BORGES, Diego. Dualismo harmônico: uma revisão bibliográfica. SIMPEMUS 6 - UFPR Curitiba 2013

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Dualismo harmônico: uma revisão bibliográfica MODALIDADE: Resumo expandido (apresentação oral) Diego Borges

Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) - [email protected]

Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) – [email protected] Palavras-chave: Dualismo harmônico. Harmonia tonal. Teoria musical.

A relação “maior-menor” faz parte do longo processo histórico, artístico e cultural da música ocidental. Ela pode ser vista, ainda que com várias caras, em grande parte do repertório e nos livros didáticos de teoria musical. Mas a balança não é tão equilibrada: a sonoridade mais “consoante” da tríade maior, afiançada pela série harmônica, e o emprego da nota sensível no modo menor pesam para o lado do primeiro; mesmo assim, o sucesso do modo menor na prática musical é capaz nos fazer duvidar até da mais científica das leis acústicas. De fato, alguns teóricos desconfiaram desse desequilíbrio propondo uma visão de igual importância entre os dois modos, que, genericamente, é conhecida como “dualismo harmônico” (também referida como: dualismo ou bipolarismo tonal, série harmônica descendente ou invertida, ressonância inferior, harmônicos inferiores, etc). Na teoria musical corrente, podem ser encontrados resquícios dessa visão no vocabulário da harmonia funcional, mas é possível notar que muito já se perdeu. A partir daí, algumas questões podem ser levantadas: O que é dualismo harmônico? Qual é o percurso histórico desse conceito e quem são seus principais teóricos e obras? Quais são as críticas dirigidas ao dualismo harmônico e que podem ter causado seu abandono? Como estão hoje as pesquisas sobre dualismo harmônico? Ainda existem traços do dualismo harmônico no ensino de teoria musical corrente e quais são eles? O alvo central da presente pesquisa é reunir informações básicas sobre dualismo harmônico e sua trajetória ao longo da história. Especificamente, busca-se organizar dados sobre as concepções mais representativas, confrontando argumentos e contra-argumentos. O método escolhido foi a revisão bibliográfica, que, segundo Gonçalves (2005, p.58), “consiste em um levantamento do que existe sobre um assunto e em conhecer seus autores” e a “verificação do que já se produziu e publicou até o momento sobre o assunto”. O tema tem reaparecido nas pesquisas em teoria musical no âmbito internacional basicamente sob duas formas: direta, envolvendo a disparidade entre a aceitação musical do modo menor e sua justificação na teoria; e indireta, contido na origem da harmonia funcional, mas não propriamente declarado e reconhecido em sua forma atual. Através de levantamento preliminar e da notória vigência das teses da harmonia funcional em programas de

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ensino musical no Brasil, percebe-se a validade de uma revisão que, de forma acessível, reavalie criticamente informações e referências. Tal revisão pode também ampliar o senso crítico sobre concepções do que é o natural em harmonia e sobre a justificação das práticas teóricas em termos científicos, racionais e numéricos. Em síntese, três trabalhos fundamentam esta pesquisa. Em cada um deles, a definição de dualismo harmônico se encontra nos primeiros parágrafos. Mickelsen (1977, p.3) introduz a noção: “[...] significa que as tonalidades maior e menor, enquanto de valor perfeitamente igual, são uma a antítese da outra e evoluem de fontes exatamente opostas”. Segundo Jorgenson (1963, p.31), essa “teoria é quase tão velha quanto a primazia do sistema de dois modos maior-menor e é fundada na crença de que, como se supõe que as tríades maior e menor produzam efeitos psicológicos opostos no ouvinte, elas devem então basear-se em princípios opostos.” Já para Snyder (1980, p.45): “dualismo harmônico pode ser definido como uma escola de pensamento teórico musical que sustenta que a tríade menor tem uma origem natural diferente daquela da maior, mas de igual validade”. A sutil discordância reflete a gradação da igualdade entre os dois modos na concepção dos dualistas. Princípios duais antecedem a consolidação da tonalidade harmônica. Gioseffo Zarlino, em Le Istituzione Harmoniche (1558), aponta a proporção 1:2:3:4:5:6, conhecida como número senario, como fonte de todas as consonâncias, extraindo as duas espécies de tríades perfeitas da divisão harmônica ou aritmética. Diferente dos próximos dualistas, Zarlino considerava o modo menor “contrário à natureza, de sonoridade lamuriosa” (cf. JORGENSON, 1963, p.33). Na era tonal, o caso de Jean-Philippe Rameau é especial: apesar de ter explorado a ideia da covibração de cordas mais graves para gerar a harmonia menor em Génération Harmonique (1737), ele a descartou por influência de D’Alembert, chegando a ser excluído da lista de dualistas. Com sua interpretação da natureza do corps sonore e do baixo fundamental, Rameau teve papel decisivo no desenvolvimento da teoria dualista e, ao mesmo tempo, em sua crise. Giuseppe Tartini, no Trattato di Musica (1754), ainda utiliza as divisões harmônica e aritmética como Zarlino, mas busca uma explicação acústica para a harmonia menor à maneira de Rameau. O dispositivo encontrado foi o chamado terzo suono ou som de combinação. A partir da nota dó no grave, ao dispor os intervalos na ordem do senario, com a adição da proporção 6:7, Tartini justifica a formação descendente da tríade de fá menor. Na Alemanha romântica, Moritz Hauptmann, possivelmente influenciado por Goethe, agrega às explicações acústicas uma abordagem filosófica parafraseando o modelo dialético hegeliano, em Natur der Harmonik und der Metrik (1853), conforme Snyder (1980, p. 47-48), como “unidade, dualidade e união”. Para Hauptmann, a formação da tríade maior ou menor depende da direção: se a primeira

