Border Brujo: uma teoria linguística de fronteiras e de consciência social identitária

May 31, 2017 | Autor: Tiago Lessas | Categoria: Literature, Linguistics, Code Switching
Share Embed


Descrição do Produto

14





Aluno de Mestrado em Linguística pelo Departamento de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Email: [email protected]
A entrevista completa pode ser conferida no YouTube através do link: https://www.youtube.com/watch?v=LHQJtv2Rl3Y
Teoria de Fronteiras.
Do original: "[…] ethnic identity is twin skin to linguistic identity I am my language."
"[…] is a ritual, linguistic, and performative journey across the U.S.-Mexico border"
"[…] language alternation may provide a means for speakers to signal how utterances are to be interpreted—i.e. provide information beyond referential content".
Eu falo Espanglês e ela fala inglenhol.
"[…] rejects choosing between her racial and historical influences or positioning herself as either a Mexican or North American."
"[…] unstuck".
"[…] identity is incomplete if it is not communicated in a given language".
"[…] our communities were fragmented by the asymmetrical distribution of funding & space we all know it ... & suffer it".
"[…] it's January Ist, 1847 & the U.S. hasn't invaded Mexico yet".
Any family member by blood relation.
"The border is no longer located at any fixed geopolitical site. I carry the border with me, and I find new borders wherever I go".
"[…] exclusion would not allow anyone to understand his [Gómez-Peña's] political position".
"[…] allow the linguistic exclusion that forces everyone […] to become the outsider".

Border Brujo: uma teoria linguística de fronteiras e de consciência social identitária

Border Brujo: a border-crossed theory on language and social identity consciousness
Tiago J. Lessas (UFPE/Mestrado/Bolsista Capes)

Resumo: Este artigo visa discutir o papel da linguagem no que tange às discussões acerca da constituição da identidade do indivíduo. Para tanto, eu analiso o poema Border Brujo: A Performance Poem de Gómez-Peña (1993) o qual discute temas como comunidade international, o papel da língua e da troca de linguística, bem como a noção de pós-modernismos como fatores determinante na constituição desse novo indivíduo, nascido de uma sociedade em derretimento de ideais e conceitos. As análises linguisticas no que se refere à code-switching (NILEP, 2006) demonstram como o autor provoca uma mudança no conceito de hereditariedade e origem territorial, ao passo que ele brinca com a gramática e prosódia das línguas (especificamente Inglês e Espanhol). O texto de Gómez-Peña é um protesto poético ao processo de dominação e propõe uma tomada de consciência epistemológica por todos, pois todos coexistem num território mundial misto.
Palavras-chave: Code-switching; Pós-modernimo; Identidade.

Abstract: This paper discusses the role of language regarding the discussions about the constitution of the individual's identity. To this end, I analyze the poem Border Brujo: A Performance Poem (GÓMEZ-PEÑA, 1993) which discusses topics such as international community, the role of language and the changing of linguistic and post- modernism notion as determining factors in the creation of this new individual, born in a society where ideals and concepts are melting. The linguistic analysis on code-switching (NILEP, 2006) demonstrate how the author makes a change on the concept of heredity and territorial origin, while he plays with grammar and prosody (especially English and Spanish). Gómez-Peña's text is a poetic protest to the domination process and proposes an epistemological awareness, for we all coexist in a mixed world territory.
Key-words: Code-switching; Post-modernism; Identity.

