiros, desde os anos 70, vêm percebendo a rica possibilidade das práticas e materiais de uma tradição cultural (dita) "popular". Essa  situação  só  se  intensificou  nos  anos  80  e  90.  Isso  ­  aliado  à busca da "lei interna" da Matéria ­ trouxe para o circuito artístico brasileiro erudito a própria tradição dessas práticas/materiais. Ou seja, junto com o conjunto tecido­linha­agulha foi incorporada a tradição doméstica da costura;  com  o  vime  e  a  corda  trançados,  a  tradição  da  cestaria;  com  a  madeira  semi­bruta,  a  tradição  da marcenaria  (dos  santeiros  principalmente).  Os  trabalhos  de  artistas  como  Leonilson  e  Lia  Menna  Barreto explicitam  isso.  Eles  não  se  apoiaram  descomprometidamente  na  técnica  da  costura,  pois  suas  obras manifestam o interesse de adentrar a lógica interna de tal prática: de um modo de fazer repetitivo, quase que compulsivo,  que  exige  paciência,  e  com  um  acabamento  digno  de  uma  'boa  costureira'.  Tais  artistas, compreenderam (intuitivamente ou não) que cada matéria/prática é um corpo complexo, que se apresenta com códigos e possibilidades próprias, e que isso deve ser considerado.                         CHIARELLI  (1996:  03)  aponta  essa  questão  quando  comenta  a  existência  de  uma  "inteligência interna"  nos  procedimentos  da  "tradição  popular",  que  foi  incorporada  por muitos artistas daquelas décadas juntamente com as práticas não­eruditas: Agindo mais no  mundo  e  com  o  mundo  doa  que  propriamente  sobre o mundo, esses artistas (nota 12) igualmente estão se apropriando de uma inteligência  ou  de  uma  racionalidade  que  é  anterior  a  eles,  e  da  qual não  apenas  se  apropriam,  mas  a  ela  se  integram.  Suas  produções incorporam  à  arte  brasileira  contemporânea  justamente  uma  tradição

artesanal não­erudita existente no país, uma tradição ainda não extinta, apesar  (ou  por  causa)  do  processo  de  industrialização  descontínuo  e cheio de vácuos pelo qual vem passando o Brasil há décadas.             Percebo que essa incorporação da lógica interna da prática da costura, deu­se de forma diferenciada de artista  para  artista  ­  fato  que  não  valoriza  o  processo  de  um  em  detrimento  do  de  outro,  apenas  pontua interesses diversos. Por exemplo, nos bichos de pano e bonecas de Lia Menna Barreto (nota 13)  é  visível  a intenção de uma costura bem construída enquanto costura: que não fiquem buracos, que os pontos dados a mão  tenham  uma  certa  uniformidade,  que  os  restos  de  linha  não  fiquem  de  sobra  para  fora,  que  o  zíper empregado seja bem colocado, que a costura mantenha o tecido bem esticado, que não apareçam "papadas" e assim por diante. Olhando essas peças, a preocupação de um tipo de acabamento característico da costura é explícito.  Já  na  obra  de  Edith  Derdyk  o  acabamento  não  está  dado  segundo  os  parâmetros  da  tradição  da costura. Mesmo servindo­se dessa técnica o processo da artista investiga especificamente as possibilidades da linha:  de  uma  linha  que  perfura  superfícies  de  plástico  através  da  agulha  (nota 14).  Percebo  nessa  artista  a influência das pesquisas modernas sobre o desenho (desde a idéia de desenho­expandido). Logo, em sua obra, a linha (de costura, arame e lã) percorre caminhos determinados em locais diversos (plásticos, outros materiais e  no  próprio  espaço  físico)  no  intuito  de  dividir  espaços  e  marcar  matérias.  Quando  a  artista  expõe  seu entendimento de Linha, tanto fica clara a relação de sua Obra com a idéia de "desenho expandido", como fica explícito o entendimento que tem da costura como processo condutor da linha: A linha é uma divisória incerta. Mede e potencializa a sutileza do limite, prevê  um  ponto  de  partida  e  um  ponto  de  chegada  que  às  vezes  pode nunca mais chegar. (...) A linha ocupa um espaço entre.  A  linha  não  é pertinente.  Desvenda  a  relação  entre  os  objetos  sem  ser  totalmente algum  deles.  (...)  A  linha  empresta  contorno  ao  mundo,  caminha  pela superfície  das  coisas  E  quando  isso  acontece  a  linha  se  estende infinitamente. (DERDYK, 1997)             A diferença que aqui me interessa apontar entre essas duas artistas reside nas  suas  intenções  (que repercutem  em  atuações)  diversas.  Edith  Derdyk  apropria­se  da  "costura"  como  um  instrumento.  Como  ela mesma coloca (id., 1998), desde 88 que a costura foi incorporada ao seu processo como um "procedimento construtivo"  apenas.  A  costura  entrou  na  obra  de  Edith  Derdyk  para  atender  às  necessidades  de  seus questionamentos artísticos, comprometidos com questões específicas da arte erudita (nota 15). Lia Menna Barreto, dedica­se à prática da costura para construir uma obra na qual pulsam tradições diversas. Sua obra se processa num entrelaçamento de vozes diversas: a tradição da costura que fala junto com a poética da infância e da família expressa no bicho de pano, que entra em diálogo com um espaço artístico erudito (considerando a obra vista desde galerias e museus de arte) onde o objeto se insere na tradição artística, tudo isso convergindo para questões bastante particulares que compõem a poética da artista.                         No  processo  de  incorporação  de práticas como a costura, o reconhecimento da estética  particular  de  cada  uma  delas  é determinante  para  compreensão  de  sua "inteligência  interna".  A  estética  da  "boa costura", está no detalhamento e acabamento das  peças  de  Lia  Menna  Barreto.  A  estética da  cultura  nordestina  está  presente  nas  cores de  Leonilson  e  até  mesmo  em  vários esquemas representativos que ele adotou. As preocupações  que  Leonilson  tinha  em construir ponto a ponto os seus bordados, de que  cada  ponto  fosse  bem  feito  ­  caso contrário ele o desmancharia e refazê­lo­ia ­ e de  dispor  de  uma  variedade  de  pontos,  são preocupações  dignas  de  um  bom  bordadeiro de toalhas e lençóis. Edith Derdyk, Suturas, 1993

                        Ao  incorporar  a  costura/bordado,  esses  artistas  a entenderam  como  algo  a  mais  do  que  uma  mera  técnica, adentraram  em  sua  estética  particular,  calcada  em  uma tradição (dita) "popular".             Entendo que as distinções entre padrões de arte erudita e "popular" não são tão claras assim. Determinadas questões estão em  constante  trânsito  entre  uma  e  outra  tradição  artística  ­ variando  por  épocas,  de  acordo  com  o  contexto  sócio­cultural (nota 16).

