Brasil e Alemanha: uma Abordagem Comportamental dos Contratos de Adesão.

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Maiara Giorgi e Haide Maria Hupffer DOI: 10.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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Brasil e Alemanha: uma Abordagem Comportamental dos Contratos de Adesão Brazil and Germany: a Behavioral Law and Economics Approach to Standard Form Contracts Maiara Giorgi * Haide Maria Hupffer**

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Doutoranda em Direito na Universidade de Hamburgo (Alemanha). E-mail: [email protected].

** Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Docente e Pesquisadora nos cursos de pós-graduação e graduação da Universidade Feevale (Brasil). E-Email: haide@ feevale.br.

Como citar: GIORGI, Maiara; HUPFFER, Haide Maria. Brasil e Alemanha: uma abordagem comportamental dos contratos de adesão. Scientia Iuris, Londrina, v. 21, n. 1, p.31-54, mar. 2017. DOI: 10.5433/2178-8189.2017v21n1p31. ISSN: 2178-8189. Resumo: As relações de consumo são fortemente influenciadas pela economia de mercado, o que pode ser visto como um reflexo da globalização enfrentada pela sociedade contemporânea. Contratos de adesão aparecem como uma demanda deste mundo econômico e globalizado, pois eles podem fornecer uma maior uniformidade, rapidez, eficiência e dinamismo às relações contratuais. A economia comportamental assume que os consumidores sofrem de limitações cognitivas no processamento de informações. Diante do exposto e com embasamento teórico, os vieses cognitivos que influenciam as escolhas do consumidor que celebra um contrato de adesão serão estudados

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sob o ponto de vista do direito e economia comportamental. Pala v r a s - c ha v es : D i r e i t o e E c o n o m ia comportamental. Contratos de adesão. Vieses cognitivos. Abstract: Consumer relations are strongly influenced by the market economy, which can be seen as a reflection of the globalization faced by contemporary society. Standard form contracts appear as a demand of this economic and globalized world, since they can provide greater uniformity, rapidity, efficiency and dynamism to contractual relations. Behavioral economics assumes that consumers suffer from cognitive limitations in processing information. Considering this and relying on a theoretical framework, the biases that influence the choices of a consumer who concludes a standard form contract will be studied from the point of view of Behavioral law and economics. Keywords: Behavioral Law and Economics. Standard form contracts. Biases.