Introdução
Em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, no dia 19 de novembro de 2015, a jornalista e escritora Adriana Carranca lembra que guerra civil na Síria só passou a ser divulgada pela como "crise dos refugiados na Europa" após uma grande quantidade de imigrantes afluir ao continente europeu, gerando um certo incõmodo xenofóbico. Mais uma vez, o mundo parece voltar seus olhos para uma situação absurda quase cinco anos depois de uma guerra absurda estourar, e convenientemente quando os resultados dessa guerra colidem com as fronteiras e interesses políticos de países ricos. Ser imigrante se tornou sinônimo para "desterritorializado"; "sem pátria", e mais do que nunca uma reflexão a cerca do papel da linguagem nesse contexto é fundamental para o enfretamento de injustiças sociais.
A partir desse novo cenário mundial, resgato um texto que se mostra extremamente atual para tal contexto: Border Brujo: A Performance Poem por Guillermo Gómez-Peña (1991). Minha discussão nesse trabalho tem por objetivo compreender como a poética desse texto, em harmonia com os conceitos propostos pela Border Theory (GÓMEZ-PEÑA, 1993) e a conexão entre a ideia de espaço fronteiriço, abstrato ou físico. Com isso, estabeleço um contraponto entre a ideia de identidade linguística e o conceito de cruzamento territórios sociais e éticos, pois tais conceitos são essenciais quando analisamos o processo de múltiplas consciências sociais (DU BOIS, 2006). Para o desenolvimento desse estudo, parto da premissa de que língua e identidade estão intrinsecamente ligadas, e portanto, são partes indissociáveis da constituição social humana. De acordo com Gloria Anzaldúa, (1987), tanto a língua como a identidade são parte de um contínuo que define que "a identidade étnica é pele gêmea da identidade linguística - Eu sou a minha língua" (p. 898).
Tendo em vista essas perspectivas, minha análise se concentra no texto Border Brujo: A Performance Poem (GÓMEZ-PEÑA, 1991), que faz parte do livro Warrior for Gringostroika (GÓMEZ-PEÑA, 1993). Todo o livro se apresenta como uma espécie de tratado, e protesto, a favor das questões sócio-culturais ligadas ao papel das fronteiras na formações humana. Apesar de o texto se focar nas questões de identidade dos latinos americanos, nativos e mestiços, o texto expande o seu conceito de Fronteira e provoca uma tomada de consciência quanto ao nosso papel como cidadãos em um mundo duplamente múltiplo e segregado. Também procuro destacar como os aspectos linguísticos ajudam na construção poética do texto, especialmente através do code-switching como um recurso estilístico. Para tanto, o artigo levanta algumas perguntas norteadoras para se proceder com a análise: Será que o processo de code-switching em Border Brujo: A Performance Poem representa linguisticamente um processo cruzamento cutural-fronteiriço? Se sim, como é que isso se caracteriza no texto?
Começo minha análise, apresentando um panorama do conceito de code-switching a partir do campo da linguística e sua correlação com os seus aspectos sociais/culturais. Mais tarde, passo a discutir algumas questões importantes sobre Border Studies Theory, ou Border Theory, tal como compreendido por Niday e Allender (2000). Essa teoria nasce a partir dos estudos pós-colonialistas no que tange a questão mexicana e ajuda a articular os aspectos étnicos e culturais sobre as implicações territoriais e o processo linguístico de mudança de idioma, intersectando tais apectos numa compreensão mais culturalmente ampla de consciência identitária. Na segunda parte do artigo, argumento que língua e identidade estão ligadas e que ambas têm uma epistemologia múltipla, não fixa, uma vez que derivam da concepção do pós-modernismo e da dupla consciência dialógica (BAKHTIN, 2010; DU BOIS, 2006). Assim, busco analisar Border Brujo de Gómez-Peña (1991) para levantar algumas hipóteses quanto ao code-switching como uma representação metafórica multilíngue da formação de identidade.
1 Code-switching e a Border Theory
O poema/solilóquio começa por apresentar o seu discurso ou narrativa (em alguns pontos o autor mistura os estilos, seja contando uma história ou discutindo um assunto de forma mais elaborada) como sendo modular, ou flexível/variável. O autor utiliza um estilo que funde diferentes exteriorizações de representações culturais. Norte e do Sul, por exemplo, não são apenas um aspecto geográfico de um país. Na realidade o autor os usa como metáforas para a construção de uma representação social imaginária, ressaltanto os seus aspectos supostamente opostos, mas necessários para a existência um do outro.