Leonilson, O Templo, 1993

                        A  idéia  da  beleza  como  aquilo  que  agrada  ao  olho  de  quem  vê,  é  um  exemplo.  Questão  tão característica da tradição artística, a partir do início deste século foi questionada na produção erudita. Já na contemporaneidade, uma série de artistas ­ como Beatriz Milhares, Tunga e Élida Tessler ­ não adotam mais a postura modernista que desmerece tal concepção de beleza. Tadeu CHIARELLI (1997) chama a atenção para o  fato  de  que,  na  obra  dos  artistas  que  adotaram  práticas  de  uma  tradição  cultural  não  hegemônica,  é recorrente  a  presença  de  tal  concepção  de  beleza.  Este  fato,  em  grande  medida,  é  o  que  caracteriza  o  valor contemporâneo na obra destes artistas na medida que atualizam a ruptura duchampiana.  

            As Relações do Fazer (nota 17)             A idéia de um fazer regido pela matéria, retoma um tipo de processo criativo mais intuitivo, pautado pelos  entraves  e  descobertas  do  manuseio  do  material.  Segundo  Annateresa  Fabris  (MAC­USP,  1994)  o impasse criativo do artista que parte da matéria ­ ou daquele que remodela suas intenções no manuseio dela ­ é saber  percebê­la:  "libertar  as  possibilidades  formativas  da  matéria  e  de  interpretá­la  em  sua  natureza intrínseca". Tal idéia entra em concordância com a busca de uma "inteligência interna" das práticas artesanais, referida por Chiarelli: na busca da natureza intrínseca de materiais como o tecido, a linha, a madeira bruta, etc., o artista acabou adentrando à lógica de manuseio particular de cada uma dessas matérias.             Ronaldo REIS (1998) comenta que o retorno ao processo criativo mais artesanal não se manifestou apenas  no  advento  das  práticas  de  tradição  não­hegemônica.  Uma  transfiguração  mundial  desse  retorno  ao fazer artesanal foi o  fenômeno  de  retorno  à  pintura  da  década  de  80.  Segundo  ele,  essa  foi  uma  reação  das artes  plásticas  às  conseqüências  dos  avanços  tecnológicos  deste  século:  ao  maior  distanciamento  entre  os indivíduos,  ao  mascaramento  das  identidades  e  ao  desencadeamento  do  crescente  processo  de individualização.  A  pintura  respondeu  a  isso  estampando,  em  imponentes  dimensões  ­  considerando  a predominância de telas gigantescas nessa época ­, uma vivência intensamente subjetiva do artista com o ato de pintar.

Prática  artesanal  em  meio  ao  turbilhão  de  engenhocas  eletrônicas,  a pintura  se  presta  a  inúmeras  especulações  filosóficas­existenciais durante  o  ato  de  sua  realização.  A  distância  entre  o  gesto  do  artista manipulando seus pincéis e tubos de tinta e o gesto do operador de um aparelho eletrônico pode ser medida em termos de ganhos reais para o primeiro,  no  sentido  da  recuperação  de  uma  história  atropelada  pela reprodutibilidade técnica. O artista passa a ser um "produtor de ângulos [...],  dirigindo­se  aos  pontos  que  as  máquinas  não  são  capazes  de perceber ou atingir". (ibid.).             Reis (ibid.) ressalta que, na base da revalorização do processo artesanal, esteve a retomada de um valor fundamental  da  Arte:  o  prazer  de  fazer.  Por  trás  da  intensidade  dramática  da  pintura  dos  anos  80,  pôs­se  o prazer  de  manusear  o  material,  de  prolongar  esse  momento  ao  máximo,  de  optar  por  métodos  de  criação plásticas que permitissem a proximidade corpórea entre o artista e a obra. Esse prazer contaminou uma série de  tendências  artísticas  desde  aquela  época  ­  são  aquelas  que  se  distanciam  da  frieza  e  objetividade  das investidas preponderantemente conceituais e minimalistas. Reis defende, inclusive, que a marca da arte pós­ moderna  está  no  reconhecimento,  por  parte  dos  artistas  e  do  público,  de  que  o  prazer  é  fundamental  na realização e apreciação da obra de arte.                         Entendo  que  a  importância  de  se considerar  a  revalorização  do  prazer  em nossa época não pára em tal constatação; isso abre  caminho  para  se  pensar  os  diversos entendimentos  de  prazer  nesta  época  de concepções  artísticas  múltiplas  ­  no  sentido de que o prazer de Hermann Nitsch ao fazer seus  rituais  de  estética  pagã,  parece  ser bastante diferente do que tinha Leonilson em bordar  seus  paninhos.  Como  não  foi  a  esse tipo de análise que me propus aqui, limito­me a comentar diferenças entre o prazer de fazer no processos de Leonilson e Edith Derdyk e a prática da costura/bordado.

Edith Derdyk, Linha Contínua, 1996

          O comentário de Annateresa Fabris sobre a obra de Edith Derdyk  (MAC­USP,  1994)  ressalta  a  relação  harmônica  e prazerosa  que  a  artista  estabelece  com  o  material.  A  costura exige isso de quem a adota, caso contrário, o  que  levaria  um(a) artista a ficar horas e horas concentrado nessa rotina física, tendo à sua disposição uma infinidade de recursos tecnológicos atuais que suprem a função pragmática da costura?