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INTRODUÇÃO Contratos de adesão são um fenômeno frequente nas relações comerciais. Atualmente, as relações de consumo são fortemente influenciadas pela economia de mercado, o que nada mais é do que um reflexo da globalização enfrentada pela sociedade contemporânea. O consumo depende do progresso da economia de mercado, e os contratos são instrumentos de circulação de riqueza. Assim, a economia tem uma relação intrínseca com os contratos de consumo. Como requisito deste mundo econômico e globalizado, os contratos de adesão são uma forma de proporcionar maior uniformidade, rapidez, eficiência e dinamismo às relações contratuais, especialmente às relações de consumo. O mundo contemporâneo não poderia suportar que todos os contratos de consumo ainda fossem paritários, ou seja, que sempre houvesse uma discussão prévia entre o consumidor e o fornecedor. Os contratos de adesão são caracterizados por termos que foram estabelecidos unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem dar ao consumidor a possibilidade de discutir ou modificar seu conteúdo. Um exemplo seriam os contratos celebrados com companhias elétricas e telefônicas. Devido ao fato de conterem termos padronizados e previamente estipulados, eles se constituem como um mecanismo de redução de custos que também permite a celeridade das transações. Apesar de os contratos de adesão surgirem como uma necessidade do mundo globalizado, eles trazem consigo um perigo: a possibilidade de cláusulas abusivas em que apenas uma parte é beneficiada; a que está propondo o contrato. A economia comportamental pressupõe que os consumidores sofrem de limitações cognitivas no processamento da informação, o que os impediria de fazer ótimas escolhas no mercado. Dessa forma é possível que o fornecedor inclua em seus contratos cláusulas SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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abusivas, e, portanto, a regulamentação desses contratos, por exemplo, pelo judiciário seria necessária. Consequentemente, este artigo tem como objetivo analisar os vieses comportamentais que podem influenciar as escolhas de um consumidor que irá celebrar um contrato de adesão. A lei de dois países distintos, Alemanha e Brasil, será utilizada como exemplo prático. Entende-se, também, que nem todas as decisões dos indivíduos são tomadas de acordo com padrões de racionalidade, mas que também são adotadas heurísticas, tanto nas negociações quanto na solução dos problemas. Considerando que o escopo deste artigo não é estudar especificamente os contratos de adesão, mas sim os vieses cognitivos que influenciam o consumidor, aspectos relevantes do direito e economia comportal e dos contratos de adesão serão estudados, a fim de possibilitar a compreensão e apresentação dos vieses cognitivos que podem permear a negociação de um contrato de adesão. 1 ABORDAGEM COMPORTAMENTAL DO DIREITO E ECONOMIA Direito e Economia Comportamental é um ramo das discussões sobre direito e economia que se concentra no estudo do comportamento humano e entende que nossa racionalidade pode ser limitada por uma série de vieses e heurísticas. Nas últimas décadas, cientistas sociais adquiriram conhecimento sobre como as pessoas realmente tomam decisões. Muitos desses trabalhos postulam mudanças nos modelos de escolha racional que tem dominado as ciências sociais, o que inclui a análise econômica do direito. De acordo com Cass R. Sunstein (2000), as pessoas nem sempre são racionais no sentido que os economistas assumem. Isso não significa que o comportamento das pessoas é imprevisível, sistematicamente irracional, aleatório, livre de regras ou incompreensível para os cientistas sociais, mas que essas habilidades podem ser descritas, estudadas e utilizadas. SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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Uma suposição básica da Economia é que os homens são seres racionais e que “[...] as escolhas que as pessoas fazem para aumentar seu bem-estar são antecipadas com a utilização da Teoria da Escolha Racional (na sigla inglesa RCT). Quando várias opções estão disponíveis, supõe-se que os indivíduos optem pela alternativa que produzirá o maior bemestar” (LUTH, 2010, p.17). Posner (2007, p.16) afirma que “[...] a tarefa da economia, assim definida, é explorar as implicações em assumir que o homem é um maximizador racional de seus fins”. Assim, uma concepção de racionalidade afirma que o agente racional pode selecionar alternativas de acordo com o nível de satisfação fornecido, mas poderá esbarrar em seu orçamento máximo. Um consumidor racional pode selecionar pacotes alternativos de bens de consumo, mas seu orçamento pode restringir a opção desejada. A teoria econômica neoclássica argumenta que, em mercados competitivos, as relações de troca são econômicas e conscientes, ao passo que os mecanismos de intervenção estatal devem ser usados apenas em casos excepcionais e só se justificam quando há falhas de mercado e competição imperfeita (LUTH, 2010). Robert Cooter e Thomas Ulen (2014) no seu manual de direito e economia apontam que a teoria da escolha racional tem sido questionada nos últimos 30 anos, principalmente devido a estudos empíricos de natureza experimental, sugerindo que o comportamento dos indivíduos não segue as previsões dessa teoria. Nesse sentido, os behavioristas acreditam que os indivíduos possuem racionalidade e poder de escolha limitados, de forma que suas condutas pretendem ser racionais, mas não transcendem o equilíbrio de custos implícito na racionalidade e, portanto, nas heurísticas das decisões comuns e da economia comportamental, substituem o objetivo de maximização pelo da satisfação, e também substituem a exigência do “ideal” pela do meramente “suficiente”, a partir do que é necessário para poder agir (ARAÚJO, 2012). SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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Ressalta-se que de acordo com Russell Korobkin e Thomas Ulen (2000), o propósito do direito e economia comportamental não seria substituir a teoria da escolha racional por um paradigma inconsistente, mas sim modificar os elementos sem plausibilidade da teoria, e complementar elementos inadequados, de modo a criar uma ferramenta com maior poder preditivo em situações específicas. Além disso, “[...] a tarefa do direito e economia comportamental, de forma simples, é explorar as implicações reais (e não hipotetizadas) do comportamento humano para a lei” (JOLLS; SUNSTEIN; THALER, 1998, p. 1476). O direito e economia comportamental sugerem que os modelos econômicos de análise devem incluir variáveis psicológicas, bem como que este argumento também se aplica às relações de Direito e Economia, porque os resultados da atividade normativa são percebidos levando-se em consideração também concepções de racionalidade humana. Jolls, Sunstein e Thaler (1998) entendem que o comportamento humano pode apresentar três características: racionalidade limitada, força de vontade limitada e autointeresse limitado. Racionalidade limitada referese ao fato de que as habilidades cognitivas humanas não são infinitas e possuem limitações. Além da racionalidade limitada, existe a força de vontade limitada, o que significa que as pessoas frequentemente realizam ações que elas sabem estar em conflito com seus próprios interesses de longo prazo. E, finalmente, o termo autointeresse limitado refere-se à função de utilidade da maioria das pessoas: “[...] elas se importam ou agem como se elas se importassem com os outros, mesmo com estranhos, em algumas circunstâncias” (JOLLS; SUNSTEIN; THALER, 1998, p. 1479). Os autores citados acima acreditam que esses limites do comportamento humano são importantes porque “[...] põem em questão as ideias centrais de maximização da utilidade, de preferências estáveis, de expectativas racionais e de processamento de informações” (JOLSS; SUNSTEIN; THALER, SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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1998, p. 1476). Apesar deste cenário, e levando-se em conta que estamos lidando com um estudo recente, algumas objeções às abordagens do direito e economia comportamental tem sido feitas, haja vista que não haveriam evidências no sentido de que o compromisso de racionalidade proposto pelo direito e economia comportamental teria impacto suficiente para descartar os conceitos já estabelecidos na literatura econômica. Assim, entende-se que o Direito e Economia Comportamental introduziriam novas variáveis que devem ser levadas em consideração. Richard Posner (2007) afirma que informação limitada não deve ser confundida com irracionalidade. Também vale ressaltar as contribuições de Daniel