Gómez-Peña (1991) explica que Border Brujo "[...] é um ritual, uma viagem linguística e performativa da fronteira EUA-México" (p. 49). Dessa forma, o autor contextualiza todo o seu discurso com base nas questões mexicano-americanas e todos os efeitos sócio-culturais sobre essa discussão numa duplamente constituída sociedade desterritorializada (DELEUZE & GUATARRI, 2010). A problemática do hispanismo nos EUA tem sido alvo de críticas e debates a respeito da representação social da camada denominada de chicana no país, que nesse caso se refere aos descendentes de mexicanos nascidos em solo americano. De um lado, se defende o papel social dos descentes de latino-americanos exercerem sua identidade e língua em território norte-americano. Para os mais segregadores, no entanto, existiria uma ameça ao idioma inglês, uma vez que se aceitaria o inglês e o espanhol como línguas oficiais, em detrimento de uma nação anglofôna. Em seu texto O pesadelo hispânico de Samuel Huntington, Frédérick Douzet (2005) comenta as palavras o próprio Huntington marcadamente cheias de um preconceito infundado e motivadas por uma repugnância à aproximação cultural hispânico-norteamericana. Segundo Huntington "[...] não há sonho americano. Só existe o americano criado pela sociedade angloprotestante. Os mexicano-americanos só partilharão esse sonho e essa sociedade se sonharem em Inglês" (DOUZET, 2005, p. 37).
É contra pensamentos assim que Border Brujo protesta. O ideal de americano e a idealização do inglês como idioma canonizado, que apenas serve para canonizar mas não poderia ser tocado, é subvertido durante todo o texto de Gómez-Peña. Para tal efeito o autor recorre repetidamente a um recurso estilítico e articulatório, sendo o code-switching um aspecto visível na composição discursiva de Gómez-Peña, exercendo uma presença constante. O texto na realiadade faz parte de uma apresentação intinerante apresentada por Goméz-Peña na década de 90 nos Estados Unidos. Enterpretando uma espécie de Brujo (feiticeiro), o autor desenvolve o seu discurso-poema-protesto em monólogo para uma plateia. Ele utiliza uma língua mista que comuta códigos entre o inglês, espanhol e algumas línguas indígenas.
No que se refere ao processo de code-switching, alguns autores costumam associar essa concepção tanto ao fato de uma pessoa bilíngue lançar mão de transições entre duas línguas distintas, como também às mudanças em qualquer variedade de linguística (NILEP, 2006). No entanto, o termo envolve um campo mais complexo de estudo e lida com discussões sociolinguísticas também, considerando diversos aspectos sociais, discursivos e contextuais, bem como as diferentes situações de uso da linguagem, alterações dialetais e as implicações metafóricas. É interessante notar que tal processo não se refere apenas a uma mudança de estilo por conveniência, mas abrange uma necessidade linguística de compreensão e expressão das enunciações. Segundo Gumperz (1982), o interlocutor que recorre ao code-switching busca maximizar as potencialidades das línguas, para melhor transmitir significados.
Nilep (2006) define que "a alternância de linguagem pode fornecer um meio para os falantes sinalizarem como suas declarações devem ser interpretadas – isto é, fornecendo informações que ultrapassam o conteúdo referencial" (p. 9). De acordo com Cole (2011), o conceito de alternância linguística dialoga com as trocas no nível da sentença e isso incluiria o codeswitching intersentencial e intrasentencial. O processo intersentencial se refere às mudanças ocorridas na alternância de línguas em sentenças diferentes. O segundo aspecto, o codeswitching intrasentencial, se realiza nas mudanças dentro uma mesma sentença. Nesse segundo caso, existe a permanência de uma língua como base, ou matriz, para a formação das sentenças, mas a variação se dá ao longo dela, sende essa variação de nível gramatical, léxico ou prosódico. É importante notar que a existência dessa matriz não é estática; ela apenas se reconhece como matriz na sentença em questão, podendo deixar de ser matriz na próxima sentença (KEBEYA, 2013).
Gómez-Peña (1991) afirma desenvolver o seu discurso numa matriz chamada de espanglês, o que implica uma troca gramatical não-padrão de inglês-espanhol e espanhol-inglês. No entanto, espanglês não pode ser considerado como matriz, mesmo se levando em consideração sua recorrência no texto, pois o inglês permanece predominante. É compreensível a escolha pelo inglês como matriz, afinal Gómez-Peña está falando a uma audiência norteamericana. A título de exemplo, em certo ponto Border Brujo diz "I speak Spanglish therefore she speaks ingleñol". Ele continua repetindo a frase ao longo de algumas passagens. Ao que parece que ele está tentando enfatizar seu poder discursivo de falar em línguas diferentes, cruzando uma barreira concreto abstrato, onde ninguém pode impedi-lo de fazê-lo, pois ele sabe ambas as línguas e é proficiente o suficiente para articular suas ideias nessa mistura linguística.