Leonilson, (sem título)

DERDYK (1997) faz­se um questionamento semelhante: O que me mantém horas a fio, literalmente, costurando aquela linha que agrupada gera uma força superior? Sou prisioneira, mas só costurando nasce  a  possibilidade  de  tocar,  com  a  ponta  da  agulha,  o  senso  de liberdade (nota 18).           Juntando a indagação dessa artista com as idéias acerca do prazer na contemporaneidade... parece­me que a justificativa de Edith Derdyk para costurar está mais de acordo com os ideais de alguns modernos de postura espiritualista (como Kandinsky e Mondrian) ­ que buscaram valores humanos através da Arte, como o senso de liberdade ­, do que com a idéia de satisfação mais imediata que REIS (op.cit.) pontua como marca da contemporaneidade. Edith Derdyk tem esperança de que o amanhã seja melhor do que o hoje. Nesse contexto, a costura mostra­se a ela como instrumento que a ajuda a esperar aquele futuro promissor. Já o imediatismo do prazer contemporâneo é emblema de um momento histórico que não expressa grandes esperanças em relação ao  futuro;  onde  as  atitudes  das  pessoas  são  voltadas  para  o  momento  presente  e  para  si  próprias,  ou  seja, descomprometidas  com  ideais  coletivos.  O  discurso  intimista,  com  o  qual  uma  série  de  críticos  (nota  19) caracterizam  as  atitudes  em  arte  contemporânea,  é  outro  elemento  que  não  visualizo  no  discurso  de  Edith Derdyk. Mais uma vez, percebo que a relação que essa artista estabelece com a costura está num limiar entre as intenções modernas (busca de transformação da/pela Arte) e a plasticidade contemporânea.           Quanto à palavra prazer, não se faz presente em nenhum momento do discurso de Edith Derdyk. A artista apenas manifesta sua vontade de fazer e a satisfação que tem naquilo que fez: O  que  presentifica  é  o  desejo  grávido,  a  simples  vontade  de  fazer.  O antes  e  depois  surgem  para  dar  uma  continência  ao  presente, encadeando os instantes. (...) É  incrível  saber  que  se  não  tivesse  feito  algo,  simplesmente  este  algo não existiria. (DERDYK, 1997).           Em diversos momentos de seu texto, ela comenta o caráter cansativo, repetitivo, da costura. Em um parágrafo específico, Edith Derdyk relaciona sua performance de costurar com a desgastante situação do ser mitológico Sísifo. Suas palavras transpiram um fazer que não parece ser nada agradável para a artista: O  mito  de  Sísifo:  movido  pela  árdua  tarefa  de  carregar  pedras  até  o topo  da  montanha,  todo  dia,  todo  dia.  Todo  dia  a  costura  se  impõe.  E todo dia a pedra cai, rolando montanha abaixo. É um pesadelo sonhado

todo dia a pedra cai, rolando montanha abaixo. É um pesadelo sonhado pelos deuses. O que move seu reinício? Talvez seja a esperança  de  um amanhã diante do fracasso de hoje, do desperdício de ontem. Diante de um obscuro pessimismo só nos resta o otimismo vidente anunciando um amanhã. (ibid.)           Já LEONILSON (apud LAGNADO, 1998) denuncia claramente o prazer que sente em construir seus bordados: "(...) porque o negócio da mão é o prazer de dar o ponto, de errar, de cortar e de voltar de novo" (ibid.: 86). Segundo ele, é esse prazer que permite a descoberta das diversas possibilidades da prática/material utilizada. É no fazer prolongado que novos pontos de bordado são descobertos, que os acasos do processo são incorporados como novas possibilidades. É ali que a prática é apreendida e remodelada: (...) eu gosto de fazer. É meu prazer. A obra é conseguir fazer. A gente trabalha com o que tem. Se não é possível fazer alguma coisa, tem que fazer  outra.  É  preciso  respeitar  isso.  (...)  a  obra  não  é  tão  importante quanto o aprendizado. É muito importante ir aprendendo com o que se faz. (ibid.: 116).             Esse é o ponto de concordância entre esses dois artistas citados: o entendimento de que o fazer é um importante  processo  de  aprendizado  do/para  o  artista.  Não  apenas  por  questões  práticas  de  manuseio  da matéria, como Leonilson pontuou nas palavras citadas acima, mas em questões da própria vida.             DERDYK (op.cit.) percebe sua costura como um ato performático que a enriquece; que a faz conhecer melhor a Matéria, a Arte ­ "Arte não se sabe, se faz para saber" ­ e a si própria ­ "Só sei o que sou quando já passou. Resíduos". Para ela os vestígios do ato são registros de sua vivência, que a lembram quem é e sobre o que fala. Edith Derdyk ressalta esse aspecto de seu processo, dizendo que a repetição própria do ato da costura utilizada por ela, reafirma o caráter performático de sua obra e rebaixa a importância visual da mesma: A  costura  existe  como  confirmação  de  um  sentimento  de  inutilidade. Quanto mais costura, mais tenho para costurar e menos para alcançar. Quanto mais costuro, menos eu faço. A costura faz, se refaz, se desfaz. Cada vez mais ganha importância na medida de sua própria ação. Cada vez  menos  estabelece  um  compromisso  com  o  mundo  da  visibilidade. (ibid.).             O depoimento de Edith Derdyk sugere um descomprometimento com o resultado visual do fazer ­ uma postura  que  a  aproxima  dos  "artista  do  processo".  Tal  entendimento  não  é  unânime  entre  os  artistas  que  se ocupam da  costura.  Lia  Menna  Barreto  é  um  exemplo  contrário,  no  sentido  em  que  sua  obra  explicita  uma preocupação com a visualidade da costura elaborada.             Salvas as diferenças na concepção de Obra..., o que se repete nos três artistas aqui citados é a relação estreita  que  estabelecem com  a  Matéria.  Essa  relação  só  é  possível pela postura não­hierárquica deles para com as  "ferramentas"  do  fazer.  Ou  seja,  nem  o artista  adota  uma  postura  altiva  para  com  a matéria;  nem  esta  última  os  domina  por completo  ­  como  acreditavam  os  artistas  do processo,  [Mas  como  um  ser  inanimado poderia dominar o intuito criador do artista?]. Essa relação é rica por propiciar ganhos para ambas  as  partes:  a  matéria  transforma­se fisicamente  e  em  suas  possibilidades  de significação;  o  artista  apreende  nesse processo questões que lhe podem auxiliar na dissolução  dos  "nós"  conceituais,  temáticos, formais,  existenciais...  de  sua  vivência artística.  Trata­se  quase  de  um  processo alquímico.