Kahneman que, ao introduzir as idéias da pesquisa psicológica nas ciências econômicas, especialmente no que se refere à avaliação e à tomada de decisão sob incerteza, mostrou o quanto essa questão desperta interesse no ambiente especializado. A teoria econômica clássica tem um caráter mais protetor em relação ao consumidor e considera justificada a intervenção do Estado/ Poder Judiciário nas relações contratuais, especialmente quando o contrato de adesão contém cláusulas abusivas (MICELI, 2004). Em mercados competitivos, os contratos tendem a ser eficientes, uma vez que refletem as opções econômicas das partes envolvidas; em outras palavras, os consumidores procuram maximizar a utilidade e satisfação na seleção. A racionalidade do indivíduo é um elemento-chave para entender as preferências dos consumidores. Se o indivíduo ao decidir sobre o consumo de bens, não maximiza os benefícios esperados, ocorrerá a violação dos pressupostos comportamentais da teoria da escolha racional (ULEN, 1999). Em outras palavras, racionalidade significa agir com boas razões e com o máximo de informação possível, a fim de aplicar consistentemente os meios adequados para atingir os fins específicos. Mas para os economistas, “ser racional” significa escolher de acordo com uma preferência completa SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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e transitiva, sujeita à informações perfeitas e adquiridas com o menor custo possível. Assim, as relações de preferência representam um papel crucial no processo de decisão porque sintetizam os desejos do tomador de decisões (ARAÚJO, 2012). Os autores Russell Korobkin e Thomas Ulen (2000) listam cinco requisitos lógicos do que se espera de um comportamento racional: a) Comensurabilidade: o consumidor deve poder comparar todas as alternativas de bens e serviços. Esta hipótese raramente acontece, uma vez que não temos todas as informações necessárias para uma avaliação eficaz; b) Transitividade: as preferências precisam ser classificadas e priorizadas de forma única. Se uma opção é preferível à outra, ela também tem maior utilidade que a outra; c) Invariância: a preferência entre as escolhas não deve depender de como a escolha é apresentada, uma vez que as possibilidades de resultado são constantes; d) Cancelamento: uma escolha entre opções não deve depender de características de opções idênticas; e) Dominância: um agente nunca deve escolher uma opção que tenha apenas aspectos tão bons quanto os aspectos das outras opções, e pelo menos um aspecto não tão bom. No entanto, é necessário esclarecer que a economia comportamental apresenta algumas disconformidades com esses parâmetros de escolha racional, uma vez que existe a possibilidade de as preferências dos consumidores simplesmente não obedecerem os requisitos indicados acima. O argumento principal da economia comportamental é a afirmação de que os indivíduos geralmente não tomam decisões de acordo com os padrões de racionalidade estabelecidos pela teoria econômica clássica, mas, ao invés, adotam atalhos ou heurísticas, os quais são mecanismos simplificados de solução de problemas complexos (ARAÚJO, 2012). Dessa forma, “[...] heurísticas podem ser definidas como estratégias de tomada de decisões que simplificam o problema por meio da eliminação de possíveis opções [...]” (DOWLING; CHING-FANG, 2007, p. 38) ou, em outras palavras, elas SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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são métodos de tomada de decisões que tentam buscar ótimos resultados através de regras de conduta mais simples. Portanto, elas podem ser usadas na maioria dos casos para resolver problemas identificados nas negociações contratuais, mas, em outros casos, elas podem afastar o indivíduo da decisão racional esperada. Porém, há também os chamados vieses comportamentais. Eles podem gerar situações em que os indivíduos tendem a adotar um comportamento irracional e anômalo, reduzindo a eficiência nas relações econômicas. Na seção a seguir, serão apresentados os contratos de adesão e os tipos de vieses comportamentais que podem fazer com que os consumidores se desviem da escolha racional ao celebrarem um contrato de adesão. 2 VIESES COMPORTAMENTAIS E CONTRATOS DE ADESÃO De acordo com a perspectiva econômica tradicional, os contratos, quando livres de nulidade, são boas ferramentas para efetuar trocas eficientes. A padronização das relações contratuais é um mecanismo que reduz o custo das transações e possibilita a realização de um maior número de trocas. Consequentemente, os contratos de adesão podem gerar efeitos positivos em termos de bem-estar econômico, bem como, eles possuem um significado prático considerável no direito contratual, uma vez que muitas empresas, profissionais e associações utilizam estes instrumentos legais padronizados ao celebrarem contratos com seus clientes. Os contratos de adesão são amplamente utilizados por empresas que atuam diretamente nos setores de consumo final. Elas utilizam essa ferramenta para reduzir os custos de negociação e os riscos de contingências legais, bem como para produzir planilhas de balanços coerentes. Estes contratos caracterizam-se pela redação unilateral dos termos contratuais. Não há negociação e, se houver, ela é feita com a utilização de modelos SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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pré-determinados que limitam significativamente a expressão de vontade de uma das partes contratantes. Contratos de adesão muitas vezes não são sequer lidos pelos consumidores antes de serem assinados, e quando são lidos, algumas vezes não são compreendidos em sua totalidade (ZHANG, 2007). Reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor neste tipo de relação econômica, o legislador estabeleceu regras específicas para os contratos e as relações de consumo, as quais contém direitos específicos que visam proteger os consumidores contra possíveis práticas abusivas. Na Alemanha, condições gerais dos contratos (Allgemeine Geschäftsbedingungen or AGBs), nas quais estão incluídos os contratos de adesão (Formularverträge) eram regulamentadas pela antiga lei que regulava o Direito das Condições Gerais (Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen Geschäftsbedingungen, AGBG), mas em 2002, essas regras foram integradas ao Código Civil Alemão (§§ 305-310, Bürgerliches Gesetzbuch, BGB) pela lei de Modernização do Direito das Obrigações (Schuldrechtsmodernisierungsgesetz vom 26.11.2001). No Brasil, a proteção do consumidor está estabelecida na Constituição Federal pelo princípio da defesa do consumidor (artigos 5, XXXII, e 170 V) e é regulamentada pela Lei 8078, de 1990, o chamado Código de Defesa do Consumidor. Com o surgimento da produção em massa, veio a necessidade de desenvolvimento de um modelo de contrato para todos os compradores de determinados produtos ou serviços. Afinal, se todos os consumidores negociarem as cláusulas do contrato com o fornecedor, haverá uma grande obstrução no fluxo de produção em larga escala. Assim, a lei seguiu este movimento industrial e criou modelos e regras adequados ao processo industrial que surgiu. Fornecedores e prestadores começaram a criar uma fórmula padronizada, bem como a padronizar as cláusulas contratuais: verdadeiros contratos de consumo (NUNES, 2009). SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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A teoria clássica do direito dos contratos tem como premissa básica o princípio da autonomia de vontade, em que as partes contratantes têm flexibilidade e autonomia para escolher se querem ou não contratar qualquer tipo de obrigação e, como querem coontratar. Mas não é o que o ocorre em um contrato de adesão, já que o consumidor pode apenas decidir contratar ou não, visto não ser possível discutir as cláusulas contratuais. Basicamente, a diferença entre um contrato de adesão e um contrato normal é que no último, tem-se essa liberdade de escolha e a possibilidade de cuidadosamente negociar totalmente todas as cláusulas que serão incluídas no instrumento contratual (NUNES, 2009). Na Alemanha, encontra-se no § 305 Abs 1 do Código Civil alemão a definição de cláusulas gerais: Cláusulas contratuais gerais são todas aquelas préformuladas para vários contratos em que uma das partes do contrato (o usuário) apresenta à outra ao assinar o contrato. É irrelevante se as cláusulas fazem parte de um elemento separado do contrato ou se estão incluídas no próprio documento contractual; sua extensão, que tipo de letra foi utilizada ou qual a forma do contrato. Não são consideradas cláusulas gerais as cláusulas que foram negociadas individualmente entre as partes (DEUTSCHLAND, 2002).