O processo de mudança de idiomas em uma frase, ou seja, o fato de se de misturar linguagens para completar uma sentença, representa mais do que apenas um processo de proficiência bilíngue. É possivel comparar isso com alguns conceitos herdados dos Estudos de Fronteira (GÓMEZ-PEÑA, 1993). Primieramente, esses estudos se referem a um conjunto de discussões sociais, étnicas, culturais e históricas que remetem aos conflitos políticas e culturais entre mexicanos e americanos durante o período pós-colonial. Além disso, os Estudos de Fronteira expandem a compreensão de uma constituição da sociedade multicultural, pois consideram os processos de cruzamentos e mestiçasgens entre diferentes contextos fronteiriços como movimentos necessários para a tomada de consciência identitária. O indivíduo nessa perspectiva é visto como parte de um processamento pós- moderno de construção da sua própria identidade, à medida que as "fronteiras" são constamtemente cruzadas (NIDAY & ALLENDER, 2000). Dessa forma, hoje não nos parece mais possível falarmos de um indivíduo originário de um determidado lugar unicamente, pois somos todos cruzados e mistamente constituídos, seja ideológica e etnicamente.
Essa discussão proposta pelo texto de Gómez-Peña remete às discussões levantadas por Gloria Evangelina Anzaldúa (26 de setembro de 1942-15 de maio de 2004). A autora foi uma estudiosa americana que discutiu muito profundamente as questões de identidade dos Chicanos (mexicano-norteamericanos mestiços). Seus estudos lidam com a teoria cultural Chicana, a teoria feminista e a teoria Queer. A autora tornou-se uma autoridade no campo dos estudos sociais especialmete pelo seu posicionamento ideológico em rejeitar rótulos éticos pré-estabelecidos.
Anzaldúa ilustra o conceito de cruzamento de fronteiras quando ela "rejeita escolher entre suas influências raciais e históricas ou entre se posicionar, quer como uma mexicana ou como norteamericana" (HENRÍQUEZ-BETANCOR, 2012, p. 40). Ela se torna, assim, um indivíduo duplo, uma identidade plural que já não pode pertencer a um determinado território. Ela passa a se identificar com muitos outros aspectos provenientes de diferentes culturas, gêneros e/ou etnias. Tais conceitos são o que constitui o que podemos chamar de uma "identidade híbrida" (HENRÍQUEZ-BETANCOR, 2012, p. 40), que pode ser compreendida como uma espécie de consciência fronteriça, em associação com uma linguagem também híbrida. Tais conceitos ficam evidentes no discurso de Border Brujo nas seguintes linhas:
ser bilingiie, bihemisferico
macizo, sereno, proto-hist6rico
ininteligible luego expedi-mental
e incompatible con usted
sr. Monochromatic
victima del melting plot (GÓMEZ-PEÑA, 1991, p. 51).
Ser culturalmente híbrido é uma consequência para o personagem Border Brujo, resultado de um processo globalizado de americanização. Sua identidade é atravessada e ele se sente vitimado por um colonialismo histórico que reverbera até o período pós-colonialista, onde as identidades étnicas foram esmagadas por causa de uma cultura dominante. Ele se faz menção a esse melting pot (caldeirão) que derrete todos os indivualismos sociais e tenta uniformizar culturas. Talvez esse pós-modernismo seja o Senhor Monocramático, que apaga as cores da diversidade, nas palavras do autor.
No entanto, é interessante notar a que o termo usado não é exatamente pot (panela), o qual remete às discussões sobre migração e territorialidade (O'CONNOR, 2008). O autor brinca com o termo plot (trama). A palavra "plot" em Inglês está comumente associada a ideia de um plano maléfico, ou armadilha. Esse recurso de codeswitching intrasentencial confirma a necessidade de potencializar a expressão, criando uma plasticidade retórica que dialoga com a formação histórico-social de proporções econômicas e territoriais, as quais são grandemente provocadas pela globalização. Border Brujo parece enfatizar, portanto, que ainda não superamos o pós-colianismo afinal.
2 Identidade linguística: o indivíduo e a língua
Há muitos assuntos em discussão ao longo de todo o discurso de Border Brujo e Gómez-Peña (1991) menciona o fato de que ele tem essa "dupla identidade", que mais tarde pode ser adicionada a muitas outras identidades também. Ele transforma sua persona ao longo do texto em algo mais do que apenas uma representação de um tipo social específico. Ele encarna um conjunto de tudo com o que ele vem entrando em contato, explorarando e cruzando consciências e perspectivas diferentes. Du Bois (2006) chamaria isso de "dupla consciência", que se assemelha a um processo de identidade em construção, não finito em si. A consciência de um indivíduo nunca estaria acabada, por assim dizer, pois existe um processo dialético dentro do devir desse indivíduo desterritorializado.