Lia Menna Barreto, (sem título)

            LEONILSON, além de valorizar o momento do fazer em seu processo, reconhece a existência de um nível de desfrute desse processo que só pode ser penetrado pelo próprio autor. Ele, quando indagado a respeito do motivo de não confiar a terceiros a execução de suas obras, responde ser esta a parte mais importante do processo de criação: Meus trabalhos me ajudam, são cadernos de anotações, um diário. (...) Isso aqui [a obra] é fruto de uma curiosidade para descobrir materiais. Sinto­me  como  um  cientista  que  fica  no  seu  laboratório  o  tempo  todo fazendo  experiências.  Só  que  isto  daqui  é  só  o  físico  [mostra  os trabalhos],  mas  existe  algo  nele  que  só  eu  sei,  que  é  energia.  (op.cit.: 128).             Entre as inúmeras "energias" produzidas no fazer ­ referidas aqui por Leonilson e também por Edith Derdyk  ­  percebo  estar  a  carga  simbólica  própria  da  costura/bordado.  Uma  simbologia  que  permeia  tanto  a imagem, como o ato (que enlaça  e  amarra)  da  costura.  O  ato  de  costurar  ­  assim como  o  de  tramar,  tecer  ­ mostra­se como simbolizante de ligação, de inter­relação entre as "coisas" (conceitos, situações, pessoas, etc.). São as costuras que fazemos em um texto, a trama das idéias, um enlace afetivo.             Poderia adentrar no trabalho dos artistas aqui comentados por este fio interpretativo. Mas não o faço, pois optei pelo estudo do contexto histórico cultural de suas obras. Mesmo assim, cito alguns comentários que partem desse significado da linha e da costura, para o fazer de artistas que se servem de tais simbolizantes.             Terry Myers (MAC­USP: 1994) que, ao escrever para uma exposição conjunta de Edith Derdyk e a artista  norte­americana  Brenda  Baker,  aproveita  metaforicamente  as  amarrações  da  costura,  presente  no processo das artistas, para falar das relações construídas (ou conhecidas) por elas no fazer: O  "ponto"  em  cada  um  dos  trabalhos  funciona  não  só  formalmente enquanto  uma  rotína  física  que  proporciona  um  registro  altamente visual de seu movimento, como também (...) funciona na obra de Baker e Derdyk  como  um  conector  (...)  de  conceitos  e  mesmo  de  experiências dispersas do mundo, que sofrem todas um processo de parceria que não é diferente do que acontece com os indivíduos quando eles se "reúnem". (ibid.)             Myers usou a costura para falar de ligações, outros concentram­se na metáfora de continuidade da linha dessa costura: a linha do tempo, um fio de pensamento... DERDYK partiu disso, em seu texto poético Linha de Costura (1997), para pensar a poética do tempo que se mostra a ela em seu fazer com a linha: por um lado, o fio contínuo, que quanto mais se costura mais parece ter o que costurar; por outro, a agulha que perfura o material e deixa nele registrado o ponto. Esse último é apresentado pela artista como seu intuito de ligar­se ao infinito, de fixar­se no tempo e vencer a sensação de inutilidade causada pela repetição da costura: "o ato de costurar segura um pouco o tempo vivido, aqui e agora, e imediatamente perdido" (ibid.).                         Louise  BOURGEOIS  (1995)  também  passeia  pelas  idéias  ligadas  à  linha.  Fala  das  similaridades existentes  entre  os  entraves  do  fazer  artístico  e  os  da  vida,  através  da  metáfora  do  nó.  Ela  partiu  de  tal imagem, representada em um desenho seu, para discorrer sobre as dificuldades com as quais nos  deparamos constantemente . Segundo ela, falar dos nós não significa queixar­se da vida ou dos entraves do fazer,  mas destacar esse fator indispensável no desenvolvimento de qualquer vivência.             Assim como essa artista, também percebo que são os nós da criação (os entraves, as dificuldades de resolução  plástica  e  conceitual  da  obra)  que  nos  permitem  crescer  no  processo  de  desenvolvimento  de linguagem. É na superação de tais nós ­ que acontecem, ora por encontrarmos as soluções para eles, ora por

linguagem. É na superação de tais nós ­ que acontecem, ora por encontrarmos as soluções para eles, ora por deixarmos de percebe­los como problemas, ou seja, incorporando­os como elemento constitutivo do processo ­  que  a  obra  se  transforma.  Mas,  prefiro  falar  deste  "processo  dos  nós"  em  arte,  explorando  o  caráter metafórico de tal imagem:             Depois de rolar pelo chão, levado pela pata de um gato brincalhão, o carretel solta de si boa parte do seu fio de linha. Ficando a linha toda embaraçada, começo a tentar desfazer seus nós: primeiro tiro os maiores, mais evidentes, depois aparecem dezenas de outros, que estavam encobertos até então, e depois, centenas de outros  surgem...  O  ato  de  desfazer  alguns  nós,  cria  tantos  outros.  Após  solucionar  inúmeros  grupos  de  nós, percebo­me próxima do fim deste "problema". Então, a maior dificuldade é perceber até o último nó existente nessa  finíssima  linha.  O  último,  imagino,  é  deveras  sutil  ­  tão  sutil  que  a  maioria  das  vezes  nem  pode  ser percebido e, então, acaba sendo relegado. Aquele que vinha desfazendo os nós, mesmo sem solucionar este último, dá por encerrado o serviço e começa a costurar antes da hora. No final das contas, são poucos os que têm paciência  para  desfazer  nós;  menos  ainda,  os  que  têm  competência  para  descobrir  os  entraves  de  cada pequeno nó ­ por isso, muitos desistem na metade do caminho ou então, fazem "vista grossa" e começam a costurar com aquele fio disforme mesmo.  