Na definição acima pode-se notar que se uma das partes usa seu próprio conjunto de cláusulas contratuais e propõe unilateralmente um contrato pré-formulado sem qualquer negociação sobre seus termos, elas se tornarão, depois de usadas em vários contratos, cláusulas contratuais gerais e por que não dizer, um contrato de adesão. É importante salientar que no direito alemão estas cláusulas podem incluir o conteúdo integral ou

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partes do contrato e, as regras estatutárias do BGB não serão aplicadas se as cláusulas forem usadas apenas para um contrato. Desta forma, os tribunais alemães consideram cláusulas gerais quando elas são utilizadas pelo menos três vezes. No entanto, de acordo com o § 310 Abs 3 do BGB, contratos de consumo, quando não possuem condições introduzidas por iniciativa do consumidor, são considerados padrão, mesmo que usados apenas uma vez, pois são pré-elaborados pelo fornecedor (DEUTSCHLAND, 2002). O § 308 do BGB possui cláusulas proibitivas com possibilidade de análise e o § 309 do BGB tem cláusulas proibitivas sem possibilidade de análise. Pelas regras do § 308, uma das partes não pode, por exemplo, unilateralmente alterar as obrigações do contrato, a menos que a outra parte concorde e as mudanças sejam tambem razoáveis. O parágrafo 309 enumera algumas cláusulas que são consideradas nulas sem a necessidade de um exame mais aprofundado. Um exemplo é a duração dos contratos de serviços, como internet e telefone (§309 Abs 9). A duração desses contratos não pode ser superior a dois anos e não podem ser prorrogados por período superior a um ano (DEUTSCHLAND, 2002). Ao contrário da Alemanha, o Brasil define especificamente os contratos de adesão no artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (BRASIL, 1990).

