Brasão de Montemor-O-Novo

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Brasão de Montemor-O-Novo Félix Rodrigues Departamento de Ciências Agrárias Universidade dos Açores Nota- Este trabalho foi desenvolvido para as Comemorações do Ano Internacional da Astronomia, 2009, promovidas pela Sociedade Portuguesa de Astronomia. Agradece-se a colaboração da Câmara Municipal de Montemor-O-Novo.

O atual brasão da cidade de Montemor-O-Novo é constituído por um escudo de prata com um monte negro, rematado por um castelo azul, aberto e iluminado, encimado por uma romã verde, com uma rachadura ao centro, vendo-se o seu interior vermelho, e rematada por uma cruz latina a negro. O castelo é acompanhado, à direita, de um crescente, e à esquerda, de um sol, ambos a vermelho. Em contra chefe, assente na base do monte, observa-se uma ponte de três arcos de prata, sobre uma ponta ondada de faixetas de azul e prata. Como coroa, tem um mural de cinco torres de prata. O listel de prata tem uma legenda a negro, identificativa da cidade de Montemor-O-Novo (ver figura 1). Cada uma das três torres do castelo, em azul, possui cinco merlões e/ou quatro ameias. Na Cosmogonia Pitagórica, ou de outro modo, a imagem pitagórica do mundo, é o de uma esfera, onde, no seu interior, operam quatro elementos: fogo, água, terra, ar. Segundo Filolau são cinco os elementos que descrevem o mundo: quatro internos à esfera (fogo, água, terra, ar), e o quinto, o navio. Na numerologia ou gematria pitagórica, os números possuíam significados místicos profundos, tendo alguns deles passado para a teologia Cristã. O número um, na Idade Média e até depois do Renascimento, era visto com a representação de Deus por estar em toda a parte ou em todo o número. Tal misticismo poderá corresponder, no Brasão da cidade de Montemor-O-Novo, ao número de janelas que existem nas três torres azuis do castelo, que se apresentam num plano superior. O número dois aparece tanto no plano inferior do Castelo (duas janelas), como em três dos cinco castelos da coroa (também com duas janelas), podendo representar na lógica pitagórica “Deus e a Sua obra”. 1

Figura 1 – Brasão da Cidade de Momtemor-O-Novo. O número três, poderá representar a Trindade, que estaria associado aos três arcos da ponte, às três torres, aos três merlões dos castelos das extremidades direita e esquerda da coroa ou às três ondas de prata ou às três ondas azuis das faixetas do brasão. O número quatro, o número da totalidade, poderia ser associado às quatro ameias das torres do castelo azul ou aos quatro merlões presentes em três dos castelos da coroa do brasão de Montemor-O-Novo. O número cinco, associado aos cinco castelos da coroa do brasão ou às cinco janelas do castelo azul, poderão representar as cinco chagas de Cristo, ou ainda, numa perspetiva mais arcaica, os cinco elementos da natureza: a Terra, a Água, o Ar, o Fogo e a Semente ou Germe. Esses elementos parecem estar claramente presentes no Brasão de Montemor-O-Novo. A romã representa claramente a “Semente ou Germe”, pois esse

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fruto é, no Islão, o símbolo da fecundidade e da fertilidade, dado que possui uma grande quantidade de sementes. A terra está claramente presente, representada pelo monte negro. A água também está claramente representada nas faixetas azuis e prateadas, sobre as quais se encontra a ponte de três arcos. O Fogo está claramente presente no Sol e o ar, está implícito quando se se representa uma Lua e um Sol que se situam claramente acima da atmosfera. Poderia supor-se ainda que não é o ar que aí está representado, mas a lógica pitagórica do éter. A referência pitagórica à região exterior da Terra é concebida como fogo. Por outro lado, e etimologicamente, o nome éter significa algo luminoso. Só nos nossos tempos é que essa cosmologia pitagórica foi abandonada, mas há que admitir que não se dominando a astronomia e a física, essas convicções ainda estão presentes nalgumas franjas da sociedade. Há semelhanças entre os conceitos da física pitagórica e os de Empédocles de Agrigento. Este é da escola jónica, ainda que nascido no Ocidente. Como se sabe, Empédocles apresentou como elementos constitutivos originários das coisas uma sequência de quatro elementos: fogo, água, terra e ar. Adotou também, e Aristóteles esse esquema. Já a doutrina de Teeteto contém elementos pitagóricos e ao mesmo tempo elementos jónicos. Esse filósofo considera serem cinco os elementos primordiais, relacionados com cinco sólidos pitagóricos: o fogo, a terra, o ar, a água e o éter. Ora, esses elementos parecem mais uma vez estar presentes no brasão da cidade de Montemor-O-Novo. O que aqui se acabou de expor, não está descrito oficialmente, trata-se apenas de uma interpretação baseada na mística pitagórica e medieval Cristã. O crescente e o sol são dos símbolos mais utilizados pela humanidade. São encontrados, por exemplo, em selos de Akkadian, na Mesopotâmia, desde 2300 a.C.. O crescente era frequentemente usado pelos fenícios no século VIII a.C. e pelos turcos no século XII, surgindo uma referência ao mesmo no próprio Corão, como o símbolo principal do Islão. Neste contexto, é difícil entender que numa sociedade católica, por vezes fundamentalista, como era a sociedade medieval portuguesa, que vilas e cidades 3

portuguesas adoptassem símbolos com conotações religiosas islâmicas. De facto, o antigo brasão de Montemor-O-Novo, que se apresenta na imagem seguinte, não parece ter qualquer simbologia ou associação imediata ao islamismo ou cultura árabe (ver figura 2).