A Memória da Matéria

            

            Entender o ato de costurar como agente de ligação, nos conduz à complexidade simbólica da costura. Ajuda a vê­la muito mais densa do que aparenta ser, além da simplicidade de sua técnica. A costura não liga apenas um material a outro, ela liga o artista/público que a vive a uma teia de significações. Entre os diversos níveis de significação da costura, interessa­me, neste momento, destacar aquele que nos enlaça para dentro do labirinto da memória dessa prática.             Por Memória não entendo o registro de  um  passado  congelado  pelo  tempo. Memória é algo infinito, que se mostra  e  se faz  a  cada  manifestação  de  um  de  seus fragmentos;  por  exemplo:  a  costura  em  Lia Menna Barreto exala questões próprias dessa prática  e,  por  isso,  refaz  a  memória  dessa prática.  Não  quero  dizer  com  isso  que,  ao contemplar sua obra, venha­me à mente toda a  história  dessa  prática.  Mas  digo  que, determinados elementos presentes nos bichos e  bonecos  dessa  artista  ­  a  disposição  dos pontos,  o  modo  como  cada  ponto  é  dado,  o acabamento  do  último  ponto  e  assim  por diante  ­,  re­constroem  facetas  bastante particulares da tradição doméstica da costura.

Leonilson, Empty Man, 1991

                        Eclea  BOSI,  partindo  de  seus  estudos  de  história  oral,  pontua  que  refazer  o  passado  pelo  ato  de lembrar é um movimento natural da mente humana. Bosi comenta essa natureza maleável da Memória: Lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A  memória  não  é  sonho,  é trabalho  (...).  A  lembrança  é  uma  imagem  construída  pelos  materiais

que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual (1994: 55)                         Essas  questões  ajudam­me  a  entender  que  a  costura  quando  presente  na  obra  dos  artistas  aqui comentados ­ mesmo sendo elaborada a partir de materiais diversos (além da linha e do tecido de algodão) e empregada a fins divergentes dos característicos de sua tradição (como o vestuário) ­ não deixa de refazer  a memória dessa tradição. Pelo contrário, tais atitudes artísticas apenas enriquecem sua memória, refazem­na, ajudam­na a viver. Uma tradição mumificada, está morta.             O que marca essa Memória em algumas obras da arte contemporânea que se servem de práticas cuja tradição não é artística­erudita, ao meu ver, é o motivo que as faz estar ali. Na obra de Lia Menna Barreto, por exemplo, a costura está na construção da pele de seus bichos e bonecos. O modo como essa artista aplica a costura  ­  preocupada  de  ter  um  tecido  bem  esticado,  com  os  cantos  bem  costurados  e  os  pontos minuciosamente bem acabados ­, demonstra uma intenção comum à de muitas costureiras e revestidores de estofados. Outro exemplo é Leonilson: seus paninhos bordados são, antes de mais nada, bordaduras. Mesmo trabalhando com temas e formas pouco comuns aos bordadores de lenços, toalhas e lençóis, é a forma como Leonilson  aplica  seus  pontos  que  o  amarra  à  tradição  do  bordado.  Já  Edith  Derdyk,  mesmo  sendo  a  mais ousada dos três artista para o uso de materiais diversos na costura, adota uma postura no uso dessa técnica que não a inclui na tradição da prática doméstica da costura. A costura não­permanente de Edith Derdyk mostra­se como  um  modo  ­  entre  tantos  outros  de  seu  processo,  como  a  amarração  e  o  enovelamento  ­  que  a  artista encontrou para fazer a linha percorrer materiais e espaços diversos. A Matéria que é (re)memorada em Edith Derdyk é a Linha, em específico, e não a prática da costura.                         Esse  movimento de reconstruir  a costura  é  enriquecedor  para  o  artista  que  se propõe  penetrar  na  "inteligência  interna" dessa  prática  ­  como  referiu  Chiarelli (op.cit.).  É  isso  que  permite  ao  artista  viver, com  intensidade,  a  prática  particular  da costura  em  meio  ao  seu  processo  artístico como  um  todo.  Ponto  que  me  parece singularizar determinados artistas do circuito artístico atual ­ como Leonilson e Lia Menna Barreto  ­  entre  os  muitos  que  se  servem  de práticas da tradição (dita) "popular".

Lia Menna Barreto, (sem título), 1993

   

para finalizar ...             No desenrolar deste texto, intentei pontuar algumas facetas das obras contemporâneas que adotam a prática  da  costura  no  seu  processo  ­  como  é  o  caso  de  Edith  Derdyk,  Lia  Menna  Barreto  e  Leonilson.  Daí, expus  algumas  diferenças  percebidas  na  relação  das  obras  desses  três  artistas:  enquanto  Edith  Derdyk pesquisa as possibilidades da linha na amarração de materiais diversos, Lia Menna Barreto adota a prática da costura para construir formas "escultóricas", feitas com tecido, espuma e outros materiais e procedimentos