A Lei 8078/90 (CDC), em seu artigo 51 também enumera SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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cláusulas abusivas nas relações de consumo, as quais são consideradas nulas, como por exemplo, cláusulas que permitem ao fornecedor alterar unilateralmente, direta ou indiretamente, o preço do serviço. Estas cláusulas podem comprometer o equilíbrio contratual e causar danos ao contratante. Portanto, o CDC representou uma evolução na legislação brasileira, do ponto de vista normativo, protegendo os consumidores e reconhecendo a regra da responsabilidade objetiva pelo risco do produto, a qual não requer análise de culpa do fornecedor (artigo 6º CDC). Vale ressaltar que no cenário brasileiro, o ativismo judicial e a interferência do poder judiciário são constantes. De acordo com dados da pesquisa anual “Justiça em números” feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e publicada em 15 de setembro de 2015, os tribunais brasileiros tiveram 99,7 milhões de casos no ano de 2014. Nos tribunais estaduais, os casos envolvendo direito do consumidor aparecem como o segundo assunto mais demandado (BRASIL, 2015). Esse caráter protetor do Estado e do Judiciário pode ser visto como uma explicação para a pouca existência de pesquisa sobre direito e economia comportamental no Brasil. Estudos de Direito e Economia Comportamental apontam na direção de que o comportamento do consumidor é impulsionado por vários vieses. Becher (2007) entende que “[...] os vieses cognitivos e os atuais padrões comportamentais dos consumidores têm papéis centrais - tanto de forma descritiva quanto normativa na lei dos contratos de adesão [...]” e que “[...] esses vieses podem ter um papel importante na elaboração de contratos de adesão e na regulamentação das relações de consumo “. Os vieses comportamentais que podem influenciar as escolhas de um consumidor que pretende celebrar um contrato de adesão são: o efeito sunk cost, a teoria da dissonância cognitiva, o viés de confirmação e a técnica da bola baixa1. 1