De acordo com Deleuze & Guatarri (2010), o modelo moderno de produção tem um impacto nas identidades dos indivíduos, considerando-os como parte de um processo de produção ou de produção da produção (DELEUZE & GUATARRI, 2010, 30 p.). Eles são o processo de produção de consumo na sociedade. Eles servem de alimentação e estão sendo alimentados por essa sociedade. Este conceito compreende o indivíduo como "um sujeito estranho, sem identidade fixa" (DELEUZE & GUATARRI, 2010, p. 30).
Como Bauman (2000) explica, os critérios (pós)modernos deixaram os limites individuais descobertos, sem o individualismo necessário à medida que há uma 'fusão dos sólidos', deixando todo o sistema de relação social e de atividades "despregado" (p. 4). Além disso, é importante destacar que consideramos o ethos social desse novo indivíduo que atravessa fronteiras como um contínuo de conflitos com a sua própria identidade social/histórica/cultural. Ele é derretido pelo pós-modernismo.
Por outro lado, Border Brujo parece lançar luz sobre a possibilidade de a sua identidade ser recriada pelo seu património histórico-cultural diversificado e por suas potencialiadades de formação, isto é, se o indivíduo estiver disposto a atravessar algumas de suas próprias fronteiras. A partir dessas discussões, podemos concluir que essa identidade múltipla está interdependentemente conectada à linguagem, pois "[...] a identidade é incompleta se não for comunicada em um determinado idioma" (ANCHIMBE, 2007, p. 12). Gómez-Peña (1991) concorda com Anchimbe (2007) quando escreve:
Tequila Guero . . . with menthol
the new breath of old Mexico
for the contemporary warrior
who doesn't
want to give up
his language, his identity, or his . . . mmhhjj
[He then proceeds to announce a shampoo
bottle in an Indian dialect.] (GÓMEZ-PEÑA, 1991, p. 55).
Border Burjo afirma ser um warrior (guerreiro) e logo em seguida ele diz não querer desistir de sua língua. Negar uma língua significa negar uma identidade. Border Brujo luta uma guerra identitária e sua língua é uma arma. Ele troca as línguas para demonstrar sua herança fronteiriça, ao mesmo tempo em que está tentando dialogar com diferentes indivíduos, sejam eles sociais ou institucionalizados. Ele está comunicando sua determinação de não se prender ao imperialismo linguístico pós-colonial norteamericano, Em seguida, ele lança mão de recursos intersentenciais para reforçar o papel emotivo da língua:
I speak in English therefore I hate you
pero cuando hablo en espanol te adoro
but when I speak Spanish I adore you (GÓMEZ-PEÑA, 1991, p.52).
No discurso de Boder Brujo, o imperialismo é identificado como intríseco à cultura americana (a saber, o American Way of Life) que se impõe com base em seu conceito pós-colonialista de domínio sobre as comunidades economicamente mais fracas. Gómez-Peña afirma que "nossas comunidades foram fragmentadas pela distribuição assimétrica de financiamento & espaço; todos nós sabemos disso ... & sofremos com isso" (1991, p. 63).
A distribuição do espaço e da definição de fronteiras são historicamente estabelecidas com base em muitas coisas, menos a igualdade. No início do texto, o personagem de Gómez-Peña lembra a data de 01 de janeiro 1847 – "é 01 de janeiro de 1847 & os EUA ainda não invadiram o México" (p 50). Esse foi um evento importante na luta mexicano-americana pela ocupação do território pertencente ao México e hoje parte do território americano.
Este período é conhecido como a Batalha de Rio San Gabriel. Durante a Guerra Mexicano-Americana, que durou cerca de dois anos, as forças norte-americanas rapidamente ocuparam o Novo México e a Califórnia. Em seguida, eles invadiram partes do Nordeste e do Noroeste do México e tomaram uma ação militar que foi decisiva na luta, mais tarde chamada de Campanha Califórnia. As consequências desta campanha reverberaram na vitória do exército americano sobre os mexicanos e sua posterior liquidação naquela região, sendo mais tarde ocupada pelos americanos.
Apesar desse refencial hitórico, essa divisão territorial é tomada através de uma ótica abstrata e Border Brujo não apenas protesta contra isso, mas ele também argumenta que não deveria existir nenhuma fronteira, nem a representação social da mesma. Nessas fronteiras subjaz a ideia de divisão de pessoas, obviamente uma invenção discursiva de segregação e posse, que é constantemente associada às características étnicas. À medida que o texto de Border Brujo é escrito em espanglês, este processo de desterritorialização linguística pinta uma metáfora em relação à noção de um devir também desterritorializado:
this is Mexico carnales!
there is no border
we are merely divided