próprios da tradição da costura, Leonilson faz da costura e do bordado o elemento principal de boa parte de sua produção.             Salvas as  diferenças  ­  e  sem  querer  desmerecer  ou  vangloriar  a  Obra  de  nenhum  desses artistas ­ percebo que na produção de Leonilson e Lia Menna Barreto a costura mostra­se como uma prática singular, de  uma  tradição  latente,  e  extrapola  a  função  pragmática  da  técnica.  Considerando  isso,  não  poderia entender  a  presença  da  costura  no  circuito  artístico  erudito  simplesmente  como  resultado  das  pesquisas modernas,  ou  como  resultado  do  intuito  das  artes  plásticas  deste  século  em  renovar  suas  "ferramentas criativas".  Percebo  sim  que  tal  prática,  ao  fazer­se  presente  em  sua  plenitude,  atende  a  uma  carência simbólica  de  nossa  época,  ou  seja,  responde  a  necessidades  culturais  que  extrapolam  questões  restritas  à Arte.             Refiro­me à falta de "amarras" do indivíduo contemporâneo.             A velocidade e mobilidade, características necessárias ao modo de vida de nossa sociedade capitalista, trazem  como  conseqüência  o  desenraizamento  do  indivíduo  contemporâneo  (nota  20).  Os  objetos  que predominam  hoje,  são  os  que  nos  ajudam  a  viver  de  forma  mais  "prática"  ­  e  não  aqueles  com  os  quais estabelecemos vínculos subjetivos. Aqui, a substituição (de objetos, práticas e pessoas) é rápida e impiedosa. Mas,  no  intuito  de  preservar  os  últimos  laços  com  o  coletivo,  acabamos  "preservando"  ­  geralmente escondendo,  congelando,  isolando  ­  algumas  peças  do  "quebra­cabeça"  de  nossa  identidade:  os  objetos  de família, as práticas tradicionais e as histórias dos mais velhos. São essas peças que nos contam quem somos, de  onde  viemos,  nos  dão  a  sensação  de  continuidade  ao  mostrarem­se  como  registro  material  de  nossa memória.  Eclea  BOSI  (op.cit.:  441)  comenta  que,  na  sociedade  de  hoje,  os  "objetos  biográficos"  são  os responsáveis por suprir a necessidade do indivíduo de perceber­se como parte de um coletivo, pois nos dão a sensação de "continuidade". Ela cita um trecho de Machado de Assis, em Dom Casmurro, a fim de ilustrar tal situação: Não,  não,  a  minha  memória  não  é  boa.  É  comparável  a  alguém  que tivesse  vivido  por  hospedaria,  sem  guardar  delas  nem  caras,  nem nomes, e somente raras circunstâncias. A quem passe a vida na mesma casa  de  família  com  os  seus  eternos  móveis  e  costumes,  pessoas  e afeições, é que se lhe grava tudo pela continuidade e repetição.             Neste contexto cultural, onde o indivíduo encontra­se desagarrado das teias características da vida em sociedade, sustentado  apenas  por  relações sociais  não­permanentes,  a  costura  faz­se  duplamente  necessária: atua  como  simbolizante  e  signo  de  amparo  do  sujeito.  Como  simbolizante,  porque,  como  coloca  Gilbert DURAND (1989), o ato de costurar traz à tona o simbolismo do enlace, da união, da aproximação: a costura é, antes de mais nada, um agente de ligação. Como signo, porque remonta, no espaço da obra de arte, a idéia de "história familiar", das origens do sujeito. A imagem da costura nos remete às nossas raízes mais íntimas.             Essa dupla resposta dada pela costura às carências simbólicas de nossa época, ilustra a relação entre identidade  e  intimidade,  recorrente  no  discurso  crítico  sobre  a  Arte  de  nossos  tempos:  o  artista contemporâneo constrói sua identidade mergulhando em si próprio (sua vida, história pessoal, subjetividade), essas são as suas referências de criação (nota 21). Rompidos  os  códigos  preestabelecidos  de  pintura,  escultura,  gravura, etc.,  e,  dentro  deles,  os  códigos  de  figurativo  e  abstrato,  construtivo  e informal  (...)  o  que  tem  prevalecido  como  base  para  cada  artista  é sempre  ele  mesmo:  ele  enquanto  artista  (e  tudo  que  isso  significa, quando se pensa a carga histórica dessa atividade), enquanto cidadão e indivíduo  com  seu  próprio  corpo,  sua  biografia,  lugar,  origem,  etc.. (CHIARELLI, 1997: 02).             A obra de Leonilson é exemplo disso. Ali, a identidade é marcada através de uma poética de caráter intimista. Sua obra mostra­se como espaço de cruzamento entre tradições (memórias) particulares e coletivas. Ou seja, visualidades e histórias provenientes de suas infância (do pai que era comerciante de tecidos, da irmã e  avó  que  costuravam  e  bordavam)  coabitam  com  influências  do  ambiente  artístico  (como  Leda  Catunda, Arthur Bispo do Rosário e Hélio Oiticica) e de tradições diversas (da sociedade alternativa dos Shakers, que valorizava  atividades  artesanais;  da  cultural  nordestina).  Leonilson  (sua  Obra)  é  isso,  a  convergência  de influencias múltiplas. Lisette Lagnado (ANTÁRTICA..., op.cit.), referindo­se a produção brasileira emergente