Divisão baseada em Becher (2007). Veja também Luth (2010), a qual baseia sua SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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A importância dos sunk costs (custos irrecuperáveis ou afundados) tem sido discutida de duas maneiras na literatura: de um ponto de vista estrutural, como um custo que estimaria os preços dos produtos e barraria a entrada de novos investidores; e de um ponto de vista comportamental, no qual a informação sobre custos irrecuperáveis afetaria o julgamento em situações de tomada de decisão. O termo “sunk cost” é usado pelos economistas para se referir “[...] a investimentos anteriores que não podem afetar a utilidade marginal esperada de atividades ou decisões futuras” (BECHER, 2007, p. 125). Assim, os custos irrecuperáveis (sunk costs) são custos passados que foram gastos e não são mais recuperáveis. A análise convencional espera que os tomadores de decisão (considerados indivíduos racionais) ignorem esses custos e não os deixem afetar suas escolhas. Mas a economia comportamental tem mostrado que os custos irrecuperáveis podem ser significativos. No caso dos contratos de adesão, o consumidor já suportou os custos de pesquisa e seleção do produto, o que torna vantajoso assinar o contrato, de forma a evitar custos futuros de busca ou reajuste do contrato. Portanto, o efeito sunk cost é “[...] manifestado em uma grande tendência a continuar um esforço uma vez que um investimento em dinheiro, esforço ou tempo foi feito” (ARKES; BLUMER, 1985, p. 124). Para entender este padrão comportamental e sua implicação para a lei dos SFCs (Standard Form Contracts – Contratos de adesão), é importante esclarecer por que as pessoas permitem que os custos irrecuperáveis influenciem suas decisões. A principal explicação é baseada em razões motivacionais - que o efeito sunk cost pode ser melhor justificado como um dispositivo de manutenção de auto-estima. As pessoas divisão em Becher (2007), mas classifica os vieses em sobrecarga de informação e propensão para ler, percepções de auto-comprometimento, percepções de risco e status emocional ou pressões sociais SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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podem se sentir compelidas a manter um curso de ação anteriormente escolhido como um meio de preservar alguns aspectos da autopercepção. Assim, o efeito sunk cost é previsto, em parte, por causa da aspiração das pessoas para não ser - ou parecer - desperdício. [...] Dado que o efeito sunk cost existe conjuntamente com o montante de recursos anteriormente investidos, o seu efeito varia substancialmente entre os diferentes tipos de transações. [...] No entanto, como argumento geral, na maioria dos casos, os fornecedores apresentam o seu SFC apenas após o processo de compra ter terminado. Uma vez que é provável que o consumidor gaste uma quantidade considerável de tempo para se familiarizar com o bem ou serviço que ele está prestes a comprar antes do SFC ser apresentado, o efeito sunk cost pode contribuir para a decisão de ignorar o contrato que o acompanha (BECHER, 2007, p. 127-129).

Dessa forma, entende-se que o efeito sunk cost é um fator importante na contratação com contratos de adesão, uma vez que os consumidores nem sempre terão a oportunidade de examinar racionalmente o conteúdo do contrato. Shmuel I. Becher (2007, p. 130) observa que “[...] isto é particularmente verdadeiro nos casos em que os compradores incorrem em custos substancialmente irrecuperáveis ou quando os vendedores manipulam a transação para explorar o efeito sunk cost”. A expressão “dissonância cognitiva” está relacionada ao desconforto causado pela apreensão simultânea de ideias. As pessoas procuram reduzir a dissonância mudando suas atitudes, convicções e ações. Em alguns casos, a dissonância cognitiva ocorre quando a experiência do sujeito entra em conflito com suas expectativas. Um exemplo é o remorso do comprador ao comprar um item caro no qual ele depositou grandes expectativas. No que se refere aos contratos de adesão, depois de escolher SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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e ter expectativas em um produto ou serviço, é muito improvável que o consumidor mude de opinião devido a condições contratuais desfavoráveis. O professor Shmuel Becher (2007) acredita que no momento em que o contrato de adesão é apresentado e o consumidor decide fazer algum tipo de transação econômica, a dissonância cognitiva pode impedí-lo de avaliar, de forma racional, cláusulas contratuais que não são eficientes para ele. Se um SFC é introduzido quando o comprador já decidiu entrar em uma transação, a dissonância cognitiva pode impedí-lo de avaliar racionalmente os termos pré-estabelecidos do contrato. Quando as condições contratuais que ele encontra prejudicam a utilidade que ele espera obter da transação em questão, a dissonância cognitiva pode impedir uma avaliação eficiente. Além disso, o desejo humano natural de evitar a dissonância cognitiva pode implicar que os consumidores prefiram, conscientemente ou não, não ler o contrato e não perceber que eles podem estar prestes a celebrar um contrato ruim, mesmo sabendo que eles provavelmente concluirão a transação de qualquer maneira (BECHER, 2007, p. 131).