by the imprecision of your memory (GÓMEZ-PEÑA, 1991, p. 50).
Gómez-Peña (1991) compreende que sua cultura coexiste numa constituição mista de fronteiras. "A fronteira não está localizada em qualquer local geopolítico fixo. Eu carrego a fronteira comigo, e eu encontro novas fronteiras onde quer que eu vá" (1996, p. 5). Portanto, um indivíduo no contexto social pós-moderno mistura constantemente sua língua em praticamente qualquer situação de interação verbal, especialmente no que tange à linguagem digital. Com o advento da internet, novas interações multilíngues são possíveis, proporcionando uma variada construção linguística nas interações verbais digitais. (BARTON & LEE, 2015). Em um recente estudo com universitários japoneses bilíngues, se percebeu como suas interações verbais em mídias digitais foram construídas numa constante alternância entre "Inglês padrão", "Chinês escrito padrão", "Cantonês em caracteres", "Cantonês romanizado e tradução literal morfema por morfema" (BARTON & LEE, 2015, p. 72). Isso exemplifica as possibilidades linguísticas múltiplas que esse indivíduo tem diante de si e como ele utiliza esses recursos para romper fronteiras.
Em termos de identidade linguística, Cole (2011) explica: "Ao seguir algumas das noções mais comumente compreendidas de code-switching, Gómez-Peña tende a usar monolinguamente, ora o inglês, ora o espanhol, em diferentes domínios." Ainda podemos notar como a escolha linguística exerce uma função comunicativa no sentido de reinterar um discurso, pois Gómez-Peña parece recorrer ao inglês para tecer sua crítica de forma mais veemente. (COLE, 2011). A seguir, eu seleciono alguns exemplos que demonstram a forma peculiar como Gómez-Peña caracteriza pessoas e lugares por nomes em code-switiching. O personagem principal Border Brujo não foge à regra, tendo o seu nome completo formando a partir de um léxico em inglês e um segundo no idioma espanhol. Isso ajuda a demonstrar como essa hibridade de códigos gera uma metáfora que sintetiza a ideia de idioma miscigenado.
"Amigou Country" (p. 51)
"Mexico City ñero" (p. 51)
"weapons maestro" (p. 53)
"computer pirata" (p. 54)
"Mexico City urban mestizo" (p. 57)
"intelligent migra" (p. 57)
"deterritorialized 'chilango'" (p. 58)
"fleshy señoritas" (p. 58)
"Chicano compadre" (p. 63)
Alguns desses nomes – por exemplo, mestiço urbano da Cidade do México/nero da Cidade do México – representam o que Gómez-Peña afirma que Border Brujo incorpora durante sua performânce (ao todo 15 personagens diferentes). Podemos compreeder o uso desses nomes em espanglês/ingleñol como uma representação de um indivíduo que atravessa fronteiras morfossintáticas, que está se desdobrando em diferentes consciências e lidando com a sua própria transformação cultural na fronteira de uma sociedade limitada.
Ao discutir as questões de identidade dos afro-americanos, Du Bois (2006) aborda a questão psicológica de uma pessoa de dupla herança que experimenta viver em um espaço culturamente duplo, onde o conceito de território torna-se mais complexo e tênue.
É esta dupla consciência, esta sensação de sempre olhar para si mesmo através dos olhos dos outros, de medir a alma com a trena de um mundo, o qual olha com divertido desprezo e piedade. O indivíduo sempre sente a sua dualidade – um americano, um negro; duas almas, dois pensamentos, dois esforços inconciliáveis; dois ideais em guerra em um só corpo escuro, cuja força tenaz apenas o impede de se dilacerar (p. 9).
É possivel estabelecermos uma relação entre o conceito de alteridade de Du Bois (2006) com as discussões de Bakhtin (1984), principalmente porque ambos investigam o processo dialético da consciência interdependente. Evidentemente Bakhtin (1984) elabora sua discussão através de estudos literários, principalmente nas suas pesquisas sobre o romance e a perspectiva do personagem em relação ao dialogismo construído pelo autor. O dialogismo de Bakhtin é o estabelecimento de uma relação polivalente, na qual tanto o autor como o personagem coexistem em um continuum, isto é, suas vozes e suas consciências dialogam e são autênticas em si mesmas.
Esse conceito literário de Bakhtin (1984) nasce da sua filosofia da linguagem de abordagem pautada no materialismo dialético e centra-se no aspecto discursivo da interação linguística humana. Para o autor, o socialismo de Marx seria a completude de uma sociedade dialógica, que respeita a diversidade e o individualismo, e que ao mesmo tempo agrega os opostos. Para Bakhtin, seria num contexto social assim onde ele encontraria a expressão mais bem desenvolvida de como a pluralidade de vozes pode coexistir. Cada palavra deveria ser enunciada a partir um sujeito posicionado e consciente na sociedade. As consciências existiriam em formação de horizontalidade, no sentido de que cada uma tem o seu lugar e não se sobreporia às outras.