da  última  década,  destaca  a  presença  de  tradições  culturais  (religiosas,  familiares  e  regionais),  derivadas  da vida política do artista, como peça­chave para Obra que se propõe ser construtora de identidade.             A vivência intimista não está apenas no processo do artista, mas vaza para a relação estabelecida entre obra  e  público.  CHIARELLI  (op.cit.)  trabalha  com  a  idéia  de  que  a  arte  de  hoje  visa  uma  experiência individualizada  do  "espectador"  com  a  obra.  Segundo  ele,  a  obra  contemporânea  não  se  presta  ao  ócio,  à preguiça de um olhar pouco interessado; mas exige uma vivência intensamente subjetiva do "espectador" que acaba sendo co­autor  dessa  obra.  Em  tal  medida,  as  imagens  da  memória  pessoal  do  artista,  projetadas  em obra,  se  prestam  a  metáforas  de  uma  memória  coletiva,  da  vida  íntima  do  sujeito  contemporâneo,  da identidade.  O  modo  como  a  linguagem  contemporânea  é  construída  dá  margem  para  que  se  estabeleça  tal nível de relação entre público e obra.             A obra contemporânea não tem o intuito de ser clara, nem unívoca. Lorenzo Mammi (ANTÁRTICA..., op.cit.) comenta que "as coisas ditas" em arte contemporânea são colocadas de modo que não sejam passíveis de  uma  decodificação.  O  que  é  previamente  determinado  é  um  jogo  de  esconde­e­mostra  que  tempera  as questões de intimidade/identidade reveladas ali em tom confessional. Para ilustrar tal situação Mammi cita o mito clássico de Píramo e Tibete: Píramo e Tibete eram dois vizinhos que se aproximaram conversando e se entreolhando através de uma fresta na parede comum de suas casas. Quando  finalmente  marcaram  um  encontro,  foram  vítimas  de  uma cadeia de equívocos que os levou ao suicídio, antes mesmo de se verem. Condenada a uma separação semelhante, a arte atual conversa com seu público  através  de  pequenas  interrupções  que  ela  própria  consegue escavar  no  fluxo  constante  de  informações.  Não  vê  quem  a  olha,  nem tampouco pode mostrar­se plenamente. No entanto, se a parede caísse, provavelmente não seria capaz de se nortear sozinha. (ibid.: 33)   Florianópolis, dezembro de 1999. Notas: Nota 1) Para saber mais sobre o assunto, ver Whtiney CHADWICK em seu livro Mujer, Arte y Sociedad (1992). A autora, entre outras pontos, refere­se aos caminhos percorridos pela costura/bordado na história das  artes  plásticas.  Pontua  alguns  dos  momentos  em  que  as  obras  elaboradas  desde  essas  práticas  eram reconhecida  como  artísticas  (como  em  alguns  momentos  da  Idade  Média).  Mostra  também,  as circunstâncias  de  quando  essas  práticas  foram  menosprezadas,  entendidas  como  técnicas  de  Arte  Menor (Renascimento) ou Artesanato (Romantismo). No que diz respeito ao bordado medieval (juntamente com a costura,  fiação  e  tecedura),  Georges  DUBY  (1990)  apresenta  estudos  que  mostram  o  contexto  socio­ político­cultural  dessa  prática,  mostrando  com  maior  minúcia  sua  alternância  entre  o  espaço  da  casa (atividade familiar) e o da rua (atividade profissional).>>> Nota  2)  Isso  porque,  a  idéia  sobre  "forma"  é  geralmente  vista  em  oposição  a  "conteúdo".  No  caso  das pesquisas  modernas,  tal  dicotomia  não  procede.  A  preocupação  formal  foi  o  método  moderno  de transformar a obra de arte como um todo.>>> 3) "... o trabalho contemporâneo não encarna mais a ação modernista como esta se idealizava e sim como resultou assimilada e recuperada. A erosão dos novos valores, a modernidade evidentemente desconhecia: a luta era contra os arraigados valores do século XIX A partir da Pop, no entanto, a arte vive no cinismo inteligente de si mesma. Vive com a consciência aguda das castrações que o Princípio da Realidade impôs  à  libido  das  vanguardas.  Mais  grave,  com  a  certeza  sobre  a  incerteza  da  identidade  de  suas linguagens ­ estas, por mais radicais, sofrerão inevitavelmente o choque com o circuito, e aí, dirão quem são". (BRITO, 1988: 07).>>> Nota  4)  Lisette  Lagnado  (ANTÁRTICA...,  1998:  24)  marca  que  a  produção  brasileira  emergente  nas últimas duas décadas se afirma como um "testemunho de alto teor pessoal". Ainda, pontua que um modo desse teor pessoal se manifestar, é através de "tradições derivadas da vida política" do artista (religiosas,

familiares e regionalistas). Tadeu CHIARELLI (1997: 02) acrescenta que toda essa poética ligada a vida pessoal do artista mostra­se como intuito de nos tornar mais conscientes de nós mesmos, "de onde estamos e o que somos". Uma poética que marca identidades.>>> Nota 5) Para ver mais sobre o assunto, o artigo de Eduardo Pérz Soler, La Repulsión y el Deseo, publicado na revista Lapiz (n. 144) de junho de 1998.>>> Nota 6) A atitude extremada de Duchamp acabou por instituir na história da arte questões que já vinham sendo  ensaiadas  desde  a  virada  do  século  ­  por  isso  seu  destaque  em  meio  aos  demais  artistas modernos.>>> Nota 7) Tadeu CHIARELLI  (1997)  fala  da  repercussão  de  Duchamp  na  arte brasileira  desde  meados  do século,  fato  que  ficou  expresso  na  deflagração  de  uma  infinidade  de  novas  poéticas  audaciosas, questionadoras e de uma plasticidade bastante particular.>>> Nota 8) Expressão referida por Tadeu CHIARELLI (1996) no texto elaborado para o catálogo da mostra 15 artistas brasileios realizada no MAM de São Paulo.>>> Nota  9)  São  eles  Eva  Hesse,  Marisol,  Bouys,  Robert  Morris,  Bruce  Nauman,  entre  outros  (WALKER, 1977: 35), apresentados em exposições que ficaram marcadas na história das artes plásticas desse século: nos  Estados  Unidos,  "Abstração  Excêntrica"  (1966),  "Trabalhos  com  Terra",  "Anti­Forma"  e  "9  em  Leo Castelli"(1968), "Antiilusão" (1969); na Europa, "Art Povera"(1967­68), "Op Losse Schroven" e "Quando se Tornam Formas" (1969).>>> Nota 10) Característica oposta aos artistas da Mínimal que optaram muito pela execução industrial de suas formas. O processo  de  elaboração do  artista  terminava  em  um  projeto,  minucioso,  em  papel  mesmo.  Na arte Conceitual, a elaboração manual também não era vista com importância pelo artista, pois "a idéia era a 'máquina que executa o trabalho'" (LE WITT in ibid.: 32).>>> Nota  11)  Jungle  Tadeu  (ANTÁRTICA...,  1998:  52),  baseado  em  entrevistas  concedidas  pelos  artistas participantes da mostra Antártica Arte (artistas brasileiros dos anos 90) aponta Eva Hesse como uma das influências citadas. Junto à ela, J. Beuys e R. Serra ­ também apontados por WALKER (op.cit.) entre os artistas do processo. Além desses, Jungle Tadeu (op.cit.) relata uma série de outros artistas brasileiros, das décadas  de  60­80,  que  também  apontados  como  referência  dessa  geração:  H.  Oiticica,  L.  Catunda,  R. Silveira,  Tunga  e,  seguidas  vezes,  Leonilson.  Artistas  em  cuja  obra  está  expressa  as  influências  de Duchamp e/ou dos artistas do processo.>>> Nota 12) Os  artistas  aos  quais  o  autor  se  refere  são:  Efrain  Almeida,  Shirley  Paes  Leme,  Edith  Derdyk, Leda Catunda, Leonilson, entre outros.>>> Nota 13) Lia Menna Barreto, em um seminário ministrado no Centro de Artes da UDESC (Florianópolis, 1999),  comentou  a  compulsividade  com  que  costurava  seus  primeiros  bichos  de  pano  como  a  série  de cavalos e girafas.>>> Nota  14)  Para  conhecer  esse  trabalho  da  artista,  ver  vídeo:  SUTURAS.  Edith  Derdyk.  São  Paulo: Fundação Iochpe, 1993. 7 min.. VHS.>>> Nota 15) Em um texto escrito em 98, a artista apresenta um novo momento do seu processo, onde questões da costura em si  são  incorporadas.  Para  isso,  ela  diferencia  os  novos  trabalhos  dos  anteriores  (sobre  os quais acabo de comentar, citados no corpo do texto): desde 88 vinha "(...) utilizando o ato de costurar como um procedimento construtivo, a metonimia passa agora a representar uma outra leitura/escritura desta nova safra de trabalhos, portadora do ato de costurar em si como potência geradora de significados." (DERDYK, 1998: 02).>>> Nota 16) Esta questão é amplamente analisada nos estudos de Nestor Garcia Canclini.>>> Nota 17) Relação: momento de correspondência entre "coisas" diversas que então dirigem­se para um fim comum. A coexistência de dois ou mais seres dando origem a um ser único. Nesse ser único, mostram­se não apenas em suas características próprias, mas como ponto de convergência de características dos seres que lhe deram origem.>>>