Os dois vieses comportamentais descritos acima, efeito sunk cost e dissonância cognitiva, também podem estar relacionados a outro viés chamado de viés de confirmação. Trata-se de uma predisposição dos indivíduos a selecionar informações que confirmem suas hipóteses ou opiniões previamente estabelecidas. “De acordo com esse viés, os indivíduos que formam uma opinião parecem procurar dados que apóiem e confirmem sua já existente opinião, ao invés de informações que possam desafiá-la ou contradizê-la” (BECHER, 2007, p.132). Em geral, os indivíduos selecionam as informações e evidências de forma incompleta e insuficiente. Igualmente, eles priorizam suas convicções e questões emocionais, o que certamente afeta SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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a tomada de decisão racional. No caso dos contratos de adesão, o consumidor tende a confirmar as suas expectativas relativamente ao produto escolhido e ignora as condições desvantajosas dos contratos propostos. Tversky e Kahneman (1981) indicam que a percepção de um problema é afetada pela sua apresentação. Em outras palavras, ao avaliar um problema, os indivíduos podem cometer erros de consistência e coerência, especialmente por causa de sua percepção pessoal das ações e consequências do problema. Sua avaliação do problema também pode ser afetada por seus princípios, hábitos e características pessoais. Um exemplo de seleção adversa em contratos de adesão refere-se à contração de planos de saúde. É importante ressaltar que, ao contrário da Alemanha, no Brasil e na maioria dos países da América do Sul ter um plano de saúde não é obrigatório. As pessoas geralmente têm um melhor conhecimento de sua condição de saúde do que as empresas que oferecem esses planos. As pessoas mais velhas são mais propensas a contrair uma doença e, portanto, precisar de cuidados médicos e hospitalares, levando à demanda por planos de saúde. Prestadores de serviços irão aumentar os seus preços de acordo com a idade do usuário, porque neste caso, eles têm informações assimétricas da condição de saúde real das pessoas. Isso causa uma seleção adversa ao inibir a entrada de pessoas saudáveis nos planos. Assim, há uma crescente participação de pessoas idosas e doentes nos planos de saúde, o que afeta a indústria já que reduz sua rentabilidade. O viés de confirmação também pode explicar por que os consumidores que lêem contratos de adesão não estão suscetíveis a avaliar o seu conteúdo de forma racional. De acordo com o viés de confirmação, as pessoas não buscam apenas informações que reforçem sua convicção anterior, mas também processam as informações que encontram de uma forma que melhora seus pontos de vista existentes (BECHER, 2007). Bakos, Marotta-Wurgler e Trosse (2014) afirmam que muito SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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poucos consumidores escolhem ler e ficar informados sobre os contratos de adesão. Desta forma, o viés de confirmação também pode explicar por que os consumidores que lêem contratos de adesão não avaliam o seu conteúdo de forma racional, uma vez que “[...] as pessoas previsivelmente não só procuram informações que reforçam a sua opinião anterior, mas também processam a informaçnao que encontram de forma a reforçar os seus pontos de vista já existentes” (BECHER, 2007, p. 132). E, por causa disso “[...] mesmo que os consumidores leiam SFCs, não se deve esperar que eles os avaliem objetivamente” (BECHER, 2007, p. 133). A técnica de bola baixa é uma tática de venda na qual um agente subestima ou minimiza um preço. Esta técnica pode ser relacionada a contratos de adesão, porque tem sido amplamente utilizada por empresas que querem que o consumidor compre serviços de longo prazo, como internet e telefone. De acordo com Shmuel I. Becher (2007), um caso típico da técnica de bola baixa ocorre quando os vendedores, ou anúncios, conseguem que um consumidor concorde, ou pelo menos considere, comprar um item a um preço com desconto. No entanto, mais tarde, o desconto é removido, mas a decisão inicial para entrar na transação ainda pode levar a pessoa a concordar com o novo preço, mesmo que ele seja maior. Nesses casos, os consumidores estão mais propensos a concordar com o preço alterado do que se o vendedor tivesse declarado o preço real desde o início. Consequentemente, sujeitos que estão expostos à técnica de bola baixa podem entrar em uma transação mesmo que o verdadeiro preço de longo prazo já não possa mais ser considerado um “bom negócio”; ou, usando a terminologia dos economistas, ele não maximizar a utilidade do sujeito (BECHER, 2007, p.134).

Outro comportamento já mencionado acima e que também SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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acompanha os contratos de adesão e o uso da técnica de bola baixa é o seguinte: como a maioria dos consumidores não lêem os contratos que eles estão assinando eles não percebem que às vezes pode haver uma lacuna entre o que foi prometido e o que está realmente escrito no contrato pré-elaborado (BAKOS; MAROTTA-WURGLER; TROSSE, 2014). Utilizando-se a técnica da bola baixa, os vendedores podem induzir os compradores a ir em frente e assinar SFCs que os compradores não iriam assinar se tivessem plenamente compreendido os seus termos e contéudo de antemão. Isso é verdade porque a decisão anterior de um consumidor em concordar com um conjunto específico de termos é baseada no que foi oralmente prometido ou de outra forma anunciado. Consequentemente, o comprometimento preliminar dos consumidores pode resultar em uma maior tendência para entrar nos SFC, ignorando - ou desvalorizando - o que realmente está incorporado na folha impressa e imposto na prática (BECHER, 2007, p. 135).