De acordo com Marx, o materialismo histórico e dialético refere-se a uma teoria filosófica que compreende a realidade através da atividade humana com a matéria. Ele também interpreta o desenvolvimento histórico como sendo um processo de conflitos de teses que mudam essa realidade. Isso quer dizer que a linguagem altera os avanços históricos e muda o entendimento da realidade a posteriori (IGLESIAS, 2014). De acordo com essas perspectivas dialéticas, a história seria um resultado do conflito de teses e antíteses. A partir desta sucessão de argumentos e contra-argumentos, a sociedade desenvolve a sua historicidade através de um processo de "síntese" (IGLESIAS, 2014, p. 1).
É essa consiência conflituosa e dialética que interessa a Border Brujo. Du Bois (2006) ainda considera uma espécie de dupla epistemologia (FOUCAULT, 2002) existente na consciência de um indivíduo que atravessou fronteiras na construção de sua própria cosmogonia. Perspectivas distintas são combinadas para gerar um novo ponto de vista (teses e antíteses). O indivíduo pós-moderno compreende seu papel como duplamente pertencente a uma cultura local e mundial e aprende a respeitar a polifonia social (BAKHTIN, 1984).
Gómez-Peña continua:
I can turn your pesos into dollars
your "coke" into flour
your dreams into nightmares
your penis into a clitoris
you name it Califa
if your name is Guillermo Gómez-Pena
I can turn it into Guermo Comes Penis
or Bill "the multi-media beaner"
or even better, Indocumentado #00281431
because here Spanish becomes English ipso facto
& life becomes art with the same speed
that mambo becomes jazz
tostadas become pizza
machos become transvestites
& brujos become performance artists (1991, p. 52)
Nesta passagem, Border Brujo descreve sua capacidade de transformar coisas. Essa capacidade "mágica" dialoga com o poder da propaganda e do comércio (Eu posso virar pesos para dólares/seu "coke" em farinha). O poder econômico e a necessidade de consumo numa sociedade marcada pelos bens de consumo são metódos eficazes na colonização da consciência. Border Brujo reafirma seu poder de fazer o inverso; de capturar os símbolos da cultura americana e transformá-los em representações culturais pessoais. Mais uma vez, essa capacidade é demonstrada através de poderes sócio-discursivos das palavras (porque aqui Espanhol torna-se Inglês torna-se ipso facto).
Desse modo, sua cosmogonia sem fronteiras tem o poder de representar as coisas através de múltiplas perspectivas. Ele não é limitado em um único discurso. Seu discurso interpreta a possibilidade de transvestir discursos através de seu multilinguismo (seus sonhos em pesadelos/seu pênis em clítoris). Tudo isso é potencializado e metaforicamente caracterizado por essa nova linguagem hibridamente construída.
3 Considerações finais
Obviamente, o texto Border Brujo é um protesto. É um protesto linguístico. Sua raiva é marcada pela força discursiva do seu léxico misto. Como um indivíduo sem fronteiras, Border Brujo nos convida para a discussão, para o diálogo. "Vamos dialogar", ele diz repetidamente ao longo do texto. Todo mundo está atravessando fronteiras e está igualmente desterritorializado. Todos devem pensar na relevância social de ser multi-consciente. Espanglês e ingleñol estão presentes em toda a performance de Border Brujo e caracteriza uma representação literária de uma sociedade Latina pós-moderna e pós-colonial.
A relação América-México poderia facilmente ser expandida para outras fronteiras étnicas, culturais, históricas e sociais. Tais fronteiras estão em toda parte, especialmente em nossa era digital, quando as barreiras físicas ja não fazem mais sentido e os ideais estão em constante transformação. Nosso esforço deve ser o de compreender tais divisões e falar sobre elas, sem medo de cruzá-las, se necessário. Cole (2001) admite que "a exclusão não permitiria que ninguém entendesse sua posição política [de Gómez-Peña]" (p. 88).
A exclusão é um sintoma de sociedade pós-moderna. Nossa identidade linguística não "permite a exclusão linguística que força todos [...] a se tornarem forasteiros" (COLE, 2006, p. 89). As fronteiras existem para conter as pessoas, deixando os outros de fora das suas cercas, como párias. Border Brujo demonstra que a língua pode nos transformar em uma sociedade mais interdependente, falando sobre nossos problemas e compartilhamento nossos mundos. Pensar nessas questões é fundametal, especialmente em tempos de crise mudial de migração com os quais nos confrontamos. Aceitar que somos todos parte de uma mesma fronteira, por assim dizer, nos ajuda a ter mais empatia e menos segregação para com os que necessitam.
Referências