Figura 2- Antigo brasão da cidade de Montemor-O-Novo

Como é fácil perceber, o brasão atual de Montemor-O-Novo surge na sequência da publicação da lei nº142/85 de 18 de Novembro, onde o município entendeu adaptar e redesenhar o antigo brasão da cidade. O novo brasão incorpora alguns elementos do antigo, como o monte, a torre do castelo e a ponte, passando esta última dos dois arcos 4

visíveis no antigo brasão para três arcos visíveis no novo. É no novo brasão que aparecem o Crescente e o Sol, alusivos à presença fenícia no Baixo Sado e não como conquista da cidade aos mouros ou influência mourisca na cidade. As mais antigas referências de bandeiras com o crescente datam do século XIV, em cartas de navegação. Dos séculos XIII ao XVIII as bandeiras surgiam frequentemente com 3 crescentes, e em 1793, o número foi reduzido para um e a uma estrela com 8 pontas. Depois do fim do império Otomano, a Turquia, o Estado com maior reconhecimento internacional, ajudou a projectar, entre o mundo muçulmano, o crescente acompanhado por uma estrela. Durante os séculos XIX e XX, foram vários os países que adoptaram o crescente e a estrela como símbolos nacionais, nomeadamente países árabes do Norte de África e do Médio Oriente, como por exemplo, a Tunísia, a Líbia e a Argélia. A designação de crescente, para uma Lua em forma de C, só poderá ter influência de outras línguas, pois essa forma da Lua representa-a em Quarto-Minguante. Noutras línguas como o inglês, à Lua em forma de C (quarto minguante) chama-se “Waning Crescent” onde waning tem o significado de decrescimento e “crescent” tem o mesmo significado que se atribui em português. Parece haver contradição na língua inglesa pois “Waning crescent”, traduzido à letra ou mesmo em significado, seria decrescimento do crescente, todavia as duas palavras não se podem separar para identificar a fase correcta da Lua, como por exemplo em português Terra-Chã ou pôr-do-sol. Em francês, o termo para o “quarto crescente” é “Dernier croissant” que traduzido à letra seria “Último crescente”, apesar de a lua estar a decrescer, mas o termo “crescente” também está presente. Por outro lado, a forma da Lua, em C ou em D, apesar de ser diferente no hemisfério Norte e no hemisfério Sul, correspondem a fases distintas da Lua. As fases lunares acontecem de igual modo para todos os lugares da Terra, o que quer dizer que quando é Lua Cheia num local, será Lua Cheia para todos os locais da Terra, nesse mesmo instante, o mesmo se passa com a Lua Nova, todavia o que muda, é a imagem da Lua vista por um observador colocado no hemisfério Norte ou no hemisfério Sul das fases “Quarto Crescente” ou “Quarto Minguante”. No hemisfério Norte a 5

imagem da Lua está invertida em relação à imagem da Lua vista por um observador no hemisfério Sul. No Hemisfério Norte quando a Lua está na fase crescente, vemo-la com a forma da letra “D” enquanto um observador no Hemisfério Sul a vê com a forma da letra "C". O mesmo se passa com a imagem da Lua vista por observadores em hemisférios diferentes na sua fase minguante. Na figura seguinte (figura 3), apresentam-se as imagens da lua vistas por observadores colocados em hemisférios diferentes em cada uma das suas fases.

Figura 3 – Diferentes formas da lua observadas no hemisfério Norte e hemisfério Sul.

Na linha do equador a forma das fases da Lua, minguante ou crescente, é distinta do que se observa no hemisfério Norte ou hemisfério Sul. Na imagem seguinte (figura 4) apresentam-se as fases da Lua vistas por um observador colocado na linha do Equador.

Figura 4 – Formas das fases da Lua, quando observadas no equador.

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Na linha do equador, o Quarto Minguante, tem a forma de um U enquanto o Quarto Crescente tem a forma de um “U invertido”. Não é a relatividade das formas do Quarto Minguante observadas por indivíduos distintos nos dois hemisférios que são responsáveis pela atribuição do termo crescente ao símbolo do “crescente árabe”, pois a maioria dos países árabes que o utilizam situam-se no hemisfério Norte, como tal vêem a Lua em “Quarto crescente” com a mesma forma que os portugueses. Também não é expectável que seja uma influência dos observadores do hemisfério Sul, porque as grandes civilizações humanas, mais uma vez, se situavam no hemisfério Norte. Não é fácil perceber a origem do termo “crescente” para a representação árabe da Lua em quarto minguante. Tal termo não parece derivar do árabe pois “hilâl” refere-se tanto ao quarto crescente da Lua com ao seu quarto minguante. Conclui-se da análise que aqui se faz, que o atual brasão da cidade de Montemor-ONovo possui elementos muito interessantes do ponto de vista simbólico, não se garantindo que todos aqueles que aqui foram referidos tenham sido efetivamente planeados e aí incorporados.

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