Os vendedores podem tirar proveito dos vieses cognitivos dos consumidores, para seus próprios interesses. “A tomada de decisão do consumidor tende a ser afectada por vieses e heurísticas que proporcionam uma oportunidade para os vendedores tirarem proveito dos consumidores” (LUTH, 2010). É possível dizer, pela abordagem comportamental do direito e economia aplicada ao estudo dos contratos de adesão, que os consumidores podem fazer más escolhas, mesmo quando boas informações estão disponíveis. CONCLUSÃO O presente artigo teve como ponto de partida os fundamentos do SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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Direito e Economia Comportamental e teve como objetivo refletir sobre os vieses comportamentais que influenciam a decisão de um consumidor antes de assinar um contrato de adesão. Com base na divisão proposta por Becher (2007), foram considerados o efeito sunk cost, a teoria da dissonância cognitiva, o viés de confirmação e a técnica da bola baixa. Para alcançar o propósito proposto, foi necessário, em primeiro lugar, fornecer algumas explicações sobre direito e economia comportamental, bem como sobre a teoria da escolha racional. Em segundo lugar, os vieses comportamentais foram estudados. Demonstrou-se que os vieses comportamentais afetam as decisões dos consumidores e devido ao fato de as decisões serem tomadas sob a influência desses vieses, os consumidores podem deixar de maximizar seu próprio bem-estar. A fim de demonstrar que mesmo que a lei não seja a mesma, alguns comportamentos acabam sendo os mesmos. Foram apresentadas também as bases legais dos contratos de adesão em dois países distintos. No Brasil há um código de proteção ao consumidor, enquanto na Alemanha as regras estão inseridas no Código Civil. Apesar da diferença entre as normas jurídicas desses países, os consumidores são influenciados pelos mesmos tipos de vieses cognitivos e, também é possível dizer que os vieses cognitivos e os padrões comportamentais dos consumidores têm influência não só na elaboração dos contratos de adesão, mas também na regulamentação destas relações. Assim, a compreensão dos contratos de adesão pode ser enriquecida pelo estudo interdisciplinar com o Direito e Economia Comportamental. O estudo do tema também mostrou que os indivíduos se desviam da escolha racional e que as previsões do comportamento humano podem ser melhoradas levando-se em consideração esses desvios. Entende-se também que para a regulamentação dos contratos de adesão nas relações de consumo e, para proteger certos direitos dos consumidores de serem restringidos, se faz não apenas conveniente, mas necessário corrigir os vieses SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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comportamentais que afetam as escolhas dos consumidores e impedi-los de fazer más escolhas. Isso não significa que as leis atuais não são eficientes. Ao invés, significa que elas devem continuar evoluindo quando necessário, a fim de seguir as demandas, evolução e transformação da sociedade. Portanto, o estudo interdisciplinar do direito e da economia, sob o ponto de vista comportamental e, no caso específico dos contratos de adesão, é relevante, pois ajuda a prever e compreender comportamentos e situações que podem ocorrer. Como afirmado por Becher (2007, p. 179), “[...] qualquer teoria geral e abordagem prática dos contratos de consumo deve levar em consideração os vieses cognitivos e os padrões comportamentais reais. Fazer o contrário seria inconcebível”. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Fernando. Introdução à economia. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2012. ARKES, Hal R.; BLUMER, Catherine. The psychology of sunk cost. Organizational Behavior and Human Decision Processes, New York, p. 124-140, 1985. Disponível em: Acesso em: 20 mar. 2017. BAKOS, Yannis; MAROTTA-WURGLER, Florencia; TROSSEN, David R. Does anyone read the fine print? Consumer attention to standard form contracts. New York University Law and Economics Working Papers, 1-2014. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2017. BECHER, Shmuel. Behavioral science and consumer standard form contracts. Louisiana Law Review, v. 68, n. 1, 2007. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2017. SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.31-54, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p31

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Scientia Iuris, Londrina, v. 21, n. 1, p.31-54, mar. 2017. DOI: 10.5433/2178-8189.2017v21n1p31. ISSN: 2178-8189. Recebido em: 20/07/2016 Aprovado em: 17/03/2017

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