ANCHIMBE, E. A. Multilingualism, Postcolonialism, and Linguistic Identity: Towards a New Vision of Postcolonial Spaces. New Castle: Cambridge Scholars Publishing, 1-23. 2007. Disponível em: http://anchimbe.webs.com/TOC%20Anchimbe%202007%20ed.pdf

ANZALDÚA, G. Borderlands/La Frontera: The New Mestiza. San Francisco: Aunt Lute Book Company, 1987.

BAKHTIN, M. M. Problems of Dostoievski's Poetics. Tradução Caryl Emmerson. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1984. Available at:

BARTON, D.; LEE, C. Linguagem Online – textos e práticas digitais. Tradução Milton Camargo Mota. 1 ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.

BAUMAN, Z. Liquid Modernity. Cambridge: Polity, 2000.

COLE, D. A Linguistic journey to the border. Northeastern Illinois University. Apples – Journal of Applied Language Studies. Vol. 5, 1. 2011. pp 77–92.

DELEUZE, G.; GUATARRI, F. O Antiédipo: Capitalismo e Esquizofrenia 1. (L. B. L. Orlandi, Trans.) São Paulo: Editora 34, 2010. Disponível em: http://copyfight.me/Acervo/livros/DELEUZE,%20Gilles%3B%20GUATTARI,%20Fe%CC%81lix.%20O%20Anti-E%CC%81dipo%20%2834%29.pdf

DOUZET, F. O pesadelo hispânico de Samuel Huntington. In LACOSTE, Yves (Org.). A Geopolítica do Inglês. São Paulo: Parábola, 2005. pp 33-55.

DU BOIS, W. E. B. The Souls of the Black Folks. An Electronic Classics Series Publication. Hazleton: PSU-Hazleton, 2006. Disponível em: http://www2.hn.psu.edu/faculty/jmanis/webdubois/duboissoulsblackfolk6x9.pdf

FOUCAULT, M. The Order of Things: An Archaeology of the Human Sciences. London: Routledge, 2002.

GUMPERZ, John. Discourse strategies. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1982.

GÓMEZ-PEÑA, G. Border Brujo: A Performance Poem. The MIT Press, Vol. 35, No. 3. 1991 pp. 48-66. Disponível em http://www.jstor.org/discover/10.2307/1146131?sid=21105718457973&uid=3737664&uid=2&uid=4

______. Warrior for Gringostroika. Saint Paul, MI: Graywolf Press, 1993.

______. The New World Border: Prophecies, Poems, and Loqueras for the End of the Century. San Francisco: City Light Books, 1996.

HENRÍQUEZ-BETANCOR, M. Anzaldúa and 'the new mestiza': A Chicana dives into collective identity. Language Value 4, number 2. 2012. pp. 38-55. Disponível em: http://www.languagevalue.uji.es/index.php/languagevalue/article/download/73/65

IGLESIAS, E. Dialectical Materialism and Economic Determinism: freedom of the will and the interpretation of behavior. In: Athene Noctua: Undergraduate Philosophy Journal Issue No. 2. pp. 1-3. 2014.

KEBEYA. H. Inter- and Intra-Sentential Switching: Are they really Comparable? In: International Journal of Humanities and Social Science Vol. 3 No. 5; Março, 2013. pp. 225-233. Disponível em: http://www.ijhssnet.com/journals/Vol_3_No_5_March_2013/22.pdf

NIDAY, D.; ALLENDER, D. Standing on the Border: Issues of Identity and Border Crossings in Young Adult Literature. The Alan Review, Volume 27, Number 2. 2000. pp 60-63. http://scholar.lib.vt.edu/ejournals/ALAN/winter00/niday.html

NILEP, C. "Code Switching" in Sociocultural Linguistics. Colorado Research in Linguistics. Vol. 19. 2006. pp. 1-22. Boulder: University of Colorado. Disponível em: http://www.colorado.edu/ling/CRIL/Volume19_Issue1/paper_NILEP.pdf?q=sociocultural
O'CONNOR, J. V. Resisting the melting pot through ethnic newspapers: History and function of the "Irish Echo". 2008. Tese [Dissertação de Doutorado]. Departamento de Pós-Graduação em Filosofia. Philadelphia: Temple University, 2008, pp. 293.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.