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nota “tem” uma quinta e uma terça (relação ascendente) ou se ela “é” uma quinta e uma terça (relação descendente). Arthur von Oettingen cria nova terminologia para ressaltar a simetria entre os modos. Em Harmoniesystem in dualer Entwicklung (1866), Oettingen desenvolve um princípio “dual” para a harmonia: a propriedade de se ter uma nota fundamental comum (Tonicität) é contrastada com a propriedade de se ter um harmônico comum (Phonicität). Este princípio é estendido a escalas e funções harmônicas, as quais são inspiração para o próximo e mais conhecido dualista. Hugo Riemann, em obras como Musikalische Logik (1874) e Natur der Harmonik (1882), entre outras (cf. MICKELSEN, 1977, p.26-27), se apropria, desenvolve ou reforma muitos dos conceitos anteriores, com destaque para a série de subtons, baseada em múltiplos da corda. Outros teóricos se aventuraram nos caminhos do dualismo: no âmbito austro-germânico, após Riemann, destacam-se nomes como Sigfrid Kar-Elert, Hermann Erpf e Sven Emanuel Svensson. Na França, o dualismo foi abordado por autores de prestígio como Vincent d’Indy e Edmond Costère. No Cours de Composition Musicale (1912), D’Indy trata do conceito dual de résonnance supérieure et inférieure estendendo-o até a harmonia. Costère levou o princípio de inversão de D’Indy para a microtonalidade em Lois et Styles des Harmonies Musicales (1954). De forma geral, críticas dirigidas ao dualismo estão relacionadas ao questionamento da necessidade de validação científica para a música, à validade acústica dos subtons, à estruturação descendente da harmonia menor, a dúvida quanto ao título de “dualista” dado a alguns teóricos, como Zarlino e Hauptmann, e também ao distanciamento da prática musical. Os dualistas são acusados de forçar uma explicação natural para a harmonia menor, recorrendo a combinações arbitrárias. Tais críticas estão ligadas à forte ideia do baixo fundamental de Rameau como único gerador da harmonia “natural”, fazendo com que alguns dualistas mantenham a fundamental sobre a nota mais grave mesmo na harmonia menor, e causando discrepâncias de interpretação por parte dos monistas. Mais recentemente, pesquisadores se propuseram a estudar, resumir, criticar ou reforçar o dualismo harmônico. Dentre eles, incluem-se os trabalhos de Bernstein (1993; 2006), Harrison (1994), Riley (2004), Klumpenhouwer (2006; 2011), Rehding (2011) e Tymoczko (2011). Alguns abordam aspectos do dualismo em pesquisas específicas sobre algum teórico, tais como Burnham (1992) e Mooney (2000) sobre Riemann, Clark (2001) sobre Oettingen, e Moshaver (2009) sobre Hauptmann. No Brasil, o tema perpassa trabalhos como o de Ramires (2001) sobre Costère, Bittencourt (2009) e Taddei (2012) sobre Riemann, Freitas (2010) sobre harmonia e Barros (2005) sobre Ernst Mahle.

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Até para quem não advoga o dualismo harmônico, as polêmicas ao seu entorno são temas que continuam preocupando. Referências a outros teóricos foram encontradas, abrindo margem para outras pesquisas para além do escopo deste resumo. Mesmo considerando a dificuldade de um fundamento natural ou científico e também o fato de que a própria série harmônica tenha sido um pouco “adaptada” ou “podada”, a razão simétrica desenvolvida pelos dualistas constitui um grande potencial estruturador das relações sonoras. Referências: BARROS, Guilherme Antonio Sauerbronn de. Goethe e o pensamento estéticomusical de Ernst Mahle: um estudo do conceito de harmonia. Rio de Janeiro, 2005. Tese (Doutorado em Musicologia). UNIRIO. BERNSTEIN, David W. Nineteenth-century harmonic theory: the Austro-German legacy. In: CHRISTENSEN, Thomas. The Cambridge history of western music theory. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p. 778-811. BERNSTEIN, David W. Symmetry and symmetrical inversion. In: HATCH, Christopher; BERNSTEIN, David W. (Ed.). Music theory and the exploration of the past. Chicago: Chicago University Press, 1993. p. 377-­‐407. BITTENCOURT, Marcus Alessi. Apresentação de uma reforma simbológica para a análise harmônica funcional do repertório tonal. Anais do congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música - ANPPOM, v. 19, p. 764-770, 2009. BURNHAM, Scott. Method and motivation in Hugo Riemann's history of harmonic theory. Music Theory Spectrum, v. 14, n. 1. p. 1-­‐14, 1992. CLARK, Suzannah. Seduced by notation: Oettingen’s topography of the major-minor system. In: CLARK, Suzannah; REHDING, Alexander. Music Theory and Natural Order from the Renaissance to the Early Twentieth Century. Cambridge: University Press, 2001. COSTÈRE, Edmond. Lois et styles des harmonies musicales. Paris: Presses Universitaires de France, 1954. FREITAS, Sérgio Paulo Ribeiro de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas teóricas e o estudo de planos tonais em música popular. São Paulo, 2010. Tese (Doutorado em Música). Unicamp. GONÇALVES, Hortência de Abreu. Manual de metodologia da pesquisa científica. São Paulo: Avercamp, 2005. HARRISON, Daniel. Harmonic function in chromatic music: a renewed dualist theory and an account of its precedents. Chicago: University of Chicago Press, 1994.

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