Nota  18)  A  artista  espanhola  Carmen  Calvo  ­  que  também  se  serve  de  práticas  de  tradição  não  erudita (como a colagem, a amarração e a cerâmica) em seu processo de criação ­ em entrevista concedida a Rosa OLIVARES  (1997:  51),  mostra  seu  entendimento  sobre  a  diferença  entre  uma  obra  elaborada artesanalmente e aquela que se serve dos recursos da nova tecnologia: "La diferencia está en la vibración que produce la obra, en el alma del artista le que te lo dice. Por esso a mí no me interesa la obra gráfica, yo  prefiero  siempre  um  dibujo,  lo  que  sea  que  haya  sido  tocado,  hecho  por  la  persona  directamente, porque ahí esta la energía, esa parte del alma que se queda en cada obra".>>> Nota  19)  Entre  os  críticos  que  falam  da  intimidade  na  arte,  ressalto  Tadeu  CHIARELLI  (1996,  1997), Lisette Lagnado e Lorenzo Mann (ANTÁRTICA, 1998).:>>> Nota  20)  Eclea  BOSI  comenta  o  modo  de  vida  antigo  (anterior  ao  capitalismo  mais  desenfreado)  e contrapõe características atuais nas palavras que cito aqui: "A memória das sociedades antigas apoiava­se na estabilidade espacial e na confiança em que os seres da nossa convivência não se perderiam, não se afastariam.  Constituíam­se  valores  ligados  à  praxis  coletiva  como  a  vizinhança  (versus  mobilidade), família  larga,  extensa  (versus  ilhamento  da  família  restrita),  apego  a  certas  coisas,  a  certos  objetos biográficos (versus objetos de consumo). Eis aí alguns arrimos em que sua memória se apoiava" (op.cit.: 447).>>> Nota 21) Não só na Arte, essa postura auto­sustentável permeia a vida do indivíduo contemporâneo: isso mostra­se  desde  de  a  grande  vendagem  dos  livros  de  auto­ajuda,  até  a  larga  difusão  das  políticas  neo­ liberais.>>> >>> início Bibliografia: ANTÁRTICA ARTES COM A FOLHA. Catálogo Oficial. s/ local, 1998 (impresso na Itália). BOURGEOIS, Louise. Drawings & Observations. 1995, California: Bulfinch. BRITO,  Ronaldo.  VENANCIO  FILHO,  Paulo.  O  Moderno  e  o  Contemporâneo  (O  Novo  e  o  outro  Novo). Rido de Janeiro: Funarte, 1988. CHADWICK, Whitney. Mujer, Arte y Sociedad. Barcelona: Destino, 1992. CHIARELLI, Tadeu. 15 Artista Brasileiros Colocando Dobradiças na Arte Contemporânea. São Paulo, 1996. Catálogo de exposição promovida por Itaú Cultural no MAM­SP. CHIARELLI, Tadeu. O Tridimensional na Arte Brasileira dos Anos 80 e 90: Genealogias, Superações. 1997. Endereço eletrônico: http://www.itaucultural.org.br/itau­cultural/index.html COELHO, Teixeira. Moderno Pós­Moderno. 1986. São Paulo: L&PM. DERDYK, Edith. Linha de Costura. São Paulo: Iluminuras, 1997. GABLIK, Suzi. Há Muerto el Arte Moderno?. 1987. Madrid: Herman Blume. GALERIA CAMARGO VILAÇA. Lia Menna Barreto. São Paulo, 1993. Catálogo de exposição. GREENBERG, Clemente. Clemente Greenberg e o Debate Crítico. 1997. Rio de Janeiro: Zahar/Funarte. SOLER, Eduardo Pérez. La Repulsión y el Deseo. Lapiz, Madrid, n. 144, jun./98. WALKER, John A.. A Arte desde o Pop. Barcelona: Labor do Brasil, 1977. DERDYK, Edith. Rasura. MAC de Niterói. 1998. Endereço eletrônico: http://www.macnit.com.br/edith.html LAGNADO, Lisette. Leonilson ­ São Tantas as Verdades. São Paulo: DBA­Melhoramentos e SESI/SP, 1998.

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